quarta-feira, 29 de novembro de 2017

As Comunidades - O Drama do Sociólogo de Interpretação Global.

                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga
 
                                 “Substitua burguesia por globalização e eis o mundo atual descrito por Marx”. Alain Touraine
           

            A classificação tradicional dos sociólogos e do nascimento da sociologia como ciência, impele-os à sua relação profissional pelo tipo de sistema social que condiciona seu trabalho e seu objeto - as relações sociais – em uma tipologia social determinada a que são mais sensíveis: os sociólogos das organizações, das instituições políticas ou da historicidade e das classes sociais, e na modernidade, o sociólogo engajado nas universidades. Trata-se da dramatis personæ dos personagens que estão presentes na realidade, mas que não aparecem no palco em tragédias, pois não são considerados parte da dramatis personæ. Diz-se que passou a ser usada nas obras do idioma inglês desde 1730. É evidente, também, que seu uso na divisão internacional do trabalho intelectual sofreu mudanças na sociologia, a partir da posterior utilização na etnologia da expressão “ator social”.  É por isso que o domínio mais difícil de explorar da Sociologia é da eficácia das respostas ao poder. Como compreender academicamente que o reconhecimento do sentido da ação não é jamais dado inteiramente pela consciência do ator? A crítica do poder não se faz em função de um contrapoder. O conhecimento do social não prepara a ordem de amanhã.
            O poder reivindica o sentido para aquele que o detém. Ele só distingue aqueles que participam do poder, por delegação de autoridade ou simples obediência, daqueles que forjam alijados na direção de um não-sentido e utilizados como seres não-sociais. Não há nenhuma sociedade sem o poder, ainda que existam sistemas políticos sem o Estado. Os antropólogos sabem disso, melhor, talvez que em sociologia. Toda sociedade destrói assim, para reconstruir a realidade. Faz um corte nas relações sociais, desfigura o outro e o dessocializa através do preconceito individual ou coletivo, da hostilidade, da repressão ou da exploração. Assim, o poder se reveste de positividade, seja a do Estado no caso das instituições, ou da ideologia, no caso das universidades públicas. O que nos traz de volta ao ponto de partida, pois o sociólogo encontra o poder ou a ideologia.
            No âmbito temático da Antropologia das Civilizações foi Darcy Ribeiro quem percebeu a composição predominantemente “índio-espanhola” dos Povos-Testemunho se diferencia dessas outras variantes explicativas da etnologia americanista porque “suas populações indígenas originais não haviam alcançado um nível de desenvolvimento cultural equiparável ao dos mexicanos ou dos Incas”. É o resultado da seleção de qualidades raciais e culturais das matrizes formadoras, que melhor se ajustaram às condições que lhes foram impostas de fora. O papel decisivo em sua formação foi representado pela escravidão que, operando como força distribalizadora, desgarrava as novas criaturas das tradições ancestrais. São produto tanto da deculturação redutora de seus patrimônios tribais indígenas e africanos, quanto da aculturação seletiva desses patrimônios e da própria criatividade face ao novo meio de reprodução da vida.
            A condição de existência é a mesma que a da liberdade. Pois não há Sociologia possível em uma sociedade sem liberdade. E a liberdade não é um conjunto de medidas protetoras ou um tipo de instituições políticas. Ela é o que vincula uma à outra a reivindicação popular que pode tornar-se ditadura ou terror e a crítica do poder que pode tornar-se defesa de privilégios. Se o sociólogo duvida da importância de sua obra, que ele afirme pelo menos que a sua existência é um sinal de liberdade e que ele deve lutar por ela mesmo que não esteja seguro de merecê-la, pois este é o paradoxo de consequências não intencionais da sociologia. Pois ela se desenvolve nas sociedades liberais e mais vagarosamente onde haja certa defasagem entre o poder econômico, a hegemonia política e o controle cultural. Se esses três domínios do poder se recobrem, e a análise crítica da sociedade passa a depender da boa vontade de um rei filósofo, ela perde quase inteiramente suas condições e possibilidades de existir criticamente.

                                            
            Quanto mais ele critica o poder, suas regras e suas asserções, menos considera a sociedade como uma máquina que funciona “à força de senhas” e mais ainda, por esse movimento, ele aprende a reconhecer o que é próprio da vida social, a natureza de um sistema que produz o seu sentido assumindo em relação a si mesmo um distanciamento que é ao mesmo tempo o da reflexão e o do investimento. Uma sociedade não pode viver senão da tensão entre o distanciamento que ela assume em relação a si mesma e o domínio que ela exerce sobre a sua prática - lugar de origem do poder. Fluxo da inovação, da luta de classes e de relações com a comunidade. Refluxo para a integração social, a comunidade, o poder e a conquista. E como ele deixaria de ser atraído frequentemente pelo que lhe é proibido (a ideologia), mas que se vincula a uma parte de si mesmo, o poder e a conquista para uns, o companheirismo e a disciplina para outros?  

Essa situação impõe apenas um esforço teórico constante de distanciamento do sociólogo em relação ao lugar de onde ele fala. Duvido que alguém se possa tornar sociólogo sem ter adquirido uma experiência direta de sociedades e de meios sociais distantes daqueles em que vive habitualmente. Além dessa formação pessoal também é preciso que a situação profissional do sociólogo lhe permita resistir às pressões culturais e sociais que sobre ele se exercem. O conhecimento sociológico só pode desenvolver-se em um meio que não reproduza as desigualdades sociais, mas que procure reduzi-las. Mas o que ocorre é que os sociólogos estão encerrados em guetos cujo aparente isolamento seria cômodo demais para a ordem social dominante: o pensamento crítico estaria sendo enclausurado como se enclausuram os loucos e os delinquentes e pelas mesmas razões de ordem, para analisar as categorias, normas e discursos da prática. Contudo, o objeto da sociologia não pode ser definido sem a bidimensionalidade dos meios. Esse duplo procedimento deve ou deveria levara a definir o método sociológico. Enfim, é inútil discutir a pertinência relativa da análise qualitativa ou da análise quantitativa. A sociologia não pretende dominar a resposta a essa questão.
Para Ferdinand Tönnies, uma teoria da comunidade teria que aprofundar fundamentalmente sua raiz nas disposições gregárias estimuladas pelos laços de consanguinidade e afinidade, se caracterizando pela inclinação emocional recíproca, comum e unitária; pelo consenso e o mútuo conhecimento íntimo. Postulou, assim, o que seriam suas “leis principais”: a) parentes, cônjuges, vizinhos e amigos se gostam reciprocamente; b) entre os que se gostam, há consenso; c) os que se gostam, se entendem, convivem e permanecem juntos, ordenam sua vida em comum. Partindo destes princípios registrou a existência de três padrões de sociabilidade comunitária: os laços de consanguinidade, de coabitação territorial e de afinidade espiritual, cada qual convergindo para um respectivo ordenamento interativo, como comunidade de sangue (parentesco), lugar (vizinhança) e espírito (“amizade”). F. Tönnies por vezes se referia a elas como elementos de um mesmo plano de desenvolvimento cadenciado, um surgindo como consequência e desdobramento natural de seu antecessor. Ele ainda classificou as relações comunitárias, em três tipos, segundo sua forma: a) as “relações autoritárias”, de modo geral predominantes, repousando na desigualdade de poder e querer, de força e autoridade, considerando o modelo ideal de relação entre pais e filhos; b) as “relações de companheirismo”, originada na isonomia geracional na relação entre irmãos; c) e as “relações mistas”, que combinam as duas formas caracterizadas relação entre cônjuges.  
O trabalho etnológico do sociólogo é fazer sociologia, fazer aparecer o objeto sociológico, para além das normas, das categorias e dos controles da organização social. O sociólogo há muito deixou de ser um mero observador por trás das relações. Sua pesquisa se torna necessariamente uma intervenção, mesmo se ela é recusada ou se os seus efeitos são anulados. Não é mais possível separar ao nível político o estudo da organização e o dos comportamentos sociais. A posição dos atores sociais é menos abstrata, não pode ser mais definida em relação a escalas de estratificação, à distância entre o grupo de pertencimento e os grupos de referência que se constituem em instâncias de poder etc. Ela deve ser expressa diretamente em termos de influência do ator sobre a decisão que o afeta. À observação em uma organização de relações abstratas sucede a pesquisa-ação sobre mecanismos de decisão. O campo de estudo é menos limitado. As relações estudadas são mais fáceis de identificar, já que o ator se define diretamente em relação a outros e não em relação a regras ou escalas.
            A série é uma produção da Grifa Filmes, com direção, roteiro, entrevistas e montagem do cineasta Daniel Augusto, direção de fotografia de Rodrigo Menck, produção executiva de Fernando Dias e Maurício Dias e produção de Kênya Zanatta. No ar semanalmente, em 13 programas, Incertezas Críticas tem o objetivo de apresentar questões contemporâneas relevantes sobre arte, política, literatura, economia, relações internacionais, sociedade e história e permitir ao telespectador entrar em contato com o trabalho dos principais pensadores entrevistados da atualidade. É uma série documental com intelectuais de renome internacional. O objetivo é apresentar debates relevantes, e portanto, conjunturais, além de permitir ao espectador no processo de interação social entrar em contato com o trabalho dos principais pensadores da atualidade.
De acordo com A. Touraine, nenhum comportamento coletivo é um movimento social; pode ser um sinal dele, mas também se explica, ao mesmo tempo, como pressão política ou como reivindicação organizacional. As relações entre os figurantes e sua comum relação com o móvel de sua interação são muito diferentes conforme tenhamos em contra os comportamentos organizacionais, os comportamentos políticos ou os comportamentos de historicidade. Podemos  definir em cada caso as relações entre essas espécies bem distintas de comportamentos coletivos. São outras as dificuldades principais: em primeiro lugar um comportamento de classe é ao mesmo tempo portador de um conflito social e definido por uma relação positiva ou negativa com o poder. As relações de classe incluem ao mesmo tempo conflitos e contradições. Seria contraditório querer aproximar-se de um movimento social como de uma organização profissional, definindo em primeiro lugar seus objetivos e depois seus meios. Quem se satisfaria com a análise da vida religiosa que não passasse da organização e da ação de uma igreja, conforme seu conceito desde Thomas Hobbes?
No Novo Testamento, uma igreja é simplesmente um grupo de cristãos que seguem a Cristo. A palavra pode ser usada para falar de todos aqueles que servem ao Senhor, não importa onde estejam. É neste ambiente de igrejas locais que encontramos homens escolhidos para supervisionar e guiar. Os sistemas comuns de superestruturas de denominações, de ligas internacionais de igrejas e de hierarquias que ligam e até governam milhares de igrejas locais, são invenções do homem. Não há modelo bíblico de tais arranjos. No Novo Testamento, os cristãos serviam juntos em congregações locais. Eles eram gratos pelos seus irmãos em outros lugares. Mas não tentavam criar algum laço de organização onde os cristãos de um lugar pudessem dirigir ou governar o trabalho de discípulos de outro lugar. Este modelo mais claramente se espraia se considerado o ensinamento específico sobre a organização de uma igreja local.
Nesse último sentido, de acordo com Hobbes (2014: 360) é que a Igreja pode ser entendida como uma pessoa, isto é, que ela tenha o poder de querer, de pronunciar, de ordenar, de ser obedecida, de fazer leis ou de praticar qualquer espécie de ação. Se não existir a autoridade de uma congregação legítima, qualquer ato praticado por um conjunto de pessoas é um ato individual de cada um dos presentes que contribuíram para a prática desse ato. Não um ato conjunto, como se fosse de um só corpo. Não é um ato dos ausentes ou daqueles que, estando presentes, eram contra a sua prática. Uma Igreja pode ser definida “como um conjunto de pessoas que professam a religião cristã, ligadas à pessoa de um soberano, que ordena a reunião e que determina quando não deverá haver reunião. Tendo em vista que em todos os Estados semelhantes assembleias são ilegítimas, se não são autorizadas pelo soberano civil, constitui também uma assembleia ilegítima a reunião da Igreja em qualquer Estado em que tiver sido proibida”. É neste sentido que não há no planeta Terra, portanto, qualquer Igreja universal à qual todos os cristãos devam obedecer, uma vez que não há nenhum poder aos quais todos os outros Estados estejam sujeitos, a não ser à nós próprios de forma ogranizada. Nos domínios dos diversos príncipes e Estados, mas cada um deles se sujeita ao Estado do qual é membro, não podendo, por conseguinte, sujeitar-se às ordens de qualquer outra pessoa.

Assim, uma Igreja capaz de mandar, julgar, absolver, condenar ou praticar qualquer outro ato é o mesmo que um Estado civil formado por homens cristãos; o Estado civil tem esse nome por serem seus súditos os homens, enquanto a Igreja é assim denominada pelo fato de seus súditos serem os cristãos. Governo espiritual e temporal são apenas palavras trazidas ao mundo ocidental para confundir os homens, enganando-os quanto a seu soberano legítimo. É preciso haver um único governante, do contrário se origina a facção e a guerra civil, entre a Igreja e o Estado, entre os espiritualistas e os temporalistas, entre a espada da justiça e o escudo da fé, e, o que é pior ainda, no próprio coração de cada cristão, entre o cristão e o homem. Chamam-se pastores os doutores da igreja, bem como os soberanos civis. Entretanto, se entre os pastores não houver alguma subordinação, de forma que haja apenas um chefe dos pastores, serão ministrados aos homens as doutrinas contrárias que poderão ser falsas, e uma delas necessariamente o serão. O soberano civil é o chefe dos pastores, segundo a lei natural. Embora o Estado e a religião estivessem nas mãos dos reis, nenhum deles deixou de ser fiscalizado quando eram bem quistos por suas capacidades naturais ou por sua fortuna.           
O padrão define uma maneira de organização da sociedade, os mecanismos pelos quais se atualiza a sociedade no momento; os dilemas definem as condições geradas pela dinâmica interna dessa forma de organização e que conduzem a obstáculos e direções. Os padrões são as estruturas sociais que limitam a ação dos sujeitos sociais, que os impedem de implantar na realidade a sua vontade e os seus sonhos. A realidade social não é o que se deseja que ela deva ser, e não pode ser mudada apenas com uma vontade moral – exige conhecimento, pesquisa, investigação. Assim, a teoria social correta ofereceria aos sujeitos sociais as possibilidades objetivas das suas ações, conforme a pragmática weberiana, em que as opções que os levariam ao sucesso, à eficácia histórica. Errar na análise histórico-social significa equivocar-se na ação. Por isso, “a análise deve ser sóbria, serena, bem informada, particularizada e objetiva”. Na modernidade da qual falamos, a perda de parâmetros define sem dúvida o mundo moderno em sua facticidade e não pode ser revertida por qualquer espécie de retorno aos bons tempos nem pela promulgação arbitrária de novos parâmetros e valores só e, por conseguinte, uma catástrofe social no mundo moral se se supõe que as pessoas são efetivamente incapazes de julgar todas as coisas per se, que sua faculdade de julgar é inadequada para formar juízos originais e que o máximo que podemos exigir delas é a correta aplicação de regras conhecidas e derivadas de parâmetros já estabelecidos. 
O socialismo cristão é uma tendência dentro do cristianismo que interpreta por  meio das Escrituras, tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento, que o modelo de sociedade socialista é o que mais se aproxima do modelo de sociedade que preze pelo amor, caridade e demais ensinamentos de Jesus, ao passo que o modelo de organização capitalista valoriza princípios opostos ao cristianismo como acumulação de capital e meios de produção, de modo que a fé demanda uma opção consciente pelo socialismo. Em termos políticos, os socialistas cristãos formam um grupo extremamente heterogêneo que se insere desde a esquerda à centro-esquerda, com a compreensão de que toda a Cristandade não pode deixar de buscar o sentido social do ensinamento. O socialismo religioso é uma compreensão da representação do socialismo que se coloca como uma opção de organização social que permite aos cristãos viverem em comunhão.
Historicamente o movimento religioso-socialista dentro da igreja representa um movimento minoritário de grande importância, principalmente para o desenvolvimento da social democracia, no combate aos grupos fascistas e na redemocratização em países como Portugal e Brasil, além de trazer à tona a discussão da relação entre a Igreja e os trabalhadores e da igreja e o socialismo. A base do que representa hoje o “socialismo cristão”, foi iniciado no século XIX, fundamentado pela reflexão das ideias comunistas de Marx como uma tentativa de resposta às desigualdades que surgiram a partir de uma exploração desumana provocada pela quebra da livre concorrência a partir do desaparecimento de leis institucionais conservadoras, que permitiram o crescimento do truste e o surgimento dos grandes monopólios; além de um Estado despreparado para respostas sociais em prol dos mais desfavorecidos. Seus adeptos consideram que o cristianismo é naturalmente uma forma de socialismo. A fé cristã o vê como um sistema injusto e de consequências funestas. O que se entende por socialismo influenciado pelas ideias de Marx, representava a vontade de se criar um Estado laico.
A sociologia não teria podido existir antes que as sociedades pudessem ser pensadas como o produto de sua ação. Sua formação põe fim à subordinação dos fatos sociais a outras esferas sociais de análise, a saber: religiosa, jurídica ou econômica. A Sociologia, explicação dos sistemas sociais globais e das relações sociais substitui assim as intepretações que as sociedades anteriores davam de sua organização e de sua evolução. Ipso facto é com razão que Marx (2011) afirma a este respeito: - a conclusão geral a que cheguei e que, uma vez adquirida, serviu de fio condutor dos meus estudos, pode formular-se resumidamente assim: na produção social de sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e á qual correspondem determinadas formas de consciência social. O objeto da humanidade - o modo de produção da vida material - , diz Marx, condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em geral.
Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência. É por isso que a humanidade só levanta os problemas que são capazes de resolver e assim, numa observação atenta, descobrir-se-á que o próprio problema só surgiu quando as condições materiais para resolvê-lo já existiam ou estavam, pelos menos, em via de aparecer. Assim, a abstração mais simples, metodologicamente falando, que a economia política moderna coloca em primeiro lugar e que exprime uma relação muito antiga e válida para todas as formas de sociedade, só aparece, no entanto sob esta forma abstrata como verdade prática enquanto categoria da sociedade mais moderna. Poder-se-ia dizer que esta indiferença em relação a uma forma determinada de trabalho, que se apresenta nos Estados Unidos como produto histórico, se manifesta na Rússia, por exemplo, como uma disposição natural. Este exemplo do trabalho mostra com toda a evidência que até as categorias mais abstratas, ainda que válidas – precisamente por causa da sua natureza abstrata – para todas as épocas, não são menos, sob a forma determinada desta mesma abstração, o produto de condições históricas e só se conservam plenamente válidas nestas condições e no quadro destas. Como, além disso, a sociedade burguesa é apenas uma forma antitética do desenvolvimento histórico, há relações que pertencem a formas de sociedades superiores anteriores que só poderemos encontrar nela completamente debilitadas ou até disfarçadas. Por exemplo, a tópica da propriedade comunal.
O que se chama desenvolvimento histórico baseia-se, ao fim e ao cabo, sobre o fato de a última forma considerar as formas passadas, como jornadas que levam ao seu próprio grau de desenvolvimento, e dado que ela raramente é capaz de fazer a sua própria crítica, e isto em condições bem determinadas – não estão naturalmente em questão os períodos históricos que consideram a si próprios como épocas de decadência -, concebe-as sempre sob um aspecto unilateral. Enfim, a religião cristã só pode ajudar a compreender objetivamente as mitologias anteriores, depois de ter feito, até certo grau, por assim dizer dünámei, a sua própria crítica.  Igualmente, afirma Marx, a economia política burguesa só conseguiu compreender as sociedades feudais, antigas e orientais, no dia em que compreendeu a autocrítica da sociedade burguesa. Na medida em que a economia política burguesa, criando uma nova mitologia, não se identificou pura e simplesmente com o passado, a crítica que fez às sociedades anteriores, em particular à sociedade feudal contra a qual tinha ainda que lutar diretamente, assemelha-se à crítica do paganismo feita pelo cristianismo, ou a do catolicismo feita pela religião protestante.
Pensadores católicos modernos apoiaram-se tanto nos textos de Max Weber no que diz respeito ao aspecto de influência protestante quanto nos de Bernard Groethuysen para afirmar que “o ethos católico é anticapitalista”. Essa afirmação se encontra no livro de Amintore Fanfani, Catholicism, Protestantism and Capitalism, publicado em 1935. Como exemplo de Weber, o autor – na época um jovem intelectual católico que depois se tornaria um dos líderes do Partido Democrata Cristão e primeiro ministro da Itália – define o capitalismo como um sistema de racionalização econômica à prova de influências externas. Para Fanfani, se o protestantismo favorece a supremacia do espírito capitalista, ou melhor, legitima-o e santifica-o – tese de Weber, revista e corrigida por Hector Menteith Robertson -, “existe um abismo intransponível entre as concepções da vida católica e capitalista”. Por causa desse abismo, o catolicismo mostra uma “repugnância muito marcada” pelo capitalismo – não por um ou outro de seus aspectos, pois quase todos são acidentais, mas pela própria essência do sistema.   Evidentemente, nem todos os intelectuais católicos concordam com uma concepção tão radical, e o próprio Amintore Fanfani, quando foi primeiro-ministro depois da guerra, comportou-se como um administrador típico da economia capitalista.  
            
Apesar disso, seu livro se tornou como diz Michael Novak num novo prefácio escrito em 1984, um “locus classicus do sentimento anticapitalista entre os intelectuais católicos”. Michael Novak, eminente neoconservador religioso norte-americano, é um bom exemplo do pensamento católico pró-capitalista. E, no entanto, segundo Löwy (2014: 86 e ss.), as numerosas queixa que ele faz contra o que chama de “preconceito anticapitalista do catolicismo” e a desaprovação explícita do que considera uma falha grave de sua própria tradição religiosa é uma prova, ainda que involuntária, da existência de uma espécie de “afinidade negativa” ou antipatia cultural entre a ética católica e o espírito do capitalismo. Novak acusa a igreja católica de ser excessivamente conservadora. E não há dúvida de que esse preconceito anticapitalista do catolicismo e essa hostilidade contra a sociedade burguesa moderna tiveram, desde o princípio, uma orientação poderosamente conservadora, restauradora, retrógrada – em suma, reacionária. Além disso, ela tomou frequentemente a forma sinistra do antissemitismo, o judeu servindo de bode expiatório pelos males resultantes da usura, do poder corruptor do dinheiro e da ascensão do capitalismo. Paralelamente a essa tendência dominante, existia outra sensibilidade católica, motivada, por certa simpatia pelos sofrimentos dos pobres e atraídas também em certa medida pelas utopias socialistas e comunistas.  
Aliás, é interessante notar que vários desses autores utopistas, dentre eles Ernest Bloch, Eric Fromm, serviram-se da obra de Max Weber para denunciar o protestantismo e celebrar a civilização católica moderna – o que é absolutamente contrário á intenção do autor de A ética protestante e o espírito do capitalismo. Contudo, poucos escritores socialistas elaboraram uma crítica mais profunda, radical e corrosiva da sociedade burguesa moderna, do espírito de acumulação capitalista e da lógica impessoal do dinheiro do que Charles Péguy. Ele fundou uma tradição especificamente francesa de anticapitalismo progressista cristão (principalmente católico, mas, ás vezes, ecumênico) que perdurou no século XX por meio de figuras tão diversas quanto Emmanuel Mounier e seu grupo reunido em torno da revista Esprit, o pequeno movimento de cristãos socialistas na época da Frente Popular e a rede de resistência antifascista Testemunho Cristão durante a 2ª guerra mundial (1941-45). Sem contar com os padres operários engajados através dos anos 1940 e 1950, os diversos movimentos e redes cristãos, além de boa parte da juventude católica, que nos anos 1960 e 1970 simpatizou ativamente com diversos movimentos socialistas, comunistas ou revolucionários, que desde o fim da guerra manifestaram grande interesse pelo marxismo e pelo socialismo: Henri Desroche, Jean-Yves Calvez, Marie-Dominique Chenu, Jean Cardonnel, Paul Blanquart e muitos outros.
Embora haja cristãos socialistas ligados à Igreja católica em muitos países, não encontramos em nenhum outro – fora da América Latina – uma tradição religiosa anticapitalista de esquerda tão ampla e considerável como na cultura católica francesa. Não é à toa que nas primeiras manifestações de cristianismo progressista na América Latina – a esquerda cristã brasileira de 1960-1962, cujo protagonista principal foi a Juventude Universitária Católica (JUC) – estivessem diretamente ligadas a essa cultura francesa.  A chamada “Igreja dos pobres” da América Latina é herdeira da rejeição ética do capitalismo pelo catolicismo – a “afinidade negativa” – e, sobretudo dessa tradição francesa e europeia de socialismo cristão. Herbert de Souza, o Betinho, um dos principais dirigentes da JUC brasileira, prestou homenagem ao ethos anticapitalista católico tradicional num artigo publicado em 1962. O cristianismo da libertação na América Latina, na realidade, não é simplesmente um prolongamento do anticapitalismo tradicional da Igreja. É essencialmente criação de uma nova cultura religiosa, que exprime as condições específicas da América Latina: capitalismo dependente, pobreza em massa, violência institucionalizada, religiosidade popular, de consequências político-religiosas consideráveis, com sua profunda aversão ao cosmo capitalista.    
Bibliografia geral consultada.
TÖNNIES, Ferdinand, Comunidad y Sociedad. Buenos Aires: Ediciones Losada, 1947; ARON, Raymond, Dimension de la Conscience Historique. Paris: Union Générale d`Éditions, 1961; MARX, Karl, O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1969; ALTHUSSER, Louis, “Contradição e Sobredeterminação”. In: Análise Crítica da Teoria Marxista. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967; Idem, “Idéologie et Appareils Idéologiques d`Etat”. In: Pensée. Paris, jun. 1970; FERNANDES, Florestan, Comunidade e Sociedade: Leitura sobre Problemas Conceituais, Metodológicos e de Aplicação. São Paulo: Editora Nacional; Editora da Universidade de São Paulo, 1973; TOURAINE, Alain, Sociologie de l`action. Paris: Éditions du Seuil, 1965; Idem, Production de la Societé. Paris: Éditions du Seuil, 1973; Idem, La Voix et le Regard. Paris: Éditions du Seuil, 1978;  HALL, Stuart, “et al”, Da Ideologia. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980; GIDDENS, Anthony, As Consequências da Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991; LAGAZZI-RODRIGUES, Suzy, A Discussão do Sujeito no Movimento do Discurso. Tese de Doutorado. Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1998; MIRANDA, Orlando, “Tönnies e Marx: Utopia, Valor e Contradição”. Disponível em: Revista da USP. São Paulo, vol. 36, 1998; MERLEAU-PONTY, Maurice, As Aventuras da Dialética. Rio de Janeiro: Editora Martins Fontes, 2006; FARFÁN, Rafael, Comunidad y Sociedad. Ferdinand Tönnies y los Comienzos de la Sociología en Alemania (1887-1920). México: Universidad Autónoma de México - UAM Azcapotzalco, 2007; BRACALEONE, Cássio, “Comunidade, Sociedade e Sociabilidade: Revisitando Ferdinand Tönnies”. In: Revista de Ciências Sociais, Volume 39, n° 1, 2008; MARX, Karl, Contribuição à Crítica da Economia Política. 4ª edição. São Paulo: Editora WMF/Martins Fontes, 2011; HOBBES, Thomas, Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. 1ª edição. São Paulo: Editora Martin Claret, 2014; LÖWY, Michael, A Jaula de Aço: Max Weber e o Marxismo Weberiano. 1ª edição. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014; PAVAM, Rosane Barguil, Retratos Épico Cômico - Se Sica, Totiò e a Commedia all`italiana. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História Social. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade São Paulo, 2016; GOES, Allisson, “O Indivíduo na Perspectiva de Alain Touraine e Anthony Giddens”. Revista Argumentos. Departamento de Política e Ciências Sociais. Montes Claros: Universidade Estadual de Montes Claros. In: Montes Claros, vol.14, n°2, pp.127-143, jul./dez-2017; 
entre outros.

sábado, 25 de novembro de 2017

Nietzsche & Köselitz - A Formação Real & Integridade da Amizade.

                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

                                  “Só o que se transforma continua meu amigo”. Friedrich Nietzsche

                       
            A expressão nietzschiana vontade de poder significa, consequentemente: vontade, tal como comumente se compreende. Mas mesmo nessa explicação reside ainda uma incompreensão possível. A expressão “vontade de poder” não diz, em sintonia com a opinião habitual, nas relações sociais em que desenvolve que a expressão é, em verdade, um tipo de desejo, que apenas possui, ao invés da felicidade e do prazer, “o poder como meta”. Sem dúvida alguma, Friedrich Nietzsche mesmo fala em muitas passagens dessa forma, a fim de se fazer provisoriamente compreensível. No entanto, na medida em que estabelece o poder como meta para a vontade, ao invés da felicidade, do prazer ou da supressão da vontade, ele não altera apenas a meta da vontade, mas a determinação essencial da própria vontade como meio de luta. Tomado estritamente no sentido do conceito nietzschiano da vontade, o poder nunca pode ser pressuposto previamente como meta para a vontade, como se o poder fosse algo que pudesse ser estabelecido inicialmente como estando fora da vontade. É neste sentido que se pode afirmar, sem temor à erro, que a vontade é decisão por si mesma de um assenhoramento que se estende para além de si; porquanto a vontade é querer para além de si, a vontade é potencialidade que se potencializa para o poder.   
            Somente quando se tiver apreendido o conceito nietzschiano de vontade segundo esses aspectos gerais, será possível compreender aquelas caracterizações com as quais Nietzsche procura frequentemente indicar o que está presente na simples palavra vontade. Portanto, o termo “poder” nunca visa a um complemento da vontade, mas significa uma elucidação da essência da própria vontade. Ele denomina a vontade e com isso a vontade de poder – um “afeto”; ele diz até mesmo: - Minha teoria seria a seguinte: - a vontade de poder é a forma primitiva de afeto, todos os outros afetos não passam de configurações suas. Nietzsche também denomina a vontade uma “paixão” ou um “sentimento”. Se se compreendem tais descrições como geralmente acontece, ou seja, a partir do campo de visão de nossa psicologia habitual, então se cai facilmente na tentação de dizer que Nietzsche transpõe a essência da vontade para o interior do “elemento emocional”, arrancando-a das más interpretações racionais que foram levadas a termo pelo meio do idealismo, pois para ele, os afetos são formas de vontade; a vontade é afeto. Denomina-se tal procedimento uma definição circular, própria em seu encadeamento. Nietzsche diz com boa razão que a vontade de poder é a forma originária de afeto. Não diz com isto simplesmente que ela é um afeto, apesar de frequentemente encontramos essas formulações em suas apresentações superficiais e defensivas. 



            O poder só se potencializa na medida em que se torna senhor sobre o nível de poder a cada vez alcançado. O poder, então, só é e só permanece sendo poder enquanto permanece elevação do poder e comanda para si o mais no poder. A essência do poder pertence à superpotencialização de si mesmo que emerge do próprio poder, na medida em que é comando e, enquanto comando, apodera-se de si mesmo para a superpotencialização do respectivo nível de poder que se potencializa. O poder está constantemente a caminho “de si” mesmo, não apenas de um próximo nível de poder, mas do apoderamento de sua própria essência. Por isso, ao contrário do que se pensa, a contra-essência em relação à vontade de poder não é a “posse” de poder alcançada em contraposição à mera “aspiração por poder”, mas a “impotência para o poder”. Nesse caso, vontade de poder não significa outra coisa senão “poder para o poder”, o que significa antes: apoderamento para a superpotencialização. Melhor dizendo, da subjetividade incondicionada da vontade de poder/eterno retorno e da composição técnica. Somente o poder para o poder assim compreendido toca a essência plena do poder. Nessa essência do saber e do poder, a essência da vontade enquanto permanece vinculada como comando.
            A paixão assim compreendida lança novamente uma luz sobre o que Nietzsche denomina vontade de poder. A vontade é de-cisão na qual o que quer se expõe de maneira mais ampla ao ente, a fim de mantê-lo na esfera de seu comportamento. Não o acontecimento e a excitação são agora característicos, mas expansão clarividente do campo de vinculação que é ao mesmo tempo uma reunião da essência que se encontra na paixão. O afeto representa o acontecimento que nos agita cegamente. A paixão representa a expansão clarividente e reunidora do campo de vinculação ao ente. Como a paixão restaura nosso ser, nos libera e nos deixa soltos para os seus fundamentos; como a paixão é, ao mesmo tempo, a expansão do campo de vinculação até a amplitude do ente, por isso pertence à paixão – e o que se tem em vista aqui é a compreensão explicativa da grande paixão que pode ser dispendiosa e engenhosa. Não lhe pertence apenas a “capacidade de potência”, mas mesmo a necessidade de retribuir, e, ao mesmo tempo, aquela despreocupação quanto ao que acontece com o dispêndio com o dispêndio, aquela superioridade que repousa em si mesmo e que caracteriza as grandes vontades. Paixão não tem nada a ver com um mero desejo, não é coisa apenas estimulada dos nervos, da exaltação ou do excesso. Se entendermos que é verdade em Nietzsche que a vontade de poder é o caráter fundamental de todo ente e se determina agora a vontade como um sentimento paralelo  e compatível ao de prazer, as duas concepções não são sem mais compatíveis.   
O mundo para Friedrich Nietzsche não é ordem e racionalidade, mas desordem e irracionalidade. Seu princípio filosófico não era, portanto, Deus e razão, mas a vida que atua sem objetivo definido, ao acaso, e, por isso, se está dissolvendo e transformando-se em um constante devir. A única e verdadeira realidade “sem máscaras”, para Nietzsche, é a vida humana tomada e corroborada pela vivência do instante. Nietzsche era um crítico: a) das “ideias modernas”, b) da vida social e da cultura moderna, c) do neonacionalismo alemão, e, para sermos breves, d) Para ele, os ideais modernos como democracia, socialismo, igualitarismo, emancipação feminina não eram senão expressões da decadência de determinado “tipo homem”. Por estas razões, é, por vezes, apontado como um precursor da concepção de pós-modernidade. A figura de Nietzsche foi particularmente idealizada na Alemanha Nazi, num processo político em que  opta, mas não decide, tendo sua irmã, simpatizante do regime, fomentado esta associação. Como dizia Martin Heidegger, ele próprio um raro nietzschiano, “na Alemanha se era contra ou a favor de Nietzsche”. que em toda a vida, tentou explicar o insucesso de sua literatura, concluindo de que “nascera póstumo”, para os leitores do porvir. 

Em que medida a vontade de poder é a forma originária de afeto, ou seja, em que medida ela é aquilo que constitui absolutamente o ser do afeto? Nietzsche não dá quanto a isso, segundo Heidegger, nenhuma resposta clara e exata, assim como não responde sobre o que é uma paixão e o que é um sentimento. Nem a resposta dada por ele nos leva imediatamente adiante, mas nos coloca diante de uma tarefa: procurar vislumbrar pela primeira vez a partir do que é conhecido como afeto, paixão e sentimento, aquilo que caracteriza a essência da vontade de poder. Por meio daí resultam determinados caracteres que são apropriados para tornar mais clara e mais rica a delimitação do conceito essencial de vontade até aqui. Nós mesmos precisamos levar a cabo esse trabalho. No entanto, as perguntas (o que é afeto, paixão e sentimento?), permanecem sem solução. Com essas três noções, que podem ser indiscriminadamente substituídas umas pelas outras, circunscreve-se o assim chamado lado não racional da vida psíquica. Tal asserção pode ser suficiente para a representação habitual, mas não é certamente suficiente para um saber verdadeiro, nem tampouco para um saber que está empenhado em determinar o ser do ente. Nietzsche está visivelmente pensando nesse momento essencial do afeto aquando pretende buscar caracterizar a vontade a partir daí.
Agora a concepção de Nietzsche contamina a reflexão crítica na filosofia e inevitavelmente na chamada 7ª Arte. O trágico  será afirmativo e não reativo. O reativo, dialético, é simplesmente conservação de força frente ao inesperado. Que precisa do controle e da submissão daquele que é atingido pelo inusitado. O trágico afirma-se na consciência plena do acaso como constituinte da própria realidade e o “cosmiza” ativamente e não reativamente. O trágico não só afirma a necessidade a partir do acaso, como afirma o próprio acaso. Não só afirma a ordem a partir da desordem, como afirma a própria desordem. Não só afirma o cosmos a partir do caos, como afirma o próprio caos. Reitera, sobretudo, o próprio devir. Essa é a grande inversão que potencializa a vontade de Nietzsche. Que tira do pensamento qualquer pressuposição de sentido e valor, para construí-los no “jogo de forças” visando expansão de potência. A tese de Nietzsche em relação ao pensamento ocidental pressupõe que o sentido e valor já uma é Der Wille zur Macht, se afirmando como força e moldando os agentes a reagirem contra aquilo que constitui a realidade: a falta de valor em si e de sentido próprio.            
Nos últimos anos de sua atividade intelectual criadora, Nietzsche gostava de caracterizar seu modo de pensar como “filosofar com o martelo”. Na sua própria opinião esse termo é plurívoco: o que menos lhe cabe é o significado de despedaçar  grosseiramente como um pedreiro com o martelo de demolir. Ele significa muito mais: arrancar o conteúdo e a essência, arrancar a figura da pedra; ele significa, antes de tudo: auscultar e ouvir todas as coisas como o martelo, para ver se elas dão ou não aquele conhecido som oco - perguntar se ainda há alguma gravidade e algum peso nas coisas ou se todos os fiéis da balança foram apagados das coisas. É para essa direção do entendimento que se encaminha a vontade nietzschiana de pensar: dar uma vez mais um peso às coisas. O que em Nietzsche é uma necessidade, é, por isso mesmo, um direito, nunca vale para os outros; pois Nietzsche é quem ele é, e ele é único. Entretanto, essa unicidade ganha em determinação e só se torna frutífera se for vista no interior do movimento fundamental constituído de pensar através da herança de matriz ocidental.
    Nietzsche:  new book to Heinrich Köselitz.
Peter Gast, pseudônimo de Johann Heinrich Köselitz (cf. Oliveira, 2011; Peterlevitz, 2015; Astor, 2017) foi um compositor alemão, mais conhecido por ter sido, durante muitos anos, amigo de Friedrich Nietzsche, que lhe deu o pseudônimo Peter Gast. É preciso desde já atentar para algumas problemáticas levantadas pela análise de Wagner e seu recurso à noção de “melodia absoluta”. Essa questão é tão velha quanto a invenção da monodia acompanhada da qual surgirá a ópera no início do século XVII, em torno das atividades teóricas e práticas da Carmerata Fiorentina. Houve um intenso embate entre os que visavam tomar como princípio a máxima “prima le parole, e poi la musica” e os que defendiam a proposição contrária. Ao curso de uma década de reflexões sobre a ópera, Nietzsche e Gast perceberam a transformação das querelas nacionais e estilísticas do século XVIII em oposições metafísicas como sintoma de uma superinvestida idealista, niilista e reativa do problema filosófico. Este século cantou derradeiramente, representando o século do entusiasmo, dos ideais e sentimentos partidos e da felicidade fugaz, pois até basicamente o fim do século a música possuía uma função social mais prática que estética e artística.                              
Em Basileia, desenvolveu-se a amizade entre Köselitz e Nietzsche. Na literatura nas ciências sociais sobre o tema, a amizade é vista em geral como uma relação afetiva e voluntária, que envolve práticas de sociabilidade, trocas íntimas e ajuda mútua, e necessita de algum grau de equivalência ou igualdade entre amigos. Nessa discussão, a amizade é alocada estritamente no domínio privado da vida social. Ipso facto alguns estudos mais recentes demonstram como os significados da amizade em contextos históricos distintos, mas em análise comparada, vão realçar esses termos, que, por sua vez, se demonstram entrelaçados, socialmente, com uma forma especificamente ocidental e moderna de pensar a pessoa e sua relação com os outros, problematizando, sobretudo sua localização na esfera privada. Subjacente a essa regra de interpretação estava a ideia de que a espontaneidade e a falta de autocontrole, poderiam ser vistas como uma imposição em termos de tempo e espaço pessoal. Em relações nas quais não havia confiança na aceitação desse tipo de comportamento social.
Johann Köselitz colaborou na preparação de todos os trabalhos de Nietzsche depois de 1876, revendo os manuscritos para enviá-los à tipografia, e, por vezes, também interferindo na formatação do texto final. O rompimento de Friedrich Nietzsche com Richard Wagner e a sua procura por uma estética do sul, que o imunizasse contra o melancólico norte alemão, fizeram-no superestimar Köselitz como músico: -“Eu não sei como poderia passar sem Rossini; muito menos, sem o meu próprio sul na música, a música do meu maestro veneziano 'Pietro Gasti'”. Como secretário, Köselitz foi de uma dedicação absoluta; a propósito de seu ensaio: “Humano, Demasiadamente Humano”, Nietzsche dizia que Peter Gast o escrevera e corrigira: “fundamentalmente, foi ele o verdadeiro escritor, enquanto eu fui apenas o autor”. Köselitz adorava seu professor, envolvendo-se com ele ao ponto da autonegação. Gast teria corrigido seus escritos, mesmo após o reconhecido “colapso do filósofo” vítima de um distúrbio, provavelmente causado pela sífilis, em seus últimos anos de vida e cuja evolução pode ser percebida em suas obras e sem a sua aprovação - o que é duramente criticado, com razão, pelos inúmeros estudiosos.
A evolução da doença se divide esquematicamente em três fases: na primeira a infecção fica restrita aos órgãos genitais; na segunda, alastra-se pelo organismo; na terceira causa paralisia progressiva, apresentando sinais de demência. Nietzsche adoeceu em 1873, mas só se afastou da atividade docente na Universidade da Basiléia em 1879 − quando sua voz era quase inaudível para os alunos. Os sintomas da demência só se tornaram perceptíveis dez anos depois, mas os primeiros sinais de deterioração intelectual já aparecem nos manuscritos de 1887. O que se observa, a partir de A Gênese da Moral, é a passagem do pensador que escreve com força e determinação, de forma densa e ao mesmo tempo sintética, para outro atípico parecendo incapaz de afrontamentos habituais, que se perde entre notas e apontamentos publicados postumamente e cuja organização lógica, com razão, ainda é alvo de críticas. Nessa mesma época, o filósofo alemão redige quatro panfletos pouco concisos, contraditórios e difusos, que parecem manuscritos sob alguma forma de pressão, e com a irradiação social de seus prediletos leitores já esperavam encontrar em volumes de filosofia. 

Na Primavera de 1881, durante uma visita a Recoaro, comuna italiana da região do Vêneto, província de Vicenza, Nietzsche criou o pseudônimo de Peter Gast para Köselitz, que “assim passou a assinar suas composições musicais”. Dentre essas, a mais ambiciosa foi a ópera cômica em três atos “O leão de Veneza” (“Der Lowe von Veneza”). Em 1880, Gast e Nietzsche tentaram por várias vezes encená-la, em vão. A estreia ocorreu apenas em fevereiro de 1891, em Gdansk, com a direção de Carl Fuchs, mas sob o título original “Die Ehe heimliche” (“O casamento secreto”). Tardiamente em 1930, foi reintroduzido o título sugerido por Nietzsche. Mas quando Nietzsche retorna a Gioachino  Rossini, dez anos mais tarde, para evocá-lo em “Opiniões e Sentenças dDversas”, ele ainda não conhece o compositor pessoalmente. É somente em 1881 que Nietzsche afirma ter assistido, sem dúvida pela primeira vez a ópera de Gioachino Rossini, intitulada: Semiramide. Trata-se de uma breve menção em um cartão postal endereçado a Peter Gast, pseudônimo inventado de Heinrich Köselitz, enviado de Gênova: - “Eu estive - e digo isso com muita seriedade, por culpa sua - no teatro, onde eu assisti a Semiramide de Rossini e “Giulietta e Romeo” de Bellini (esta quatro vezes)”.
É, portanto, por conta dos conselhos de Peter Gast que Nietzsche, que provavelmente não tomaria a iniciativa por si própria, vai escutar esses compositores. Nietzsche preferiu assistir a quatro representações sucessivas de Bellini, uma música mais elegíaca, marcada, portanto pelo sofrimento, se comparada aos fastos solenes de Semiramide, última obra de Rossini para a Itália, na qual brilhava o último fogo do gênero, agora apagado, da ópera considerada séria. Mas, é ainda por estímulo de Gast que Nietzsche, entre 1881 e 1888, aprenderá a conhecer a obra lírica de Gioachino Rossini. Não queremos perder de vista sua popularidade no início do século XIX, o compositor erudito italiano Gioachino Rossini escreveu 39 óperas, além de vários trabalhos para música sacra e música de câmara. O músico era célebre pela velocidade com que compunha suas obras. Em poucos dias, o artista criava composições que se tornaram clássicos da música erudita, como “O Barbeiro de Sevilha”, composta em apenas três semanas. Além desta ópera, “Sinfonia Fina” resgata a memória de outras produções importantes e conhecidas da obra de Rossini como “Guilherme Tell” e “La Gazza Ladra”. As composições do músico erudito foram interpretadas pela Orquestra Sinfônica de São José dos Campos em grande estilo. Diferentemente da parcela significativa dos compositores românticos, Gioachino Rossini obteve êxito financeiro e conseguiu ganhar dinheiro com suas composições de música erudita. O autor escrevia óperas profissionalmente de encomenda e trabalhou para companhias europeias em seu tempo. Nesse período, Gioachino Rossini chegou a compor até vinte obras líricas. Era comum atribuir à sua genialidade que havia uma “febre rossiniana” no continente.  



É Nietzsche que, por uma troca de gentilezas, recomenda a Gast a leitura de Vida de Rossini, de Stendhal e envia-lhe um exemplar em 21 de março de 1881. Gast fica entusiasmado: - “Pela extrema alegria que Stendhal me proporcionou, eu devo dizer-te ainda uma palavra repleta de reconhecimento (...). Eu estou impressionado com a acuidade de seu olhar sobre o horizonte histórico no seu livro sobre Rossini” . Alguns dias mais tarde, ele decide até mesmo tomar, a partir de agora, Stendhal como guia, a fim de “dissipar as névoas propagadas há 50 anos por sobre a música”. Quando, confrontado com as dificuldades de concepção de seu Leão de Veneza, ele sonha, em dezembro de 1881, com uma criação futura no Fenice de Veneza, a ideia que o emociona é que tanto Tancredi quanto Sigismondo de Rossini tinham sido criados nesse teatro 70 anos antes. Até 1888, Gast é um dos raros interlocutores de Nietzsche acerca da ópera e o único com o qual Nietzsche, em suas cartas, trata sobre Rossini. Durante um século, e até a tomada de consciência da necessidade de uma arte nacional no final do século XVIII, a Alemanha assistiu a esse conflito franco-italiano como uma espectadora idealizadora ou como uma espécie de epígono no plano dessa disputa.
O sucesso de Nietzsche, entretanto, sobreveio quando um professor dinamarquês leu a sua obra: “Così Parlò Zarathustra” (cf. Nietzsche, 1968) e, então, tratou de difundi- la, em 1888. Em 3 de janeiro de 1889, como vimos, Nietzsche sofreu um colapso mental. Teria testemunhado “o açoitamento de um cavalo no outro extremo da Piazza Carlo Alberto”. Então correu em direção ao cavalo, jogou os braços ao redor de seu pescoço para protegê-lo e em seguida, caiu no chão. Nos dias seguintes, Nietzsche enviou escrito breve conhecido como: “Wahnbriefe” em português: “Cartas da loucura” – para um número de amigos, entre eles, Cosima Wagner, filha do pianista húngaro Franz Liszt com a Condessa Marie d`Agout e Jacob Burckhardt, filósofo da história e da cultura suíça, autor de obras sobre a cultura e história da arte. Muitas destas cartas foram curiosamente assinadas “Dionísio”. Embora a maioria dos analistas considere “seu colapso como alheios à sua filosofia”, Georges Bataille (1967) chegou a insinuar que sua filosofia pudesse tê-lo enlouquecido e a psicanálise “post-mortem”, de René Girard, postula uma “rivalidade de adoração” com Wagner. 
As composições de Wagner, particularmente do fim do período, são notáveis por sua complexidade, harmonias ricas e orquestração, e o elaborado uso de Leitmotiv: temas musicais associados com caráter individual, lugares, ideias ou outros elementos. Inicialmente estabeleceu sua reputação como um compositor de trabalhos como Der fliegende Holländer e Tannhäuser, transformando assim as tradições românticas de Carl Maria von Weber e Giacomo Meyerbeer em um pensamento operístico de seu conceito de Gesamtkunstwerk. Isso permitiu atingir a síntese de todas as artes poéticas, visuais, musicais e dramáticas, sendo anunciada numa série de ensaios entre 1849 e 1852. Entretanto, seus pensamentos sobre a relativa importância da música e o drama mudaram novamente e ele reintroduziu algumas formas tradicionais da ópera em seu último estágio, incluindo Die Meistersinger von Nürnberg. Wagner foi o pioneiro em avanços da linguagem musical e no desenvolvimento da música erudita europeia. Sua ópera Tristan und Isolde é inúmeras vezes descrita como marco de desenvolvimento da música moderna. A influência de Wagner vai além da música.
É também sentida na filosofia, literatura, artes visuais e teatro. Ele teve sua própria casa de ópera, o Bayreuth Festspielhaus. Foi nessa casa que Ring e Parsifal tiveram suas premières mundiais e onde suas obras mais importantes continuam a ser produzidas e irradiadas até hoje, em um festival anual dirigido por seus descendentes. Se quisesse, Richard Wagner em Desdren poderia levar uma vida tranquila e livre de preocupações financeiras, totalmente dedicadas à sua arte. E seria isso que teria acontecido se ele não tivesse se metido em política. Tudo começou quando Wagner tentou introduzir uma série de reformas na orquestra do teatro, cujo principal objetivo era “melhorar o desempenho dos músicos a um nível que lhe satisfizesse”. Os salários eram baixos, e os músicos forçados a trabalhar demais, com prejuízo à saúde e queda no nível de qualidade. Uma das primeiras coisas que Wagner notou no meio artístico e musical foi a discrepância enorme entre os salários irrisórios dos músicos da orquestra e as somas exorbitantes angariadas por certos cantores solistas com muito menos talento musical. Essa degradação do processo de trabalho ele estava disposto a corrigir. Músicos velhos deveriam ser aposentados, e instrumentos velhos substituídos por  novos. O sistema de promoção deveria ser baseado no talento musical, não no tempo de serviço. Ao insistir nas reformas Wagner passou a ser mal visto pelos seus superiores.
Em fevereiro de 1848, no mesmo mês em que Marx & Engels publicaram o Manifesto do Partido Comunista, inscrevendo no plano teórico, histórico e ideológico a importância dos comunistas organizados num partido único, repercutiu na França a revolução que depôs Luís Filipe, o rei burguês. Ele foi declarado rei em 1830 depois de Carlos X ter sido forçado a abdicar. Seu reino, reconhecido como a Monarquia de Julho, foi dominada por ricos burgueses e vários ex-oficiais napoleônicos. Ele seguiu políticas conservadoras a partir de 1840, especialmente sob a influência de François Guizot, promoveu uma amizade com o Reino Unido e apoiou uma expansão colonial, notavelmente a conquista da Argélia. Sua popularidade diminuiu sendo forçado a abdicar em fevereiro de 1848, vivendo o resto da vida em exílio no Reino Unido. Levou vida precária no estrangeiro e, para manter-se, trabalhou como professor num colégio de Reichenau. Quando o pai foi executado (1793), herdou o título de duque de Orléans o que fortaleceu suas aspirações conservantistas dinásticas. Viveu dois anos nos Estados Unidos e no Reino Unido (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte). Durante o período napoleônico (1804-14), conseguiu reconciliar os Orléans com o rei francês exilado Luís XVIII. Em 1809 foi para a Sicília e casou-se com Maria Amélia de Bourbon, princesa das Duas Sicílias, filha do rei Fernando I das Duas Sicílias.
Aos gritos de Liberté, l'Égalité ou la Mort, sublevações vingaram pela Europa contra as monarquias absolutas. Na Itália e na Alemanha os revolucionários tinham por objetivo a unificação destes países. Wagner também ficou entusiasmado pelos ideais revolucionários. De repente, a música passou para segundo plano nas suas preocupações imediatas e a política para o primeiro. No mesmo ano, o militante anarquista russo Mikhail Bakunin se refugiou em Dresden, e com Richard Wagner se uniram em amizade. Somente numa sociedade alemã radicalmente transformada Wagner podia ver a possibilidade de realização de sei idealismo radical que, nessa época eram fortemente anarquistas, posto que ele odiasse a pomposidade e a perversidade da corte de Dresden. Ele sonhava com a criação de uma nova sociedade alemã, na qual o Volk encontraria expressão numa nova cultura alemã universal. Movido por esses ideais, Wagner entrou para o Vaterlandsverein, partido político fundado em março de 1848 para lutar pela  democracia. Wagner, Bakunin e outros revolucionários debatiam a revolução, o republicanismo, o socialismo, o comunismo e anarquismo (cf. Woodcock, 1962).
Sua mãe faleceu em 9 de janeiro de 1848. Em junho, Wagner juntou-se à Guarda Comunal Revolucionária e publicou dois poemas revolucionários e um artigo. Para William Ashton Ellis, a forte impressão causada em Wagner teve um contributo em Leipzig: ele pôde acompanhar de perto a revolta da população contra a justiça e a polícia criminais da cidade, com a incidência de tumultos em que houve a destruição da iluminação pública, agressões a policiais e a quebra das janelas de casas de magistrados. O primeiro poema, Gruss aus Sachsen an die Wiener (“Saudações Saxãs aos Vienenses”) parabenizava os austríacos por terem forçado o imperador a fugir e incitava os saxões ao exemplo. O segundo, Die alte Kampf ist's gegen Osten (“A Velha Luta é contra o Leste”) conclamava uma cruzada contra a Rússia reacionária. No artigo intitulado: “Que relação existe entre a empreitada republicana e a monarquia?”, Wagner descreve a utopia que surgiria após a queda da monarquia, com sufrágio universal, um exército do povo, congresso unicameral e economia burguesa.

Nietzsche e Richard Wagner.
A 8 de maio de 1849 Wagner publicou um artigo anônimo no Volksblätter, intitulado “A Revolução”. Era um novo texto de expressão política, “glorificando a deusa Revolução”. Apesar de anônimo, ninguém parecia ter dúvidas a respeito da autoria. A 1° de abril Wagner regeu uma apresentação pública da Nona Sinfonia de Beethoven (Sinfonia n° 9 em ré menor, op. 125, Coral), predecessora da música romântica, e reconhecidamente uma das grandes obras-primas de Beethoven. No final da apresentação o revolucionário anarquista russo Mikhail Bakunin (cf. Woodcock, 1962) se levantou do meio da plateia, e de forma inusitada apertou a mão de Wagner e disse bem alto para que todos ouvissem que, se toda música que já foi escrita fosse se perder na conflagração mundial que estava para acontecer, “esta sinfonia pelo menos teria que ser salva”. A 3 de maio de 1849 o rei da Saxônia recusou as exigências dos democratas e ordenou à Guarda Comunal se dissolvesse. Na reunião exaltada daquela tarde, os membros do Vaterladsverein decidiram oferecer resistência armada às autoridades, que contou com a participação de Wagner.
Ele correu à casa do tenor Tichatschek e persuadiu a aturdida esposa do tenor a entregar as armas que seu marido guardava em casa; a seguir foi inspecionar as barricadas. Tropas prussianas estavam a caminho da cidade, a fim de esmagar a revolução. Wagner tomou posse das impressoras do Volksblätter e mandou imprimir panfletos revolucionários ao mesmo tempo em que mandava seu amigo Semper inspecionar as barricadas e comprar granadas. Wagner passou a sexta-feira 4 de maio junto com Mikhail Bakunin. No dia seguinte as primeiras tropas prussianas entraram em Dresden, havia lutas em torno de toda a cidade. Ele subiu à torre da Kreuzkirche, utilizada pelos rebeldes como um belvedere e um excelente ponto de observação. De lá, ele lançou mensagens atadas a pedras a Heubner e Bakunin sobre os movimentos de guerra das tropas inimigas. Wagner passou a noite na torre, em bombardeio contínuo e intenso das tropas prussianas. No dia seguinte ele escapou, foi até sua casa e fugiu com Minna para a cidade de Chemnitz, antes uma cidade conhecida como Karl-Marx-Stadt, para deixá-la em lugar provavelmente mais seguro fora do front da rebelião. Mas para horror dela, ele resolveu voltar para o centro popular da revolta. Seu envolvimento com as forças políticas rebeldes lhe custou 11 anos de exílio, pois ele voltou à Alemanha apenas em 1864.
            Em carta a Carl August Röckel, provavelmente entre maio de 1851 e setembro de 1852, o compositor narra que após maio de 1849 (cf. Janz, 1978) teve uma breve estadia em Paris, seguindo para Zurique, utilizando, para tanto, um passaporte falso providenciado por Franz Liszt. Durante o tempo que passou distante da Alemanha, houve um pedido de anistia dirigido ao rei da Saxônia, em 1856, mas a autorização para retornar ao solo alemão somente seria dada a Wagner se ele admitisse ter praticado atos criminosos contra a nação – uma condição que o compositor não aceitou, sob a justificativa de que ele não acreditava ter praticado nenhum crime. Em Dresden havia lutas casa a casa, e na prefeitura ocupada pelos revolucionários, os homens estavam desanimados e exaustos após seis noites sem dormir na arena dentre violentos embates. Richard Wagner foi despachado para Freiberg para chamar reforços. Antes que Wagner pudesse retornar a Dresden com reforços de tropas para combater, a revolução social em curso já havia sido esmagada. Wagner juntou-se a Heubner e Bakunin a caminho de Freiberg e sugeriu que eles montassem um governo provisório em Chemnitz. Naquela noite, Wagner e Bakunin dormiram no mesmo sofá. Quando Wagner acordou, Bakunin e Heubner tinham fugido. Wagner correu para onde se encontrava Minna, e os dois rapidamente, sem temor a erro, para evitar a onda de terror abandonaram o país.
Bibliografia geral consultada.

WOODCOCK, George, Anarchism. A History of Libertarian Ideas and Movements. Londres: World Publishing, 1962; BATAILLE, Georges, Sur Nietzsche: Volonté de Chance. Paris: Éditions Gallimard, 1967; JANZ, Curt Paul, Friedrich Nietzsche: Infancia y Juventud. Vol. 1. Trad. Jacobo Muñoz. Madrid: Alianza Editorial, 1978; ROGNONI, Luigi, Gioacchino Rossini. Torino: Einaudi Editore, 1981; CHESNAUX, Jean, La Modernité-Monde. Paris: La Découvert, 1989; VELOSO, Caetano, “Peter Gast”. In: Álbum Uns (1983); MARTON, Scarlett, Nietzsche - Uma Filosofia a Marteladas. São Paulo: Editora Brasiliense, 1992; COLLI, Giorgio, Scritti su Nietzsche. 4ª edizione. Milano: Adelphi Editore, 1995; SAFRANSKI, Rüdiger, Nietzsche, Biografia de su Pensamiento. Madrid: Tusquets Editores, 2002; REZENDE, Claudia Barcellos, “Mágoas de Amizade: Um Ensaio em Antropologia das Emoções”. In: Mana. Vol.8 n°2. Rio de Janeiro, outubro de 2002; MARTON, Scarlett, Nietzsche. A Transvaloração dos Valores. Rio de Janeiro: Editora Moderna, 2006; HEIDEGGER, Martin, Nietzsche I. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2007; RUBIRA, Luís Eduardo Xavier, Do Eterno Retorno do Mesmo à Transvaloração de Todos os Valores. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2008; OLIVEIRA, Jelson Roberto de, Para uma Ética da Amizade em Friedrich Nietzsche. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2008; NIETZSCHE, Friedrich, Così Parlò Zarathustra. A cura di Giorgio Colli e Mazzino Montinari. Milano: Adelphi Editore, 1968; Idem, A Vontade de Poder. Rio de Janeiro: Editor Contraponto, 2008; PETERLEVITZ, Mayra Rafaela Closs Bragotto Barros, Nietzsche e Wagner: Estações de um Encontro. Dissertação de Mestrado em Filosofia. Guarulhos: Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade Federal de São Paulo, 2015; ASTOR, Dorian, “Rossini, Músico do Futuro. Nietzsche e Peter Gast na Descoberta da Grande Saúde Rossiniana”. In: Cad. Nietzsche vol.38 n°1. São Paulo, jan./abr. 2017; entre outros.

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Aécio Neves - Um Pingado Mineiro Amargo.

                                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

 Nós não temos que ter essa preocupação de sermos donos de determinado programa”. Aécio Neves

                                              
Ainda não eram 6h40 da manhã quando parti para a padaria do meu bairro. Como sempre, várias pessoas já se aglomeravam no balcão para apreciar o café da manhã que, por mais que seja deveras corrido, nada menos necessário. E nesta padaria posso dizer: - “entra e sai gente o tempo inteiro”. O pouco tempo que se observa, não é difícil notar: o tradicional café com leite, também conhecido como “pingado”, é um dos mais pedidos. – “Eu, claro, pedi o meu para acompanhar a clientela local enquanto conversava com o Márcio, o simpático atendente”. Nesta padaria saem em média 260 pingados por dia, sendo que pela manhã o movimento é bem maior que nos demais horários – média feita pelo atendente. Ele me contou sobre clientes fiéis, como o “seu Miguel”, desses que não precisam chegar até o balcão para fazer um pedido, mas ao entrarem na padaria os próprios atendentes já começam a preparar “o de sempre”.
De fato, o pingado expressa a memória afetiva no cotidiano do trabalhador brasileiro. - Quem me iniciou nesse mundo da mescla de café com leite foi minha mãe. Como todo paulistano, pela manhã dois eram os itens básicos: o pingado e o pão com manteiga. Este último com variações importantes: adoro passar manteiga em pão quentinho aberto ou aquecer na chapa. E sou sempre o responsável pelo preparo. Além dessas “pedidas”, o pessoal em casa gosta muito do pão “canoa”, aberto levemente passado na chapa e coberto com queijo derretido. – “Diria que minha relação com o café não era das melhores até me iniciar como cafeicultor e descobrir os diferentes processos de produção”. Mas, pela manhã, o pingado sempre foi companheiro muito próximo. - Com ele inicio o meu dia cafeinado, quando não é um puro coado com uma seleção de grãos que escolho na hora. Portanto, ter sempre disponíveis diferentes origens dá a chance de criar um blend para cada momento especial em que estou, fico em casa.



Em toda comunidade humana, a estrutura de poder representa o resultado de duas forças antagônicas: as crenças, por um lado; as necessidades práticas, por outro. Em consequência, a direção dos partidos apresenta o duplo caráter de uma aparência democrática e de uma realidade oligárquica. A cada época, os homens fazem certa ideia da estrutura e da transmissão do poder ao âmbito dos grupos sociais: concedem naturalmente a obediência aos chefes que se conformem com essa ideia comum e a recusam aos outros. Essa crença dominante e hegemônica define a legitimidade de um dirigente, no sentido sociológico do termo. Os que a professam lhe dão um caráter absoluto; o observador constata seu caráter relativo. Cada civilização e cada geração forjou sua própria doutrina da legitimidade, geralmente muito diferente das outras. As crenças relativas à legitimidade têm um caráter geral, que é válida para todos os grupos sociais, porém se aplicam imediatamente ao Estado, aos seus órgãos, ao seu mecanismo administrativo. Os partidos devem ter o cuidado em proporcionar a si próprios uma direção democrática. Mas a eficácia prática os impele fortemente no sentido inverso.
A representação da “política do café com leite” derivou-se da “política dos governadores” e visava à predominância do poder nacional por parte da hegemonia das oligarquias paulista e mineira, executada no âmbito da República Velha, ou República das oligarquias, a partir da Presidência de Campos Sales, por presidentes civis fortemente influenciados pelo setor agrário dos estados de São Paulo - com grande produção de café - e Minas Gerais - maior polo eleitoral do país da e produtor de leite. Essa política de convergência de interesses perdurou até o rearranjo da chamada Revolução de 1930. Tornavam-se predominantes no poder representantes do Partido Republicano Paulista (PRP), e do Partido Republicano Mineiro (PRM), que controlavam a “máquina administrativa” nas eleições e gozavam do apoio agrarista de outros estados do Brasil. As reformas da administração pública não contribuíram para melhorar a capacidade de decisão política e para a descentralização do Estado.
No artigo, assinado por Fernando Brito, “Aécio, a época do “café-com-leite” passou faz tempo” (30/06/2004), ao contrário do que se pensa reitera a “política do café com leite”. Em suas palavras - O PSDB é mesmo um partido da República Velha. Não é senão o Partido Republicano Paulista, meu deus! A escolha de Aloysio Nunes Ferreira soma, literalmente, só uma coisa à candidatura de Aécio. O que ela já tinha: São Paulo. Ou seja, acrescenta zero, ou perto disso. Michel Temer é paulista, mas é o PMDB, ou parte dele. Nunes Ferreira é apenas uma declaração de servidão ao tucanato paulista. Tucanato paulista, aliás, vem a ser quase um pleonasmo. É uma declaração de amor às oligarquias locais, que de alguma forma, desde a eleição de Lula, têm de ser compor com uma política nacional de desenvolvimento, uma visão de Nação que supera a simples convivência federativa de poderes e grupos dominantes locais, embora não hesite em se aliar a eles pelo projeto nacional que sustenta. E, dentre todas, nada mais resistente, renitente e insolente que a oligarquia paulista, para quem a ideia de um país desenvolvido de forma equilibrada e inclusiva é a inaceitável proclamação de igualdade entre os brasileiros. Assim como sinal de submissão mental de Aécio - para quem, em tese, seria muito mais vantajoso eleitoralmente ter um candidato nordestino ou mesmo uma mulher, como Ellen Gracie -, esta opção marca certo temor de não “emplacar São Paulo”, embora a dupla Skaf-Kassab coloque uma cunha no conservadorismo bandeirante. Quando Serra escolheu Índio da Costa o fez porque, afinal, Serra era São Paulo, e São Paulo não precisava de nada mais. Agora, quando escolhe Aloysio, é o nada que vai buscar São Paulo, porque precisa, desesperadamente, dele.




O poder financeiro das aristocracias rurais de Minas Gerais e São Paulo, crescente durante o século anterior, havia permitido que seus políticos adquirissem projeção nacional. Desta forma, a política do café com leite consolidou o poder das famílias mais abastadas, formando as oligarquias. Os paulistas e os mineiros ocupavam os cargos de presidente da República, vice-presidente e os Ministérios da Justiça, das Finanças e da Agricultura, entre outros. Nos Estados, poucas famílias ocupavam os cargos de Governador do Estado; as secretarias das Finanças, Educação e Saúde; a prefeitura da capital; a chefia de Polícia Estadual; a diretoria da Imprensa Oficial; a presidência dos Bancos Estaduais; e a presidência da Assembleia Legislativa. Em Minas Gerais, as principais famílias que controlavam o poder durante a “política do café com leite” eram representadas por: Cesário Alvim; Crispim Jacques Bias Fortes; Júlio Bueno Brandão; Afonso Pena, que se tornou presidente; Francisco Sales, que fundou um Banco; Artur Bernardes, que também se tornou Presidente; entre outros. Para integrar a oligarquia mineira, contavam os laços de família, educação e poder financeiro. 
O conhecido acordo da dívida externa de 1898 - funding loan - foi pago à custa de aumento de impostos, paralisação de obras públicas e abandono da ideia de incentivo à indústria nacional. Essa política recessiva e impopular adotada por Campos Sales foi concretizada com o apoio dos governadores estaduais através de um compromisso pelo qual esses governadores receberiam recursos, cargos públicos e ainda a garantia de que o governo federal não apoiaria os grupos oposicionistas estaduais. Ou seja, tudo foi feito utilizando-se a estrutura da “política dos governadores”. A “política do café com leite”, como ficou reconhecida essa “aliança”, permitiu à burguesia cafeeira paulista de controlar, no âmbito nacional, a política monetária e cambial, e a negociação no exterior de empréstimos para a compra das sacas de café excedentes. Enfim, uma política de intervenção ainda mais ativa que garantia aos cafeicultores lucros. Para Minas Gerais, o apoio a São Paulo garantia a nomeação dos membros da elite política mineira para cargos na área federal e verbas para obras públicas, como a construção de ferrovias.
São Paulo (produtor de café) e Minas Gerais (produtor de leite) eram os estados mais ricos e populosos no Brasil da República Velha. A oligarquia paulista estava reunida no Partido Republicano Paulista (PRP), e a mineira, no Partido Republicano Mineiro (PRM). Ciente disso, esses dois partidos se aliavam para fazer prevalecer seus interesses. Por diversas vezes o PRP e o PRM escolheram um único candidato à eleição para presidente: ora o candidato era indicado por São Paulo e apoiado por Minas Gerais, ora se dava o contrário. Por isso, a maioria dos presidentes da República Velha representou os interesses das oligarquias paulista e mineira. Essa alternância entre São Paulo e Minas na presidência da República é chamada de política do café com leite. A república continuava as práticas centralizadoras do Império, através da política dos Presidentes de Estado (governadores), que controlavam, de um lado, o poder local através dos coronéis, e, de outro, davam sustentação aos presidentes. A República Velha já possuía, nesta conjuntura política entre seus dirigentes principais, representantes combinados das oligarquias paulista e mineira vinculadas ao setor agroexportador, liderados pelos cafeicultores paulistas, uma vez que a economia cafeeira constituía o setor dinâmico da economia brasileira. Ipso facto os compromissos conservadores   republicanos visaram garantir a cooperação dos credores estrangeiros, comprometendo-se o novo regime a pagar dívidas contraídas com eles por cafeicultores brasileiros.
Aécio Neves foi eleito governador de Minas Gerais em 2002, reeleito na eleição de 2006, tendo desta vez a maior votação, para o cargo de governador, já registrada no estado. Renunciou ao cargo em março de 2010 para concorrer ao senado federal, sendo substituído pelo seu vice, Antônio Anastasia. Nas eleições de 2010, comparativamente, foi eleito senador com a maior votação do estado, assumindo a função normalmente. Em 2013 foi escolhido presidente nacional do PSDB, e, em 2015 foi reeleito. Em 2014, foi candidato à Presidência da República por seu partido, tendo como principais adversários a candidata a reeleição, Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores (PT), e Marina Silva do Partido Socialista Brasileiro (PSB). No primeiro turno da eleição, Aécio obteve 33,55% dos votos válidos, classificando-se para o segundo turno com Dilma, que obteve 41,59%. No segundo turno, conseguiu 48,36% dos votos, perdendo para a petista Dilma Rousseff, que se reelegeu na eleição mais disputada da história do país, antes do golpe de Estado, precisamente ocorrido em 17 de abril de 2016.   Em 18 de maio de 2017, Aécio Neves foi afastado do cargo de Senador pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, a pedido da Procuradoria-Geral da República. A PGR também pediu sua prisão, mas Fachin negou. Retornou ao cargo no final de junho, sendo novamente afastado por decisão da Primeira Turma do STF em 26 de setembro. No mês seguinte, o Senado autorizou sua volta ao exercício do mandato.                    
O paulista Michel Temer e o mineiro Aécio Neves parecem ser os exemplares mais caricatos da República Velha, que apareceram na recente cena política brasileira travestida de “modernos” de paladinos da moralidade, no auge da conspiração do golpe de Estado. Mas, no final do espetáculo, as máscaras caíram e o povo viu dois falsários sucumbirem no nevoeiro da corrupção, nas trevas do atraso, de onde surgiram. Minas e São Paulo sedimentaram a República Velha e a política “Café com Leite”, movida talvez por sentimentos ancestrais herdados de facínoras como Raposo Tavares, Fernão Dias, Borba Gato, e outros bandeirantes genocidas, de fazendeiros, criadores de gado, cafeicultores, canavieiros e mineradores. Governos conservadores paulistas espalharam nomes de bandeirantes por todo o Estado de São Paulo. Rodovias, viadutos, praças, ruas, edifícios, monumentos, receberam nomes de genocidas. Esse ódio de classe, latente não é uma exclusividade das elites econômicas conservadoras paulista e mineira.
Está na classe proprietária e rentista, em setores da classe média, nos conflitos políticos de dominação em quase todo Brasil. Plantado em corações e mentes pela mídia hegemônica, e fustigado por ela, o ódio de classe explodiu nas ruas das cidades brasileiras (2016), nas manifestações a favor do golpe de Estado de 17 de abril, sob proteção das forças policiais, que mantém a ordem dos de cima e espancam os de baixo com extrema violência, quando defendem a democracia e protestam contra a subtração de direitos. Enquanto na Praça dos Três Poderes em Brasília dois malandros: Michel Temer e Aécio Neves, numa conspiração típica da política “Café com Leite”, com a ajuda do malandro evangélico, Eduardo Cunha na presidência da Câmara e a conivência do Judiciário, tramavam a deposição da presidenta Dilma Rousseff (PT), legitimamente eleita, para, no lugar do governo dela, lançarem uma pinguela para o passado, idealizada nos mesmos moldes coloniais escravistas dos coronéis da política do café com leite.




Depois do PSDB oficializar sua candidatura ao cargo de presidente da Câmara, passou a tentar angariar novos apoios e conseguiu os votos favorável do Partido Popular Socialista (PPS), o PTB e o Partido Socialista Brasileiro (PSB). Poucos dias antes da eleição, Severino Cavalcanti desistiu da disputa em troca de um cargo na mesa diretora. A eleição passou então a ser disputada por Inocêncio, Aloizio Mercadante (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PL-SP) e Nelson Marquezelli (PTB-SP), que concorreu de forma avulsa. No primeiro turno, em 14 de fevereiro de 2001, logrou 283 votos, contra 117 de Inocêncio, 81 de Mercadante, 21 de Costa Neto e 3 de Marquezelli. Como recebeu 56% dos votos válidos, não precisou ocorrer um segundo turno. No Senado, Jader Barbalho foi eleito com 50,5% dos votos, também em primeiro turno das eleições corporativas.  
Em seus primeiros dias, apresentou algumas medidas para reduzir gastos e instituiu uma verba de gabinete, uma reivindicação antiga dos deputados que autorizou gastos com aluguel de escritórios nos estados que os parlamentares representam, o frete de veículos, a compra de passagens, além de outras despesas. Apesar do anúncio de corte de gastos no início do mandato, defendeu o investimento permanente em ações de divulgação da instituição e na realização de pesquisas de opinião pública sobre o trabalho dos deputados. Também empreendeu uma reforma administrativa, criou a ouvidoria parlamentar, e, para tornar o trabalho legislativo mais visível, criou um portal na internet. Durante seu primeiro ano de mandato, apresentou um “Pacote Ético”, que, após ser aprovado via “Emenda Constitucional”, acabou com a imunidade parlamentar para crimes comuns, e criou o “Código de Ética e Decoro” e a “Comissão de Ética”.
Em 1º de janeiro de 2003, Aécio Neves tomou posse como governador de Minas Gerais, sucedendo Itamar Franco. Aécio Neves foi reeleito governador de Minas Gerais em 2006, e tomou posse em 1.º de janeiro de 2007. Permaneceu no cargo até 31 de março de 2010, quando renunciou para se candidatar a uma vaga no senado. Foi sucedido pelo vice-governador Antônio Anastasia. Ao todo, ficou 7 anos, 2 meses e 30 dias no cargo, tornando-se o governador a permanecer mais tempo no Palácio da Liberdade. Como parlamentar, tem defendido a elaboração de um novo pacto federativo; o fortalecimento da ação parlamentar, com a restrição ao uso das medidas provisórias; a redução de impostos; transformar o programa “Bolsa Família” em  política pública de Estado; a ampliação dos direitos civis dos trabalhadores domésticos; o direcionamento de 10% da receita do governo federal para a área de saúde; a mudança no cálculo pagamento dos royalties da mineração. Dentre suas iniciativas, está a articulação de um acordo suprapartidário para fortalecer o Poder Legislativo e alterar as normas para edição e tramitação de medidas provisórias (MPs) no Congresso Nacional.
Aécio Neves esperava ser o candidato à presidência da República pelo partido da socialdemocracia brasileira (PSDB) na eleição presidencial em 2010. Para tanto declarou que sua prioridade em 2010 seria eleger o vice-governador Antônio Anastasia como sucessor. Por diversas vezes, negou a possibilidade de formar uma chapa “puro-sangue” encabeçada por José Serra. Em novembro de 2009, Aécio Neves apresentou suas propostas político-partidárias com a intenção de ser escolhido entre os correligionários como candidato de liderança do partido. Um mês depois, diante da hesitação do PSDB e de Serra em posicionar-se como candidato, Aécio declarou que se lançaria ao Senado Federal nas eleições de 2010. Aécio foi recebido com entusiasmo no lançamento da pré-campanha presidencial de José Serra em Brasília. Durante a campanha eleitoral, ele compareceu a eventos e fez campanha para Serra. Notoriamente Aécio Neves fez oposição ao governo de Dilma Rousseff (PT), juntamente com nomes da política nacional, como os representantes de oligarquias de Norte a Sul: Cássio Cunha Lima, Álvaro Dias, Aloysio Nunes Ferreira, Pedro Simon, Randolfe Rodrigues, Pedro Taques e outros. Em abril de 2011, apontou os “Caminhos da Oposição”, definindo os “três pilares” no papel da oposição: “coragem, responsabilidade e ética”.
É neste sentido é que transparece o “véu da noiva”. Poder de barganha na política só aparentemente significa no mercado o poder de troca, permitindo a permuta. Ipso facto barganhar que representa o ato de trocar pode definir na formação do nível de análise econômica de forma fraudulenta não um objeto por outro. Mas a força de uma pessoa (monopólio) ou grupo (oligopólio) ao discutir preços, colocando pressão e exigindo, por exemplo, maior qualidade em menor preço. Barganha tem origem na palavra inglesa “bargain”, que representa o mesmo verbo barganhar em português. Em sentido figurado na política, barganha pode ser sinônima de trapaça, porque pode representar uma transação fraudulenta. Enfim, poder de barganha segundo Michael Porter, na economia, compõe dois dos fatores deste modelo. O poder de barganha dos compradores é uma das cinco forças, é a capacidade de barganha dos clientes para com as empresas do setor. Este “campo” tem a ver com o poder de decisão dos compradores sobre os atributos do produto. Principalmente quanto a preço e qualidade, quando os clientes exigem mais qualidade por um menor preço de bens e serviços, forçando os preços para baixo, aumentando o consumo e os concorrentes uns contra os outros.
Pois bem, essa é a palavra que conduz o poder público, pois tudo que tramita entre os três poderes tem um ato de barganha. Em primeiro plano, o escopo é o presidente, governador ou prefeito, e o ocupante do cargo representa o interesse da nação. Ser bem sucedido no poder, decorre das qualidades individuais e da percepção entre a ética de reponsabilidade, por um lado, e a ética de compromisso do governante, por outro. São elas que permitem no âmbito da governabilidade, ter mais sucesso que outro, influenciando também o tipo de agenda de políticas propostas e os meios pelos quais os objetivos do titular do cargo são perseguidos. A ênfase recai sobre a influência pessoal que os mesmos podem exercer. No entanto, há o reconhecimento de que essa capacidade não é perfeita e tampouco suficiente para conseguir o que se quer, porque outros atores políticos também têm poder de influência. Por isso, a natureza da influência política envolve barganhas recíprocas e mútua dependência entre dois ou mais atores. Mas a capacidade de exercer influência política é, acima de tudo, uma questão de ação individual e de capacidade de persuasão. Poder de governar é o poder de persuadir os outros personagens políticos a fazer prosseguir a manutenção do poder.  
Aécio Neves divulgou durante a campanha as seguintes propostas: recuperação da credibilidade financeira do país com a melhoria no ambiente de negócios e aumento da produtividade; reduzir o número de ministérios; aumento da eficiência e planejamento no setor público através de choque de gestão; a manutenção e melhoria de programas sociais como: Bolsa-Família e Mais Médicos; o combate pleno a corrupção e compromisso com a ética pública; educação de qualidade como direito básico de cidadania; segurança pública como responsabilidade nacional; mais autonomia para estados e municípios; retomada de pautas ligadas a preservação do meio ambiente e sustentabilidade; e reforma tributária. Também se comprometeu teoricamente em encaminhar ao Congresso Nacional uma proposta vinculada ao Partido da Social Democracia Brasileira - PSDB, de reforma política com fim da reeleição, manutenção de mandatos de cinco anos, fim do voto de legenda e instituição do voto distrital.
Em abril de 2011, Aécio se recusou a fazer o teste do bafômetro e teve a carteira de habilitação apreendida em uma blitz da “Lei Seca” no Rio de Janeiro. A carteira de habilitação foi apreendida por estar vencida. Segundo os policiais, Aécio foi liberado por não apresentar sinais de embriaguez. Sua assessoria informou que o bafômetro não foi realizado e que ele não sabia que a carteira de habilitação estava vencida. Em 2015, o senador perde a ação judicial movida contra os sites de pesquisa social Yahoo, Bing e Google. A ação iniciada em 2013 contestava a exibição destes mecanismos virtuais de busca, de notícias alegadas falsas pelo senado, que o relacionavam a desvios de verbas da saúde. O juiz de julgamento do caso, Rodrigo Garcia Martinez entendeu, que embora falsas as notícias, não poderiam ser responsabilizados profissionalmente os sites que funcionariam como “livreiros virtuais” não se responsabilizando pelas ideias divulgadas nestes sites. A ação que busca excluir postagens que vinculam o nome de Aécio Neves ao consumo de drogas corre em segredo de Justiça e foi iniciada em dezembro de 2013.



O senador Delcídio do Amaral acusou o senador Aécio Neves, em deleção premiada já homologada dia 15 de março de 2016 pelo STF, de ter recebido vantagens ilegais na estatal de energia Furnas. Dimas Toledo, ex-diretor de engenharia de Furnas, era quem operava o esquema de corrupção na referida estatal e teria, segundo o depoente, “fortes vínculos” com Aécio Neves. O esquema além de beneficiar o senador, abastecia também o Partido dos Trabalhadores e o deputado José Janene (PP). O senador também foi acusado, por um executivo da Odebrecht, de “esquema de propina”, quando governador de MG. Aécio Neves defendeu que o chamado “2, 5 a 3 por cento de propina”, foram doações legitimas “que todo o conteúdo é de conhecimento público”. Em abril de 2017, o Relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin, autorizou a “investigação das denúncias contra o senador pela Procuradoria Geral da República”.
No dia 17 de maio de 2017, após uma publicação on-line do jornal O Globo foi deflagrado a delação premiada de Joesley Batista e Wesley Batista, empresários da JBS, na qual há uma gravação de 30 minutos de Aécio Neves pedindo a Joesley 2 milhões de reais, quantia que seria usada para pagar sua defesa na Lava Jato. Toda a operação de recebimento do dinheiro foi filmada e rastreada pela Polícia Federal, sendo que o dinheiro foi depositado em uma empresa do também senador Zezé Perrella. A publicação do jornal foi confirmada pela própria Policia Federal, sendo que, no dia 18 de maio a delação premiada foi homologa pelo ministro do STF Luiz Edson Fachin. No mesmo dia, Aécio Neves foi afastado do Senado por ordem de Edson Fachin, que determinou que Aécio Neves fosse impedido de exercer as atividades parlamentares. Enfim, em 2 de junho de 2017, o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, denunciou Aécio Neves ao Supremo Tribunal Federal pelos crimes de corrupção passiva e obstrução da Justiça. Na denúncia, o Procurador-Geral da República pede que Aécio e sua irmã Andrea sejam condenados a pagar R$ 6 milhões a título de reparação por danos morais decorrentes de corrupção (R$ 4 milhões) e reparação por danos morais (R$2 milhões) causados por suas condutas. A denúncia é baseada nas investigações da operação Patmos. Eles foram citados nas relações premiadas de executivos da JBS.
A Operação Patmos é uma operação do âmbito da Operação Lava Jato conduzido pela Polícia Federal (PF) e a Procuradoria Geral da República (PGR), com a autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) em 18 de maio de 2017. Seus principais alvos incluem o presidente da República Michel Temer (PMDB), e o senador da República, Aécio Neves (PSDB). A operação foi realizada um dia após o jornal O Globo revelar a “existência de áudios comprometedores e provas contra Temer, Aécio, o deputado federal paranaense Rocha Loures (PMDB) e diversos outros agentes políticos. Foram apreendidos dois milhões de reais na operação”.   As revelações do jornal carioca e as investigações indicaram uma suposta tentativa de Michel Temer de “comprar o silêncio de Eduardo Cunha, impedindo-o de fazer uma delação premiada. Cunha era o ex-presidente da Câmara dos Deputados que se encontrava preso, acusado de diversos crimes relacionados à corrupção”. As informações foram coletadas no diálogo com o empresário Joesley Batista, um dos donos da empresa JBS, que havia gravado o presidente e negociado acordo de “delação premiada”. Além disto, no anexo 9 da delação, Joesley relata pagamento de propina de três milhões de reais ao senador Michel Temer em 2010, três milhões de reais em 2012, e 300 mil reais em 2016.

Bibliografia geral consultada:   

SILVA, Sérgio, Expansão Cafeeira e Origens da Industrialização no Brasil. Tese de Doutorado. São Paulo: Editora Alfa-ômega, 1978; GRAZIA, Sebastian, Maquiavel no Inferno. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1993; MICHELS, Robert, Los Partidos Políticos. Un Estudio Sociológico de las Tendencias Oligárquicas de la Democracia Moderna. 2ª edicíon. Buenos Aires: Amorrotu Editores, 2008; VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro, Teatro do Absurdo: A Nova Ordem do Federalismo Oligárquico. Tese de Doutorado em História Social. Departamento de História. Rio de Janeiro: Instituto de Filosofia e Ciências Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1999; Idem, O Teatro das Oligarquias: Uma Revisão da Política do Café com Leite. Belo Horizonte: Editor Fino Traço, 2012; BRITO, Fernando, “Aécio, a época do café-com-leite passou faz tempo”. Disponível em: http://www.tijolaco.com.br/blog/30/06/2014; Artigo: “Fachin Nega Pedido de Prisão de Aécio e Homologa Delações”. In: Revista VEJA 18/05/2017; BENITES, Afonso, “Aécio Derruba Tasso e Recupera o Poder para Amarrar PSDB a [Michel] Temer”. Disponível em: https://brasil.elpais.com/09/11/2017; CALGARO, Fernanda; MODZELESKI, Alessandra, “Senado Derruba Decisão do STF que Mandou Afastar Aécio do Mandato”. Disponível em: https://g1.globo.com/18/10/2017; entre outros.