quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Friedrich Hegel – Dialética, Consciência & Individualidade.

O mal não é outra coisa  que a não-conformidade do ser ao dever-ser”. Friedrich Hegel

         Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) nasceu em Stuttgart, Alemanha, no  dia 27 de agosto de 1770. Recebeu esmerada educação cristã. Em 1788 ingressou no seminário de Tübingen, que cursou durante cinco anos a fim de se preparar para receber ordens. Foi colega de classe do poeta Friedrich Hölderlin (1779-1843) e do filósofo Joseph Schelling (1775-1854), que partilhavam sua admiração pela tragédia grega e pelos ideais da clássica Revolução Francesa. Os primeiros escritos de Hegel versaram sobre assuntos teológicos, mas ao concluir o curso, Hegel não seguiu a carreira eclesiástica, preferiu se dedicar ao estudo da literatura e da filosofia grega. Em 1796 mudou-se para Frankfurt, onde Hölderlin lhe conseguiu um lugar de preceptor. Em 1801 habilitou-se Livre-Docente na Universidade Friedrich Schiller de Jena (Friedrich-Schiller-Universität Jena) situada na cidade de Jena (cf. Crissiuma, 2017), na Turíngia no centro do país. É uma das dez universidades mais antigas da Alemanha, estabelecida no ano de 1558 segundo os planos do príncipe João Frederico I da Saxônia. O auge da sua reputação ocorreu exatamente sob os auspícios do duque Carlos Augusto, patrono do escritor Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), autor do clássico Fausto, poema trágico, obra prima da literatura, quando Fichte, Hegel, Schelling, Friedrich von Schlegel (1772-1829) e Friedrich Schiller faziam parte do corpo docente. Ainda no seminário de Tübingen, escreveu com dois outros renomados colegas, os filósofos Friedrich Schelling e Friedrich Hölderlin, o que chamaram de “o mais antigo programa de sistema do idealismo alemão”. 

       Desenvolveu um sistema filosófico que denominou “Idealismo Absoluto”, uma filosofia capaz de compreender discursivamente o Absoluto. Entre 1807 e 1808 dirigiu um jornal em Bamberg. Entre 1808 e 1816 foi diretor do ginásio de Nuremberg. Em 1816 tornou-se professor da Universidade de Heidelberg. A Universidade de Heidelberg, ou, nas suas formas portuguesas, de Heidelberga ou de Edelberga, oficialmente denominada Universidade de Heidelberg Ruprecht Karl (Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg, em alemão), é uma universidade pública alemã, das mais prestigiadas universidades do país. Está estabelecida na cidade de Heidelberg, no estado de Baden-Württemberg. Foi fundada em 1386, tendo sido a terceira universidade estabelecida no Sacro Império. Seu nome latino é Ruperto Carola Heidelbergensis. Estudantes do sexo feminino passaram a ser admitidas em 1899. A Universidade é constituída de doze faculdades e oferece programas de graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado em cerca de 100 disciplinas, integrando o Grupo Coimbra A universidade, criada por Ruperto I, Eleitor do Palatinato, quando Heidelberg era a capital do Palatinado, e tornou-se um centro de teólogos e especialistas em leis no Sacro Império. Durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) a universidade entrou em decadência financeira e intelectual, e só viria a se recuperar no início do século XIX, aderindo ao pensamento democrático e de intelectuais humanistas independentes, tendo sido adotada como modelo para universidades norte-americanas.

         Não queremos perder de vista que O Mais Antigo Sistema do Idealismo Alemão é um ensaio de 1796/1797, de autoria desconhecida, possivelmente escrito por Friedrich Schelling, Georg Wilhelm Friedrich Hegel ou Friedrich Hölderlin. O documento foi publicado pela primeira vez (em alemão) por Franz Rosenzweig, que o designou como Das älteste Systemprogramm des deutschen Idealismus. Embora o documento tenha a caligrafia de Hegel, especula-se se terá sido escrito por Hegel, Schelling, Hölderlin ou uma quarta pessoa desconhecida. Yves Bonnefoy considera que foi “certamente inspirado por Hölderlin”. Segundo Glenn Magee, a maioria dos peritos em Hegel considera-o o autor. No entanto, várias das ideias defendidas no ensaio (como o desaparecimento do Estado ou a supremacia da poesia no universo intelectual) parecem contraditórias com a filosofia hegeliana. Schelling, Hegel, e Hölderlin eram colegas de turma e de dormitório em Tübinger Stift, o seminário da Universidade de Tubinga, e eram reconhecidos magistralmente como os “Três de Tubinga”. Hegel e Hölderlin tinham 27 anos, e Schelling 22 anos.

Em 1818 em Berlim, quando ocupou a cátedra de filosofia, período em que encontra a expressão definitiva de suas concepções estéticas e religiosas. Tinha grande talento pedagógico, mas considerado mau orador, pois usava terminologias pouco usadas que dificultavam sua interpretação. Exerceu enorme influência em seus discípulos que dominaram as universidades da Alemanha. Logo passou a ser o filósofo oficial do rei da Prússia (cf. Wickert, 2013). Friedrich Hegel descreve sua concepção filosófica, no prefácio a uma de suas mais célebres obras, a Fenomenologia do Espírito (1807).  O prólogo é posterior à redação da obra. Foi escrito, passado já o tempo, quando o próprio Hegel pode tomar consciência de seu avanço e sua descoberta (cf. Silva, 2017). Tinha como objetivo assegurar o ligamento entre a Fenomenologia, a qual só aparece como a primeira parte da ciência, e a Lógica que, situando-se em uma perspectiva distinta da adotada pela Fenomenologia, deve constituir o primeiro momento abstrato de uma Enciclopédia. Explica-se que neste prólogo que é algo assim, comparativamente, como um gonzo entre a subjetividade da Fenomenologia e a objetividade Lógica, Hegel se sentira fundamentalmente preocupado em representar uma ideia geral de todo o seu sistema filosófico.

Isto é, segundo sua concepção que só deve ser justificada pela apresentação do próprio sistema, tudo decorre de entender e exprimir o verdadeiro não como substância, mas precisamente como sujeito. A substância viva é o ser, que na verdade é sujeito, ou que é na verdade efetivo, mas só na medida em que é o movimento do pôr-se-a-si-mesmo, ou a mediação consigo mesmo do tornar-se outro. Como sujeito, é a negatividade pura e simples, e justamente por isso é o fracionamento do simples ou a duplicação oponente, que é de novo a negação dessa diversidade indiferente e de seu oposto. Só essa igualdade reinstaurando-se, ou só a reflexão em si mesmo no seu ser-Outro, é que são o verdadeiro; e não uma unidade originária enquanto tal, ou uma unidade imediata enquanto tal. O verdadeiro é o vir-a-ser de si mesmo, o círculo que pressupõe seu fim como sua meta, ipso facto sua antítese, que o tem como princípio, e que só é efetivo mediante sua atualização e seu fim. Friedrich Hegel era crítico das filosofias claras e distintas, uma vez que, para ele, o negativo era constitutivo da ontologia. Neste sentido, a clareza não seria adequada para conceituar o próprio objeto. Introduziu um sistema de pensamento para compreender a história da filosofia e do mundo (cf. Hyppolite, 1974; Labarriére, 1975) chamado geralmente dialética: uma progressão no âmbito da história e sociedade na qual cada movimento sucessivo surge, pois, como solução das contradições inerentes ao movimento anterior.

Desta forma, a Introdução (Eileintung) à Fenomenologia foi concebida ao mesmo tempo em que a obra é redatada em primeiro termo; parece, pois, que encerra o substancial pensamento do que é efetivo em  toda a obra. Verdadeiramente constitui uma Introdução em sentido literal aos três primeiros momentos de toda a obra, isto é: a consciência, a autoconsciência e a razão -, enquanto a última parte da Fenomenologia, que contêm os particularmente importantes desenvolvimentos sobre o Espírito e a Religião, ultrapassa por seu conteúdo a Fenomenologia tal como é definida stricto sensu na muito citada Introdução. Ao que parece é como se Hegel entrasse no marco de desenvolvimento fenomenológico com algo que na teoria, em princípio não deveria haver ocupado um posto nele. Não obstante, seu estudo, em maior medida que o do prólogo, nos permitirá elucidar o sentido da obra que Hegel quis escrever, assim como a técnica que para ele representa o desenvolvimento fenomenológico. Precisamente porque a Introdução não é como um Prólogo anexo posterior que contêm consideráveis informações gerais sobre o objetivo que se propunha o autor e as relações que sua obra tem com outros tratados filosóficos do mesmo tema. Ao contrário, de acordo com Hyppolite (1974), “a introdução é parte integrante da obra, constitui o delineamento mesmo do problema e determina os meios postos em prática para resolvê-lo”.

Em primeiro lugar, Hegel define na Introdução como se coloca para ele o problema do conhecimento. Vemos como em certo aspecto retorna ao ponto de vista de Kant e de Fichte. A Fenomenologia não é uma noumenologia nem uma ontologia, mas segue sendo todavia um conhecimento do Absoluto, pois, que outra coisa poderia conhecer se só o Absoluto é verdadeiro, ou só o verdadeiro é Absoluto? Não obstante, em vez de apresentar o saber do Absoluto “em si para si”, Hegel considera o saber tal como é na consciência e precisamente desde esse saber fenomênico, mediante sua autocrítica, é como ele se eleva ao saber absoluto. Em segundo lugar, Hegel define a Fenomenologia como desenvolvimento e cultura, no sentido de seu progressivo afinamento da consciência natural acerca da ciência, isto é o saber filosófico, o saber do Absoluto; por sua vez indica a necessidade de uma evolução. Em último lugar, Hegel precisa a técnica teórica do desenvolvimento fenomenológico e em que sentido este método é precisamente obra própria da consciência que faz sua aparição na experiência, em que sentido é suscetível de ser repensado em sua necessidade pela filosofia. A lei cujo desenvolvimento necessário engendra todo o universo é a da dialética, segundo a qual toda ideia abstrata, a começar pela de ser, considerada no seu estado de abstração, afirma necessariamente a sua negação, a sua antítese, de modo que esta contradição exige para se resolver a afirmação de uma síntese mais compreensiva que constitui uma nova ideia, rica em desenvolvimento, ao mesmo tempo, do conteúdo das duas outras.

Na Introdução à Fenomenologia Hegel repete suas críticas a uma filosofia que não fosse mais que teoria do conhecimento. E não obstante, a Fenomenologia, como têm assinalado quase todos os seus expressivos comentaristas, marca em certos aspectos um retorno ao ponto de vista de Kant e de Fichte (cf. Salvadori, 2014). Em que novo sentido devemos entendê-lo? Ora, se o saber é um instrumento, modifica o objeto a conhecer e não nos apresenta em sua pureza; se for um meio tampouco, nos transmite a verdade sem alterá-la de acordo com a própria natureza do meio interposto. Se o saber é um instrumento, isto supõe que o sujeito do saber e seu objeto se encontram separados; por conseguinte, o Absoluto seria distinto do conhecimento: nem o Absoluto poderia ser saber de si mesmo, nem o saber, fora da relação dialética,  poderia ser saber do Absoluto. Contra tais pressupostos a existência mesma da ciência filosófica, que conhece efetivamente, é já uma afirmação. Não obstante, esta afirmação não poderia bastar porque deixa a margem a afirmação de outro saber; é precisamente esta dualidade o que reconhecia Schelling quando opunha o saber fenomênico e o saber absoluto, mas não demonstrava os laços entre um e outro. Uma vez colocado o saber absoluto não se vê como é possível no saber fenomênico, e o saber fenomênico por sua parte fica igualmente separado do saber Absoluto. Hegel retorna ao saber fenomênico, ao saber típico da consciência comum, e pretende demonstrar como aquele conduz necessariamente ao saber Absoluto, ou também que ele mesmo é um saber absoluto que todavia não se sabe como tal.

Não apenas Fichte, mas o próprio Schelling, adverte Hösle (2007), tampouco satisfaz a exigência de uma estrutura de sistema que retorna a si mesma, pois o dualismo fichteano do eu e Não-Eu perdura, em última análise, no primeiro projeto resumido de sistema, no Sistema do idealismo transcendental. Segundo ele,  a filosofia tem, com efeito, duas partes – filosofia natural e filosofia transcendental, a qual, por sua vez, contém, entre outras coisas, filosofia prática e filosofia teórica. Schelling argumenta do seguinte modo: já que o saber seria unidade de subjetividade e objetividade, o ponto de partida da filosofia teria de ser ou o objetivo (a natureza) ou o subjetivo (a inteligência). Naquele caso, surgiria a filosofia da natureza; neste, a filosofia transcendental. No entanto, o objetivo de cada uma dessas duas ciências seria avançar na direção da outra – portanto, de um lado, “partindo da natureza chegar ao inteligente”, e, de outro, partindo do subjetivo, “fazer surgir dele o objetivo”. Esta afirmação apenas poderia fazer sentido se para Hösle, com ela se tivesse em mente que a inteligência tem de objetivar e naturalizar em atos práticos e estéticos, como Schelling tenta demonstrar no Sistema.  A segunda falha resulta da primeira. Schelling conhece, em última instância, apenas duas esferas da filosofia, as quais, na terminologia de Hegel, pertencem ambas à filosofia da realidade. Aquela estrutura que precede à ambas e que Hegel tematiza na Ciência da Lógica não tem lugar neste projeto de sistema de Schelling. É fácil ver que não se pode um renunciar a ela, e por três motivos.   

Em segundo lugar, somente desse modo se pode compreender porque ambas as partes são momentos de uma unidade. Não basta afirmar sua relação mútua, é preciso explicitar estruturas ontológicas gerais que subjazem de igual modo à natureza e à inteligência. Em segundo lugar, somente desse modo se pode tornar plausível a dependência da natureza em relação a uma esfera ideal. E, em terceiro lugar, uma filosofia natural e uma filosofia transcendental apriorísticas são inconcebíveis sem essa esfera abrangente, pois a partir de que deveriam  ser fundamentadas as primeiras suposições de ambas as filosofias da realidade? Depois de se desfazer do “resto de fichteanismo”, ainda reconhecível sobretudo na execução do Sistema do idealismo transcendental, Schelling introduziu na Apresentação, como base destas duas ciências, o Absoluto, e o definiu como identidade de subjetividade e objetividade. No entanto, não se pode deixar de ver um limite na doutrina schellinguiana do absoluto que representa um retrocesso, ficando, no mínimo, aquém de Fichte e, em certo sentido, até mesmo aquém de Kant: as categorias analíticas que Schelling utiliza para a caracterização do Absoluto são catadas e, de modo algum deduzidas do próprio Absoluto. Unidade, identidade, infinitude são determinações que Schelling toma da tradição e que, em primeiro lugar, ele não legitima em si e por si – ele apenas mostra que em sua utilização de mera identidade, antes elas que seu contrário conviriam ao absoluto, o qual é entendido como unidade de subjetividade e objetividade, e que em segundo lugar, ele nem sequer põe em um nexo causal ordenado.

Simplificadamente, segundo Vittorio Hösle (2007), o sistema pensamento de Hegel pode ser representado da seguinte forma: 1) o princípio supremo da filosofia transcendental tem de ser, com Fichte, uma estrutura iniludível e que fundamente a si mesma reflexivamente. 2) no entanto, esse princípio não pode ter nada perante si, se quer ser absoluto; sendo determinado como subjetividade, ele não pode, portanto, ser subjetividade finita, mas tem de ser com Schelling, unidade de subjetividade e objetividade ou, em terminologia hegeliana, ideia. 3) com o reconhecimento, porém, de que o Absoluto é unidade de subjetividade e objetividade, a filosofia ainda não está concluída. Antes, trata-se decisivamente de explodir o caráter pontual desse conhecimento, por quatro motivos: a) a estrutura absoluta não pode ser posta imediatamente, pois então ela mesma seria, na verdade,  uma mera abstração, da qual nada decorreria; b) apenas assim pode-se alcançar uma prova da absolutidade dessa estrutura. Mas então é necessária uma prova, mas de um modo necessariamente diferente de como elas mesmas são pressupostas pela ideia absoluta, se é que o círculo deve ser evitado; c) a determinação da exata relação entre “lógica” e “metafísica”, isto e´, entre a doutrina das categorias finitas e a ciência do princípio absoluto, é o problema  para o qual em Jena, pelo fim de sua temporada Friedrich Hegel, conseguiu encontrar uma solução que o satisfizesse até o final de sua vida, enquanto, para a maior parte das demais estruturas fundamentais de sua filosofia , ele chegou bem mais cedo a respostas que sustentou até a Enciclopédia. A ideia Absoluta origina, não apenas as categorias lógicas anteriores a ela, por meio das quais ela mesma é constituída, sem abdicar da centralidade de seu sistema, ela mesma é constituída em termos de origem assimétrica. Para resolver esse problema, oferece-se propriamente apenas um caminho. O espírito assim, reconhece Hegel já cedo contra Schelling - tem de estar acima da natureza, a qual tem de corresponder às categorias deficientes da Ciência da Lógica.      

Friedrich Hegel que parte da análise da consciência comum, não podia situar como princípio primeiro uma dúvida universal que só é própria da reflexão filosófica. Por isso mesmo ele segue o caminho aberto pela consciência e a história detalhada de sua formação. Ou seja, a Fenomenologia vem a ser uma história concreta da consciência, sua saída da caverna e sua ascensão à Ciência. Daí a analogia que em Hegel existe de forma coincidente entre a história da filosofia e a história do desenvolvimento do pensamento, mas este desenvolvimento é necessário, como força irresistível que se manifesta lentamente através dos filósofos, que são instrumentos de sua manifestação. Assim, preocupa-se apenas em definir os sistemas, sem discutir as peculiaridades e opiniões dos diferentes filósofos. Na determinação do sistema, o que o preocupa é a categoria fundamental que determina o todo complexo do sistema, e o assinalamento das diferentes etapas, bem como as vinculasses destas etapas que conduzem à síntese do espírito absoluto. Para compreender o sistema é necessário começar pela representação, que ainda não sendo totalmente exata permite, no entender de sua obra a seleção de afirmações e preenchimento do sistema abstrato de interpretação do método dialético,  para poder alcançar a transformação da representação numa noção clara e exata.

Assim, temos a passagem da representação abstrata, para o conceito claro e concreto através do acúmulo de determinações. Aquilo que por movimento dialético separa e distingue perenemente a identidade e a diferença, sujeito e objeto, finito e infinito, é a alma vivente de todas as coisas, a Ideia Absoluta que é a força geradora, a vida e o espírito eterno. Mas a Ideia Absoluta seria uma existência abstrata se a noção de que procede não fosse mais que uma unidade abstrata, e não o que é em realidade, isto é, a noção que, por um giro negativo sobre si mesma, revestiu-se novamente de forma subjetiva. Metodologicamente a determinação mais simples e primeira que o espírito pode estabelecer é o Eu, a faculdade de poder abstrair todas as coisas, até sua própria vida. Chama-se idealidade precisamente esta supressão da exterioridade. Entretanto, o espírito não se detém na apropriação, transformação e dissolução da matéria em sua universalidade, mas, enquanto consciência religiosa, por sua faculdade representativa, penetra e se eleva através da aparência dos seres até esse poder divino, uno, infinito, que conjunta e anima interiormente todas as coisas, enquanto pensamento filosófico, como princípio universal, a ideia eterna que as engendra e nelas se manifesta. Isto quer dizer que o espírito finito se encontra inicialmente numa união imediata com a natureza, a seguir em oposição com esta e finalmente em identidade com esta, porque suprimiu a oposição e voltou a si mesmo e, consequentemente, o espírito finito é a ideia, mas ideia que girou sobre si mesma e que existe por si em sua própria realidade.

A Ideia absoluta que para realizar-se colocou como oposta a si, à natureza, produz-se através dela como espírito, que através da supressão de sua exterioridade entre inicialmente em relação simples com a natureza, e, depois, ao encontrar a si mesma nela, torna-se consciência de si, espírito que conhece a si mesmo, suprimindo assim a distinção entre sujeito e objeto, chegando assim a Idéia a ser por si e em si, tornando-se unidade perfeita de suas diferenças, sua absoluta verdade. Com o surgimento do espírito através da natureza abre-se a história da humanidade e a história humana é o processo que medeia entre isto e a realização do espírito consciente de si. A filosofia hegeliana centra sua atenção sobre esse processo e as contribuições mais expressivas de Hegel ocorrem precisamente nesta esfera, do espírito. Melhor dizendo, para Hegel, à existência na consciência, no espírito chama-se saber, conceito pensante. O espírito é também isto: trazer à existência, isto é, à consciência. Como consciência em geral tenho eu um objeto; uma vez que eu existo e ele está na minha frente. Mas enquanto o Eu é o objeto de pensar, é o espírito precisamente isto: produzir-se, sair fora de si, saber o que ele é. Nisto consiste a grande diferença: o homem sabe o que ele é. Logo, em primeiro lugar, ele é real. Sem isto, a razão, a liberdade não são nada.

O homem é essencialmente razão. O homem, a criança, o culto e o inculto, é razão. Ou melhor, a possibilidade para isto, para ser razão, existe em cada um, é dada a cada um. A razão não ajuda em nada a criança, o inculto. É somente uma possibilidade, embora não seja uma possibilidade vazia, mas possibilidade real e que se move em si. Assim, por exemplo, dizemos que o homem é racional, e distinguimos muito bem o homem que nasceu somente e aquele cuja razão educada está diante de nós. Isto pode ser expresso também assim: o que é em si, tem que se converter em objeto para o homem, chegar à consciência; assim chega para ele e para si mesmo. A história para Hegel, é o desenvolvimento do Espírito no tempo, assim como a Natureza é o desenvolvimento da ideia no espaço. Deste modo o homem se duplica. Uma vez, ele é razão, é pensar, mas em si: outra, ele pensa, converte este ser, seu em si, em objeto do pensar. Assim o próprio pensar é objeto, logo objeto de si mesmo, então o homem é por si. A racionalidade produz o racional, o pensar produz os pensamentos. O que o ser em si é se manifesta no ser por si. Todo conhecer, todo aprender, toda visão, toda ciência, inclusive toda atividade humana, não possui nenhum outro interesse além do aquilo que filosoficamente é em si, no interior, podendo manifestar-se desde si mesmo, produzir-se, transformar-se objetivamente. Nesta diferença se descobre toda a diferença na história do mundo. Os homens são todos racionais. O formal desta racionalidade é que o homem seja livre. Esta é a sua natureza. Isto pertence à essência do homem: a liberdade.

O europeu sabe de si, afirma Hegel, é objeto de si mesmo. A determinação que ele conhece é a liberdade. Ele se conhece a si mesmo como livre. O homem considera a liberdade como sua substância. Se os homens falam mal de conhecer é porque não sabem o que fazem. Conhecer-se, converter-se a si mesmo no objeto (do conhecer próprio) e o fazem relativamente poucos. Mas o homem é livre somente se sabe que o é. Pode-se também em geral falar mal do saber, como se quiser. Mas somente este saber libera o homem. O conhecer-se é no espírito a existência. Portanto isto é o segundo, esta é a única diferença da existência (Existenz) a diferença do separável. O Eu é livre em si, mas também por si mesmo é livre e eu sou livre somente enquanto existo como livre. A terceira determinação é que o que existe em si, e o que existe por si são somente uma e mesma coisa. Isto quer dizer precisamente evolução. O em si que já não fosse em si seria outra coisa. Por conseguinte haveria ali uma variação, mudança. Na mudança existe algo que chega a ser outra coisa. Na evolução, em essência, podemos também sem dúvida falar da mudança, mas esta mudança deve ser tal que o outro, o que resulta, é ainda idêntico ao primeiro, de maneira que o simples, o ser em si não seja negado.

Para Friedrich Hegel a evolução não somente faz aparecer o interior originário, exterioriza o concreto contido já no em si, e este concreto chega a ser por si através dela, impulsiona-se a si mesmo a este ser por si. O espírito abstrato assim adquire o poder concreto da realização. O concreto é em si diferente, mas logo só em si, pela aptidão, pela potência, pela possibilidade. O diferente está posto ainda em unidade, ainda não como diferente. É em si distinto e, contudo, simples. É  em si mesmo contraditório. Posto que é através desta contradição impulsionado da aptidão, deste este interior à qualidade, à diversidade; logo cancela a unidade e com isto faz justiça às diferenças. Também a unidade das diferenças ainda não postas como diferentes é impulsionada para a dissolução de si mesma. O distinto (ou diferente) vem assim a ser atualmente, na existência. Porém do mesmo modo que se faz justiça à unidade, pois o diferente que é posto como tal é anulado novamente. Tem que regressar à unidade; porque a unidade do diferente consiste em que o diferente seja um. E somente por este movimento é a unidade verdadeiramente concreta. É algo concreto, algo distinto. Entretanto contido na unidade, no em si primitivo. O gérmen se desenvolve assim, não muda. Se o gérmen fosse mudado desgastado, triturado, não poderia evoluir. Na alma, enquanto determinada como indivíduo, as diferenças estão enquanto mudanças que se dão no indivíduo, que é o sujeito uno que nelas persiste e, segundo Hegel, enquanto momentos do seu desenvolvimento. 

Por serem elas diferenças, à uma, físicas e espirituais, seria preciso, para determinação ou descrição mais concreta, antecipar a noção do espírito cultivado. As diferenças são: 1) curso natural das idades da vida, desde a criança, desde a criança, o espírito envolvido em si mesmo – passando pela oposição desenvolvida, a tensão de uma universalidade ela mesma ainda subjetiva em contraste com a singularidade imediata, isto é, como o mundo presente, não conforme a tais ideais, e a situação que se encontra, em seu ser-aí para esse mundo, o indivíduo que, de outro lado, está ainda não-autônomo e em si mesmo não está pronto (o jovem) – para chegar à relação verdadeira, ao reconhecimento da necessidade e racionalidade objetivas do mundo já presente, acabado; em sua obra, que leva a cabo por si e para si, o indivíduo retira, por sua atividade, uma confirmação e uma parte, mediante a qual ele é algo, tem uma presença efetiva e um valor objetivo (homem); até a plena realização da unidade com essa objetividade do conhecer: unidade que, enquanto real, vem dar na inatividade da rotina que tira o interesse, enquanto ideal se liberta dos interesses mesquinhos é das complicações do presente exterior (o ancião).                 

O espírito manifesta aqui sua independência da própria corporalidade, em poder desenvolver-se antes que nela torne. Com frequência, crianças têm demonstrado um desenvolvimento espiritual que vai muito mais rápido que sua formação corporal. Esse foi o caso histórico, sobretudo em talentos artísticos indiscutíveis, em particular no gênios da música. Também em relação ao fácil apreender de variados conhecimentos, especialmente na disciplina matemática; e tal precocidade tem-se mostrado não raramente também em relação a um raciocínio de entendimento, e mesmo sobre objetos éticos e religiosos. O processo de desenvolvimento do indivíduo humano natural decompõe-se então em uma série de processos, cuja diversidade se baseia sobre a relação do indivíduo para com  o gênero, e funda a diferença da criança, do homem e do ancião. Essas diferenças são as apresentações das diferenças do conceito. A idade da infância é o tempo da harmonia natural, da paz do sujeito consigo mesmo e com o mundo. Um começo tão sem-oposição quanto a velhice é um fim sem-oposição. As oposições que surgem ficam sem interesse mais profundo. A criança vive na inocência, sem sofrimento durável; no amor aos seus pais, e no sentimento de ser amado por eles.

Na Roma antiga, o gênio representava o espírito ou guia de uma pessoa, ou mesmo de uma gens inteira. Um termo relacionado é genius loci, o espírito de um local específico. Por contraste a força interior que move todas as criaturas viventes é o animus. Um espírito específico ou daimon pode habitar uma imagem ou ícone, dando-lhe poderes sobrenaturais. Gênios são dotados de excepcional brilhantismo, mas frequentemente também são insensíveis às limitações da mediocridade bem como são emocionalmente muito sensíveis, algumas vezes ambas as coisas. O termo prodígio indica simplesmente a presença de talento ou “gênio excepcional” na primeira infância. Os termos prodígio e criança prodígio são sinônimos, sendo o último um pleonasmo. Deve-se ter em consideração que é perigoso tomar como referência as pontuações em testes aplicados de QI quando se deseja fazer um diagnóstico razoavelmente correto de genialidade. Há que se levar em consideração que em todos as pontuações, e em todas as medidas, existe uma incerteza inerente, bem como os resultados obtidos nos testes representam a performance alcançada por uma pessoa em determinadas condições, não refletindo necessariamente toda a capacidade da pessoa em condições ideais. A contribuição histórica e cultura dos filósofos pré-socráticos à matemática, enquanto ciência, não são discutíveis e em grande parte fruto de tradição bem documentada.

As mais antigas evidências concretas sobre as atividades de um matemático propriamente dito referem-se a Hipócrates de Quios. Nossos conhecimentos sobre Hipócrates de Quios e outros matemáticos baseiam-se em fragmentos de suas obras e em tradições conservadas nos séculos posteriores. O mais antigo tratado matemático que chegou até nós é o Da Esfera Móvel, um estudo a respeito do valor piramidal da esfera. Dos matemáticos posteriores restam-nos diversas obras de valor desigual, dentre as quais se destaca Os Elementos, de Euclides, cuja influência persiste analiticamente. O interesse pela história da Matemática iniciou, também, na Grécia Antiga. Eudemo de Rodes um dos discípulos de Aristóteles escreveu consecutivas histórias da aritmética, da geometria e da astronomia, mas que infelizmente não foram conservadas. Durante o período greco-romano o matemático Papo de Alexandria representa um relato etnográfico sistemático da obra de seus predecessores, desde Euclides até Esporo de Niceia. Há também extensas notas explicativas sobre vários temas matemáticos e valiosas introduções aos diversos livros, nas quais Papo de Alexandria resume o tema geral e os assuntos técnico-metodológicos a serem tratados. Notabilizou-se por ser pai da filosofa Hipátia e por produzir em 390 uma versão mais elaborada da obra Os Elementos de Euclides que sobreviveu aos dias atuais. Dentre suas obras está uma que faz considerações sobre um eclipse solar em Alexandria. A mobilidade social trouxe a Atenas Hipócrates de Quios, no século V a. C., o primeiro autor de uma compilação de Elementos, em que parecem já figurar investigações ligadas à resolução do problema de Delos sobre a duplicação do cubo e à quadratura do círculo. Com a morte de Platão, seu discípulo, Têudio de Magnésia, escreveu nova compilação dos manuscritos Elementos.

Para que o gênio se manifeste num indivíduo, este indivíduo deve ter recebido como herança a soma de poder cognitivo que excede em muito o que é necessário para o serviço de uma vontade individual, segundo Schopenhauer (2001), é este excedente que, tornado livre, serve para constituir um objeto liberto de vontade, um claro espelho do ser do mundo. A través disto se explica a vivacidade que os homens de gênio desenvolvem por vezes até a turbulência: o presente raramente lhes chega, visto que ele não enche, de modo nenhum, a sua consciência; daí a sua inquietude sem tréguas; daí a sua tendência para perseguir sem cessar objetos novos e dignos de estudo, para desejar enfim, quase sempre sem sucesso, seres que se lhes assemelham, que estejam à sua medida e que os possam compreender. O homem comum, plenamente farto e satisfeito com a rotina atual, aí se absorve; em todo lado encontra seus iguais; daí essa satisfação particular que experimenta no curso da vida e que o gênio não conhece. - Quis-se ver na imaginação filosófica um elemento essencial do gênio, o que é bastante legítimo; quis-se mesmo identificar os dois, mas isso é um erro. O fato social e dinâmico é que, seja em que medida for, o certo é o incerto e o incerto a estrada reta.

O objeto ser/compreender do gênio, considerado como tal, são as ideias eternas, as formas persistentes e essenciais do mundo e de todos os seus fenômenos. Onde reina só a imaginação, ela empenha-se em construir castelos no ar a lisonjear o egoísmo e o capricho pessoal, a enganá-los momentaneamente e a diverti-los; mas neste caso, conhecemos sempre, para falar com propriedade, apenas as relações das quimeras assim combinadas. Talvez ponha por escrito os sonhos da sua imaginação: é daí que nos vêm esses romances ordinários, de todos os gêneros, que fazem a alegria do grande público e das pessoas semelhantes aos seus atores, visto que o leitor sonha que está no lugar do herói, e acha tal representação bastante agradável.  A história da matemática é uma área de estudo dedicada à investigação sobre a origem das descobertas da matemática e, em uma menor extensão, à investigação dos métodos matemáticos e aos registros etnográficos ou notações matemáticas do passado. A matemática islâmica, por sua vez, desenvolveu e expandiu a matemática conhecida destas civilizações. Muitos textos gregos e árabes sobre matemática foram então traduzidos ao Latim, o que contribuiu com o desenvolvimento da matemática na Europa medieval. Dos tempos antigos à Idade Média, a eclosão da criatividade matemática foi frequentemente por séculos de estagnação. Começando no Renascimento e a partir daí a revelação de novos talentos e progressos técnicos da matemática, interagindo com as descobertas científicas, realizados de forma crescente, continuando decerto sem paixão.

Deve ser suprassumida como essa unidade imediata do indivíduo com seu gênero e com o mundo em geral; é preciso que o indivíduo progrida a ponto de se contrapor ao universal, como a Coisa assente-para-si, pronto e subsistente; e de apreender-se em sua autonomia. Essa autonomia, essa oposição, primeiro se apresenta em uma figura tão unilateral quanto, na criança, a unidade do subjetivo e do objetivo. O jovem desagrega a ideia efetivada no mundo, de modo a atribuir-se a si mesmo a determinação do substancial: o verdadeiro e o bem; e atribui ao mundo, pelo contrário, a determinação do contingente, do acidental. Não se pode ficar nessa oposição não-verdadeira: o jovem deve, antes, elevar-se acima da dela à inteligência de que, ao contrário, deve-se considerar o mundo como o substancial, e o indivíduo, inversamente, só como um acidente; e que portanto o homem só pode encontrar sua ativação e contentamento essenciais no mundo que se lhe contrapõe firmemente, que segue seu curso com autonomia; e que, por esse motivo, deve conseguir a aptidão necessária para a Coisa. Chagado a esse ponto de vista, o jovem tornou-se homem. Pronto em si mesmo, o homem considera também a ordem ética do mundo não como a ser produzida só por ele, mas como uma ordem pronta, no essencial. Assim ele é ativo pela Coisa, não contra ela; assim se mantém elevado, acima da subjetividade unilateral do jovem, no ponto de vista da espiritualidade objetiva. A velhice, ao contrário,  é o retorno ao desinteresse pela Coisa; o ancião habituou-se a viver dentro da Coisa, e por causa dessa unidade (que faz perder a oposição em relação à Coisa) renuncia à atividade de interesse por ela.

É bem verdade que a liberdade no pensamento tem somente o puro pensamento por sua verdade; e verdade sem a implementação da vida. Por isso, para Hegel, é ainda só o conceito da liberdade, não a própria liberdade viva. Com efeito, para ela a essência é só o pensar em geral, a forma coo tal, que afastando-se da independência das coisas retornou a si mesma. Mas porque a individualidade, como individualidade atuante, deveria representar-se como viva; ou, como individualidade pensante, captar o mundo vivo como um sistema de pensamento; então teria de encontrar-se no pensamento mesmo, para aquela expansão do agir, um conteúdo do que é bom, e para essa expansão do agir, um conteúdo do que é bom, e para essa expansão do pensamento, um conteúdo do que é verdadeiro. Com isso não haveria, absolutamente nenhum outro ingrediente,  naquilo que é para a consciência, a não ser o conceito que é a essência. Porém, aqui o conceito enquanto abstração, separando-se da multiplicidade variada das coisas, não tem conteúdo nenhum em si mesmo, exceto um conteúdo que lhe é dado. A consciência, quando pensa o conteúdo, o destrói como um ser alheio; mas o conceito é conceito determinado e justamente essa determinidade é o alheio que o conceito possui nele.  

Esta unidade do existente, o que existe, e do que é em si é o essencial da evolução. É um conceito especulativo, esta unidade do diferente, do gérmen e do desenvolvido. Ambas estas coisas são duas e no entanto uma. É um conceito da razão. Por isso só todas as outras determinações são inteligíveis, mas o entendimento abstrato não pode conceber isto. O entendimento fica nas diferenças, só pode compreender abstrações, não o concreto, nem o conceito. Resumindo, teremos uma única vida a qual está oculta. Mas depois entra na existência e separadamente, na multiplicidade das determinações, e que com graus distintos, são necessárias. E juntas de novo, constituem um sistema. Essa representação é uma imagem da história da filosofia. O primeiro momento era o em si da realização, e em si do gérmen etc. O segundo é a existência, aquilo que resulta. Assim, o terceiro é a identidade de ambos, mais precisamente agora o fruto da evolução, o resultado de todo este movimento. E a isto Hegel chama “o ser por si”. É o “por si” do homem, do espírito mesmo. Somente o espírito chega a ser verdadeiro por si, idêntico consigo. O que o espírito produz, seu objeto de pensamento, é ele mesmo. Ele é um desembocar em seu outro. O desenvolvimento do espírito é um desprendimento, um desdobrar-se, e por isso, ao mesmo tempo, um desafogo.

No que toca mais precisamente a um dos lados da educação, melhor dizendo, à disciplina, não se há de permitir ao adolescente abandonar-se a seu próprio bel-prazer; ele deve obedecer para aprender a mandar. A obediência é o começo de toda a sabedoria; pois, por ela, a vontade que ainda não conhece o verdadeiro, o objetivo, e não faz deles  o seu fim, pelo que ainda não é verdadeiramente autônoma e livre, mas, antes, uma vontade despreparada, faz que em si vigore a vontade racional que lhe vem de fora, e que pouco a pouco esta se torne a sua vontade. O capricho deve ser quebrado pela disciplina; por ela deve ser aniquilado esse gérmen do mal. No começo, a passagem de sua vida ideal à sociedade civil pode parecer ao jovem como uma dolorosa  passagem à vida de filisteu. Até então preocupado apenas com objetos universais, e trabalhando só para si mesmo, o jovem que se torna homem deve, ao entrar na vida prática, ser ativo para os outros e ocupar-se com singularidades, pois concretamente se se deve agir, tem-se de avançar em direção ao singular. Nessa conservadora produção e desenvolvimento do mundo consiste o trabalho do homem. Podemos, pois, de um lado dizer que o homem só produz o que já existe. É necessário que um progresso individual seja efetuado. Mas o progredir no mundo só ocorrer nas massas, e só se faz notar em uma grande somas de coisas produzidas. Ipso facto, a consciência moral não pode renunciar à felicidade.

E nem descartar de seu fim absoluto esse momento. O fim, como representação de um resultado, enunciado como puro dever, implica essencialmente nele que contém essa consciência singular. A convicção individual, e o saber a seu respeito, constituem um momento absoluto dessa moralidade. Esse momento no fim que se tornou objetivo, no dever cumprido, é a consciência singular que se intui como efetivada; ou seja, é o gozo. O gozo, por isso, reside no conceito da moralidade; de certo, não imediatamente, da moralidade considerada como disposição, mas só no conceito de sua efetivação. O fim como o todo, expresso com a consciência de seus momentos, consiste, pois, em que o dever cumprido seja tanto pura ação moral, quanto individualidade realizada; e que a natureza, como lado da singularidade , em contato com o fim abstrato, seja um com o fim. Aquele fim total, que a harmonia constitui, contém em si a efetividade mesma. Ao mesmo tempo, é o pensamento da efetividade. A harmonia da moralidade e da natureza, ou harmonia da moralidade e da felicidade – pois a natureza só é tomada em consideração enquanto a consciência experimenta a unidade com ela, é pensada como algo necessariamente essente, ou seja, é postulada. Com efeito, no trabalho, nessa condição humana, exigir significa que se pensa algo essente que ainda não é efetivo: uma necessidade não do conceito como conceito, mas do ser. A necessidade ao mesmo tempo, essencial, a relação através do conceito.

O ser exigido não pertence assim ao representar  da consciência contingente, senão que reside no conceito da moralidade mesma, cujo verdadeiro conteúdo é a unidade da consciência pura e consciência singular. À essa última compete que essa unidade  seja para ela como uma efetividade; o que no conteúdo do fim é felicidade, mas, na sua forma, é ser-aí em geral. Este ser-aí exigido, ou a unidade articulada dos dois, não é por isso um desejo, ou – considerado como fim – não é um fim cuja obtenção seria ainda incerta, mas é uma exigência da razão; ou seja, é imediata certeza e pressuposição da razão mesma. Nesse conflito entre a razão e a sensibilidade, a essência para a razão, é que o conflito sociologicamente se resolva; e que emerja, como resultado, a unidade dos dois – que não é a unidade originária em que ambos estão em um indivíduo só, mas uma unidade que procede da conhecida oposição dos dois. Tal unidade somente é a moralidade efetiva porque nela está contida a oposição pela qual o Si é consciência – ou só agora é efetivo; e de fato, é Si e ao mesmo tempo, universal. Ou seja, está aí expressa aquela mediação que, como vimos, é essencial à moralidade.

Como, comparativamente entre os dois momentos da oposição, a sensibilidade é simplesmente o ser-outro ou o negativo – e ao contrário, o puro pensar do dever é a essência da qual nada se pode abandonar – parece que a unidade resultante só pode efetuar-se mediante o suprassumir da sensibilidade. Como ela mesma é um momento desse vir-a-ser – o momento da efetividade – assim há que contentar-se por enquanto, no que respeita à unidade, com a expressão de que “a sensibilidade é conforme à moralidade”. A consciência mesma tem de efetuar essa harmonia, e de fazer sempre progressos na moralidade. Mas a perfeição dessa harmonia tem de ser remetida ao infinito, pois se ela efetivamente ocorresse, a consciência moral se suprimiria. A perfeição, portanto, não há que atingi-la efetivamente, mas só há que pensa-la como uma tarefa absoluta, isto é, como uma tal que permanece tarefa, pura e simplesmente. No entanto há que pensar, ao mesmo tempo simular, o conteúdo dessa tarefa como um conteúdo que simplesmente deva ser, e que não permaneça apenas tarefa; quer se represente, ou não, a consciência totalmente abolida. Pela consideração de que a moralidade consumada encerra uma contradição, se lesaria a santidade da essencialidade moral no sentido antropológico, e o dever absoluto pareceria como algo inefetivo.    

Bibliografia geral consultada.

HYPPOLITE, Jean, Genesis y Estructura de la Fenomenología del Espíritu de Hegel. Barcelona: Ediciones 62, 1974; LABARRIÉRE, Pierre-Jean, Structures et Mouvement Dialectique dans la Phénoménologie de L’Esprit de Hegel. Paris: Éditions Aubier, 1975; GALÁN, Ilia, “Análisis Critico de la Bibliografía Española de Fi W. J. Schelling”. In: Revista General de Información y Documentación, Vol. 8, n° 2, 1998: 273-283; GADAMER, Hans-Georg, La Dialéctica de Hegel. Cinco Ensayos Hermenéuticos. 5ª edición. Madrid: Ediciones cátedra, 2000; HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich, Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio (1830).Volume III – A Filosofia do Espírito. São Paulo: Editora Loyola, 1995; Idem, Fenomenologia do Espírito. 4ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2007;  HÖSLE, Vittorio, O Sistema de Hegel. O Idealismo da Subjetividade e o Problema da Intersubjetividade. São Paulo: Editora Loyola, 2007; PINKARD, Terry, “Saber Absoluto: Por que a Filosofia é seu Próprio Tempo Apreendido no Pensamento”. In: Revista Eletrônica Estudos Hegelianos. Ano 7, nº13, dezembro - 2010: 07-23; NICOLAU, Marcos Fabiano Alexandre, O Conceito de Formação Cultural (Bildung) em Hegel. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira. Faculdade de Educação. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2013; SALVADORI, Mateus, Para Além da Justiça Formal: Hegel e o Formalismo Kantiano. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2014; CRISSIUMA, Ricardo, A Formação do Jovem Hegel (1770-1800): Do Esclarecimento do Homem Comum ao Carecimento da Filosofia. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2017; SILVA, Paulo Roberto Pinheiro da, O Paradoxo do Conhecimento Imediato ou o Desespero da Consciência Natural. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2017; SOUTO, Caio Augusto Teixeira, Georges Canguilhem. O Devir de um Pensamento. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Filosofia. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2019; ARAÚJO, Vitor Vasconcelos de, A Constituição da Subjetividade: Hegel e a Ordem das Sucessões Cumulativas. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2020; entre outros.

domingo, 20 de dezembro de 2020

Moraes Moreira, Novos Baianos, Música & Acabou Chorare!

 

Ubiracy de Souza Braga

           Acabou chorare, faz zunzum pra eu ver. Faz zunzum pra mim”. Moraes Moreira

                                         

A nova classe média emergente na sociedade brasileira, foi criada pela expansão do emprego público, pela criação de empregos privados em geral. Tem sido representada pelos trabalhadores que prestam serviços diretamente aos grupos empresariais, e por extensão, das elites econômicas e políticas, tanto quanto com a participação social dos profissionais com ensino superior empregado em funções medianas consideradas bem pagas em empresas. No processo de estratificação social temos os profissionais com ensino superior, funcionários públicos em empregos bem situados, composto por médicos do sistema público, advogados e profissionais liberais concursados. Os funcionários de escritório mais requalificados, de empresas privadas ou estatais, composto por diretores e supervisores de colégios privados e escolas municipais públicas, funcionários bancários de postos intermediários, delegados de polícia em início de carreira, enfermeiras experientes, etc. Enfim, inclusive pelos trabalhadores manuais de maior requalificação, os operários especializados e semiespecializados de indústrias públicas e privadas, como mecânicos e eletricistas, encanadores e metalúrgicos, fresadores e instrumentistas, inspetores de qualidade, torneiros mecânicos e de cargos recém-criados de inovação.

Na esfera ativa da vida social a luta política é uma das questões que sempre demarcaram a dialética entre capital versus trabalho. Mas a esfera onde a ideologia manifesta mais explicitamente seu poder de enviesamento é, com certeza, o campo da atividade moral intelectual. O sujeito da ação política é alguém que quer conhecer o quadro de pensamento em que age; que quer poder avaliar em seu trabalho o que pode e o que não pode fazer. Mas, ao mesmo tempo, é um sujeito que depende, em altíssimo grau, de motivações particulares em seus conteúdos de sentido e dos outros  para agir. A política é levada, assim, a lidar com duas referências contrapostas, legitimando-se através da universalidade dos princípios e viabilizando-se por meio das motivações particulares. Mas vale lembrar que os caminhos trilhados na esfera da política dentro da universidade, não evitam a opção por uma dessas linhas extremadas: o doutrinarismo, o oportunismo crasso, o cinismo ostensivo prático ou completa absoluta indiferença. São frequentes as combinações de elementos de tais direções, porém combinados em graus e dimensões diversas. E é nessa combinação hábil que se enraíza a ideologia política. Sua atividade interpretativa também pode ser criativa, de modo que ao interpretar um caso, determinado ator social aplicaria e criaria um direito novo, praticamente legislando.

A mobilidade social é frequentemente medida de forma quantitativa em termos de mudança de mobilidade econômica, tais como mudanças na renda ou riqueza. A ocupação é outra medida utilizada na pesquisa de mobilidade, o que geralmente envolve tanto a análise quantitativa quanto qualitativa dos dados. No entanto, outros estudos podem concentrar-se na classe social. A mobilidade pode ser intrageracional, dentro da mesma geração ou entre gerações, entre uma ou mais gerações. Vale lembrar que a classe média brasileira está plenamente integrada nos modernos padrões de consumo de massas. Todavia, estatisticamente a distribuição das classes sociais no Brasil é distorcida pela desigualdade social e econômica, na medida em que os 10 % mais ricos da população nacional, quase toda parcela da classe alta chegavam, em 1980, a controlar 50,9% de toda a renda disponível no país. Se somarmos a esse contingente a parte mais rica da classe média brasileira, ou seja, outros 10 % da população nacional, notaremos que essa parcela de apenas 20% controlaria quase 67% de toda a renda nacional.

A mobilidade social é dependente da estrutura de status sociais e ocupações em uma dada sociedade. A extensão de diferentes posições sociais e a maneira pela qual elas são interdependentes e se relacionam fornecem a estrutura social global de tais posições. Estas dimensões diferentes de mobilidade social podem ser classificadas em termos de tipos de “capital” que contribuem para mudanças na mobilidade diferentes. Adicionando-se a isso as diferentes dimensões da estrutura econômica, as formas de prestígio e poder temos o potencial de complexidade de determinado sistema de estratificação social. Além disso, em que sociedade pode ser vista enquanto variáveis independentes que podem explicar diferenças na mobilidade social, em diferentes planos, tempos sociais e lugares, em diferentes sistemas de estratificação. A tese central do nacionalismo desenvolvimentista  tem como representação social o desenvolvimento econômico e a consolidação da nacionalidade constituindo dois aspectos do mesmo processo emancipatório. O desenvolvimento dependeria, de uma estratégia de consciência nacional mobilizada a partir da questão tópica da vontade no plano global. Na esfera cultural, a retórica do início dos anos 1960, tanto do esquematismo de direita como de esquerda, para lembrarmo-nos da ciosa interpretação de Norberto Bobbio, foi demarcada pelo uso corrente das categorias sociais povo e nação ou nacional-popular.



    

No carnaval de 1950, Pernambuco “invade” a cena carnavalesca da Bahia. Pelas ruas de Salvador desfila o famoso Clube do Frevo pernambucano Vassourinhas. Ao passar pela cidade, atrai os olhares e ouvidos de inúmeros foliões, extasiados  com a singularidade do passo do frevo. O trajeto previsto do Campo Grande até a praça da Sé nem sequer chega a ser concluído, tamanha a euforia dos baianos que não se contentam em assistir o desfile e se juntar ao clube, tumultuando tudo ao seu redor. Dentre eles, encontravam-se dois homens cuja inventividade iria dar forma concreta apenas alguns dias depois ao veículo que mudou por completo a forma de se brincar o carnaval baiano. Estes inventores são respectivamente Antonio Adolfo Nascimento e Osmar Macedo, ou apenas Dodô e Osmar como passarão a ser reconhecidos popularmente. Historicamente a dupla se conhecia desde pelo menos em 1938, quando trabalharam ligados ao “universo do rádio” (cf. Brecht, 1970), estudavam música eletrônica e tinham uma ideia pragmática em curso para a utilização eficaz dos instrumentos musicais: amplificar o som dos instrumentos de corda. Em verdade já haviam realizado esta experiência técnica com o violão (Dodô) e cavaquinho (Osmar) para tocar em bailes tradicionais de clubes pela cidade de Salvador, mas seguiam pela persistência de ocorrência de um problema técnico: a microfonia.  Pode-se eliminá-la, depois de Hendrix, pela redução do volume do microfone ou seu reposicionamento, para que não capte o áudio que provém do dispositivo do som. Devem ser utilizados redutores de feedback, aparelhos que identificam as frequências com amplificação excessiva e filtram a sua realimentação.

Mas para completar o processo e método de trabalho, no sentido marxista, onde o uso da força de trabalho é o próprio trabalho, um processo entre homem e Natureza, um processo em que o homem medeia, regula e controla a sua troca material quando eles restauraram um velho Ford Bigode 1929 para receber a aparelhagem de som que lhes permitiria desfilar pelas ruas. Instalaram projetores de som na frente e no fundo do carro e assim nascia a Fobica, um carro aberto com um potente equipamento de som e um tipo de palco montado em um plano superior, precursor dos trios elétricos. A partir dela é que farão desfilar o som de seus novos instrumentos, brindando a multidão. No ano seguinte, após terem aperfeiçoado o emprego do “som do carro”, a Dodô e Osmar vem se juntar outro talentoso músico, Temístocles Aragão, nascendo aí a denominação de trio elétrico, numa alusão clara à invenção dos três artistas. Mesmo não tendo permanecido por muito tempo na companhia dos amigos músicos Dodô e Osmar, a alcunha trio elétrico irá permanecer. Assegurando simultaneamente um processo social de comunicação e método de trabalho e principalmente a nomeação que doravante irá se chamar não aos músicos, mas sobre a máquina, o veículo segundo o qual irá se irradiar a nova música carnavalesca. Em 1952, começava a reprodução do trio elétrico. Deste ponto de partida técnico e social, o trio elétrico se transformava numa propaganda ágil e ambulante pelas ruas da cidade. Além da logomarca estampada por todo o caminhão.             

Osmar se encarregava também de por, de tempos em tempos, parar a música, talvez como a parada no “samba de breque”, e puxar junto à multidão o jingle que será sempre lembrado  pelos saudosos foliões. Se a dupla Dodô e Osmar se encarregaram pela criação do trio elétrico, a história de seu aperfeiçoamento passa pelo nome de outro homem, Orlando Campos. Jovem e ardoroso fã de Dodô e Osmar, Orlando cria em 1956 o Trio Tapajós, que será o responsável por ampliar e difundir profissionalmente o carnaval do trio, durante muitos anos em que Dodô e Osmar  se ausentaram do carnaval baiano devido a dificuldades de patrocínio. Estes só retornariam no carnaval de 1975, para comemorar o jubileu de prata da invenção técnica e social do trio elétrico. No ano seguinte trocaram de carro por uma pick-up Chrysler Fargo e adicionaram um triolim (guitarra tenor) tocado pelo amigo Temístocles Aragão formando, assim, o trio elétrico em 1952 mais inovações foram introduzidas formando um total de oito alto-falantes, geradores adicionais, e receberam o apoio da fábrica baiana de refrigerantes Fratelli Vita. Em 1953 a invenção foi copiada por outros grupos de produtores carnavalescos chamados de 5 Irmãos, Ipiranga e Conjunto Atlas e desta forma o conceito sociológico do Trio Elétrico se consagrou. Em 1959 apresentam-se em Recife com o patrocínio da empresa norte-americana Coca-Cola, fechando o ciclo das influências carnavalescas.

Os trios vão ampliando em tamanho, na década de 1960, pelo uso de caminhões cada vez maiores, conjuntura em que Dodô e Osmar deixam de se apresentar. Ligados a blocos carnavalescos identificados por camisões coloridos - as chamadas mortalhas - os grupos passam a se isolar dos demais foliões por meio de cordas de proteção e de separação. Destaca-se empresarialmente também o famoso Trio Elétrico Tapajós, que é contratado pela prefeitura recifense para se apresentar naquela cidade. Em 1969 a canção/frevo “Atrás do Trio Elétrico”, de autoria de Caetano Veloso, divulga em quase todo o Brasil o fenômeno até então restrito aos dois estados nordestinos. Na década seguinte tem início sua profissionalização, sendo o Trio Tapajós transformado numa empresa, em 1976. No ano 1978 Moraes Moreira “eleva o cantor para o trio, com a canção”. Assim Pintou Moçambique. Tem início uma nova fase musical e artística do Carnaval Baiano, e do próprio trio, renovado com a presença vocal, na figura de Moraes Moreira, que apresenta sucessos cantados pela primeira vez no “palco móvel” dos trios, como Varre, Varre Vassourinha, em homenagem ao Clube recifense que deu início a tudo - pois até então os trios eram exclusivamente instrumentais, como relembra o compositor Manno Góes. Moraes Moreira (2007) ligara-se ao Armandinho, não por acaso filho de Osmar Macedo, com a inovação de “trazer um cantor sobre o trio”. O artista relata etnograficamente ainda que a ideia surgira anteriormente, em conversa com Gilberto Gil, onde o artista observava que seria necessário “botar uma força no trio”, pois já não aguentava mais escutar as mesmas coisas sendo tocadas repetidamente.

Antônio Carlos Moreira Pires foi um músico e compositor brasileiro.  Durante a década de 1970 ele tocou violão e cantou na banda Novos Baianos. Moraes Moreira começou a tocar acordeão em Festivais de São João e outros eventos em Ituaçu, como o Portal da Chapada Diamantina. Na juventude, aprendeu a tocar violão clássico durante um curso de ciências em Caculé, Bahia. Mudou-se para Salvador e lá conheceu Tom Zé e também a influência do rock. Ao conhecer a niteroiense Baby Consuelo e os baianos Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão (cf. Galvão, 2014), formaram a banda Novos Baianos que atuou entre 1969 e 1975. Com Pepeu Gomes compôs quase todas as canções do grupo. O álbum Acabou Chorare lançado em 1972, foi classificado pela revista Rolling Stone Brasil como “o maior álbum da música brasileira de todos os tempos”. Moraes Moreira começou sua carreira solo em 1975. Foi vocalista do Trio de Dodô e Osmar, e gravou canções populares associadas ao carnaval. Alguns dos sucessos dessa fase incluem Pombo Correio, Vassourinha Elétrica e Bloco do Prazer. Foi com a marchinha Pombo Correio, em 1978, que a musicalidade de Moraes Moreira ganhou audiência nas ruas em fevereiro, tendo como escopo a representação do carnaval. Até então, os trios elétricos de Salvador, criados por Dodô e Osmar, tocavam apenas música instrumental. Moraes Moreira é considerado socialmente o primeiro cantor de trio elétrico do Brasil, abrindo o caminho para uma geração de artistas da Bahia.

Acabou Chorare é o segundo álbum de estúdio dos Novos Baianos. Sem temor a erro é um relato etnográfico que infere a necessidade de compreender as relações culturais, os comportamentos, ritos, técnicas, um conjunto de saberes e práticas das sociedades desconhecidas, e que tem vindo a ser adaptada a problemas comuns da atualidade. Quase 50  anos após seu lançamento, o álbum permanece como um dos mais sólidos e imponentes da Música Popular Brasileira (MPB) e também um dos mais influentes. Novas gerações de músicos, especialmente cantoras, como Vanessa da Mata, Marisa Monte, Céu, Roberta Sá, Mariana Aydar, beberam de sua fonte e, além de sua fama, gozaram de amplo reconhecimento crítico. Diversos autores reiteram que foi  a presença de João Gilberto que possibilitou a criação de Acabou Chorare. Como escreveu Ricardo Azevedo, “no ouvido dos Novos Baianos isso era suficiente para virar música”. Baby Consuelo relembra, “saído da boca de uma criança mostrava que tínhamos lacrimejado demais. Queríamos o Brasil alegre de volta”. Sob tal influência, o disco Acabou Chorare foi composto e gravado. No sítio de Jacarepaguá vivia toda a banda junto com mais outros parentes e amigos, no estilo de vida comunitário típico dos hippies; a quantidade de moradores era suficiente para promover animadas peladas nos finais de tarde, o que os fez criar o time Novos Baianos F.C. (1973) e lançarem o disco pós-Acabou Chorare justamente com tal título. Como narra Moraes Moreira, “podia faltar grana para a comida, mas sempre tínhamos dinheiro para comprar maconha e equipamentos esportivos”. A rotina do Cantinho do Vovô era simples. Paulinho Boca rememora assim: “depois do café da manhã, Galvão ia compor, Moraes ficava tocando. A gente se exercitava muito, ia pra praia de bicicleta. Quando o sol estava acabando, começava o baba”, que era o codinome baiano para as chamadas “peladas de futebol”.

            Jacarepaguá é um termo Tupinamba, que significa enseada do lugar dos jacarés, através da junção dos termos îakaré (jacaré), paba (lugar) e kûá (enseada). Com a colonização portuguesa, nada mudou até ao fim do século XVIII, com a divisão do vale em fazendas. No fim do século XIX, começou o processo de aterramento de pântanos e re-divisão em chácaras, que ocorreu lentamente e se manteve até os anos 1960. O bairro já foi o primeiro e o segundo maior da cidade, pois importantes áreas, do que sempre se entendeu historicamente como a parte principal de Jacarepaguá, com o tempo foram gradualmente se desmembrando e tornando-se bairros próprios. É um bairro da Zona Oeste do município do Rio de Janeiro. Localiza-se na Baixada de Jacarepaguá, entre o Maciço da Tijuca e o Parque Estadual da Pedra Branca e na beira norte das lagoas de Jacarepaguá e Tijuca. O ponto culminante do município, o Pico da Pedra Branca, se localiza no seu limite com o bairro de Vargem Grande. É atualmente o sexto maior bairro do município do Rio de Janeiro, passando por intenso processo urbano, dialético, de oposição assimétrica entre gentrificação (cf. Almeida, 2015) e urbanização. Em 1981, o prefeito Júlio Coutinho separou a parte litorânea com os bairros da Barra da Tijuca e do Recreio dos Bandeirantes, fazendo de Jacarepaguá ainda toda a parte do vale atrás das lagoas, sendo o maior bairro da cidade depois de Campo Grande. Em 1993, com a ascensão do prefeito César Maia separou outros dez núcleos urbanos como bairros próprios: Anil, Curicica, Cidade de Deus, Freguesia de Jacarepaguá, Gardênia Azul, Pechincha, Praça Seca, Tanque e Taquara. Esses bairros junto com Vila Valqueire e o próprio Jacarepaguá, fazem parte da região administrativa de Jacarepaguá.

 O grande ano 1950 com Dodô e Osmar.
Foto: Família Macedo. Arquivo Pessoal.

Ficam no bairro de Jacarepaguá os Estúdios Globo, ex-PROJAC, instalações de teledramaturgia e entretenimento da Rede Globo e posteriormente as novas instalações da Rádio Globo. Em 20 anos os antigos estúdios da Rede Globo, abertos em 1965, em 1975, com a inauguração do Teatro Fênix, para produções de programas de auditório. Em 1980, constatou-se que as instalações da emissora ficariam impróprias em pouco tempo. Foi projetado então o Projac, chamado de Projeto [do bairro] Jacarepaguá, para abrigar os estúdios, administração, produção, direção e sair do distante bairro nobre Jardim Botânico. A grandiosidade do Projac, entre a concepção e a inauguração, constitui-se em uma empreitada que levou quase quinze anos para ficar pronta. No longo intervalo entre a saída da rede Globo de seus antigos estúdios e a entrada definitiva no Projac, a emissora alugou outros espaços, como a Atlântida Cinematográfica, os estúdios Tycoon, de Cyll Farney, parte dos estúdios de Renato Aragão, os estúdios da TV Tupi no antigo Cassino da Urca, Polo Rio de Cinema e Vídeo e os estúdios da Herbert Richers, além de produzir alguns programas de auditório no Teatro Fênix. Em fevereiro de 2007, o diretor-geral da Rede Globo, Otávio Florisbal, anunciou a ampliação do Projac em 30% até 2010, com a construção de novos estúdios, sendo um deles em formato de domo, para gravações em 360º da minissérie Hoje É Dia de Maria, postos de apoio às cidades cinematográficas que, atualmente, através de tecnologia moderna transformaram-se em contentores pré-fabricados, um teatro e um prédio administrativo para áreas como vendas, recursos humanos e comunicação social.

Gentrificação é um evento urbano que afeta uma região ou bairro pela alteração das dinâmicas da composição do local, tal como novos pontos comerciais ou construção de novos edifícios, valorizando a região, mas afetando a população de baixa renda local. Tal valorização é seguida de um aumento de custos de bens e serviços, dificultando a permanência de antigos moradores de renda insuficiente para sua manutenção no local cuja realidade foi alterada. A expressão foi tratada de maneira semelhante pela primeira vez por Karl Marx no século XIX, e depois retomada pela socióloga britânica Ruth Glass, em 1964, ao analisar as transformações do conjunto imobiliário em determinados distritos londrinos. É no ensaio do geógrafo Neil Smith: The New Urban Frontiers: Gentrification and the Revanchist City (1996), que o processo é analisado criticamente como dado presente nas cidades urbanizadas contemporâneas. Smith identificou os vários processos de gentrificação em percurso nas décadas de 1980 e 1990 e tentou sistematizá-los, especialmente os ocorridos em Nova Iorque, com destaque para a gentrificação ocorrida nos bairros de Harlem, naquela cidade e do Soho, em Londres.

A vida social deriva inexoravelmente de uma dupla fonte: a similitude das consciências e a divisão do trabalho social. O indivíduo é socializado no primeiro caso, porque, não tendo individualidade própria, confunde-se como seus semelhantes, no seio de um mesmo tipo coletivo; no segundo, porque, tendo uma fisionomia e uma atividade pessoais que o distinguem dos outros, depende deles na mesma medida em que se distingue e, por conseguinte, da sociedade que resulta de sua união. Esta divisão dá origem às regras jurídicas que determinam as relações das funções divididas, mas cuja violação acarreta apenas medidas reparadoras sem caráter expiatório. De todos os elementos técnicos e sociais da civilização, a ciência nada mais é que a consciência levada a seu mais alto ponto de aprimoramento e de clareza no âmbito analítico. Nunca é demais repetir que para que as sociedades possam viver nas condições de existência que lhes são dadas, é necessário que o campo da consciência se estenda e se esclareça. As unidades de geração desenvolvem perspectivas, reações e posições políticas e afetivas diferentes em relação a um mesmo determinado problema. O nascimento em um contexto idêntico, mas em período específico, histórico e cultural, faz surgirem diversidades nas ações dos sujeitos. Outra característica é a adoção ou criação de estilos de vida distintos pelos indivíduos, mesmo vivendo em um mesmo âmbito social.

Em outras palavras: a unidade geracional constitui uma adesão mais concreta em relação àquela estabelecida pela conexão geracional. Mas a forma como grupos de uma mesma conexão geracional lidam com os fatos históricos vividos, por sua geração, fará surgir distintas unidades geracionais no âmbito da mesma conexão geracional no conjunto da sociedade. Quanto mais obscura uma consciência, mais é refratária à mudança social, porque não vê depressa o que é necessário mudar. Nem em que sentido é preciso mudar. Uma consciência esclarecida sabe preparar de antemão a maneira de se adaptar a essa mudança risível. Eis porque é necessário que a inteligência guiada disciplinarmente pela ciência adquira uma importância maior no curso da vida coletiva. Tais sentimentos são capazes de inspirar não apenas esses sacrifícios cotidianos, mas também atos de renúncia completa e de abnegação exclusiva. A sociedade aprende a ver os membros que a compõem como cooperadores que ela não pode dispensar e para com os quais tem seus deveres. Na realidade, a cooperação também tem sua moralidade intrínseca. Há apenas motivos para crer, que, em nossas sociedades, essa moralidade de Durkheim à Adorno não tem todo o desenvolvimento que é necessário. Daí resulta duas  correntes da vida social, que correspondem dois tipos de estrutura não menos diferentes, que tem sua origem nas similitudes sociais corre a princípio só e sem rival. Os Novos Baianos não deixaram o Brasil no final do ano de 1970. 

Pouco após as prisões de alguns membros, instalaram-se em Arembepe, uma praia localizada no município de Camaçari, estado da Bahia. É lembrada pela sua beleza, pela aldeia hippie e pelo Projeto Tamar, que possui uma unidade na praia. Uma reportagem de 26 de novembro de 1970 tem como título “Novos Baianos encontram em Arembepe um paraíso” e informa que, segundo Pereira (2009: 28 e ss.) “nada falta aos Novos Baianos e seus amigos. Aliás, tudo o que faltou a eles aqui em Salvador tem sobrado em Arembepe: liberdade, principalmente”. A alusão cultural ao paraíso em contraposição à complexa situação de trabalho que o grupo conviveu em Salvador dá a entender que os problemas sociais e políticos dos Novos Baianos estavam resolvidos. Uma vez que os mesmos atores sociais conseguiram liberdade para compor seus personagens de cabelos longos. Este é um momento de grandes dificuldades vividas pelo grupo. Percebe-se aí uma posição que qualifica o espetáculo como vanguarda artística, usando um tom que dá a entender que se trata de uma vanguarda ainda não compreendida regionalmente, e que a mesma, seria reconhecida no âmbito dos movimentos sociais em âmbito nacional.

A narrativa descreve per se um estranho quiasma sobre aquilo que se deve fazer. Código anônimo, a informação inerva e satura. Desde a manhã até a noite, quase sem pausas, histórias povoam as ruas e os prédios. Articulam nossas fábulas existenciais ensinando-nos o que elas devem ser. Cobrem os acontecimentos e fazem deles as legendas sobre o que se deve ler e dizer. O ouvinte anda o dia inteiro pela floresta de narrativas jornalísticas televisionadas. Leitores desempenham uma função social de providência e de predestinação às portas do sono. A televisão multiplica os gestos e os comportamentos impressos por modelos narrativos. Reproduz e compartilha sem cessar as imagens de relatos. A vida social se tornou recitada num triplo aspecto: definida ao mesmo tempo por imagens vazias, contrariando \as técnicas da publicidade, seguida da repetição interminável e por sua recitação, Acabou Chorare é a faixa-título do álbum homônimo de 1972, dos Novos Baianos. A canção, que deu origem ao título do disco, foi escrita por Luiz Galvão e musicada por Moraes Moreira. Luiz estava estranhando a quantidade de abelhas que haviam entrado pelo apartamento e pousavam em sua mão.

Em 1972, saiu a edição de Acabou chorare pela gravadora Som Livre, da rede de televisão comercial aberta Rede Globo. O título, uma maneira afetuosa de acalmar o choro das crianças, pode ser interpretado com base nas escolhas estéticas e artísticas na concepção de vida dos Novos Baianos. A música Acabou chorare celebrava o que havia de festivo na contracultura, oferecendo vias para a respiração apesar do sufoco daqueles “anos de chumbo” (cf. Dreifuss, 1980). Com o vinil o grupo inaugurava uma nova linguagem. Predominava o rock que passa a dividir lugares com gêneros e estilos como samba, baião e bossa nova, reatualizando, assim, ícones de brasilidade. Seja dado destaque, nesse sentido, para o contato que os músicos estabeleceram com a “autoridade máxima” da Bossa Nova, João Gilberto, que vez ou outra frequentava o apartamento onde a turma se acomodara à Rua Conde de Irajá, no bairro do Botafogo, no Rio de Janeiro. Por lá transitavam outros inúmeros artistas da cena pública, dentre eles Rogério Duarte, Waly Salomão, Glauber Rocha, Cacá Diegues e Leon Hirszman. Acabou chorare garantiu a aprovação do grupo junto à crítica musical. Respaldado pelo produtor da Som Livre, João Araújo que mais tarde se faria reconhecido por ser pai do talentosos cantor e letrista Cazuza, e com o aval de João Gilberto cuja filha, Bebel, (ainda era criança), foi quem por acaso sugeriu o título do Long Play. O disco permaneceu, de dezembro de 1972 a maio de 1973, entre os dez primeiros mais tocados nas Paradas de Sucesso das emissoras de rádio e televisão do Rio de Janeiro.                             

A canção de Moraes Moreira e Luiz Galvão, “Dê um rolê”, dos Novos Baianos,  expressava a mesma postura não alinhada à esquerda tradicional e muito menos ao conservadorismo de direita. O arranjo tipicamente roqueiro, com destaque para a presença marcante da guitarra de Lanny, embrulhava a letra despojada em íntima sintonia com o ideário hippie: - “Enquanto eles se batem, dê um rolê e você vai ouvir/ Apenas quem já dizia/ Eu não tenho nada/ Antes de você ser, eu sou/ Eu sou amor da cabeça aos pés”, verso que na persona expressiva de Gal Costa sugeria erotismo, ia ao encontro do título sonoro, com ares de poesia concreta, que Waly deu ao show e ao LP; título que nomeava mais um de seus escritos em “Me segura”... (cf. “-FA-TAL- Luz Atlântica embalo 71”). -Fa-Tal- desvendava, por um lado, a fatalidade do momento: repressão, amigos presos e exilados, bem como a censura e a falta (bastaria trocar o “l” de lugar) de liberdade de expressão. Por outro lado, era um adjetivo para qualificar a intérprete como mulher “fatal”, “dona de si”, sedutora. Gal Costa havia mudado radicalmente a sua aparência física, estética e forma de se apresentar em shows. Trocou o cabelo curto, a discrição em palco e o visual clean, bossa-novista, de sua fase anterior ao Tropicalismo, pelo vestuário despojado e os cabelos esvoaçados, revoltosos. Sob a direção de Waly Salomão, Gal Costa estrelaria “Fatal” (1971), uma série de concertos que realizou no Teatro Tereza Raquel (RJ). Com essa série de shows e o disco com repertório gravado ao vivo, Gal Costa recebeu a alcunha de “musa do desbunde”.                          

Magra, adepta da dieta macrobiótica que se tornou um estilo de vida que propõe o consumo apenas de sementes e cereais integrais, baseando-se em uma harmonia com a natureza para promover saúde, longevidade e uma alimentação equilibrada para o organismo, Gal adotou “uma gestualidade lasciva e erótica em cena”. Por exemplo, segundo Sheyla Diniz (2017) costumava empunhar o violão,  portando quase sempre saias ou vestidos, com as pernas abertas, abusando ainda do vermelho escarlate nos lábios e nas roupas, vermelho geralmente associado à sensualidade. Óbvio que havia uma dimensão mercadológica nessa erotização. Concomitantemente, e os dois aspectos não estão desvinculados, o disco -Fa-Tal- transformou Gal Costa em símbolo de liberação sexual para homens e mulheres, quaisquer que fossem suas orientações sexuais, já que passaram a se identificar como potência, pela coragem que tinha de se manifestar através do corpo. Certamente esse foi um dos motivos pelo qual a imprensa carioca deu ao disco o epíteto de “álbum da geração desbunde”. Começo pelo desbunde. A circulação desse nome dado para a tópica contracultura no Brasil impreterivelmente mediada por questões sociais e políticas em disputa. Gíria que tem um pé no léxico candomblezeiro, assim como “fazer a cabeça”, outra expressão comum e muito usada, para quem experimenta provavelmente algum tipo de droga alucinógena, mas desbunde carregava um sentido acusatório e ultrapejorativo no jargão do ideário da chamada esquerda, acima de tudo entre os grupos clandestinos de luta armada. - “O nível de discussão dentro da organização não permitia a veleidade de falar em recuo, reavaliação, por que isso era sinônimo de desbunde. Desbunde era um palavrão. Desbundado era a pior coisa que se podia dizer de alguém” (cf. Diniz, 2017: 73). A banda Novos Baianos representou um revelador conjunto musical brasileiro, nascido em Salvador, na Bahia, espetacular em seu auge musical entre os anos de 1969 e 1979, que se reuniram em 1997, e novamente em 2015.

Eles marcaram positivamente a música popular brasileira (MPB) e igualmente o rock brasileiro dos anos 1970, utilizando-se de vários ritmos musicais brasileiros inclusivos que vão desde a originalidade do samba, a influência da bossa nova, frevo, baião, choro, afoxé e ijexá ao rock n` roll. O grupo lançou oito trabalhos antológicos para Música Popular Brasileira (MPB). Influenciados pela contracultura e pela emergente Tropicália. Contava, em sua formação original, com Moraes Moreira (compositor, vocal e violão), Baby do Brasil (vocal), Pepeu Gomes (guitarra), Paulinho Boca de Cantor (vocal), Dadi (baixo) e Luiz Galvão (letras) entre outros. O segundo disco do grupo, Acabou Chorare, que mescla guitarra elétrica, baixo e bateria com cavaquinho, chocalho, pandeiro e agogô, foi caracterizado pela revista Rolling Stone como o melhor disco da história da música brasileira em outubro de 2007.  

A Bossa Nova é considerada um gênero musical derivado do samba e com forte influência do jazz estadunidense, surgido no final da década de 1950 no Rio de Janeiro. De início, o termo era apenas relativo a um novo modo de cantar e tocar samba naquela época, ou seja, a uma reformulação estética dentro do moderno samba carioca urbano. Com o passar dos anos, a Bossa Nova tornar-se-ia um dos movimentos mais influentes da história da música popular brasileira (MPB), reconhecido em quase todo o mundo ocidental e, especialmente, associado a João Gilberto, Nara Leão, Vinicius de Moraes, Antônio Carlos Jobim, Baden Powell e Luiz Bonfá. A palavra “bossa” apareceu pela primeira vez na década de 1930, em “Coisas Novas”, samba do popular cantor Noel Rosa - O samba, a prontidão/e outras bossas,/são nossas coisas. A expressão bossa nova passou a ser utilizado na década seguinte para aqueles “sambas de breque”, baseado no talento de improvisar paradas súbitas durante a música para encaixar falas. Alguns críticos musicais destacam certa influência que a cultura norte-americana do pós-guerra, de músicos como Stan Kenton, combinada ao impressionismo erudito, de Debussy e Ravel, teve na Bossa Nova (cf. Naves, 2004) , especialmente do cool jazz e bebop.

Embora tenha pouca influência de música estrangeira como o Jazz, a Bossa Nova possui elementos táticos de samba sincopado. Além disso, havia um fundamental inconformismo com o formato musical de seu tempo. Os cantores Dick Farney e Lúcio Alves, que fizeram peculiar sucesso nos anos da década de 1950 com um jeito suave e minimalista em oposição a alguns cantores de grande potência sonora também são considerados influências positivas sobre os garotos que fizeram a Bossa Nova. Vale lembrar que na calçada de pedras portuguesas defronte ao Edifício Carlos do Pinhal nesta bela Avenida e cartão postal de Copacabana, n° 3. 210, esquina com Xavier Silveira e de frente para o mar de Copacabana, edifício onde Nestor Caro-Chaparro vivia, foi pelo menos por duas décadas plantão obrigatório para jornalistas de política da cidade do Rio de Janeiro. No edifício morava Leonel Brizola (1922-2004), herdeiro de Getulismo que, após 15 anos no exílio pelo golpe civil-militar de 1° de abril de 1964 (cf. Dreifuss, 1980), pode retornar ao país em 1979. Duas vezes governador do Rio de Janeiro (1983-1987; 1991-1994), pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), fez da casa um dos pilares de articulação nacional. Por lá passaram Tancredo Neves, Saturnino Braga, Marcello Alencar, Darcy Ribeiro, Miguel Arraes, Cesar Maia, Ciro Gomes, Heloisa Helena, Cibilis Vianna, Doutel de Andrade, Brandão Monteiro e Chico Alencar. Em  1989, foi a vez do ex-metalúrgico e líder sindical e também presidente Luiz Inácio da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT).

A Bossa Nova é considerada um gênero musical derivado do samba e com forte influência do jazz norte-americano, surgido no final da década de 1950 no Rio de Janeiro. De início, o termo era apenas relativo ao modo de cantar e tocar samba naquela época, ou seja, a uma reformulação estética dentro do moderno samba carioca urbano. Com o passar dos anos, a Bossa Nova tornar-se-ia um dos movimentos sociais mais influentes da história popular brasileira e de resto reconhecido no Ocidente, em especial associado a João Gilberto, Nara Leão, Vinicius de Moraes, Antônio Carlos Jobim, Baden Powell e Luiz Bonfá. A palavra “bossa” apareceu pela primeira vez na década de 1930, na música Coisas Novas, samba do popular Noel Rosa: “o samba, a prontidão/e outras bossas,/são nossas coisas”. A expressão Bossa Nova passou a ser utilizado também na década seguinte para aqueles “sambas de breque”, baseado no talento de improvisar paradas súbitas durante a representação da música para encaixar falas.

Alguns críticos musicais destacam certa influência que a cultura americana do pós-guerra, de músicos como Stan Kenton, combinada ao impressionismo erudito, de Debussy e Ravel, teve na bossa nova, especialmente do cool jazz e bebop. Embora tenha pouca influência de música estrangeira como o Jazz, a Bossa Nova possui elementos de samba sincopado. Além disso, havia um fundamental inconformismo com o formato musical de época. Os cantores Dick Farney e Lúcio Alves, que fizeram sucesso nos anos da década de 1950 com um jeito suave e minimalista, em oposição a cantores de grande potência sonora, também são considerados influências positivas sobre os garotos que fizeram a Bossa Nova. Um embrião do movimento, já na década de 1950, eram as reuniões casuais, frutos de encontros de um grupo de músicos da classe média carioca em apartamentos da zona sul carioca, como o de Nara Leão, na Avenida Atlântica, em Copacabana. Nestes encontros, cada vez mais frequentes, a partir de 1957, um grupo se reunia para fazer, compor e ouvir música. Dentre os participantes estavam novos compositores da música brasileira, radiantes como Billy Blanco, Carlos Lyra, Roberto Menescal e Sérgio Ricardo, entre outros. O grupo foi aumentando, abraçando também Chico Feitosa, João Gilberto, Luiz Carlos Vinhas, Ronaldo Bôscoli, entre outros.

Em 1959, era lançado o primeiro Long Play de João Gilberto, intitulado “Chega de Saudade”, contendo a faixa-título - canção com cerca de 100 regravações feitas por artistas brasileiros e estrangeiros. A partir dali, a bossa nova se tornara uma realidade. Além de João Gilberto, parte do repertório clássico do movimento deve-se as parcerias de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Consta-se, segundo muitos afirmam, que o espírito bossa-novista já se encontrava na música que Jobim e Moraes fizeram, em 1956, para a peça Orfeu da Conceição, primeira parceria da dupla, que esteve perto de não acontecer, uma vez que Vinícius primeiro entrou em contato com Vadico, o famoso parceiro de Noel Rosa e ex-membros do Bando da Lua, para fazer a trilha sonora. É dessa peça, baseada na tragédia Grega Orfeu, uma das belas composições de Tom e Vinícius, “Se todos fossem iguais a você”, já prenunciando os elementos melódicos da Bossa Nova. Neste ano era lançado o primeiro Long Play de João Gilberto, Chega de Saudade, contendo a faixa-título com cerca de 100 regravações feitas por artistas brasileiros e estrangeiros. A partir dali, a bossa nova caminha com seus próprios passos e se tornara uma realidade. Além de João Gilberto, parte do repertório clássico do movimento deve-se a Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Consta-se, desta forma que o espírito bossa-novista já se encontrava na música e parceria que Jobim e Moraes fizeram, em 1956.

A peça Orfeu da Conceição, primeira parceria da dupla, que esteve perto de não acontecer, uma vez que Vinícius primeiro entrou em contato com Vadico, o famoso parceiro de Noel Rosa e ex-membros do Bando da Lua, para fazer a trilha sonora. Baseada na tragédia grega Orfeu, uma das belas composições de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, Se todos fossem iguais a você, já prenunciando os elementos melódicos da Bossa Nova. Além da genial música Chega de Saudade, os dois compuseram Garota de Ipanema, outra representativa canção da bossa nova, que se tornou a canção brasileira reconhecida em todo o mundo ocidental, depois de Aquarela do Brasil (Ary Barroso), com mais de 169 gravações, entre as quais de Sarah Vaughan, Stan Getz, Frank Sinatra (com Tom Jobim), Ella Fitzgerald entre outros. É de Tom Jobim também, junto com Newton Mendonça, as canções Desafinado e Samba de uma Nota Só, dois clássicos do gênero musical a serem gravados no mercado norte-americano a partir de 1960. Além da clássica Chega de Saudade, compuseram Garota de Ipanema, representativa da bossa nova e a canção reproduzida em todo o mundo, depois de Aquarela do Brasil (Ary Barroso), com mais de 169 gravações, entre as quais  a jazzista Sarah Vaughan, Stan Getz, Frank Sinatra com Tom Jobim, Ella Fitzgerald, entre outros. É do maestro Antônio Carlos Jobim também, junto com Newton Mendonça, as canções Desafinado e Samba de uma Nota Só, dois dos primeiros clássicos do gênero musical a serem gravados no mercado internacionalizado norte-americano na década de 1960.  

A história social do talentoso grupo musical baiano começou em 1969, com o espetáculo reconhecido como O Desembarque dos Bichos Depois do Dilúvio Universal, no Teatro Vila Velha, popularmente chamado por Vila, desde sua fundação em 1964, e está localizado à Avenida Sete, no interior do Passeio Público no bairro do Campo Grande, em Salvador. Foi neste espaço que pela primeira vez se apresentaram Luiz Galvão, agrônomo, Paulinho Boca de Cantor, ex-crooner da “Orquestra Avanço”, o popular nas noites de Salvador Moraes Moreira, a única não-baiana do grupo, a niteroiense Baby do Brasil, e Pepeu Gomes. Moraes Moreira foi apresentado a Tom Zé, que era amigo de Galvão. Baby Consuelo conheceu Moraes e Galvão em um bar, enquanto passava as férias em Salvador. Mais tarde, Paulinho Boca de Cantor conheceu os três, e se uniu a eles. Dos membros que formariam o grupo mais tarde, apenas Pepeu Gomes era músico profissional e havia passado por diversas bandas em sua carreira. Nas apresentações em palco e gravações, o grupo era inicialmente composto pelo quarteto, acompanhado pelo grupo Os Leifs, que fora mais tarde renomeado como A Cor do Som, do qual faziam parte o baixista Dadi, o baterista/percussionista José Roberto Martins Macedo, o guitarrista Pepeu Gomes e seu irmão Jorginho Gomes. Pepeu Gomes foi incorporado definitivamente ao grupo após casamento com a vocalista  Baby Consuelo, e, ao lado de Moraes Moreira, como arranjador musical do grupo.

Desfalcados de Moraes Moreira, compositor principal ao lado de Galvão, o grupo faz de Pepeu Gomes o exemplo instrumental. O disco seguinte, Vamos pro Mundo, foi lançado em 1974 pela gravadora Som Livre e tinha como escopo as faixas instrumentais ritmadas em choro, baião e samba. Em 1976, o grupo assina seu contrato mais longo, de dois anos com a gravadora Tapecar. O primeiro álbum na gravadora, Caia na Estrada e Perigas Ver, investiu no samba, rock e pandeiro e no Brasileirinho de Waldir Azevedo. Em 1977 lançara Praga de Baiano, já diferenciados pelo processo inicial das carreiras solo de Paulinho, Pepeu e Baby. O disco trazia o trio elétrico, frevo, e música instrumental. Tornaram-se atração dos trios-elétricos, e Baby do Brasil foi a primeira cantora desse evento. O último trabalho, Farol da Barra, pela Columbia Broadcasting System (CBS) é a propriedade carro-chefe da CBS Corporation, que homenageia os compositores Ary Barroso e Dorival Caymmi, regravando Isto aqui o que é?, e Lá vem a baiana. O principal destaque era a faixa-título, uma parceria entre Galvão e Caetano Veloso. No ano seguinte o grupo infelizmente encerra atividades.

O Teatro Vila Velha foi inaugurado em 1964 pela Sociedade Teatro dos Novos, formada por Echio Reis, Sônia Robatto, Carlos Petrovich, Othon Bastos, Thereza Sá e Carmem Bittencourt, alunos dissidentes da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA), liderados pelo professor João Augusto. Juntos, eles fundaram um dos mais importantes teatros da Bahia, inaugurado com um show de estreia de nomes que logo viriam a tornar-se famosos: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Gal Costa e Maria Bethânia, intitulado “Nós, Por Exemplo”, que representou um grande sucesso. Fruto da contracultura, da “verdade tropical” (cf. Veloso, 2002) e contestação que marcou a cultura durante o golpe civil-militar de 1° de abril 1964, o Vila albergou movimentos sociais, como as lutas estudantis da década de 1970. O Vila também abrigou e foi mantido por diversos artistas, como o Grupo Teatro Livre da Bahia, realizou eventos de notoriedade para a cultura baiana, tais como os Shows do Improviso e o Baile das Atrizes, com a irreverente e marcante presença de Baby Consuelo. Além disso, seguiu lançando nomes para o cenário artístico-cultural brasileiro, como Lázaro Ramos, Virgínia Rodrigues, Gustavo Melo, entre outros. A Sala Principal do Vila é um espaço amplo, capaz de configurações variadas e adaptar-se a diversos tipos de espetáculos e apresentações. A capacidade varia conforme a configuração técnica da sala. Espetáculos de dança, teatro, shows musicais, palestras e seminários acontecem neste lugar.  

Segundo Moraes Moreira: - telefonei para João Gilberto contando que estava fazendo uma letra sobre essa relação com a abelhinha. João me disse: Fenomenal! Eu estava falando com o poeta José Carlos Capinam, imortal da Academia de Letras da Bahia, e ele lembrava que a abelha beija a flor e faz o mel, e eu gostei e completei: - E ainda faz zun-zun. Perguntei a João: Posso usar isso? E ele aprovou dizendo: deve! Não parou por aí, João contou-me que Bebel, sua filha, quando eles moraram no México, levara uma pancada e ele, preocupado, acudiu com a aflição de pai nessas horas, mas Bebel reagira corajosamente e, na sua inocência de criança, falava uma língua em formação (cf. Aires, 2013) , acalmando-o: Não, acabou chorare”. A música é cantada por Moraes Moreira e possui acompanhamento de seu violão e, depois, da craviola de Pepeu Gomes, é influenciada pela personalidade de João Gilberto, quase uma imitação de sua estética e voz, e tem um grande traço lírico de bossa nova. A canção terminou norteando toda a proposta global do disco Acabou Chorare, de trazer “à tona um país alegre e jocoso, em contraste com aqueles anos tristes que assolavam o Brasil”.

Em 1969, se inscreveram para o V Festival de Música Popular Brasileira com a canção “De Vera”. Com a desclassificação da música no Festival da Record, Os Novos Baianos resolveram partir para o mercado da música no Rio de Janeiro. Lá, moraram todos juntos em quatro cômodos, o que resultou em um grande entrosamento entre os músicos. Em 1971, gravaram o segundo compacto simples, “Volta que o Mundo dá”, e receberam a visita de João Gilberto, que viria a influenciá-los com o samba. Com a grande fusão de gêneros brasileiros, sugerida por João Gilberto e a guitarra de Pepeu Gomes, surgiu o mais consistente e lembrado disco etnográfico do grupo, Acabou Chorare, pela Som Livre e o álbum considerado o melhor da MPB pela revista Rolling Stone em sua lista dos 100 maiores discos da música brasileira. A origem do nome do grupo musical surgiu em decorrência da apresentação na Rede Record, quando, ainda sem ter um nome definido para o grupo, o coordenador do festival, Marcos Antônio Riso gritou: “chama aí esses novos baianos!”. Contudo, os Novos Baianos não se permitiram a submissão às gravadoras e empresários. Quando foram para São Paulo se apresentaram em diversos programas de televisão sempre extrapolando tempo previsto. 

Porém, era através da musicalidade do grupo que esse posicionamento era posto em prática. O álbum Acabou Chorare, um dos mais influentes da música brasileira é um dos exemplos dessa mistura ritmada de várias referências musicais. Sendo o segundo do grupo, as suas músicas carregavam as misturas do rock inglês e americano da época, com a música regional, o samba e o choro. Essa ideia de dar um novo sentido musical a guitarras, baixo, bateria associando-os a cavaquinho, pandeiro, tamborim, e outros instrumentos de percussão, teve como seu mentor um dos grandes expoentes da bossa nova, João Gilberto. Tendo conhecido o grupo por seu amigo e conterrâneo de Juazeiro, Luiz Galvão, compositor dos Novos Baianos, João Gilberto se encantou pelo projeto real de vida do grupo, e passou a frequentar a turma sempre tocando sambas antigos e contribuindo com algumas  ideias importantes. Era a contribuição da riqueza harmônica alcançada por nossos compositores representados da Música Popular Brasileira, da Bossa Nova, que faltava para dar a liga necessária entre o rock pesado e o samba.  

            Juntamente com outros Long Play como -Fa-Tal- (1971), de Gal Costa, Clube da Esquina (1972), de Milton Nascimento e Lô Borges, Expresso 2222 (1972), de Gilberto Gil, e Transa (1972), de Caetano Veloso, todos esses igualmente afinados com a contracultura, Acabou chorare foi um dos que mais colaborou para dilatar o que se entendia, nos anos de 1960, por MPB, sigla agora bem mais flexível para abarcar o rock. Fruto de uma experiência coletiva que vendeu por volta de 100 mil cópias, rendendo um bom dinheiro ao grupo, Acabou chorare incentivou Os Novos Baianos a se desligarem da gravadora Som Livre e a se mudarem, na sequência, para um sítio no povoado Boca do Mato, situado no bairro Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Uma fonte primária sobre a turma em sua comunidade é o documentário Novos Baianos Futebol Clube (1973), dirigido por Solano Ribeiro, o famoso idealizador dos festivais da canção da TV Record na década de 1960. As filmagens foram realizadas por uma equipe de uma emissora alemã, sendo, até pouco tempo, não fossem as mídias digitais, inéditas no Brasil. Para além de focalizarem Baby Consuelo (intérprete), Moraes Moreira (intérprete/violonista), Luiz Galvão (letrista), Paulinho Boca de Cantor (intérprete), Pepeu Gomes (guitarrista), Dadi Carvalho (baixista), Jorginho Gomes (baterista), Baixinho e Bolacha (percussionistas), as cenas dão destaque para o dia-a-dia dos amigos, familiares e demais músicos vinculados à banda, totalizando cerca de 20 pessoas alojadas nas casas do sítio batizado carinhosamente de Cantinho do vovô.

As apresentações improvisadas no quintal de terra batida ou em cômodos espaçosos orientam o roteiro. Entre cachorros, árvores, instrumentos e equipamentos eletrônicos, os músicos se reúnem para interpretar algumas canções de Acabou chorare e outras do então recém-lançado LP Novos Baianos F. C. (1973), sendo que este último, registrado pela gravadora nacional Continental, emprestou seu nome ao documentário. Como todas as notáveis invenções, inclusive culturais a Bossa Nova não nasceu das entranhas de único sujeito; nem definir quem seria o suposto dono dela. Antes de João Gilberto atingir, com anos de treino, a batida unânime, o fã-clube de Dick Farney e Frank Sinatra na Zona Norte do Rio de Janeiro, localizada ao norte do Maciço da Tijuca, ao sul da Baixada Fluminense e a oeste da Baía de Guanabara, foi essencial para os posteriores encontros que aconteceriam no badalado apartamento de Nara Leão. Os membros do clube proporcionavam um clima de comunicação descontraído tirando, entre amigos, acordes descompromissados dos artistas que reverenciavam. Se alguém decidisse pôr os pingos nos “ís” de uma vez por todas para nomear os responsáveis pela transcendência da Bossa Nova, estaria passível de cometer injustiça cultural. Mesmo Ruy Castro com sua obra. Por mais que detalhasse as nuances do movimento musical, seria quase impossível escrever biografia reveladora de cada átomo social que formava  moléculas: João Gilberto, maestro Tom Jobim, Newton Mendonça, Vinícius de Moraes, Sylvinha Telles, Maysa, Elis Regina, Sérgio Mendes, João Donato, Os Cariocas, Johnny Alf, Roberto Menescal, Ronaldo Bôscoli, Nara Leão e assim por diante.

Desde a década de 1960 quando surgiram os Especiais do Festival de Música Popular Brasileira, um concurso anual de canções originais e inéditas criado em 1965 com base no Festival de Sanremo, sendo realizado ininterruptamente até 1969, pela TV Record, e posteriormente até o final da década de 1980, a televisão brasileira foi marcada pelo sucesso dos espetáculos transmitidos, apresentando os novos talentos, registravam índices recordes de audiência. No Festival conheceu Chico Buarque, mas acabou desistindo de gravá-lo devido “à impaciência com a timidez do compositor”. Elis Regina participou do especial intitulado: “Mulher 80”, pela Rede Globo de Televisão, num desses momentos marcantes para os telespectadores. O programa exibiu uma série de entrevistas e musicais cujo tema dizia respeito à condição da mulher brasileira e a discussão de gênero (feminino) na sociedade de então, abordando esta temática no contexto da música nacional e da inegável preponderância das vozes femininas, dentre elas: Maria Bethânia, Fafá de Belém, Zezé Motta, Marina Lima, Simone, Rita Lee, Joanna, Elis Regina, Gal Costa e as participações especiais das atrizes Regina Duarte e Narjara Turetta, que protagonizaram o seriado Malu Mulher.

A partir de 1968, com a aplicação do  Ato Institucional n° 5, inicia-se a fase de terror político de Estado e o regime de governo militar. O fechamento do Congresso Nacional, a suspensão dos direitos civis políticos, a prisão e o exílio daqueles que se opunham ao poder marcaram os anos seguintes. Muitos intelectuais e cantores, como Chico Buarque e Gilberto Gil que se despede do Brasil com o samba, “Aquele Abraço” foram obrigados a deixar o país. Elis Regina se tornou reconhecida nacionalmente em 1965, ao vencer o Festival de Música Popular Brasileira consagrado pela TV Excelsior, com a música Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. Intensificou sua carreira no exterior em 1969, ano em que fez show nas principais capitais europeias e latino-americanas. Em 1972, o governo militar golpista organizou um show em homenagem ao Sesquicentenário da Independência. Por causa disto. A participação política de Elis Regina acabou levando-a ao “cemitério dos mortos-vivos”, famosa seção de quadrinhos que o cartunista Henfil mantinha no tabloide anarquista Pasquim.

O Pasquim foi o primeiro e mais influente jornal de oposição à ditadura militar no Brasil (cf. Buzalaf, 2009). A ideia do jornal nasceu no final de 1968 depois de uma reunião entre os jornalistas Tarso de Castro, Sérgio Cabral e o cartunista Jaguar, eles buscavam uma alternativa para substituir o tabloide de humor A carapuça, editado por Sérgio Porto. O nome foi sugestão de Jaguar, pois segundo ele, teriam que arrumar outro nome para atacarem o jornal já que, Pasquim significa “jornal difamador, folheto injurioso”. Com o tempo figuras polemistas de destaque na imprensa brasileira, como Ziraldo, Millôr Fernandes, Prósperi, Claudius e Fortuna, se juntaram à equipe inicial, e a primeira edição saiu em 26 de junho de 1969. Com tiragem inicial extraordinária de 20 mil exemplares, que no início não parecia exagerada, pois historicamente o tabloide alcançou a marca comercial registrada de mais de 200 mil exemplares em seu auge de comercialização no mercado da imprensa, em meados da década de 1970, se tornando um fenômeno social na difusa e precária imprensa latino-americana. O Pasquim foi se transformando em uma publicação mais politizada à medida que aumentava a repressão do regime, principalmente após a promulgação do AI-5. Utilizando-se magistralmente do humor, passou a ser o divulgador n° 1 da indignação nacional-popular brasileira.

Em 1970, os Novos Baianos lançaram o primeiro disco, É Ferro na Boneca, com rock psicodélico e a expressão da Jovem Guarda que se desenvolveu na metade da década de 1960 e que influenciou a psicodelia. Atingiu popularidade máxima entre 1967 e 1969 com a expressão estética Verão do Amor e o Woodstock Music & Art Fair, se tornando um movimento social internacional e se associando a uma contracultura muito difundida, antes de entrar em declínio e a perda de alguns músicos importantes para o gênero, o que levou os grupos sobreviventes a se tornarem bandas de outros gêneros correlatos como o rock progressivo, o hard rock e o heavy metal. A letra de Preta Pretinha, vem de um romance frustrado de Galvão com uma jovem de Niterói (RJ), como ele contou no livro intitulado: Anos 70: novos e baianos. Daí a referência à barca Rio-Niterói, que liga o Rio de Janeiro à terra de Arariboia via baía de Guanabara. Não é exagero dizer que o carnaval tem a mão de Moraes Moreira. Foi com a marchinha Pombo Correio, em 1978, que a arte de Moreira ganhou as ruas em fevereiro. Até então, os trios elétricos de Salvador, criados por Dodô e Osmar, tocavam apenas música instrumental. Não por acaso, Moraes Moreira “é considerado o primeiro cantor de trio elétrico do Brasil, abrindo o caminho para uma geração de artistas da Bahia”. Nos anos 1980 se distanciou politicamente do  carnaval baiano devido à crescente investida da indústria cultural do turismo. Em 1994 gravou “Brasil Tem Concerto” com influências da música erudita, e em seguida no Especial: Brasil Moraes Moreira Acústico MTV.

Em 1997 gravou o álbum 50 Carnavais que “comemorou seus 50 anos e 50 carnavais”. Dois anos depois, gravou “500 Sambas”, em homenagem à ideia genérica de descoberta do Brasil 500 anos antes com foco no samba. Em 2000, lançou Bahião com H, tocando baião com ritmos baianos característicos. Com o lançamento de Meu Nome é Brasil (2003), completa sua trilogia temática do Brasil, que inclui, também, Lá vem o Brasil descendo a ladeira (1979) e O Brasil tem concerto (1994).  Em 2005, produz o disco independente De Repente, quando ensaiou a mistura de  hip hop com influências do nordeste brasileiro e incluiu seus ritmos de swing característicos de guitarra clássica. Publicou o livro A história dos Novos Baianos e outros versos, em que narra a história do grupo em um livrinho e aspectos interessantes de sua carreira solo. Com letra de Luiz Galvão, Moreira musicou aquele que seria um dos maiores sucessos dos Novos Baianos. A canção faz parte do álbum Acabou Chorare, de 1972, e não demorou para virar febre de consumo musical nas rádios pelo país. O grupo foi formado em 1969, em Salvador, do encontro de Luiz Galvão, Moreira, Paulinho Boca de Cantor e Baby Consuelo, depois reconhecida com a virada para a religiosidade como Baby do Brasil.

Um lugar seguro para ser religioso, com liberdade de crença é justamente em sociedades democráticas, laicas e livres. O imaginário individual (o sonho) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos) dessas sociedades garante sua liberdade de crer no que desejar. Em ter o “amigo imaginário” que quiser, sem ser incomodado ou perseguido por outros sistemas de crenças. Basta compreender o conceito de respeito às religiões e liberdade de crença, pois são conceitos originados pelo laicismo, pelo ateísmo, pelo humanismo, mas não pela religião. Pensemos nas fogueiras, nas Cruzadas, no que ainda sofrem os crentes em países religiosos, por não seguirem a religião de Estado, para compreender a dimensão do valor nestas sociedades. Note bem: o conservadorismo é um fenômeno universal para toda a espécie humana. Mas analiticamente é também um novo produto das condições históricas e sociais destes tempos sombrios, no que podemos dizer que há conservadorismos. Aquele arquétipo que é mais ou menos universal, e outro definitivamente moderno que é resultado de circunstâncias históricas e sociais particulares e que se ancora em tradições forjadas, forma e estrutura próprias e particulares. Poderíamos chamar o primeiro arquétipo de “conservadorismo natural” e o segundo de “conservadorismo moderno”, se a palavra “natural” não estivesse já carregada de diversos significados e matizes desde o debate eurocêntrico da década de 1960 a respeito no âmbito da filosofia existencialista como de resto nas ciências sociais.

O grande silêncio das coisas muda-se no seu contrário através da mídia. Só se veem por todos os lados notícias, informações, estatísticas e sondagens. Os relatos do-que-está-acontecendo, para Michel de Certeau constitui nossa ortodoxia. A narrativa descreve um estranho quiasma sobre aquilo que se deve fazer. Código anônimo, a informação inerva e satura. De manhã até a noite, quase sem pausas, histórias povoam as ruas e os prédios. Articulam nossas fábulas existenciais ensinando-nos o que elas devem ser. Cobrem os acontecimentos e fazem deles as legendas sobre o que se deve ler e dizer. O ouvinte caminha num dia inteiro pela floresta de narrativas jornalísticas televisionadas. Leitores  desempenham uma função de providência e de predestinação às portas do sono. A televisão multiplica gestos e comportamentos impressos por modelos narrativos. Reproduz e compartilha sem cessar imagens de relatos. A vida se tornou recitada no triplo aspecto simultâneo: definida por imagens vazias, contrariando \as técnicas da publicidade, seguida da repetição interminável e por sua recitação.

Bibliografia geral consultada.

BRECHT, Bertold, “Teoria de la Radio”. In: Sur le Cinéma. Paris: Éditions L`Arche, 1970; DREIFUSS, René Armand,  State, Class and the Organic Elite: The Formation of an Entrepreneurial Order in Brazil 1961-1965. PhD thesis. Reino Unido: University of Glasgow, 1980; NAVES, Santuza Cambraia, Da Bossa Nova à Tropicália. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004; MIRANDA NETO, Affonso Celso de, A Guitarra Cigana de Pepeu Gomes: Um Estudo Estilístico. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Música. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2006; MOREIRA, Moraes, A História dos Novos Baianos e outros versos. Rio de Janeiro: Editor Língua Geral, 2007; BUZALAF, Márcia Neme, A Censura no Pasquim (1969-1975): As Vozes Não-Silenciadas de uma Geração. Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências e Letras de Assis. Universidade Estadual Paulista, 2009; PEREIRA, Humberto Santos, O Mistério do Planeta. Um Estudo sobre a História dos Novos Baianos (1969-1979). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Social. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2009; AIRES, Max Maranhão Piorsky, “La Crítica es lo más Fácil del Mundo, el Problema es como Pasar a la Acción: Salomon Nahmad y la Antropología en las Políticas Públicas en México”. In: Sociedade e Cultura, volume 16, pp. 209-215, 2013; GALVÃO, Luiz, Novos Baianos: A História do Grupo que Mudou a MPB. São Paulo: Editora Lazuli, 2014; GROHMANN, Rafael do Nascimento, As Classes Sociais na Comunicação: Sentidos Teóricos do Conceito. Tese de Doutorado em Ciências. Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2016; DINIZ, Sheyla Castro, Desbundados & Marginais: MPB e Contracultura nos Anos de Chumbo (1969-1974). Tese de Doutorado em Sociologia. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2017; VELOSO, Caetano, Tropical Truth a Story of Musica & Revolution in Brasil. São Paulo: Editor Alfred Knopf, 2002; Idem, Verdade Tropical. São Paulo: Editora Companhia das Letras; Edição Comemorativa, 2017; DINIZ, Sheila Castro, Desbundando em Anos de Chumbo: Contracultura, Produção Artística e Os Novos Baianos”. In: História (39), 2020; ALENCAR, Itana, OLIVEIRA, Adriana Oliveira, SANTOS, Ana Paula, “Da Fobica à Carreta: Trio Elétrico Completa 70 anos de Desfile no Carnaval de Salvador”. In: https://g1.globo.com/ba/bahia/carnaval/2020/02/20; entre outros.