Ubiracy de Souza Braga
“O trabalhador intelectual forma-se à medida que trabalha para o aperfeiçoamento de seu ofício”.
Wright Mills
Charles Wright Mills nasceu em Waco,
Texas, em 28 de agosto de 1916. Cursou a graduação em sociologia e o mestrado
em filosofia na Universidade do Texas em Austin. Em seguida, tentou fazer seu doutorado
em sociologia na Universidade de Chicago, mas desistiu por não ter conseguido
uma bolsa de estudos. Foi então, em 1939, estudar na Universidade de Wisconsin,
onde defendeu, em 1942, sua tese de doutorado, “A Sociological Account of
Pragmatism: Na Essay on the Sociology of Knowledge”. Wright Mills transferiu-se em
1941 para a Universidade de Maryland (College Park), onde ministrou aulas de sociologia.
Nos anos seguintes, colaborou com Hans H. Gerth em dois livros: a
extraordinária coletânea de textos de Max Weber, intitulada: From
Max Weber: Essays in Sociology, publicado em 1946 - seu maior best-seller, ainda reimpresso mais de 60
anos após sua publicação - e a etnologia Character
and Social Structure, que viria a ser publicado em 1953. Em 1945, Mills mudou-se para Nova
York, indo trabalhar no Bureau of Applied
Social Research a convite de seu fundador e diretor, o sociólogo Paul Lazarsfeld. Ali,
teve acesso a farto material empírico, quando trabalhou coordenando equipes de
investigadores e pôde adquirir habilidades em métodos e técnicas de pesquisa
quantitativa.
Apesar da admiração que inicialmente sentia por Paul Lazarsfeld,
aos poucos as relações sociais entre os dois se deterioraram, até o rompimento
completo, em 1952. Paul
Lazarsfeld foi educado na Universidade de Viena, onde obteve em 1925 o seu
Doutoramento em Matemática Aplicada com uma tese intitulada: Die
Perihewegung des Merkur, publicada na Revista Zeitsdhrift für Phisik
que procurava apresentar uma solução matemática à função einsteiniana sobre “o
movimento na órbita do planeta Mercúrio a partir do cálculo do seu perigeu”.
Após o doutoramento, fundou, em 1929, um Instituto de Pesquisa para Psicologia
Social Aplicada na capital austríaca. Em 1933 emigrou para os Estados
Unidos da América, foi diretor do Gabinete de Pesquisa Radiofônica na
Universidade de Princeton depois de receber um fundo da Fundação Rockfeller
para a pesquisa sobre Sociologia e Psicologia associada à comunicação social. Em
1940, o seu projeto mudou-se para a Universidade de Columbia, ao qual o seu
gabinete foi nomeado de Bureau of Applied Social Research. Foi docente do Departamento
de Sociologia desta universidade até 1970. Na Escola de Columbia, foi o
precursor de uma corrente do estudo da comunicação social iniciada em 1940, na
Universidade de Columbia.
Concomitantemente ao trabalho no Bureau, Mills começou a lecionar na Universidade de Columbia em
1947, nela permanecendo até sua morte, em 1962. Ao longo desses 15 anos, Mills
foi uma figura marginal no ambiente acadêmico de Columbia. As relações
pessoais com alguns colegas foram difíceis. Como uma das terríveis consequências, não ensinava na pós-graduação. O lado positivo é que tinha como vantagem tempo de Dedicação Exclusiva (DE) para dedicar-se à pesquisa
e à escrita heterodoxa. A
educação superior norte-americana tem as suas origens nos programáticos College, fundados sob
a inspiração dos preceitos do protestantismo puritano, a partir do início do
século XVII. A universidade norte-americana, contudo, é relativamente tardia. Somente a
partir da Guerra Civil de 1861 foi se constituindo gradativamente um sistema de
educação superior, no seio do qual emergiu a moderna universidade. Apoiado em
revisão de literatura e consulta a outros documentos, o presente trabalho tem
como objetivo realizar uma análise sócio-histórica do processo de constituição
e consolidação do sistema de educação superior norte-americano no período
compreendido entre a década de 1860-1920.
O início do período é
marcado não só pela Guerra Civil, mas pela assinatura do Morrill Act (1862)
que pôs em cena o Estado como ator na área da educação superior
norte-americana. Seu final é marcado pela consagração da educação superior de
massa. Quando os primeiros britânicos se estabeleceram na América do Norte, a
Europa estava submersa em conflitos religiosos. Tentando escapar das
interdições protestantes buscaram no novo continente refúgio para o livre
exercício da fé e também a liberdade para erguer uma sociedade, cujos pilares
fossem lançados sob os preceitos do protestantismo puritano. Com
este intuito do século XVII, um grupo de colonos se estabelecia em
New Plymouth, Nova Inglaterra, tendo redigido para reger suas vidas o Pacto de
Mayflower, inspirado em ideias puritanas radicais. Pouco depois, outro grupo se
fixou ao Norte, atraindo outros protestantes britânicos, de modo que na década de 1630 a região contava com população de 20 mil
habitantes. Considerando a educação um instrumento para interpretar
a vontade divina, os colonizadores do Massachussets destinaram uma quantia do
orçamento da comunidade para a construção de uma instituição de ensino, o que
resultou, em 1636, na inauguração de um College, que passaria a chamar-se, em
1638, a extraordinária Harvard College, a
faculdade de graduação da Universidade de Harvard, uma universidade de pesquisa
da Ivy League, em Cambridge, Massachusetts. Fundado em 1636, o Harvard College é
a escola original da Harvard University, a mais antiga instituição de ensino
superior dos Estados Unidos e uma das mais prestigiadas do mundo.
Na organização de Harvard estavam à frente graduados, a
maioria vinda do Emmanuel College da Universidade de Cambridge, fundada sob os
auspícios dos puritanos. Harvard se constituiu como espelho da instituição
britânica com seu currículo, destinado a formar o futuro clérigo. Para a sua
direção à Corte Geral de Massachussets nomeou uma comissão da própria Corte, que ganhou autonomia ao tornar-se, em 1642, o seu
Board of Overseers. A
segunda instituição de educação superior nos Estados Unidos foi o College of
William and Mary. Inaugurado em 1693, na Virgínia, por James Blair, um clérigo
escocês anglicano. Esta foi a primeira instituição de ensino, em terras
norte-americanas, a ser criada sob a chancela da coroa britânica. O terceiro
College teve a sua história ligada à criação da colônia de New Haven, ao Sul de
Massachussetts, e incorporada à colônia de Connecticut, cuja Assembleia
autorizou, em 1701, a criação de um Collegiate School, em Saybrook, sob o
controle dos puritanos. Em 1716 a instituição foi transferida para New Haven,
tornando-se o New Haven College, o qual, em seguida, teria o seu nome mudado
para Yale College. Foi de Yale que saiu Jonathan Dickinson, fundador e primeiro
diretor do College of New Jersey. Criado, em 1746 o College foi transferido
para Newark até 1756, e transferido para Princeton, nome que, mais
tarde, o identificaria.
O
quinto, o College of Philadelphia, atual University of Pennsylvania,
teve as suas origens nas intenções de cidadãos daquela localidade de criar uma
escola pública de caridade para crianças pobres. Mais tarde a instituição foi
transformada na Publick Academy in the City of Philadelphia e, finalmente, em
1755, no College and Academy of Philadelphia. A despeito da atual Columbia
University proclamar-se a quinta mais antiga instituição norte-americana de
educação superior, os estudiosos apontam o King`s College, fundado em 1754 e
que lhe deu origem, como o sexto College criado no período de transição colonial. Com isto,
o College of Rhode Island, atual Brown University, o Rutgers College, fundado
como Queen`s College, a Rutgers University, e o Dartmouth College seriam os
últimos dos nove College criados nas antigas colônias britânicas que constituíram
os Estados Unidos da América. Os College seguiram padrões
britânicos, organizando-se como instituições voltadas para educação baseada
no ensino religioso e das línguas clássicas, predominando os College residenciais
com tutorado dos docentes, com contribuição moral tão importante quanto
a intelectual.
Foi
em Nova York que Wright Mills publicou o núcleo de sua contribuição para as
ciências sociais, uma trilogia sobre a sociedade norte-americana contemporânea,
na qual analisava seus três estratos principais: os líderes sindicais, em New Men of Power (1948); as classes médias,
em White Collar: The American Middle
Classes (1951), seu primeiro sucesso para além dos muros acadêmicos; e a
elite, em The Power Elite (1956).
Estes dois últimos livros tiveram várias edições e foram publicados em mais de
uma dezena de línguas. No ano acadêmico de 1956-57 Mills foi professor
visitante na Universidade de Copenhague, financiado pela Fullbright. Não havia nenhum motivo especial para ir à Dinamarca,
como explicou numa carta a Hans Gerth: - “Bem, porque eles pediram por mim;
ninguém mais o fez. Segundo, eu gosto da ideia de ir a esse pequeno país”. Na
Europa, completou boa parte do manuscrito The
Sociological Imagination, que viria a ser publicado em 1959, livro no qual
fazia uma análise crítica das “escolas” que dominavam o campo sociológico,
principalmente as tradições cujos expoentes foram, Paul Lazarsfeld e Talcott
Parsons (1902-79). Ficou famosa a “tradução abreviada” que Mills fez, no capítulo
2 (“Grande Teoria”), de extensos trechos retirados das 555 páginas de The Social System (1951) de Parsons, afirmando
que o livro poderia ser reduzido, sem perda de conteúdo, a 150 páginas de
“inglês direto”. Mesmo assim, continuava Mills, o resultado não seria muito
impressionante.
Nestes livros o autor critica as
principais correntes da sociologia norte-americana, representadas pela chamada “Grande
Teoria” (Talcott Parsons) e pelo “Empirismo Abstrato” (Paul Lazarsfeld);
adverte que uma tentativa de destruição de Cuba por parte dos Estados Unidos da
América poderia desencadear condições e
possibilidades da terceira guerra mundial; propõe-se a divulgar o marxismo em
seu país, através de um alentado volume de quase 500 páginas; esmiúça, de
maneira polêmica, a sociedade norte-americana, através do reconhecido ensaio: A Elite do Poder. De acordo com seu
amigo Irving Louis Horowitz, autor de C.
Wright Mills, an American Utopian, (1983), após a publicação desse texto, “as
grandes instituições 'filantropóides' - com uma única e honrosa exceção -
recusaram todos os seus pedidos de bolsas” para pesquisa. Mills esteve no Rio no final de outubro de 1959, convidado para participar do Seminário Internacional Resistências à Mudança:
Fatores que Impedem ou Dificultam o Desenvolvimento, realizado no Museu
Nacional e promovido pelo Centro
Latino-Americano de Pesquisa em Ciências Sociais, dirigido pelo sociólogo
Luiz Costa Pinto (1920-2002).
Neste Seminário, Wright Mills apresentou o trabalho “Remarks on the Problem of Industrial
Development”, que foi criticado pelos marxistas brasileiros Florestan Fernandes,
Octavio Ianni e Paschoal Leme, presentes ao evento. Durante sua estada no Rio
de Janeiro, Mills escreveu uma carta a Tovarich, um colega russo imaginário (em
russo, a palavra significa camarada) com o qual começara a se “corresponder”
(sem ter nunca publicado esse material em vida) entre 1956 e 1957, em sua primeira
longa temporada na Europa. A carta, intitulada: “What does it mean to be an intellectual?”,
foi publicada postumamente e encontra-se traduzida pela primeira vez para o
português. Em dezembro de 1960, às vésperas de participar de um debate em
cadeia nacional de televisão com Adolf A. Berle Jr. embaixador no Brasil entre
1945 e 1946 sobre a política externa norte-americana para a América Latina, C.
Wright Mills sofreu um sério infarto do miocárdio. Sobreviveu, mas fagilmente por apenas
mais 15 meses. Em 20 de março de 1962, morreu em sua casa, de outro ataque cardíaco,
aos 45 anos de idade.
Charles Wright Mills foi um
sociólogo norte-americano obtendo o mestrado em Arte, Filosofia e Sociologia pela Universidade
do Texas, e doutorado em Sociologia e Antropologia pela Universidade de
Wisconsin. Foi professor de Sociologia das Universidades de Maryland e
Columbia. Tornou-se reconhecido principalmente por seu livro: A Imaginação Sociológica, publicado
originalmente nos Estados Unidos da América em 1959. Nele o autor faz um apelo para que sociólogos
não deixem a imaginação e a criatividade de lado, ao exercerem sua
profissão, em favor de uma pretensa objetividade e neutralidade do trabalho
científico. As grandes obras e os intelectuais na história social em geral não abriram mão de
sua reflexividade e criatividade, além de uma postura crítica diante da realidade e da teoria a respeito do individualismo partindo da premissa do utilitarismo em contraposição ao egoísmo utilitário de Herbert Spencer e dos economistas.
Uma das críticas comum à sociologia era ser mais acessível à compreensão do grande
público no âmbito de massificação da sociedade de classes.
Depois de formado, Wright Mills foi nomeado
professor de Sociologia na Universidade de Maryland. Quatro anos depois
trabalhou como professor pesquisador na Columbia University`s Bureau of Appled Social
Research. Em seguida assumiu o cargo de professor no Departamento de Sociologia,
onde permaneceu lecionando até sua morte. O escopo de suas pesquisas refere-se à
desigualdade social, ao poder das elites, o declínio da classe média, e na
relação melindrosa entre os indivíduos e a sociedade, como também na importância de uma
perspectiva histórica, como parte fundamental do pensamento sociológico. Ipso facto, a mais
influente obra de Wright Mills foi de fato A Imaginação Sociológica (1959), onde
apresenta os três componentes que formam o arcabouço da imaginação sociológica: a história,
a biografia e a estrutura social, que permitem um olhar para além de seu
ambiente local, no sentido de fornecer informações e desenvolver razões, a fim
de se perceber com lucidez o que está acontecendo no mundo ao seu redor e como
está refletindo dentro de si mesmo.
A
obra que procura conscientizar, não só os sociólogos, mas a todos os
envolvidos, das ligações existentes entre o ambiente social pessoal imediato e o mundo social impessoal que está a sua volta e que
colabora para moldar a reflexão das pessoas. Outras publicações importantes do
bravo pensador são: A Elite do Poder (1956), a profecia, As Causas da Terceira Guerra
Mundial (1958), A Revolução em Cuba (1960) e Os Marxistas (1962). Mills
foi leitor atento da obra de Max Weber, tendo editado nos EUA uma compilação de
textos deste último, juntamente com Hans H. Gerth, obra que ficou intitulada, From Max Weber: Essays in Sociology, traduzida
para o português como Ensaios de
Sociologia, em 1974, pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Mills e
Gerth apresentam uma importante reflexão sobre a obra de Max Weber articulada a
um escorço biográfico deste autor e um autêntico Apêndice: Do Artesanato Intelectual,
onde apresenta uma etnologia propriamente dita da pesquisa científica. Para
Mills, a racionalidade do mundo ocidental não produziu a indispensável libertação do ser humano, já que as
principais ideologias desenvolvidas - capitalismo e socialismo - não se
mostraram aptas a prever e controlar intensos processos de mudanças sociais. Esta
crítica faz parte da tese de que o intelectual deveria manter postura
crítica e reflexiva na realidade, e tomar parte nos debates
públicos de seu tempo.
Apesar
do seu desaparecimento precoce Charles Wright Mills (1916-1962) teve tempo para desafiar ideias e
preconceitos sociais, e para se afirmar como uma figura inovadora e inevitável
da sociologia. Abalou grandes nomes das ciências sociais com críticas analíticas
severas a tradições teóricas importantes. Num dos seus livros de maior destaque,
A Imaginação Sociológica (1959), criticou a tendência para manipular a evidência
histórica e assim produzir um “colete de forças trans-histórico”, onde identificou
outro entrave ao progresso das ciências humanas naquilo a que chamou “grã
teoria”, ou seja, obcecado na crença de que o objetivo das ciências sociais é o de
construir “uma teoria sistemática da natureza do homem e da sociedade”. A “grã-teoria”
está tão preocupada em fazer revelações abstratas da sociedade que evita lidar
com os grandes problemas sociais. Inicialmente, o termo foi usado com uma conotação irônica para referir-se a várias teorias sobre formas generalizadas da sociedade.
A
sua postura crítica e independente dos grandes centros de poder ficou clara
também noutra das suas mais importantes obras, A Elite do Poder (1956), onde desenvolve uma explicação da estrutura
de poder da sociedade norte-americana do pós-guerra e afirma que as três
esferas institucionais mais importantes nesta sociedade são as esferas
política, industrial e militar, cada vez mais interdependentes. Conclui Mills
que os EUA são dominados por uma única elite poderosa composta pelos dirigentes
destas três esferas institucionais. Wright Mills é um dos mais importantes
teóricos da escola conflitual e um
grande crítico tanto do ponto de vista consensual como do ponto de vista
funcionalista, ambos dominantes na sociedade norte-americana do seu tempo. Compreende
na obra que as decisões políticas determinam as atividades econômicas e os
programas militares. Tem-se uma economia política articulada de diversas
maneiras às instituições e decisões militares. Os líderes desses domínios do poder formam a elite do poder da América. Wright Mills
acrescenta que essa estrutura social sofreu, historicamente, pequenas
alterações na preponderância dos três setores-chave e discrimina essa dinâmica
em cinco fases.
Na
primeira, explica que coincidiam a vida social, as instituições econômicas, a
organização militar e a ordem política formando uma “elite multifacetada”, sem
nenhuma polarização entre os meios de poder. A segunda, durante o século
XIX, caracteriza como de ascendência social da ordem econômica, a qual na
terceira fase consolida a sua supremacia tendo como dependentes as ordens
militar e política, com a subordinação do Estado aos grandes interesses
monetários. O quarto período se dá no contexto social da chamda Grande Depressão de 1929,
onde o estabelecimento do Estado do bem-estar social propiciou o fortalecimento
do poder político num cenário economicamente em crise. A quinta e atual fase é
caracterizada como de ascensão militar, em função das questões relacionadas à
defesa e às relações de âmbito internacionais. Apesar dessas proposições, é salientada a ideia da inter-relação entre os poderes e, por fim, a critica à visão marxista hegemônica de classe dominante, pois, segundo
Mills, esse termo carrega apenas o significado econômico (classe) e político (dominante),
esvaziando o terceiro e muito importante vértice do triângulo referido da
elite: o poder militar.
O
dia 24 de outubro de 1929 é considerado popularmente o marco inicial da Grande
Depressão, mas a produção industrial norte-americana já havia começado a
cair a partir de julho do mesmo ano, causando um período de leve recessão
econômica que se estendeu até 24 de outubro, quando valores de ações na bolsa
de valores de Nova Iorque, a New York Stock Exchange, caíram
drasticamente, e tornou-se notícia no ocidental mundo com o crash da bolsa de valores.
Assim, milhares de acionistas perderam, literalmente da noite para o dia,
grandes somas em dinheiro. Muitos perderam tudo o que tinham. Essa quebra na
bolsa de valores piorou drasticamente os efeitos da recessão já existente,
causando grande deflação e queda nas taxas de venda de produtos, que por
sua vez obrigaram ao encerramento de inúmeras empresas comerciais e
industriais, elevando assim drasticamente as taxas de desemprego. O colapso
continuou no dia 28 e no dia 29 de outubro. Os efeitos da Depressão
foram sentidos no mundo inteiro, bem como sua intensidade,
variaram de país a país. Outros países, além dos Estados Unidos, que foram
duramente atingidos pela queda da economia na Depressão foram a Alemanha, Países Baixos,
Austrália, França, Itália, o Reino Unido e o Canadá. Em países pouco
industrializados, ou em vias de desenvolvimento, como a Argentina e o Brasil, que não conseguiu vender o café
que tinha para outros países, a Grande Depressão segundo alguns economistas acelerou o processo de
industrialização.
Praticamente
não houve nenhum abalo na União Soviética, que, tratando-se de uma economia
socialista, estava econômica e politicamente fechada para novas tecnologias.
Entre 1929 e 1932, o PIB mundial caiu em cerca de 15%. Em comparação, o PIB
mundial caiu em menos de 1% entre 2008 e 2009 durante a Grande Recessão. Os
efeitos negativos da Grande Depressão atingiram seu ápice nos Estados Unidos em
1933. Neste ano, o Presidente americano Franklin Delano Roosevelt aprovou uma
série de medidas reconhecidas como New Deal. Essas políticas econômicas,
adotadas quase simultaneamente por Roosevelt nos Estados Unidos e por Hjalmar
Schacht na Alemanha foram racionalizadas pelo Keynesianismo enquanto obra
clássica. Alguns estudiosos alegam que o New Deal, juntamente com programas de
ajuda social realizados por todos os estados americanos, ajudou a minimizar os
efeitos da Depressão a partir de 1933, enquanto outros pesquisadores discordam
dessa visão. A maioria dos países atingidos pela Grande Depressão passaram a
recuperar-se economicamente a partir de então. Em alguns países, a Grande
Depressão foi um dos fatores primários que ajudaram a ascensão de regimes
ditatoriais, como os nazistas na Alemanha. O início da 2ª guerra mundial (1939-1945)
terminou com os efeitos remanescentes da Grande Depressão nos principais
países atingidos, muito embora vários economistas neoclássicos discordem disso.
À
medida que aumentava o afastamento de seus pares acadêmicos norte-americanos,
Mills buscava escrever mais e mais para o grande público. Além de artigos em
revistas como: New Leader, Politics, New York Times Magazine e Dissent, escreveu
“livros-panfletos” que lhe deram grande exposição na mídia norte-americana -
algo comparável apenas, talvez, à que teria a antropóloga Margaret Mead. Em The Causes of World War Three (1958),
Mills tratou da corrida nuclear; em Listen,
Yankee: The Revolution in Cuba (1960), da fase inicial da revolução cubana,
livro escrito em seis semanas após uma visita que Mills fizera a Cuba em agosto
de 1960, foi um enorme sucesso de vendas e, ao mesmo tempo, colocou o FBI à sua
espreita. O livro baseou-se em extensas entrevistas gravadas com Fidel Castro,
Che Guevara e outros líderes da revolução social, além de jornalistas,
militares e intelectuais. Fidel Castro teria então contado a Mills que lera The Power Elite durante a
guerrilha. Mills acreditara que os revolucionários
cubanos pudessem seguir por uma via socialista independentes. Durante sua estada na Europa, completou boa
parte de The Sociological Imagination,
apresentando em 1957 as versões do livro num Seminário em Copenhague.
Neste
ano, Mills mencionou, numa carta a um amigo, que os manuscritos incluíam “uma [versão]
completamente reescrita e, acredito de primeira linha, de um ensaio inédito Sobre o Artesanato Intelectual” (“On
Intellectual Craftsmanship”). A primeira versão do texto foi escrita em abril
de 1952, segundo anotação de Mills no manuscrito, e distribuída para uso em
sala de aula em 1955. O texto completo foi publicado em Society, vol.17, n° 2, janeiro 1980, pp.63-70. O texto acabou sendo
publicado como apêndice de The
Sociological Imagination e tornou-se a parte mais universalmente conhecida e elogiada do livro. Metodologicamente é
em torno da ideia de “artesanato intelectual” que a coletânea de textos de C.
Wright Mills foi organizada. Além do famoso Apêndice, foram reunidos quatro
outros textos curtos, representando um meio de trabalho que nos ajudam a melhor a compreesão sociológica dessa ideia: um trecho de
White Collar que explica o tipo ideal weberiano do artesanato, algo
que tornou-se um anacronismo na experiência moderna do trabalho descrito no capítulo 2;
uma palestra, inédita em português, realizada por Mills numa convenção para
designers, na qual defende o teor abstrato do modelo artesanal como um valor central para
seres humanos não alienados, disposto no capítulo 3; a seção inicial de A imaginação Sociológica, na qual apresenta aquilo que a “imaginação sociológica” pode nos
oferecer, ao esclarecer a inter-relação entre biografia e história no capítulo
4; e, per se um texto sobre a posição do intelectual e de seu ofício diante das questões
públicas no capítulo 5.
C. Wright Mills
faz, em “Sobre o artesanato intelectual”, um relato pessoal, dirigido aos que
se iniciam nas Ciências Sociais, de como procede em seu ofício. A imagem de um “ofício” – e sua associação com as idéias de
“artesanato” e “oficina” – se contrapõe à visão do trabalho do cientista social
como alguém que testa hipóteses construídas a partir de leis gerais e aplicadas
através de métodos controláveis. No trabalho do cientista social não haveria
fórmulas, leis, receitas, e sim méthodos,
no sentido original grego da palavra: via, caminho, rota para se chegar a um fim.
O “artesão intelectual” de que trata Mills deve ser visto como um “tipo ideal”,
no sentido weberiano do termo – algo que não é encontrado em forma “pura” na
realidade social, mas que, construído pelo pesquisador a partir do exagero de
algumas propriedades de determinado fenômeno, nos ajuda a compreendê-lo. Nesse
sentido, ver o trabalho de pesquisa como um ofício ressalta a importância da dimensão existencial na formação do
pesquisador. Isso não quer dizer que se devam explicar os resultados do
trabalho a partir da biografia, como ocorre em tolas reuniões científicas; não
estamos falando de fenômenos psicanalíticos ou coisas do gênero. Trata-se, como
Mills tende a enfatizar a indissociabilidade, para o “artesão
intelectual”, entre sua vida e seu trabalho - ideia próxima à que um autor brilhante como
Georg Simmel chamaria de “autocultivo” através da prática de seu ofício.
Enquanto um bricoleur, o artesão
intelectual está atento para combinações não-previstas de elementos, evitando
normas de procedimento rígidas que levem a um “fetichismo do método e da
técnica”: - Estimule a reabilitação do artesão intelectual despretensioso, e
tente se tornar você mesmo tal artesão. Deixe que cada homem seja seu próprio metodologista;
deixe que cada homem seja seu próprio teorizador; deixe que teoria e método se
tornem parte da prática de um ofício. A manutenção de um arquivo como o
proposto por Mills - tarefa que ele realizava com lápis e papel, mas que hoje pode
igualmente ser realizada com um computador – gera o hábito da auto-reflexão
sistemática, através da qual o cientista social aprende como manter seu mundo
interior desperto, relacionando aquilo que está fazendo intelectualmente e o
que está experimentando como pessoa. Como disse Gláucio Soares (1991),
“arquivos deste tipo são, essencialmente, uma conversa íntima e solitária”. Wright Mills
procura seguir sua própria exortação de que a apresentação do trabalho do sociólogo
deve ser realizada em linguagem a mais clara e simples possível, evitando ao
máximo o jargão e o hermetismo – “para superar a prosa acadêmica, temos de
superar primeiro a pose acadêmica”.
No
Apêndice: Sobre o Artesanato Intelectual, dá vários exemplos concretos a seus
leitores daquilo que defende, a partir de sua própria prática, em particular
com a pesquisa que levou à redação de A elite
do poder. Como um mestre-artesão que procura passar aos aprendizes de seu
ofício aquilo que aprendeu ao longo de seu caminho. O conhecimento é uma escolha
tanto de um modo de vida quanto de uma carreira; quer o saiba ou não, o
trabalhador intelectual forma-se a si próprio à medida que trabalha para o aperfeiçoamento
de seu ofício artesanal; para realizar suas
próprias potencialidades, e quaisquer oportunidades que surjam em seu caminho
ele constrói um caráter que tem como núcleo as qualidades do bom trabalhador. Isto
significa que deve aprender a usar sua experiência de vida pari passu em seu trabalho intelectual: examiná-la e interpretá-la
continuamente. Neste sentido, o artesanato é o centro de você mesmo, e você está pessoalmente envolvido em cada
produto intelectual em que possa trabalhar. Dizer que você pode “ter
experiência” significa que seu passado influencia e afeta seu presente, e que
ele define sua capacidade de experiência futura. Como sociólogo, é preciso
controlar a ação orientada, recíproca e complexa, apreender o que pratica e
classificá-lo. Somente dessa maneira pode esperar usá-lo para guiar e testar sua
reflexão e moldar a si mesmo como um
artesão intelectual. Mas como fazê-lo? Deve organizar um arquivo temático, o que é subentendido
na maneira do sociólogo dizer: mantenha um diário. Muitos escritores
notáveis e evidentemente criativos mantêm seus diários. É um processo disciplinar, indicando as condições teóricas e práticas, além das possibilidades formadas pela necessidade de reflexão crítica, sistemática e global em que
o sociólogo vive seu próprio drama social.
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Jonathan, “C. Wright Mills, the Bureau of Applied Social Research, and the
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pp.65-94; volume Especial, dez. 2016; FAIRCHILD, Thomas, “Da Interpretação à Apreciação: A Autoria Acadêmica no Novo Contexto do Novo Produtivismo”. In: Revista Trama, volume 13, n° 28, pp. 2013-239; 2017; entre outros.
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