“Você me ama, mas de repente a madrugada mudou, e
certamente aquele trem já passou!”.
Torquato Neto
Torquato Neto era o único filho do
defensor público Heli da Rocha Nunes (1918 - 2010) e da professora primária
Maria Salomé da Cunha Araújo (1918 - 1993). De Teresina, mudou-se para Salvador
aos 16 anos para os estudos secundários, onde foi contemporâneo de Gilberto Gil
no Colégio Marista Nossa Senhora da Vitória e como assistente no filme Barravento, o primeiro longa-metragem dirigido por Glauber Rocha. É um filme de 1962, do gênero drama. A história social acompanha a vida um ex-pescador que volta à aldeiazinha em que foi criado para tentar livrar o povo do domínio da religião. Filmagens ocorreram na praia do Buraquinho em Itapuã na Bahia. Torquato envolveu-se ativamente na cena soteropolitana, onde
conheceu, e tornou-se amigo, além de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethânia. Em
1962, mudou-se para o Rio de Janeiro para estudar jornalismo na pioneira Universidade do
Estado da Guanabara (UEG), mas nunca chegou a se formar. Trabalhou para
diversos veículos de comunicação de massa da imprensa carioca, com colunas sobre cultura
nos jornais Correio daManhã, Jornal dos Sports e Última
Hora.
A hermenêutica tradicional se refere
ao estudo da interpretação de textos escritos, especialmente nas áreas de
literatura, religião e direito. A hermenêutica moderna ou contemporânea engloba
não somente textos escritos, mas também tudo que há no processo interpretativo.
Isso inclui formas verbais e não verbais de comunicação, assim como aspectos
que afetam a comunicação, como proposições, pressupostos, o significado e a
filosofia da linguagem e a semiótica. Não tem a pretensão de eternizar o homem,
mas possibilitar ao homem se aproximar da vida, por meio de conexões que
integram, aproxima e relaciona os homens. A teoria compreensiva tem uma
importância ética ímpar para o mundo contemporâneo. A base para esse nexo em que se dá a relação
da vivência é a categoria do
significado. Tal categoria corresponde a um apoio sólido que aparece como uma
unidade de conjunto onde age o pensamento, os sentimentos e a vontade.
Considerando que há um balanço parte e todo no nexo da vivência, nada mais é do
que a integração num todo que nos remete ao significado contido na relação
parte-todo que encontra na vivência seu fundamento compreensivo.
É
neste sentido que Wilhelm Dilthey (1966) considera que vida e a mudança dos
seus principais momentos estruturais fazem que a concepção do mundo sempre e em
toda a parte se expresse em oposições, embora sobre um fundo comum. Portanto é na
arte, na religião e no pensamento que encarnam os ideais que atuam na
existência de um povo. Por conseguinte, toda a mundividência é produto da história.
A historicidade revela-se como uma
propriedade fundamental da consciência humana. Os sistemas filosóficos não
constituem uma exceção. Como as religiões e as obras de arte, contêm uma visão
da vida e do mundo, inserida na vitalidade das pessoas que os produziram e em
consonância com as épocas em que vieram à luz do dia; traduzem uma determinada
atitude afetiva, caracterizam-se pela imprescindível energia lógica, porque o
filósofo procura trazer a imagem do mundo à clara consciência e ao mais estrito
urdimento cognitivo. A síntese da reflexão teórica e de aperfeiçoamento dos
conceitos, que gera uma circunspecção potenciada, é que reside o valor prático
da atitude filosófica.
Torquato Neto trabalhava como um
agente cultural e polemista defensor das manifestações artísticas de vanguarda,
como a Tropicália, o cinema marginal
e a poesia concreta, circulando no meio cultural efervescente da época, ao lado
de amigos como os poetas Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos, o
cineasta Ivan Cardoso e o artista plástico Hélio Oiticica. Nesta época, Torquato passou a ser visto como
um dos participantes do movimento Tropicalismo
(cf. Veloso, 2003) tendo escrito o breviário “Tropicalismo para principiantes”,
no qual defendeu artisticamente a necessidade de criar um pop genuinamente brasileiro: - “Assumir completamente tudo o que a
vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de
cafonice ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela
encerra, ainda desconhecido”. Torquato também foi um importante letrista de
canções icônicas do movimento tropicalista. No final da década de 1960, com o
AI-5 (Ato Institucional n° 5) representando o quinto Ato de uma série emitido
pelo regime militar brasileiro nos anos seguintes ao golpe militar de 1° de
abril de 1964, e o exílio dos amigos e parceiros Gil e Caetano, viajou pela
Europa e Estados Unidos da América (EUA) com a sua esposa, Ana Maria Silva de
Araújo Duarte, morando em Londres brevemente. De volta ao Brasil, no início dos
anos 1970, Torquato sentindo-se angustiado começou a se isolar, sentindo-se
alienado pelo sistema repressivo do regime militar. Não por acaso, passou por
uma série de internações para tratar do alcoolismo e rompeu com diversas
amizades.
- Caetano havia chegado a Teresina
para um show. Estava muito triste. Retornava pela primeira vez à cidade onde
havia nascido um de seus principais parceiros na Tropicália e seu grande amigo, o poeta Torquato Neto, meu primo,
que havia se suicidado em 1972, escreveu o jornalista, poeta e escritor piauiense
Paulo José Cunha. Foi a partir desse momento que começou a ser escrita a
história das entrelinhas de Cajuína,
música composta por Caetano Veloso e gravada em 1979 para o disco: CinemaTranscendental. Oito versos de um xote um tanto melancólico que se
questiona sobre a efemeridade da vida, de belezas e mistérios do ecúmeno. A
canção começou a ser composta por Caetano quando chegou a Teresina (PI) com a
turnê Muito e recebeu no hotel a
visita de Dr. Heli Nunes, o pai de Torquato. Aquela era a primeira vez que o
encontrava após o trágico fim do amigo. - “Senti uma dureza de ânimo dentro de
mim. Me senti um tanto amargo e triste mas pouco sentimental”, rememorou Caetano
Veloso, que não havia chorado no momento em que recebeu a notícia da morte
súbita de Torquato Neto. Foi apenas ao se encontrar com Dr. Heli, anos depois
do ocorrido, que sua “dureza amarga se desfez”, como traduziu o próprio cantor e
compositor baiano.
O AI-5, sobrepondo-se à Constituição
de 24 de janeiro de 1967, bem como às Constituições estaduais, dava poderes
extraordinários ao Presidente da República e suspendia várias garantias
constitucionais. Redigido em 13 de dezembro de 1968 pelo então Ministro da
Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, o AI-5 entrou em vigor durante o governo
do presidente Marechal Arthur da Costa e Silva (1967-1969) e teve como pretexto
institucional e político a contenção da escalada de violência urbana, a
contenção de praticas considerada subversiva pelo regime militar como a adesão
ao Partido Comunista Brasileiro (PCB)
e a divulgação de materiais sobre o comunismo assim como o combate à luta
armada da esquerda – nesse momento alijada do processo político – pelo poder.
Contudo, uma das primeiras medidas foi o fechamento do Congresso Nacional até
21 de outubro de 1969. Nascido em Taquari, no interior do Rio Grande do Sul,
Costa e Silva era marechal do Exército Brasileiro quando assumiu a presidência
da República e já havia ocupado o Ministério da Guerra no governo anterior, do
marechal Castelo Branco. Muitos críticos do regime militar golpista atribuíram
o ato como represália ao discurso do deputado Márcio Moreira Alves (1972) na
Câmara dos Deputados, em 2 de setembro de 1968. No discurso, o deputado propôs um boicote ao militarismo, pois “quando
não será o Exército um valhacouto de torturadores?” e solicitou ao povo
brasileiro que ninguém participasse das comemorações do dia 7 de setembro. Além
de sugerir uma greve Lisístrata para as esposas dos militares enquanto a democracia
não fosse restabelecida.
Na Antiguidade grega, as comédias
eram vistas pelas classes cultas como um gênero popular menor, que nada
acrescentava ao espírito. Entretanto, a genialidade do poeta ateniense Aristófanes
conseguiu suplantar o descaso com que as peças cômicas eram vistas pelos
eruditos - aqueles que, justamente, determinavam e registravam o que iria
passar à posteridade -, e várias das suas comédias chegaram até nós. Historicamente
oriunda de uma época em que as mulheres não subiam ao palco, assim como não
eram autorizadas entre o público do teatro, Lisístrata
é um retrato de seu tempo e da civilização ocidental. Um retrato bem-humorado,
no entanto: inversões de papéis e situações absurdas e “carnavalizadas” marcam
o texto. Nas entrelinhas desta obra-prima do pai da comédia, o que se vê é a
discussão de temas tão sérios quanto atuais, como o a paz e a democracia, o
amor à pátria e o preço da guerra. Em meio a uma guerra que se prolonga,
ceifando a vida dos homens e filhos de Atenas e esvaziando os cofres públicos,
as mulheres gregas, lideradas por Lisístrata, decidem fazer o que está ao seu
alcance: negar os deveres matrimoniais aos seus maridos, até que estes assinem
um acordo de paz. De quebra, elas se apoderam do erário público – recurso
fundamental para financiar as incursões guerreiras. Nas entrelinhas desta obra-prima
daquele que é considerado o pai da comédia, o que se vê é a discussão de temas
tão sérios quanto atuais, como o a paz e a democracia, o amor à pátria e obviamente
o preço da guerra.
O corpo, notoriamente, percorre a história da ciência e da filosofia. De Platão a Bergson, passando por Descartes, Espinosa, Merleau-Ponty, Freud, Marx, Nietzsche, Weber e principalmente Michel Foucault, a definição de corpo demonstra um puzzle. Quase todos reconhecem a profusão da visão dualista de Descartes, que define o corpo como uma substância extensa em oposição à substância pensante. Podemos perceber que seguindo este modo de compreensão, sobretudo com o advento da modernidade, o corpo foi facilmente associado a uma máquina. O corpo foi pensado como um mecanismo elaborado por determinados princípios que alimentam as engrenagens desta máquina promovendo o seu bom funcionamento. Isto quer dizer que através dos exercícios de abstinência e domínio que constituem a ascese necessária, o lugar atribuído ao conhecimento de si torna-se mais importante: a tarefa de se pôr à prova, de se examinar, de controlar-se numa série de exercícios bem definidos, coloca a questão da verdade – da verdade do que se é, do que se faz e do que é capaz de fazer – no cerne da constituição do sujeito moral. E, finalmente, o ponto de chegada dessa elaboração é ainda e sempre definido pela soberania do indivíduo sobre si mesmo. Neste aspecto Michel Foucault (2014) nos adverte sobre a questão abstrata da analítica do poder que se constitui o marco histórico e pontual de “docilidade dos corpos”.
Para ele o soldado é, antes de tudo, alguém que se reconhece de longe; que leva os sinais naturais de seu vigor e coragem, as marcas também de seu orgulho: seu corpo é o brasão de sua força e de sua valentia: e se é verdade que deve aprender aos poucos o ofício das armas – essencialmente lutando – as manobras como a marcha, as atitudes como o porte da cabeça se originam, em boa parte, de uma retórica corporal de honra. Eis como ainda no início do século XVIII se descrevia a figura ideal do soldado. Mas na segunda metade deste século, o soldado se tornou algo que se fabrica; de uma massa informe, de um corpo inapto, fez-se a máquina de que se precisa; corrigiram-se aos poucos as posturas: lentamente uma coação calculada percorrer cada parte do corpo, assenhoreia-se dele, dobra o conjunto, torna-o perpetuamente disponível, e se prolonga, em silêncio, no automatismo dos hábitos; em resumo, foi “expulso o camponês” e lhe foi dada a “fisionomia de soldado”. Ipso facto, houve, durante a época clássica, uma descoberta do corpo como objeto e alvo de poder. Encontraríamos facilmente sinais dessa grande atenção dedicada então ao corpo que se manipula, modela-se, treina-se, que obedece, responde, torna-se hábil ou cujas forças multiplicam o “homem-máquina”.
O grande livro do homem-máquina foi descrito simultaneamente em dois registros: no anátomo-metafísico, cujas primeiras páginas haviam sido escritas por Descartes e que os médicos, os filósofos continuaram; o outro, técnico-político, constituído por um conjunto de regulamentos militares, escolares, hospitalares e por processo empíricos e refletidos para controlar ou corrigir as operações do corpo. Dois registros bem distintos, pois se tratava ora de submissão e utilização, ora de funcionamento e de explicação: corpo útil, corpo inteligível. E, entretanto, de um ao outro, pontos de cruzamento. “O homem-máquina” de Julien Offray La Metrie (1709-1751) é ao mesmo tempo uma redução materialista da alma e uma teoria geral do adestramento, no centro dos quais reina a noção de “docilidade” que une ao corpo analisável o corpo manipulável. Em sua significação específica é dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado. Contudo, os famosos autômatos, por seu lado, não eram apenas uma maneira de ilustrar o organismo; eram também bonecos políticos, modelos reduzidos de poder: obsessão de Frederico II, rei minucioso das pequenas máquinas, regimentos bem treinados e dos longos exercícios.
Para Foucault metodologicamente a questão a responder é a seguinte: Nesses esquemas de docilidade, em que o século XVIII teve tanto interesse, o que há de tão novo? Não é a primeira vez, certamente, que o corpo é objeto de investimentos tão imperiosos e urgentes; em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes mito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações. Muitas coisas, entretanto, são novas nessas técnicas. A escala, em primeiro lugar, do controle; não se trata de cuidar do corpo, massa, grosso modo, como se fosse uma unidade indissociável, mas de trabalha-lo detalhadamente; de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de mantê-lo ao mesmo nível prático da mecânica – movimentos, gestos, atitudes, rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. O objeto, em seguida, do controle: não, ou mais, os elementos significativos do comportamento ou a linguagem do corpo, mas a economia, a eficácia dos movimentos, sua organização interna; a coação se faz mais sobre as forças que sobre os sinais; a única cerimônia que realmente importa é a do exercício. A modalidade, enfim, implica uma coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos.
Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar disciplinas. Muitos processos disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos exércitos, nas oficinas também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos XVII e XVIII fórmulas gerais de dominação. Diferentes da escravidão, pois não se fundamentam numa relação de apropriação dos corpos; é até a elegância da disciplina dispensar essa relação custosa e violenta obtendo efeitos de utilidade pelo menos igualmente grandes. Mas também ocorre que são diferentes também da domesticidade, que é uma relação social de dominação constante, global, maciça, não analítica, ilimitada e estabelecida sob a forma de vontade de poder singular do patrão, sendo quase seu “capricho”. Diferentes da vassalidade que é uma relação de submissão altamente codificada, mas longínqua e que se realiza menos sobre as operações do corpo que sobre os produtos do trabalho e as marcas rituais de obediência. Diferentes do ascetismo e das “disciplinas” de tipo monástico, que têm por função realizar renúncias mais do que aumentos de utilidade e obediência, têm como fim um aumento do domínio de cada um sobre seu próprio corpo.
O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Uma “anatomia política”, que é também igualmente uma “mecânica do poder”, está nascendo; ela define como se pode ter o domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas ara que operem como se quer, com as técnicas segundo a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência). Em uma palavra: ela associa o poder do corpo; faz dele por um lado uma “aptidão”, uma “capacidade” que ela procura aumentar; e inverte por outro lado a energia, a potência que poderia resultar, e faz dela uma relação de sujeição estrita.
Se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada. Entendida como consumo cultural, a prática do culto ao corpo situa-se como preocupação geral de mobilidade social, que perpassa a estratificação de classes sociais e faixas etárias, apoiada num discurso clínico difuso que se refere tanto a questão estética, quanto a preocupação alimentar com a saúde. Nas sociedades contemporâneas há uma crescente apropriação do corpo, com a dieta alimentar e o consumo excessivo de cosméticos, impulsionados pelo processo de massificação da propaganda/consumo a desde o desenvolvimento econômico dos anos 1980, onde o corpo ganha mais espaço, principalmente nos meios midiáticos. Nesse sentido, as fábricas de imagens estéticas do vencedor da chamada indústria cultural, como o cinema, televisão, publicidade, revistas etc., têm contribuído para isso. Ipso facto, nos leva a pensar que a imagem da eterna fonte de juventude, associada ao corpo perfeito e ideal, ao sucesso na educação, no trabalho e na vida amorosa atravessa as etnias e classes sociais, compondo de maneiras diferentes diversos estilos de vida.
Em
julho de 1971, escreveu ao Hélio Oiticica: - “O chato, Hélio, aqui, é que
ninguém mais tem opinião sobre coisa alguma. Todo o mundo virou uma espécie de
Capinam (esse é o único de quem eu não gosto mesmo: é muito burro e mesquinho),
e o que eu chamo de conformismo geral é isso mesmo, a burrice, a queimação de
fumo o dia inteiro, como se isso fosse curtição, aqui é escapismo, vanguardismo
de Capinam que é o geral, enfim, poesia sem poesia, papo furado, ninguém está
em jogo, uma droga. Tudo parado, odeio”. Torquato se matou um dia depois de seu
28º aniversário, em 1972. Depois de voltar de uma festa, trancou-se no banheiro
e abriu o gás. Sua mulher dormia em outro aposento da casa. O escritor foi
encontrado na manhã seguinte pela empregada da família, Maria das Graças, que
mais tarde adotou o nome de Gal, sugerido pela própria Gal Costa, sua homônima,
frequentadora assídua da casa de Torquato.
Historicamente
há dois tipos de causas extrasociais às quais se pode atribuir a priori uma influência sobre a taxa de
suicídios: as disposições orgânico-psíquicas e a natureza do meio físico.
Poderia ocorrer que, na constituição individual
ou pelo menos, na constituição de uma classe importante de indivíduos, houvesse
uma propensão, de intensidade variável conforme os países, que arrastasse
diretamente o homem ao suicídio; por outro lado, o clima, a temperatura, etc.,
poderiam pela maneira como agem sobre o organismo, ter diretamente os mesmos
efeitos. As hipóteses, em todo caso, sustentadas pelo sociólogo Émile Durkheim
(2013: 19; 394 e ss.) e validadas para os dias atuais é que grande número de
mortes voluntárias não entram em nenhuma dessas categorias; a maioria delas tem
motivos que não deixam de ter fundamento na realidade.
Enfim,
a indignação social é de tal energia que muitas vezes ela só satisfaz com a
expiação suprema. Para nós, se a vitima é um desconhecido ou um indiferente, se
o autor do crime não vive nas proximidades e, portanto, não constitui uma
ameaça pessoal para nós, embora achando que o ato seja punido, nossa emoção não
é suficiente para sentirmos uma verdadeira necessidade de vingança. Não daremos
um apsso para descobrir o culpado; até nos recusaremos a entrega-lo. A coisa só
muda de aspecto quando a opinião pública se apropria do assunto. Então
nos tornamos mais exigentes e mais ativos. Mas é a opinião pública que fala por
nossa boca; agimos sob a pressão da coletividade, não mais como indivíduos.
Ipso facto, com maior frequência, até, a distância entre a opinião social e
suas repercussões individuais é ainda mais considerável. Na maioria dos
indivíduos força suficiente para se opuser aos atos que o ofendessem, pois, o
horror pelo sangue humano está hoje arraigado com bastante profundidade nas
consciências em geral para evitar a eclosão de ideias homicidas.
Se
a consciência comum não é outra coisa que não a consciência mais geral, ela não
pode se elevar acima do nível vulgar. Mas, então, de onde provêm esses
preceitos elevados e claramente imperativos que a sociedade se esforça por
inculcar em suas crianças e cujo respeito ela impõe a seus membros. Não é sem
razão que as religiões e seguindo-se a elas, tantas filosofias consideram que a
moral só pode ter sua plena realidade em Deus. É que seu esboço pálido e muito
incompleto contido pelas consciências individuais não pode ser visto como seu
tipo original. Ele faz antes o efeito de uma reprodução infiel e grosseira cujo
modelo, portanto, deve existir em algum lugar fora dos da estrutura psíquica/pensamento dos indivíduos. Por isso,
com seu simplismo comum, a imaginação popular o realiza em Deus. A ciência, sem
dúvida, não pode se deter nessa concepção.
Não
se pode, portanto, sem fazer mau uso das palavras, considerar todo suicida um
louco. Mas de todos os suicídios o que pode parecer mais difícil de discernir
do que se observam nos homens são os de “espírito melancólico”; pois, com muita
frequência, o homem normal que se mata também se encontra num estado de
abatimento e de depressão, exatamente como o alienado. Mas sempre há entre eles
a diferença essencial de que o estado do primeiro e o ato resultante dele não
deixam de ter causa objetiva, ao passo que, no segundo, não têm nenhuma relação
com as circunstâncias exteriores. Para Durkheim, nas situações de degredo, como
ocorre nas prisões e nos regimentos há um estado coletivo que inclina os
soldados e os detentos ao suicídio diretamente quanto o pode fazer a mais violenta
das neuroses. O exemplo representa a causa ocasional que faz manifestar-se o
impulso; mas não é aquele que o cria, e, se o impulso não existisse, o exemplo
seria inofensivo. Uma observação pode servir de corolário a essa conclusão.
Comumente,
quando se fala em tendências ou em paixões coletivas, afirma Durkheim, inclinamo-nos
a ver nessas expressões apenas metáforas e maneiras de falar, que anda designam
de real a não ser uma espécie de média entre certo número de situações
individuais. Recusamo-nos a vê-las como coisas,
como forças sui generis que dominam
as consciências particulares. No entanto, é essa sua natureza, e isso a
estatística do suicídio mostra claramente. Os indivíduos que compõem uma
sociedade mudam de um ano para ano para outro; no entanto, o número de suicidas
é o mesmo, enquanto a própria sociedade não muda. Em todos os países, a vida
coletiva evolui segundo o mesmo ritmo ao longo do ano; cresce de janeiro a
julho, aproximadamente, para decrescer em seguida. Embora os membros de
diversas sociedades europeias pertençam a tipos médios muito diferentes uns dos
outros, as variações sazonais e mesmo mensais dos suicídios ocorrem em todos os
lugares segundo a mesma lei.
Também,
seja qual for a diversidade dos humores individuais, a relação entre a
disposição das pessoas casadas para o suicídio e a dos viúvos e viúvas é
exatamente a mesma nos mais diferentes grupos sociais, unicamente porque, em
toda parte, o estado moral da viuvez mantém a mesma relação com a constituição
moral própria do casamento. As causas que fixam assim o contingente de mortes
voluntárias para uma sociedade ou uma determinada parte da sociedade devem,
portanto, ser independentes dos indivíduos, pois conservam a mesma intensidade
sejam quais forem os indivíduos particulares sobre os quais exerce sua ação.
Dir-se-á que é o gênero de vida que, sempre o mesmo, produz sempre os mesmos
efeitos sociais específicos. Mas um gênero de vida é alguma coisa,
cuja constância precisa ser explicada. Se se mantém invariável ao
passo que mudanças se produzem entre aqueles que o praticam, é
impossível que toda a sua realidade dependa absolutamente deles.
Foi
pensando na morte do amigo Torquato Neto que Caetano Veloso escreveu a canção
Cajuína, incluída no disco CinemaTranscendental (1979). Os versos da
canção relatam o encontro de Caetano com o pai de Torquato, em Teresina, algum
tempo depois da morte do poeta. Na década de 1980, a partir de 1984, as
gerações mais recentes puderam apreciar o talento poético de Torquato Neto
através do seu poema, Go Back (1971), que, naquele ano, recebeu a primeira
gravação musical do grupo Titãs, com
música feita pelo tecladista e um dos cantores do grupo, Sérgio Britto. A
popularidade da canção seria consagrada em 1988, quando os Titãs deram um
arranjo ainda mais vigoroso à música. Go Back é a faixa-título do disco
gravado em Montreux, na Suíça. Na madrugada do dia 27 de setembro de 2010, seu
pai, o defensor público Dr. Heli Rocha Nunes, morreu aos 92 anos de idade, em
Teresina, após uma parada cardíaca. A família aguardou a chegada do único filho
do poeta piauiense, Thiago de Araújo Nunes, piloto de avião para realizar o
sepultamento do avô.
O
suicídio é um fenômeno complexo, estudado por várias disciplinas científicas
que o percebem de forma, às vezes, antagônica, outras complementares. De
maneira geral, a psiquiatria tem analisado o suicídio como um fenômeno
individual enquanto que as ciências sociais percebem-no como um comportamento
coletivo. Historicamente a atitude da sociedade em relação ao suicídio variou
da admiração à hostilidade, punição, irracionalismo e até superstição. As taxas
internacionais de suicídio variam em torno de 10-15 por 100.000. Em alguns
países do leste europeu, Escandinávia, Japão, as taxas chegam a 25 por 100.000.
Nos Estados Unidos América que, se colocam entre as taxas internacionais, entre
1970 e 1980, houve mais de 230.000 suicídios, aproximadamente 1 em cada 20
minutos. No Brasil, as mortes por suicídios, embora subestimadas, são de baixas
magnitudes quando comparadas a outras regiões, porém mostram-se crescentes na
faixa do adulto jovem, principalmente no sexo masculino. A frequência do
suicídio entre as patologias é bastante variável; por exemplo, a depressão pode
ser responsável por 45% a 70 % dos suicídios. É um dos países que apresenta o
menor número de suicidas, ou talvez nossa tentativa de suicídios seja bem maior
do que os sucessos. Um dos objetivos da OMS é reverter a cifra de mais de 1
(um) milhão de pessoas que tiram a própria vida por ano. O plano para
esta meta é a promoção do dia InternacionaldePrevençãoaoSuicídio, promovido pela Organização
Mundial de Saúde. Projeta-se este número a 1,5 milhão em 2020,
mas estatisticamente o suicídio corresponde a mais da ½ das
mortes violentas na Terra.
Bibliografia
geral consultada.
TORQUATO NETO, Os Últimos Dias de Paupéria. Org. por Ana Maria Silva Duarte e Waly Salomão. Rio de Janeiro: Editor Max Limonad, 1984; Idem, Torquatália - do Lado de Dentro. Obra Reunida de Torquato Neto (vol. 1). Org. Paulo Roberto Pires. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2005; Idem, Torquatália - Geleia Geral. Obra Reunida de Torquato Neto (vol. 2). Org. Paulo Roberto Pires. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2005; VAZ, Toninho, Pra mim
Chega - A Biografia de Torquato Neto. São Paulo: Editora Casa Amarela, 2003; ALENCAR CASTELO BRANCO, Edwar, Todos os Dias de Paupéria: Torquato Neto e uma Contra-História da Tropicália. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. Departamento de História. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2004; DUARTE, Adriane
da Silva, Aristófanes. Duas Comédias:
Lisístrata e As Tesmoforiantes. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2005; VELOSO,
Caetano, Tropical Truth: A Story of Music
and Revolution in Brazil. Nova York: Da Capo Press, 2003; KRUEL, Kenard, Torquato Neto ou a Carne Seca é Servida. 2ª
edição. Teresina: Editor Zodíaco, 2008; GALDINO, Roberto Carlos, A Porta da Saída: A Poética das Canções de Torquato Neto. Dissertação de Mestrado. Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2008; ANDRADE, Rodrigo de, Torquato Neto: Uma Poética da Contracultura. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Passo Fundo: Universidade de Passo Fundo, 2008; LAGE, Patrícia Rodrigues Alves, A Poética de Torquato Neto: Tradição, Ruptura
e Utopia. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários. São Paulo: Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, 2010; OLIVEIRA, Vitor Hugo Abranches de, Você Olha nos Meus Olhos e Não Vê Nada/É Assim Mesmo que Eu Quero Ser Olhado - Trajetória e Marginalidade na Obra Musical de Torquato Neto. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2011; CALIXTO, Fabiano Antônio, Um Poeta Não se Faz com Versos: Tensões Poéticas na Obra de Torquato Neto. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Teoria Literária e Literatura Comparada. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo; Universidade de São Paulo, 2012; OLIVEIRA, Aline
Rocha de, Poéticas Errantes: Experiência Urbana em Andrés Caicedo e Torquato
Neto. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura.
Instituto de Letras. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2016;SOARES, Valéria, “Memória
UESPI: Poeta Torquato Neto, o Expoente de Ideais”. In: https://www.uespi.br/23/02/2017; entre outros.
“Devem vestir a camisa de força
do materialismo, caso contrário, não é possível fazer ciência”. Richard
Feynman
Na
história social do Reino Unido, a era vitoriana foi o período do reinado da
rainha Vitória, de junho de 1837 até sua morte em janeiro de 1901. Localiza-se
entre o período georgiano e o eduardiano, e a sua segunda metade coincide com o
começo da Belle Époque na Europa continental. Alguns estudiosos poderiam
estender o início do período à aprovação do Ato de Reforma de 1832, como a
marca do verdadeiro início de uma nova era cultural. Representou um longo
período de paz e relativa prosperidade para o povo britânico, também conhecido
como Pax Britannica, com os lucros adquiridos a partir da expansão e
domínio do Império Britânico no exterior, bem como o auge e consolidação da
Revolução Industrial e o surgimento de novas invenções. Tudo isso permitiu que
uma grande e instruída classe média se desenvolvesse. Dos grandes nomes do
pensamento moderno foram forjados na época: Charles Darwin e Sigmund Freud.
Apesar dos seus impulsos de modernização na ciência, no mergulho do indivíduo e
na dinâmica econômica, esta Era foi marcada também por rígidos costumes, moralismo
social e sexual, fundamentalismo religioso e exploração capitalista. Ao final
do século, as políticas do novo imperialismo levaram ao aumento de conflitos
coloniais e posteriormente, à Guerra Anglo-Zanzibari e a Guerra dos
Bôeres na África. Internamente, a política se tornou cada vez mais liberal,
com uma série de mudanças graduais na direção de reformas políticas e ao
alargamento dos direitos do voto.
Durante a Era vitoriana, a população da
Inglaterra quase duplicou, passando de 16,8 milhões em 1851 para 30,5 milhões
em 1901. A população da Irlanda diminuiu rapidamente, de 8,2 milhões em 1841
para menos de 4,5 milhões em 1901. No início da era vitoriana, a Câmara dos
Comuns foi dominada por dois partidos, os whigs e os tories. Do ponto de vista histórico, teórico
e pontual o conceito de “carreira” deriva da palavra latina “carraria” e passou
por diversas transformações no decorrer de sua aplicabilidade teórica e
historicamente determinada. Por volta de 1530, no período renascentista,
simplificadamente, “carreira” identificava um caminho, ou o “curso do sol
através dos céus”. Nas disputas de Justa, em 1590, a palavra “carreira” estava
inserida no seguinte contexto: o cavalo que, durante o combate, passava uma
“carreira” em seu oponente. A partir de 1803, o significado contemporâneo da
palavra “carreira” passou a se relacionar ao mundo perigoso dos negócios, e das instituições quando associado à “caminho na vida profissional”.
Nos dias atuais, comumente entende-se “carreira” como a soma de “todos os
cargos” ou “posições” ocupadas por uma pessoa durante a sua vida profissional.
Este entendimento contraria a raiz etimológica do termo e impede que o conceito
real da palavra seja plenamente assimilado no mercado da ciência, inclusive por
alguns profissionais de renome em nível globalizado. Não está associado a
restrições temporais, mas espaciais. Não revela um histórico profissional,
propriamente dito, mas um caminho particular rumo a um objetivo institucional.
No
sentido pontual é um termo disciplinar que designa um determinado campo do
conhecimento. Como campos específicos de
saber, as disciplinas se referem aos mais diversos âmbitos de produção de
conhecimento técnico e científico. Tem como representação
a produção social através de instâncias (instare)
ou níveis de análises sobre a realidade social, a constituição de uma linguagem
aparentemente comum entre os seus praticantes, a definição e constante
redefinição de seus objetos de estudo, uma singularidade que as diferencia de
outros saberes, uma complexidade interna que termina por gerar novas
modalidades no interior da disciplina. Enfim, a rede de conexão humana de
conhecimentos que constitui determinado campo de saber, com a formação
progressiva da chamada “comunidade científica”, na falta de melhor expressão,
compartilhada no campo disciplinar. É um processo de trabalho, com a fundação e
manutenção de revistas científicas especializadas, a ocorrência constante de
congressos frequentados pelos praticantes do campo disciplinar, a criação de
instituições científicas que representam os profissionais do campo de saber
vinculando seu nome, seu cargo no âmbito do processo de trabalho
e de pesquisa nas instituições (cf.
Albuquerque, 1980).
No final do século XIX, Jean-Martin
Charcot, um eminente neurologista francês, que empregava a hipnose para estudar
a histeria, demonstrou que ideias mórbidas podiam produzir manifestações
físicas. Seu aluno, o psicólogo Pierre Janet, considerou como prioritárias,
para o desencadeamento do quadro histérico, muito mais as causas psicológicas
do que as físicas. Sigmund Freud, em colaboração com Josef Breuer, começou a
pesquisar os mecanismos psíquicos da histeria e postulou em sua teoria que essa
neurose era causada por lembranças reprimidas, de grande intensidade emocional.
A sintomatologia, que ao mesmo tempo frustrou e estimulou os médicos do século
XIX, foi o grande desafio para Freud, que, a partir desse quadro clínico,
desenvolveu técnicas específicas para
conduzir o tratamento de suas pacientes: nascia a Psicanálise, como resposta a
esse extraordinário desafio. Teorizou-se, outra segmentação da estrutura
neurótica: estava-se diante dos obsessivos que, com sintomas diferentes, também
apresentavam grande sofrimento psíquico. Para Freud: - O nome “histeria” tem
origem nos primórdios da prática média e resulta, portanto, do preconceito, superado
somente nos dias de hoje, que vincula as neuroses às doenças do aparelho sexual
feminino.
Agora Nietzsche contamina a reflexão
crítica na Sétima Arte. O trágico
sempre será afirmativo e não reativo. O reativo, dialético, é simplesmente
conservação de força frente ao inesperado. Que precisa do controle e da
submissão daquele que é atingido pelo inusitado. O trágico afirma-se na
consciência plena do acaso como constituinte da própria realidade e o “cosmiza”
ativamente e não reativamente. O trágico não só afirma a necessidade a partir
do acaso, como afirma o próprio acaso. Não só afirma a ordem a partir da
desordem, como afirma a própria desordem. Não só afirma o cosmos a partir do
caos, como afirma o caos. Reitera, sobretudo, o próprio devir. Essa é a grande
inversão de Nietzsche. Que tira do pensamento qualquer pressuposição de sentido
e valor, para construí-los a partir do “jogo de forças” visando expansão de
potência. A tese de Nietzsche em relação ao pensamento ocidental pressupõe que
o sentido e valor já uma é “vontade de potência”, se afirmando como força e
moldando os agentes a reagirem contra aquilo que constitui a realidade: a falta
de valor em si e sentido próprio.
O mundo, para Nietzsche, não é ordem
e racionalidade, mas desordem e irracionalidade. Seu princípio filosófico não
era, portanto, Deus e razão, mas a vida que atua sem objetivo definido, ao acaso,
e, por isso, se está dissolvendo e transformando-se em um constante devir. A
única e verdadeira realidade “sem máscaras”, para Nietzsche, é a vida humana
tomada e corroborada pela vivência do instante. Nietzsche formula uma concepção
histórico-filológica de um ponto de vista crítico: a) das “ideias modernas”, b)
da vida e da cultura moderna, c) do neonacionalismo alemão, e, para sermos
breves, d) os ideais modernos como democracia, socialismo, igualitarismo,
emancipação feminina não eram senão expressões da decadência de determinado
“tipo homem”. Por estas razões, é, por vezes, apontado como um precursor da
concepção de pós-modernidade. A
figura de Nietzsche foi particularmente promovida na Alemanha autoritária, num
processo político mediante o qual você opta, mas não decide, tendo sua irmã,
simpatizante daquele regime, fomentado nesta associação. Como dizia Heidegger,
ele próprio nietzschiano, “na Alemanha se era contra ou a favor de Nietzsche”.
A ideia em torno de “anjos e
demônios”, apocalíptica por certo vem sendo fomentada com absoluto sucesso na
ficção pelo escritor Dan Brown escrito em estilo irresistível e acessível. Ela
se insere em questões universais sobre a existência de Deus, a possibilidade de
se ter fé em um Universo que parece ter profunda indiferença por nós, a
reconciliação entre o científico e o espiritual. Só que o livro leva o conflito
entre razão é fé a uma concepção apocalíptica. Antes de decifrar O Código Da Vinci, Robert Langdon, o
famoso professor de simbologia de Harvard, vive sua primeira aventura em Anjos e Demônios (2004), quando tenta
impedir que uma antiga sociedade secreta destrua a cidade do Vaticano. Às
vésperas do conclave que vai eleger o novo Papa, Langdon é chamado para
analisar um misterioso símbolo marcado a fogo no peito de um físico assassinado
em um grande centro de pesquisa na Suíça. Ele descobre indícios de algo
inimaginável: a assinatura macabra no corpo da vítima – um ambigrama, uma
palavra que pode ser lida tanto de cabeça prá cima quanto de cabeça prá baixo –
é dos Illuminati, uma poderosa
fraternidade considerada extinta há 400 anos. Dan Brown demonstra novamente sua
extraordinária habilidade de entremear suspense com fascinantes reflexões sobre
ciência, religião e história da arte, despertando a curiosidade dos leitores
atentos para os significados ocultos deixados em monumentos e documentos
históricos. Só que o livro leva o conflito entre a razão e fé a situação
limite.
Umberto Eco frequentou a escola
salesiana, um instituto religioso católico romano fundado no século XIX por
Saint Don Bosco. Curiosamente o sobrenome Eco, vem do acrônimo latino “ex
caelis oblaus” que fora dado ao seu avô, que era um órfão abandonado por um
oficial da cidade e que tem como representação religiosa “um presente dos
céus”. Entre o final da década de 1950 e 1960, passou a se interessar pela
semiótica. Em 1961, escreveu o ensaio: “Fenomenologia di Mike Bongiorno” sobre
o fenômeno popular do anfitrião de um “Quiz Show” chamado Mike Bongiorno e
também Apocalitiici e Integrati
(1964), onde analise a comunicação de massa a partir de uma perspectiva
sociológica. Precisa uma nova orientação nos estudos de cultura de massa. Nesse período publicou o seu primeiro livro
como uma extensão de sua tese de doutorado. Sua démarche filosófica obteve impulso com a influência positiva de
Luigi Pareyson, na Itália. Ele se concentrou nos estudos sobre estética do
período medieval, principalmente aos trabalhos de São Tomás de Aquino, e
defendia ardorosamente a dedicação deste membro da Igreja Católica referente às
questões do belo.
Logo
surge seu segundo livro: “Sviluppo dell´estetica medievale” (1959), em que se
posicionou como um pensador da filosofia medieval. Nesse mesmo ano passou a ser
um editor sênior na editora Bompiani (Milão), onde permaneceu até 1975. Eco
criou na Universidade de Bolonha um programa incomum chamado “Antropologia do
Ocidente” a partir da perspectiva dos africanos e estudiosos chineses, onde foi
desenvolvida uma rede transcultural na África Ocidental, que resultou na
primeira conferência em Guangzhou na China (1991), intitulada: “Fronteiras do
Conhecimento”. Sob o olhar semiótico de Umberto Eco, descoberto no filósofo
John Locke, aderiu assim à concepção anglo-saxônica desta antiga disciplina,
deixando de lado a visão semiológica adotada por Ferdinand Saussure. Ele busca
também sua visão renovada da semiótica nos conceitos de Immanuel Kant e Charles
Pierce, o que se pode verificar nas obras “As Formas do conteúdo” (1971) e
“Tratado Geral de Semiótica” (1975).
Umberto Eco critica o uso esotérico
da interpretação, fazendo ver que um texto não pode ser aprisionado em seu
conjunto por uma única verdade, pois demonstra que a vontade de uma
interpretação única é, afinal, “a vontade de manutenção de um segredo, que diz
respeito à manutenção de poder”. Essa crítica não desfaz a impressão de que a
interpretação não pode ser meramente uma impressão subjetiva do texto. Cabe a
nós sermos “servos respeitosos” da semiótica. Se nós, leitores, podemos achar
no texto um significado, cabe a nós ter claro que esse significado é uma
referência nossa, que evidentemente nem sempre irá respeitar o texto original.
Portanto, que existe a “intentio lectoris e a intentio operis”, isto é a
intenção do leitor e a do texto. Enquanto a intenção do leitor pode ser
reconhecida, a intenção do texto parece para sempre perdida, mas deve ser
conjecturada pela interpretação desse leitor, pelo menos através de coerência:
qualquer interpretação feita de parte de um texto poderá ser aceita se for
confirmada por outra parte processual do mesmo texto, e deverá ser rejeitada se
a contradisser.
Daí a sua importância em
distinguir, no modelo comunicacional, e, portanto, no universo retórico, o
termo ideologia que se presta a numerosas codificações. Deixando de lado a
noção de ideologia como “falsa consciência”, Umberto Eco, reitera o papel da
ideologia como tomada de posição filosófica, política, estética, etc. em face
da realidade. Nosso intuito, afirma, é conferir ao termo ideologia, e a par dele ao de retórica,
uma acepção muito mais ampla vinculada ao universo do saber do destinatário e
do grupo a que pertence, os seus sistemas de expectativas psicológicas, os seus
princípios morais, isto é, quando o que pensa e quer é socializado, passível de
ser compartilhado pelos seus semelhantes. Para consegui-lo, porém, é mister que o sistema de saber se torne
sistema de signos: a ideologia é reconhecível quando, socializada, se torna
código. Nasce, assim, uma estreita relação entre o mundo dos códigos e o mundo
do saber preexistente. Esse saber torna-se visível, controlável, comerciável, quando
se faz código, convenção comunicativa. O aparato sígnico remete ao aparato
ideológico e vice-versa e a Semiologia, como ciência da relação entre códigos e
mensagens, transforma-se na atividade de identificação
contínua das ideologias que se ocultam sob as retóricas. Do ponto de
vista teórico e metodológico, a Semiologia mostra-nos no universo dos signos,
sistematizado em códigos e léxicos, o universo das ideologias, que se refletem
nos modos pré-constituídos da linguagem.
Fundado em 15 de janeiro de 1951
pela Lei nº 1.310, o Conselho Nacional de Pesquisas e posteriormente Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, cuja sigla se
manteve, é um órgão ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
(MCTI) governamental para incentivo ao ideário da pesquisa científica e
tecnológica no Brasil. É considerada uma das instituições mais sólidas na área
de pesquisa entre os chamados “países em desenvolvimento”, seu objetivo
principal. O período de perplexidade internacional do pós-guerra (1949-1954),
também marcado por contradições do nacionalismo desenvolvimentista, ampliou o
interesse do CNPq em sua iniciativa de capacitar pesquisadores (cf. Cardoso,
1978; Paiva, 1978; 1982). Porém, seu papel institucional intensificou-se
historicamente em termos de espaço/tempo para o financiamento de pesquisas
científicas e tecnológicas nas diversas áreas do conhecimento, com subvenção de
bolsas e auxílios. Com sede em Brasília, o CNPq centralizava a coordenação da
política nacional de C & T até a criação do ministério em 1985, com órgãos
federais e agências de fomento estrangeiras como parceiros. O CNPq é presidido
pelo engenheiro eletricista Mário
Neto Borges.
Atualmente,
a gestão administrativa do CNPq é de responsabilidade de uma diretoria
executiva, enquanto o conselho deliberativo é responsável pela política
institucional. Por meio de “comitês de assessoramento”, a comunidade científica
e tecnológica contribui na gestão e na política do CNPq que oferece “bolsas” e
auxilio à pesquisa em diferentes modalidades. As “bolsas” são destinadas a
pesquisadores experientes, a indivíduos recém-doutorados, a alunos de
pós-graduação, graduação e ensino médio. Os valores das bolsas são variados.
Existem duas categorias de bolsas: bolsas individuais no Brasil ou no exterior,
ou bolsa por “quotas”. As bolsas individuais, tanto no país, como no exterior,
são de fomento científico ou tecnológico. O auxilio oferecido pelo CNPq pode
ser destinado a instituições, a cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado),
a pesquisadores e a Fundações de apoio à pesquisa. São várias modalidades de
auxílio, como financiamento para publicação científica, promoção de congressos,
intercâmbios científicos para capacitação de pesquisadores e projetos de
pesquisa. O relatório de “prestação de contas” é obrigatório para bolsistas.
A base do conceito de carreira é expressa no curriculum Lattes, elaborado nos padrões
da “plataforma” gerida pelo CNPq, tendo como resultado a experiência individual
cumulativa na integração de bases de dados de currículos, de grupos de pesquisa
e de instituições em um único sistema de informação, “tornando-se um padrão
nacional no registro do percurso acadêmico de estudantes e pesquisadores do
Brasil”. Atualmente é adotado pela maioria das instituições de fomento,
universidades e institutos de pesquisa do país. A “riqueza” do controle de
informações, a abrangência e confiabilidade são elementos indispensáveis aos
pleitos de financiamentos na área de ciência e tecnologia. O curriculum Lattes é mais abrangente que
o curriculum vitae, sendo esta a
principal diferença entre os dois. Além disso, é mais longo, pois deve mencionar
detalhadamente tudo o que está relacionado com a carreira do profissional.
Pode-se entender carreira como uma
série de estágios que variam conforme forças de trabalho exercido sobre o
indivíduo. Tem-se a relação entre a organização e o profissional, como fator de
conciliação das expectativas entre ambas a partes. A carreira é um dos termos
das ciências sociais que não é ambígua e está relacionada a uma gama ampla de
definições. Pode significar, ao mesmo tempo, emprego assalariado ou atividade
não remunerada, profissão, vocação, ocupação, estágio, posição em uma
organização, trajetória de um indivíduo que trabalha, uma fonte de informação
para as empresas alocarem recursos humanos, ou até “um roteiro pessoal para a
realização dos próprios desejos”. Carreira inclui os estudos ou a preparação
acadêmica e integram as capacidades laborais, as novas aprendizagens, as
mudanças pessoais sobre a própria imagem, as metas e os valores, assim como a
resposta para as novas oportunidades e mudanças tanto sociais como políticas. A
carreira é um caminho de maturação, de crescimento em conhecimentos,
habilidades e responsabilidades sobre a própria vida.
Marilena Chauí, Aula Magna: “Contra a Universidade Operacional”, em 8/8/2015.
É neste sentido que a carreira
profissional está indissociavelmente ligada ao
positivismo, corrente filosófica que Auguste Comte fundou com o objetivo
de reorganizar o conhecimento humano, seu caráter e que tem grande influência
no Brasil e de resto no mundo ocidental. O positivismo é, enquanto sistema,
simultaneamente, uma doutrina filosófica, sociológica e política. Surgiu como
desenvolvimento do Iluminismo. Das crises sociais e moral do fim da Idade Média
e do nascimento da sociedade industrial - processos que tiveram como marco a
revolução clássica francesa. Em linhas gerais, ele propõe à existência humana
valores completamente humanos, afastando radicalmente a teologia e a
metafísica. O positivismo comtiano associa uma interpretação positiva das
ciências; uma classificação do conhecimento a uma ética humana radical. Defende
a ideia de que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento
verdadeiro. Com os positivistas somente pode-se afirmar que uma teoria é
correta se ela foi comprovada empiricamente através de métodos científicos
válidos. O progresso da humanidade depende exclusivamente dos avanços
científicos.
Uma organização, observa Marilena
Chauí (2003), difere de uma instituição por definir-se por uma prática social
determinada de acordo com sua instrumentalidade: está referida ao conjunto de
meios (administrativos) particulares para obtenção de um objetivo particular.
Não está referida a ações articuladas às ideias de reconhecimento externo e
interno, de legitimidade interna e externa, mas a operações definidas como
estratégias balizadas pelas ideias de eficácia e de sucesso no emprego de
determinados meios para alcançar o objetivo particular que a define. Por ser
uma administração, é regida pelas ideias de gestão, planejamento, previsão,
controle e êxito. Não lhe compete discutir ou questionar sua própria
existência, sua função, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso,
que para a instituição social universitária é crucial, é, para a organização,
um dado de fato. Ela sabe (ou julga saber) por que, para que e onde existe.
A instituição social aspira à
universalidade. A organização sabe que sua eficácia e seu sucesso dependem de
sua particularidade. Isso significa que a instituição tem a sociedade como seu
princípio e sua referência normativa e valorativa, enquanto a organização tem
apenas a si mesma como referência, num processo de competição com outras que
fixaram os mesmos objetivos particulares. Em outras palavras, a instituição se
percebe inserida na divisão social e política e pretende definir uma
universalidade (imaginária ou desejável) que lhe permita responder às
contradições, impostas pela divisão. Ao contrário, a organização busca gerir
seu espaço e tempo particulares aceitando como dado bruto sua inserção num dos
polos da divisão social, e seu alvo não é responder às contradições, e sim
vencer a competição com seus supostos iguais. A questão nevrálgica refere-se à
pergunta: Como foi possível passar da ideia da universidade como instituição à
definição como organização prestadora de serviços?
Em primeiro lugar através da
passagem da produção de massa e da economia de mercado para as sociedades de
conhecimento baseadas na informação e comunicação. Na esfera de ação política é
regulação da existência coletiva, poder decisório, luta entre interesses
contraditórios, disputa por posições de mundo, confrontos mil entre forças
sociais, violência em última análise. Só que a produção dos processos
políticos, baseados em instituições sociais como esfera de poder, em segundo
lugar, se diferencia radicalmente da produção econômica porque usam
eventualmente suportes materiais, como armas, livros, processos, papéis onde se
inscrevem as ordens, os atos de gestão, as sentenças ou as leis, mas não é uma
produção material no sentido marxista do termo.
Porque consiste em decisões imperativas, decisões que podem mudar o
plano de vida individual (os sonhos) e da coletividade (os mitos, os ritos, os
símbolos). É também diferente da produção simbólica porque se exercita sobre o
interesse dos agentes sociais, quando não sobre os próprios tabus do corpo. Corresponde a atos de
vontade que regulam atividades coletivas; disciplina práticas sociais. Não
produzem mensagens, discursos; produzem isto sim: obediências, obrigações,
submissões, direitos, deveres, controles. Poder, para sermos breves, é uma
relação social de mando e obediência. As decisões tomadas politicamente se
impõem a todos num dado território ou numa dada unidade social. Convertem-se em
atividades coercitivas (esfera da segurança), administrativas (esfera da
administração), jurídico-judiciárias (esfera da justiça) e legislativas (esfera
da deliberação). Simplificadamente, processo político diz respeito à pergunta:
Quem pode o quê sobre quem? Eis a grande questão do processo político, do
confronto entre forças sociais, da sujeição de vontades a outras vontades.
O sistema de currículos Lattes surgiu da necessidade de controle político e
ideológico do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) para gerenciar uma base de dados sobre pesquisadores em C&T para
credenciamento de orientadores no país. Leva o nome do físico paranaense César
Lattes. De 1993 a 1999, utilizaram-se formulários “em papel”, um sistema em
ambiente DOS (BCURR) e um sistema de currículos específico para credenciamento
de orientadores. Nesse período, a Agência acumulou aproximadamente de 35 mil
registros curriculares da atividade de pesquisa em C&T no país. Embora
esses instrumentos tenham viabilizado a operação de fomento da Agência, a
natureza das informações dificultava uma plena utilização dessa base de dados
em outros processos de gestão em C&T. Por exemplo, não era possível separar
coautores ou mesmo contabilizar índices puros de coautoria nos currículos
vitae. O sistema de C&T, no Brasil, é gerido pelo Ministério de Ciência e
Tecnologia (MCT). Com um orçamento anual da ordem de R$ 2 bilhões, durante o
governo Dilma Rousseff (PT), com mandato presidencial de 1° de janeiro de 2011,
interrompido com o golpe de Estado de 17 de abril de 2016, chamado por ela de
“interrupção ilegal e usurpadora” do seu mandato e disse que vai lutar com
“todos os instrumentos”, o MCT possuía em sua estrutura 20 Instituições de
grande porte no desenvolvimento de pesquisas. No que diz respeito à gerência de
recursos e formulação de políticas de Ciência &Tecnologia, o Ministério de Ciência
e Tecnologia é auxiliado pelo velho CNPq e pela elitista FINEP.
Entre 1998 e 1999, o CNPq realizou
um levantamento junto à comunidade de consultores adhoc visando
estabelecer um modelo de currículo que atendesse tanto às suas necessidades de operação de fomento como
às de planejamento e gestão em C&T. Além disso, o grupo de desenvolvimento
CESAR - Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife - da Universidade
Federal de Pernambuco, e o grupo Stela - atual Instituto Stela - da
Universidade Federal de Santa Catarina incluiu no formulário eletrônico as
diversas “funcionalidades” técnicas há muito solicitadas pela comunidade
científica, tais como relatórios configuráveis, saída para outras fontes,
indicadores de produção, dicionários individualizados, importação dos dados
preenchidos em outros sistemas de currículos, etc. Entre março e abril de 1999,
140 dos 400 consultores Ad hoc que
responderam à pesquisa avaliaram as respostas do primeiro protótipo. Em maio de
1999, CNPq e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) acordaram a completa compatibilização do novo currículo do CNPq com os
dados de pós-graduação, sob a ótica dos indivíduos de um Programa (pesquisadores,
docentes ou discentes). Deste encontro resultou na modificação do protótipo,
que se transformou no “Sistema de Currículos Lattes”, em 16 de agosto de 1999.
Fábrica de Crenças: C & T, CNPq, CAPES.
Nos
dois primeiros anos de operação do Sistema de Currículos Lattes, a cobertura de
currículos ligados a C&T aumentou em mais de 300%, com a base anterior de
cerca de 35.000 registros sendo incrementada para mais de 100 mil currículos.
Em julho de 2000, a Coordenação Geral de Informática do CNPq iniciou um
trabalho de intercâmbio com outras instituições ligadas à C&T no País. O
resultado foi a ligação dinâmica em termos de processo de trabalho dos
currículos Lattes do CNPq com referência ao mesmo pesquisador em outras bases
de dados. Ao mesmo tempo em que construiu o formulário “off-line”, a
Coordenação Geral de Informática do CNPq trabalhou na ferramenta on-line, que funciona sobre uma
plataforma Web e permite que pesquisadores atualizem os seus currículos
diretamente na base do CNPq. Nesse trabalho de intercâmbio, o CNPq vinculou os
currículos Lattes com o INPI, para apresentação dinâmica das patentes de
registro dos pesquisadores; o Scielo, LILACS, MEDLINE, fruto de acordo com BIREME,
para leitura dos textos completos publicados pelos pesquisadores e para vínculo
com os currículos de parceria dos coautores; e as universidades, para vínculo
com bases institucionais de trabalho desses pesquisadores. A universidade
brasileira submeteu-se à ideologia neoliberal da sociedade de mercado, que transforma direitos sociais, inclusive
educação, em serviços; concebe a universidade como prestadora de serviços; e
confere à autonomia universitária o sentido de gerenciamento empresarial da
instituição como mero Aparelho Ideológico de Estado.
Enfim,
de acordo com os dados estatísticos do CensodaEducaçãoSuperior,
8.033.574 alunos estão matriculados em instituições de ensino superior (IES) no
Brasil. Logicamente o número supera a estatística de 2014 em 2,5%, quando havia
7.839.765 matriculados. São ofertados 33 mil cursos de graduação em 2.364 instituições
de ensino superior. Além disso, dos 8 milhões de vagas disponíveis, somente
42,1% estão preenchidas e 13,5% das vagas remanescentes foram ocupadas. - “A
falta de interesse em ocupar as vagas amplamente oferecidas, tanto na rede
pública quanto na particular, deve-se ao fato de o jovem não identificar, na sua
vontade, uma perspectiva deste ou daquele curso. É preciso haver uma conexão
entre a educação básica e a de nível médio para ampliar as oportunidades de
acesso à educação superior”, defende a presidente do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira - Inep, Maria Inês Fini.
Em
repetidas manifestações, o reitor da Universidade de São Paulo revela seu
“lugar de fala”, sua afinação com esse ideário, ao recorrer ao discurso
neoliberal utilizado para pensar o trabalho universitário, que inclui
expressões como “qualidade universitária”, definida como competência e
excelência e medida pela “produtividade” e “avaliação universitária”. Foi o que
sustentou a professora e filósofa Marilena Chauí ao proferir sua Aula Magna
sobre o tema: “Contra a Universidade Operacional”, em 8/8/2015. A conferencista
lotou com aproximadamente 470 pessoas o auditório da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). É sobre esta “universidade
operacional” que a ignorânciasimbólicadalei, “mutatis
mutandis”, faz com que no estado do Ceará, em análise comparada, um professor e
pesquisador com doutorado na reconhecida Universidade de São Paulo (USP) desperdice
10 (dez) anos de trabalho em sua vida produtiva aguardando a ordem doestablishment
burocrático e coronelista, para a defesa pública de provas e títulos de Tese de
Livre Docência (Ciência Política) e Tese de Titular (Sociologia). É crível! É
insensato, é extraordinário! Esquecer o paradoxo de Pierre Bourdieu!
Bibliografia
geral consultada:
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Giorgio Colli e Mazzino Montinari. Milano: Adelphi Editore, 1968; CÂMARA, Dom
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Milão: Editora Missionária Italiana, 1968; CARDOSO, Miriam Limoeiro, Ideologia do Desenvolvimento no Brasil:
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Rio de Janeiro: Editor Sextante, 2004; FIORUCI, Wellington Ricardo, Leitor-Modelo e Leitor-Detetive: crítica e
ficção nas poéticas de Umberto Eco e Ricardo Paglia. Tese de Doutorado.
Faculdade de Ciências e Letras de Assis da Universidade Estadual Paulista -
UNESP, 2007; DINIZ, Márcia Ramalho, A
Outra Face do Narciso: Cultura do Consumo e Beleza do Corpo na Sociedade Contemporânea.
Dissertação de Mestrado em Sociologia. Centro de Ciências Humanas e Letras da
Universidade Federal da Paraíba, 2014; Artigo: “Capes retira exigência de
artigo científico para Prêmio de Tese”. In: http://www.diretodaciencia.com/2016/08/25/; KUSSUDA, Sérgio Rykio, Um
Estudo sobre a Evasão em um Curso de Licenciatura em Física: Discursos de Ex-alunos
e Professores. Tese de Doutorado. Faculdade
de Ciências. Bauru: Universidade Estadual Paulista, 2017; MENDES, Katiuscia
Aparecida Moreira de Oliveira, Educação Especial Inclusiva nos Institutos
Federais de Educação, Ciência e Tecnologia Brasileiros. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Educação. Faculdade
de Educação. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2017; LIMA,
Betina Stefanello, Políticas de Equidade de Gênero e Ciências no Brasil:
Avanços e Desafios. Tese de Doutorado. Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2017; entre outros.