Ubiracy de Souza Braga
“A religião nasce das concepções restritas do homem”. Friedrich Engels
Principal amigo e colaborador de Marx,
o teórico alemão Friedrich Engels desempenhou papel de destaque na elaboração
da teoria das classes sociais, a partir do materialismo histórico e dialético.
Nasceu em 28 de novembro de 1820 e morreu em 5 de agosto de 1895. Era o mais
velho de nove filhos de um rico industrial de Barmen, Alemanha. Na juventude,
fica impressionado com a miséria em que vivem os trabalhadores das fábricas de
sua família. Fruto dessa indignação, Engels desenvolve um detalhado estudo
sobre a situação da classe operária na Inglaterra. Em 1842, com 22 anos de
idade foi enviado por seus pais para Manchester, para trabalhar para o Ermen e
Engels Victoria Mill em Weaste que fazia linhas de costura. Após a estadia
produtiva na Grã-Bretanha, Engels decidiu voltar para a Alemanha em 1844. No
caminho, ele estabeleceu-se em Paris para atender um pedido de Marx, que lá se
encontrava desde o final de outubro 1843 na sequência da proibição da “Gazeta
Renana” em março de 1843. Seus trabalhos e pesquisas posteriores são produzidos
com Marx, sendo considerado o mais politizado deles o “Manifesto Comunista” (1848).
O grande mérito de Morgan, afirma
Engels, é o de ter descoberto e restabelecido em seus traços essenciais esse
fundamento pré-histórico da nossa história escrita e o de ter encontrado, nas
uniões gentílicas dos índios norte-americanos, a chave para decifrar
importantíssimos enigmas, ainda não resolvidos, da história da Grécia, Roma e
Alemanha. Sua obra não foi trabalho de um dia. Levou cerca de 40 anos
elaborando seus dados. O estudo da história da família começa, de fato, em
1861, com o “Direito Materno”, de Bachofen. Nesse livro o autor formula as
seguintes teses, resumidamente: 1. Primitivamente, os seres humanos viveram em
promiscuidade sexual; 2. Estas relações excluíam toda possibilidade de estabelecer,
com certeza, a paternidade; 3. Em consequência desse fato, as mulheres, como
mães, como únicos progenitores conhecidos da jovem geração, gozavam de grande
apreço e respeito, chegando ao domínio feminino absoluto; 4. A passagem para a
monogamia incidia na transgressão de uma lei religiosa antiga, em que devia ser
castigada, ou cuja tolerância se compensava com a posse da mulher por outros
homens. Bachofen encontrou as provas dessas teses em numerosos trechos da
literatura clássica antiga, por ele reunidos com zelo singular.
A
contribuição engelsiana conferiu ao marxismo que engloba uma teoria econômica,
uma teoria sociológica, um método filosófico e uma visão revolucionária de
mudança social, o caráter particular de Antropologia, contrariando a generalização metodológica. A partir das
pesquisas antropológicas de L. H. Morgan, lidas e anotadas por Marx, formulou Engels
a teoria antropológica do Estado, na obra: ”Der Ursprung der Familie, des
Privateigentums und des Staats”, cujos pressupostos não estavam em sua reflexão
anterior, nem de forma sistêmica e embasada na história e na antropologia. A
sua importância na literatura de diversos países, ocorre que muitos
antropólogos se valeram do arcabouço marxista para entender sociedades não
capitalistas e sociedades camponesas. Não só a escola estruturalista francesa,
da segunda metade do século XX, com Maurice Godelier e Meillaseux são exemplos. Mas
também, no período de surgimento da Antropologia moderna com admite Leslie White. Este influenciou uma geração de
antropólogos coerentes com o marxismo, como Marshal Sahlins, antes de seu “acerto
de contas” no ensaio: “Cultura e Razão Prática”, Erick Wolf e Elman Service.
No
prefácio à primeira edição (1884), Engels enfatiza três aspectos: a) As páginas
seguintes vêm a ser, de certo, a execução de um testamento; b) A ordem social
em que vivem os homens de determinada época ou determinado país está
condicionada por essas duas espécies de produção: pelo grau de desenvolvimento
do trabalho, de um lado, e da família, de outro; c) O grande mérito de Morgan é
o de ter descoberto e restabelecido em seus traços essenciais esse fundamento
pré-histórico da nossa história escrita e o de ter encontrado, nas uniões
gentílicas dos índios norte-americanos, a chave para decifrar importantíssimos
enigmas, ainda não resolvidos, da história antiga da Grécia, Roma e Alemanha.
Sua obra não foi trabalho de um dia, mas cerca de 40 anos elaborando
dados, até conseguir dominar inteiramente o assunto. Seu livro é um dos poucos destes dias que fazem época.
O
volumoso tomo de Bachofen estava escrito em alemão, isto é, na língua da nação
que menos se interessava, então, pela pré-história da família contemporânea.
Por isso permaneceu ignorado. O sucessor imediato de Bachofen nesse terreno
entrou em cena em 1865, sem jamais ter ouvido falar dele. Esse sucessor foi J.
F. Mac Lennan, o polo oposto de seu predecessor. Ao invés do místico genial,
temos aqui um árido jurisconsulto; em lugar de uma exuberante e poética
fantasia, as plausíveis combinações de um arrazoado de advogado. Mac Lennan
encontra em muitos povos selvagens, bárbaros e até civilizados, dos tempos antigos
e modernos, uma forma de matrimônio em que o noivo, só ou assistido por seus
amigos, deve arrebatar sua futura esposa da casa dos pais, simulando um rapto
com violência. Este costume deve ser vestígio de um costume anterior, pelo qual
os homens de uma tribo obtinham mulheres tomando-as realmente de outras tribos,
pela força. Mas como teria nascido esse “matrimônio por rapto”? Enquanto os
homens puderam encontrar mulheres suficientes em sua própria tribo, não tiveram
motivo para semelhante procedimento. Por outro lado, e com frequência não
menor, encontramos em povos não civilizados certos grupos (que em 1865 ainda
eram muitas vezes identificados com as próprias tribos) no seio dos quais era
proibido o matrimônio, vendo-se os homens obrigados a buscar esposas – e as
mulheres, esposos – fora do grupo; enquanto isso, outro costume existe, em
outros povos, pelo qual os homens só devem procurar suas
esposas no seio de seu próprio grupo.
Mac
Lennan chama as primeiras de tribos exógamas; e as segundas, de endógamas e, de
imediato, sem maior investigação, estabelece uma antítese bem definida entre “tribos”
exógamas e endógamas. E, ainda quando as suas próprias investigações sobre a
exogamia lhe evidenciam que, em muitos casos, senão na maioria, ou mesmo em
todos, essa antítese só existe na sua imaginação, nem por isso deixa de toma-la
como base para toda a sua teoria. De acordo com ela, as tribos exógamas não
podiam tomar mulheres senão de outras tribos, o que apenas podia ser feito
mediante rapto, dada a guerra permanente entre as tribos, característica do
estado selvagem. De onde provém a exogamia? Em sua opinião, as ideias de
consanguinidade e incesto nascidas mais tarde nada têm a ver com ele. Sua causa
poderia ser o costume entre eles de matar as crianças do sexo feminino logo
após seu nascimento.
Disso
resultaria um excedente de homens em cada tribo, tomada separadamente, tendo
como consequência imediata a posse de uma mesma mulher, em comum, por vários
homens, isto é, a poliandria. Daí decorria, por sua vez, que a mãe de uma
criança era conhecida, mas não o pai; por isso, a ascendência era contada pela
linha materna, e não paterna pelo direito paterno. E da escassez de mulheres no
seio da tribo, atenuada, mas não suprimida pela poliandria, advinha, ainda,
outra consequência, que era precisamente o rapto sistemático de mulheres de
outras tribos. Para Mac Lennan, como a exogamia e a poliandria procedem de uma
só causa, do desequilíbrio numérico entre os sexos, devemos considerar que, “entre
todas as raças exógamas, existiu primitivamente a poliandria”. O mérito de Mac
Lennan consiste em ter indicado a difusão geral e a grande importância do que
ele chama de exogamia. Quanto ao fato da existência de grupos exógamos, não o descobriu e muito menos o compreendeu.
Além disso, também Morgan observara e descrevera
perfeitamente o mesmo fenômeno, em 1847, em suas cartas sobre os iroqueses, e
em 1851 na Liga dos Iroqueses, ao passo que a mentalidade do advogado de Mac
Lennan causou confusão ainda maior sobre o assunto do que a causada pela
fantasia mística de Bachofen no terreno do direito materno. Outro mérito de Mac
Lennan consiste em ter reconhecido como primária a ordem de descendência
baseada no direito materno, conquanto, também aqui, conforme reconheceu mais
tarde, Bachofen se lhe tenha antecipado. Mas, também neste ponto, ele não vê
claro, pois fala, sem cessar, “em parentesco apenas por linha feminina” (“kinship
through females only”), empregando continuamente essa expressão, exata apara um
período anterior, na análise de fases posteriores de desenvolvimento, em que,
se é verdade que a filiação e o direito de herança continuam a contar-se
exclusivamente segundo a linha materna, o parentesco por linha paterna também
já está reconhecido e expresso na estreiteza de critério do jurisconsulto, que
forja um termo jurídico socialmente fixo e continua aplicando-o, sem modifica-lo.
Não
obstante, sua teoria foi acolhida na Inglaterra com grande aprovação e
simpatia. Mac Lennan foi considerado por todos como o fundador da história da
família e a primeira autoridade na matéria. Sua antítese entre as “tribos”
exógamas e endógamas continuou sendo a base reconhecida das opiniões
dominantes, apesar de certas exceções e modificações admitidas, e se
transformou nos antolhos que impediam ver livremente o terreno explorado e, por
conseguinte, todo progresso decisivo. Em face do exagero dos méritos de Mac
Lennan , que ficou em voga na Inglaterra e, seguida a moda inglesa, em toda a
parte, devemos assinalar que, ratifica Engels, com sua antítese de “tribos”
exógenas e endógamas, baseada na mais pura confusão, ele causou um prejuízo
maior do que os serviços prestados em suas pesquisas.
Imediatamente
depois, em 1871, apareceu em cena Morgan com documentos novos e, sob muitos
pontos de vista, decisivos. Convencera-se que o sistema de parentesco próprio
dos iroqueses, e ainda em vigor entre eles, era comum a todos os aborígenes dos
Estados Unidos, quer dizer, estava difundido em todo o continente, ainda quando
em condição formal com os graus de parentesco que resultam do sistema conjugal
ali imperante. Incitou, então, o governo federal americano a que recolhesse
informes sobre os sistemas de parentesco dos demais povos, de acordo com um
formulário e quadros elaborados por ele mesmo. Morgan publicou os dados
coligidos e as conclusões que deles tirou em seu “Sistema de Consanguinidade e
Afinidade da Família Humana” em 1871, levando, assim, a discussão para um campo
infinitamente mais amplo. Tomou como ponto de partida os sistemas de parentesco
e, reconstituindo as formas de família a eles correspondentes, abriu novos
caminhos à investigação e criou a possibilidade de se ver muito mais longe na pré-história
da humanidade. A aceitação desse método
reduzia a pó as frágeis definições de Mac Lennan.
Em
uma palavra: a defesa de Mac Lennan foi miseravelmente fraca. Permanecia,
contudo, um ponto no qual ele era invulnerável. A antítese das “tribos”
exógamas e endógamas, base de seu sistema, longe de estremecer, continuava
reconhecida universalmente como fundamento de toda a história da família.
Admitia-se que a demonstração dessa antítese por Mac Lennan era insuficiente, e
colidia com os dados que ele mesmo apresentava. Mas se considerava como um
evangelho indiscutível a antítese em si, a existência de dois tipos, que mutuamente
se excluíam, de tribos autônomas e independentes, num dos quais as mulheres
eram tomadas no seio da própria tribo pelos homens, ao passo que no outro isso
era terminantemente proibido. O descobrimento da primitiva gens do direito
materno, como etapa anterior à gens de direito paterno dos povos civilizados,
tem, para a história primitiva, a mesma importância que a teoria da evolução de
Darwin para a biologia e a teoria da mais-valia, enunciada por Marx, para a
economia política. Essa descoberta permitiu a Morgan esboçar, pela primeira vez,
uma história da família, onde pelo menos as fases clássicas da sua evolução, em
linhas gerais, são provisoriamente estabelecidas, tanto quanto permitem os
dados. Evidentemente, iniciou-se uma nova era no estudo da pré-história da
etnologia. Em torno da gens de direito materno, gravita, toda essa ciência;
desde seu descobrimento, sabe-se em que a direção encaminhar as pesquisas e o
que estudar, assim como de que modo devem ser classificados os resultados. Por
isso, fazem-se nesse terreno, progressos muito mais rápidos que antes de aparecer
o ensaio de Morgan, “Ancient Society”. Reconstituindo retrospectivamente a
história da família, chega, de acordo com a maioria de seus colegas, à
conclusão de que existiu uma época primitiva em que imperava, no seio da tribo,
o comércio sexual promíscuo, de modo que cada mulher pertencia igualmente a
todos os homens e cada homem a todas as mulheres. No século XIX, havia
feito menção a esse estado primitivo, mas apenas de modo geral; Bachofen foi o
primeiro - este é um dos seus maiores méritos – que o levou a sério e procurou
seus vestígios nas tradições históricas e religiosas.
Bibliografia geral consultada.
Bibliografia geral consultada.
NAPOLEONI, Claudio, Smith, Ricardo, Marx. Considerazioni sulla Storia del Pensiero
Econômico. Torino: Boringhieri Editore, 1970; BACHOFEN, Johann Jakob, El Matriarcado: Una Investigación sobre la
Ginecocracia en el Mundo Antiguo según su Naturaleza Religiosa y Jurídica.
2ª edición. Madrid: Akal, 1992; ENGELS, Friedrich, El Origen de la Familia, la Propriedad Privada y el Estado. Moscú: Editorial Progreso, 2000; ERIKSEN, Thomas, História da Antropologia. Petropolis
(RJ): Editoras Vozes, 2007; LATOUR, Bruno, The
Making of Law: An Ethnography of Conseil d’État. Malden (Massachusetts): Polity
Press, 2010; RODRIGUES, Guilherme Tavares, Antropologia
e Direito: A Justiça como Possibilidade. Tese de Doutorado. Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais. Marília: Universidade Estadual Paulista,
2010; ANFRA, Douglas Rogério, Friedrich
Engels: Guerra e Política. Uma Investigação sobre a Análise Marxista da Guerra
e das Organizações Militares. Dissertação de Mestrado. Programa de
Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
Universidade de São Paulo, 2013; SILVA, Newton Ferreira da, Transição Comunista e Ditadura do
Proletariado na Revolução Cubana de 1959. Tese de Doutorado. Faculdade de
Filosofia e Ciências. Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2015; BRAGA, Ubiracy de Souza, “A Exegese da Arte, o Amarelo”. In: Jornal O Povo. Fortaleza, 21/02/2015; DURKHEIM, Émile, Da Divisão do Trabalho Social. São Paulo: WMF/Martins Fontes, 2015; ABREU, Alice Rangel de Paiva; HIRATA, Helena; LOMBARDI, Maria Rosa (Org.), Gênero e Trabalho no Brasil e na França: Perspectivas Interseccionais. São Paulo: Editorial Boitempo, 2016; entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado do curso de Ciências Sociais do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
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