Ubiracy de Souza Braga*
“O
assassinato de Herzog foi o catalisador da volta da democracia”. Andrew
Jennings
Vlado
Herzog nasceu na cidade de Osijek, na então Iugoslávia, em 1937, filho de um
casal de origem judaica. Durante a 2ª guerra mundial, para escaparem do
antissemitismo praticado pelo Estado fantoche da então Croácia, controlada pela
contrarrevolucionária Alemanha nazista, a família Herzog imigrou primeiramente
para a Itália, onde viveram clandestinamente até imigrarem para o Brasil. Naturalizado
brasileiro, Vladimir Herzog tinha paixão pela fotografia, atividade que exercia
por conta de seus projetos coletivos com o cinema. Passou a assinar “Vladimir”
por considerar que seu nome soasse exótico para os brasileiros. Herzog se
formou em Filosofia pela Universidade de São Paulo, em 1959. Na década de 1970,
assumiu a direção do departamento de telejornalismo da TV Cultura (SP) e também
de professor de jornalismo na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da
Universidade de São Paulo. É uma instituição pública de ensino superior localizada na cidade de São Paulo. Como parte da Universidade de São Paulo, é considerada uma unidade de ensino, pesquisa e extensão. A ECA foi fundada em 15 de junho de 1966, e hoje é formada por oito departamentos e pela Escola de Arte Dramática (EAD). Oferece 21 cursos de graduação, sendo que 13 deles da área de Artes e 8 voltados às comunicações sociais. Seus alunos e ex-alunos são reconhecidos como Ecanos.
O Centro Acadêmico Lupe Cotrim (CALC) é responsável pela representação dos alunos perante os professores e a Universidade. Foi fundado em 1968, em homenagem a uma professora e poeta da ECA, Maria José Lupe Cotrim Garaude Gianotti. O Centro Acadêmico organiza discussões e debates sobre as questões relativas aos cursos, às formações em Comunicações e Artes e á universidade e organiza os estudantes em torno dessas questões. O CALC também organiza as eleições para representação discente (RDs), além de eventos culturais, como a QuintaiBreja, e festivais de arte e música. A gestão é eleita anualmente. A atlética da Escola de Comunicações e Artes surgiu em 1971, mas somente em 1990 ela se separou do Centro Acadêmico e se tornou independente, constituindo a Associação Atlética Acadêmica Lupe Cotrim, ou simplesmente Ecatlética, como é mais conhecida. As cores da Ecatlética são o amarelo e o roxo, e a principal competição de que a faculdade participa é o JUCA - Jogos Universitários de Comunicação e Artes, reunindo as principais instituições de ensino de comunicações e artes de São Paulo. Em 2007, a ECA conquistou o primeiro título geral do campeonato e em 2010 veio o bicampeonato. O Bife, assim como a Interusp, é um evento esportivo que reúne atléticas da USP. No início eram compostos pela biologia, ECA, IME e FAU, mas, hoje, o Bife conta com mais de 10 atléticas. A Escola de Comunicações e Artes também participa do Bife, jogos universitários que atualmente contam com 12 faculdades da Universidade de São Paulo.
O Centro Acadêmico Lupe Cotrim (CALC) é responsável pela representação dos alunos perante os professores e a Universidade. Foi fundado em 1968, em homenagem a uma professora e poeta da ECA, Maria José Lupe Cotrim Garaude Gianotti. O Centro Acadêmico organiza discussões e debates sobre as questões relativas aos cursos, às formações em Comunicações e Artes e á universidade e organiza os estudantes em torno dessas questões. O CALC também organiza as eleições para representação discente (RDs), além de eventos culturais, como a QuintaiBreja, e festivais de arte e música. A gestão é eleita anualmente. A atlética da Escola de Comunicações e Artes surgiu em 1971, mas somente em 1990 ela se separou do Centro Acadêmico e se tornou independente, constituindo a Associação Atlética Acadêmica Lupe Cotrim, ou simplesmente Ecatlética, como é mais conhecida. As cores da Ecatlética são o amarelo e o roxo, e a principal competição de que a faculdade participa é o JUCA - Jogos Universitários de Comunicação e Artes, reunindo as principais instituições de ensino de comunicações e artes de São Paulo. Em 2007, a ECA conquistou o primeiro título geral do campeonato e em 2010 veio o bicampeonato. O Bife, assim como a Interusp, é um evento esportivo que reúne atléticas da USP. No início eram compostos pela biologia, ECA, IME e FAU, mas, hoje, o Bife conta com mais de 10 atléticas. A Escola de Comunicações e Artes também participa do Bife, jogos universitários que atualmente contam com 12 faculdades da Universidade de São Paulo.
No
Brasil, a última eleição direta para a presidência da República havia sido a de
3 de outubro de 1960, quando foi eleito Jânio Quadros. Com a promulgação, pelo
regime de 1964, do Ato Institucional nº 2, de 27 de outubro de 1965, e como
definido em seu artigo 9º, o presidente e vice-presidente da República passaram
a ser eleitos por maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão
pública e votação nominal, com o povo brasileiro perdendo o direito de escolher
seu presidente através do voto direto. De acordo com a pesquisa do IBOPE, 84%
da população brasileira eram favoráveis à aprovação da emenda. A Proposta de
Emenda Constitucional foi rejeitada pela Câmara dos Deputados no dia 25 de
abril de 1984. Por se tratar de uma emenda constitucional, eram necessários
votos favoráveis de dois terços da Casa (320 deputados) para que a Proposta
seguisse ao Senado. O resultado da votação foi: 298 deputados a favor; 65
contra; 3 abstenções e 113 ausências ao plenário. Com a rejeição da emenda, a
eleição para presidente da República de 1985 foi novamente indireta.
Entretanto, articulações da oposição ao regime militar, em especial do PMDB,
endossadas pela mídia e com forte apoio popular, racharam a base governista que
era maioria no Congresso, ocasionando a escolha do oposicionista Tancredo Neves
- (PMDB) como presidente da República. Encerrou-se assim um ciclo de cinco
presidentes militares iniciado em 1964. Tancredo não viria a tomar posse,
falecendo no dia 21 de abril de 1985. O vice-presidente José Sarney, tomou
posse em 15 de março pelo processo de
redemocratização do país, mesmo tendo apoiado o movimento retrógrado militar
por vinte anos consecutivos.
No
feriado paulista de 25 de janeiro, um público estimado em duzentas mil pessoas
permaneceu, sob uma chuva de duas horas, na Praça da Sé, centro da cidade,
participando do comício pró-Diretas Já, onde líderes oposicionistas dividiram o
palanque e encerraram o comício de mãos dadas, cantando o hino nacional. Nas
fotos estampadas na cobertura da imprensa vê-se lado a lado: Franco Montoro,
governador do estado de São Paulo (PMDB-SP), Leonel Brizola, governador do
estado do Rio de Janeiro (PDT-RJ), Ulisses Guimarães, presidente do PMDB, e
Luís Inácio Lula da Silva, presidente do Partido dos Trabalhadores (PT). Além
dos políticos, vários artistas ocuparam o palco das Diretas Já, dentre
eles Morais Moreira cantou o Frevo das diretas, ao lado de Fernanda Montenegro,
Chico Buarque, Milton Nascimento, Sônia Braga, Bruna Lombardi, Irene Ravache,
entre outros. Desde o comício da praça da Sé, o Menestrel das Alagoas -
composição de Milton Nascimento e Fernando Brant em homenagem ao recentemente
falecido senador de Alagoas pelo PMDB, Teotônio Vilela, um dos principais
defensores do caráter suprapartidário do movimento - tornou-se o hino da
campanha das Diretas Já, tendo sido cantada na ocasião por extraordinária Fafá
de Belém. Outros símbolos da campanha começaram a surgir como o Dragão das
Diretas; o uso de camisetas com slogans pró-Diretas Já e o uso do amarelo da
bandeira nacional nos para-brisas dos carros, nas fachadas de edifícios e nas
roupas etc.
Em 1974, o general Ernesto Geisel
tomou posse da presidência da República com um discurso de abertura política
chamado de “distensão”, o que na prática significaria a diminuição da censura,
investigar as denúncias de torturas e dar maior participação aos civis no
governo. Todavia, o governo enfrentava dois infortúnios: na política a derrota
nas eleições parlamentares e na economia crise mundial do petróleo. Além disso,
o general Ednardo D`Ávila Mello, comandante do II Exército, afirmava que os comunistas estariam infiltrados no
governo de São Paulo, na época chefiado por Paulo Egydio Martins, o que criou
uma certa contradição entre estes. Nesta conjuntura, a linha dura sentiu-se
ameaçada, e em 1975 a repressão continuava forte. O Centro de Informações do
Exército (CIE) se voltou essencialmente contra o Partido Comunista Brasileiro
(PCB), do qual Vlado Herzog era militante, mas não desenvolvia atividades clandestinas.
Através do jornalista Paulo Markun, Herzog chegou a ser informado que seria
preso, mas não fugiu. Agentes do II
Exército convocaram Vladimir para prestar depoimento sobre as ligações que ele
mantinha com o PCB, partido na ilegalidade durante o regime militar que teve
início o golpe de Estado de 1° de abril de 1964. No dia seguinte, Vladimir Herzog
compareceu espontaneamente ao DOI-CODI.
A estabilidade política alcançada no
governo Médici (Arena), de 1969 a 1974, possibilitou ao presidente indicar o
nome do seu sucessor. As eleições indiretas para presidente da República,
realizadas no Congresso Nacional, não passavam de fachada com objetivo de
encobrir o processo eleitoral de natureza antidemocrática. O governo dispunha
de folgada maioria no Congresso Nacional. O partido governista, a Aliança
Renovadora Nacional, controlava as duas casas legislativas: Senado e Câmara
Federal. Mesmo assim, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que fazia o
papel da oposição "consentida" no período da ditadura, lançou uma
candidatura de protesto com Ulysses Guimarães, candidato à presidência; e
Barbosa Lima Sobrinho, como vice-presidente. Conforme o esperado, o Congresso
Nacional referendou o nome de E. Geisel como presidente da República. O
tecnoburocrata E. Geisel assumiu o governo prometendo retorno à democracia por
meio de um processo gradual e seguro.
25 de outubro de 1975, Rua Tutóia,
cidade de São Paulo. Nas dependências do Destacamento de Operações de
Informações – Centro de Operações de Defesa Interna – DOI-CODI, um homem é
torturado com pancadas e choques elétricos. Seus companheiros, na sala ao lado
ouvem seus gritos. O homem recusa-se a assinar um suposto depoimento por não
admitir que as informações constantes naquele pedaço de papel sejam
verdadeiras. Ele não escrevera nenhuma palavra daquilo. Em um ato de
indignação, rasga o papel. E num ato de maior indignação ainda, mesclado a ira,
seu torturador o esbofeteia. Os amigos, na outra sala, não ouvem mais seus
gritos. Algumas horas mais tarde, dentro de uma cela no mesmo departamento, uma
foto do homem morto, amarrado por uma tira de pano em um pequeno pedaço de
ferro no alto da cela. O Inquérito Policial Militar, IPM apresenta como causa
da morte “suicídio por enforcamento”. Esta era a versão oficial sustentada
pelos militares no poder e ignorada pela família. Vladimir Herzog havia sido
assassinado e seus torturadores haviam montado uma farsa grotesca para encobrir
a barbaridade que haviam cometido.
Chegou à sede DOI-CODI, às 8 horas, levado àquele endereço pelo
jornalista Paulo Nunes, que cobria a área militar na redação da Cultura e
dormira na casa do diretor da TV naquela noite para assegurar que ele se
apresentaria na instalação militar logo cedo. Nunes foi dispensado na recepção
e Vlado encaminhado para interrogatório. Foi então encapuzado, amarrado a uma
cadeira, sufocado com amoníaco, submetido a espancamento e choques elétricos,
conforme o manual ali praticado e seguindo a rotina a que foram submetidos
centenas de outros presos políticos nos centros de tortura criados pela ditadura
e financiados em boa parte por empresários que patrocinavam ações repressivas e
de violação dos Direitos Humanos, como a Operação Bandeirante. - “Naquela cela
solitária, com o ouvido na janelinha, eu podia ouvir os gritos: ‘Quem são os
jornalistas? Quem são os jornalistas?’ Pelo tipo de grito, pelo tipo de
porrada, sabia que estava sendo feito com alguém exatamente aquilo pelo que eu
tinha passado, recordou, em 1992, em depoimento ao jornal Unidade, do
sindicato da categoria, o jornalista Sérgio Gomes, que estava preso no mesmo
DOI-CODI em que Vlado se encontrava naquele dia. - “Lá pela hora do almoço há
uma azáfama, uma correria”.
Ele foi torturado durante toda a manhã e se dá o tal silêncio. A pessoa para de ser torturada e em seguida há uma azáfama, uma correria…A gente percebe que tem alguma coisa estranha acontecendo. Tinham acabado de matar o Vlado”.
Mas
o assassinato brutal, por espancamento, não era o limite a que podiam chegar os
feitores do regime ditatorial. Esquivar-se da responsabilidade pelo crime
forjando uma inverossímil cena de suicídio seria o próximo passo dos
torturadores. Com uma tira de pano, amarraram o corpo pelo pescoço à grade de
uma janela e convocaram um perito do Instituto Médico Legal (IML) para fotografar a “prova”
de que supostamente o preso político dera fim à própria vida, em um surto de enlouquecido
arrependimento por ter escrito uma confissão que aparecia rasgada, no chão, na
imagem divulgada pelos órgãos de repressão. A cena da morte de Vlado,
fotografada pelo perito do IML, foi representada pelo artista Elifas Andreato
no quadro “25 de Outubro”.
Ele foi torturado durante toda a manhã e se dá o tal silêncio. A pessoa para de ser torturada e em seguida há uma azáfama, uma correria…A gente percebe que tem alguma coisa estranha acontecendo. Tinham acabado de matar o Vlado”.
Etnograficamente
na pressa para montar esse “circo macabro”, os torturadores ignoraram detalhes
como o fato de Vlado Herzog ser mais alto do que a janela com grade onde
supostamente enforcou-se e a rotina de encarceramento que tira dos presos
qualquer instrumento com o qual se possam enforcar, cintos e cadarços entre
eles. Criaram, assim, uma mentira tão flagrante que a Sociedade Cemitério Israelita nem considerou a hipótese de enterrar
o corpo na área reservada aos suicidas, como determina a prática e ética religiosa.
Mas, no Inquérito Policial Militar que viria a ser instaurado em razão da morte
ocorrida em instalação oficial, o promotor Durval de Araújo – um defensor e
protegido do regime – ainda sustentaria que o sepultamento aconteceu no setor
de suicidas, recorrendo a depoimentos contraditórios e, mais que isso, se
esforçaria para distorcer o que diziam vários depoentes. A mãe de
Vlado disse que sentiu que queria morrer ao receber a notícia da perda
do filho. O promotor tentou registrar que ela “sentiu vontade de
suicidar-se também”.
O
projeto aparente de “redemocratização” concebido pelo movimento militar golpista
liderado por Ernesto Beckmann Geisel previa um conjunto de medidas políticas “liberalizantes”,
cuidadosamente controladas pelo Executivo Federal. Isso incluía a suspensão
parcial da censura prévia aos meios de comunicação social e a revogação
gradativa de alguns dos mecanismos mais explícitos de coerção legal presentes
no conjunto das leis em vigor, que cerceavam as liberdades públicas e
democráticas e os direitos individuais e constitucionais. É preciso salientar
que o projeto de “distensão” não refletia a cidadania, tanto por parte de
Geisel como dos militares que participavam do governo. Na verdade, a distensão era um
projeto preconizado como uma saída para que as Forças Armadas se retirassem do
poder. Depois de dez anos de ditadura militar, período em que três generais
governaram o país, as Forças Armadas se desgastaram.
Vladimir Herzog era casado com a
publicitária Clarice Herzog, com quem tinha dois filhos. Após a morte do
marido, além do trauma psicofísico da perda, ela teve muita dificuldade em
explicar aos filhos pequenos o que havia ocorrido com o pai. Corajosa e
obstinada, Clarice Herzog conseguiu, depois de três anos (1978), que a União
fosse responsabilizada judicialmente pela morte de Vlado. Para ela, não foi um
consolo saber que sua morte desencadeou a primeira reação popular contra a
brutalidade da repressão política do regime militar. – “Vlado contribuiria
muito mais para a sociedade se estivesse vivo”. Em 15 de março de 2013 a
família de Herzog recebeu um novo atestado de óbito, substituindo a definição
anterior, “asfixia mecânica por enforcamento”, por “lesões e maus tratos”. Em
20 de maio de 2016, após mais de 40 anos e três tentativas o caso
Herzog chegou à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Estima-se
que a sentença ocorra até o final de 2017.
Em entrevista exclusiva concedida a Cylene
Dworzak Dalbon, a publicitária Clarice Herzog fala do “terrível outubro de 1975”,
quando seu marido, o jornalista Vladimir Herzog foi assassinado dentro das
dependências do DOI-CODI pelos órgãos de repressão da ditadura. Foram presos
outros jornalistas ligados ao Vlado e da TV Cultura, o Markum, o Anthony,
Rodolfo Konder, o Sérgio Gomes. Foi um momento extremamente tenso. Esperávamos,
afirma Cylene, que o Vlado fosse preso devido a essas prisões, e discutimos
muito sobre qual seria o teor de seu depoimento – o que nunca passou pelas
nossas cabeças é que ele acabaria morto. Naquele momento estava no Partido. Ele
nunca foi ligado à política, ele não era comunista – aliás, era bastante
crítico ao partido. – Na verdade, o Vlado era um intelectual, ligado a teatro,
cinema, que desejava um mundo melhor, um mundo onde as ideias pudessem ser
discutidas e respeitadas. Naquela época existiam duas forças contra a ditadura
militar: uma era a igreja e a outra o PCB. Como o Vlado era judeu, optou pelo
Partido – a sua área de atuação como militante era a discussão da situação
cultural no país – a produção artística, nos vários níveis, estava sendo
totalmente massacrada pela censura.
O
motivo da forte repressão contra o PCB, é que ele estava se tornando uma nova e
forte frente e enfrentando a ditadura. Mas aconteceu o que não esperávamos que
acontecesse: afinal, apesar do Vlado Herzog estar envolvido com o partido comunista, tínhamos
empregos, passaporte, residência fixa e não éramos envolvidos com a luta armada”.
A violência repressiva do Estado e o controle policial imposto sobre quase todos
os setores da sociedade, além da ausência de liberdades civis e públicas,
haviam conduzido o país a uma situação insustentável do ponto de vista da
manutenção do regime de força que caracterizava a ditadura militar. Além disso,
o fato de os militares terem assumido diretamente o governo, ocasionou uma
politização negativa dentro das Forças Armadas, desvirtuando os propósitos
constitucionais da instituição militar. A “anarquia” e a “desordem”, promovida
por setores militares radicais, permearam todos os governos da ditadura, e
tinham sua origem justamente na politização no interior da instituição militar.
Portanto, é apropriado interpretar sociologicamente a “distensão” como um sinal
da impossibilidade de os militares se manterem indefinidamente no poder. A
distensão foi concebida e operacionalizada de modo que a saída das Forças
Armadas do governo não deveria ameaçar a ordem vigente e os interesses das frações
das classes dominantes.
- “Ele gostava de fotografar, tinha uma Asahi Pentax, uma máquina manual. Aprendi a fotografar com aquela máquina; tenho ela até hoje. Ele também tinha um telescópio e aprendi com ele a mexer no aparelho, mas nunca consegui achar uma estrela. Só fui aprender 30 anos depois, quando comprei um telescópio computadorizado. A gente pescava em Ilhabela e no sítio em Bragança, uma coisa mais ligada ao meu irmão, André. Meu pai gostava de bichos. Tinha pato, marreco, pombas no sítio. Lembro que ele não dirigia. Minha mãe levava a gente para cima e para baixo”.
Para evitar crises políticas, o
general Geisel fez concessões ao aparato repressivo ao impedir pressões
provenientes das oposições - em particular, do MDB, da Igreja Católica e também
de setores inconformados da imprensa - no sentido de reivindicar esclarecimentos
sobre cidadãos mortos, desaparecidos e torturas contra presos políticos. Em
alguns episódios públicos de violações dos direitos humanos praticados pelos
agentes dos órgãos de repressão, no entanto, Geisel tomou medidas enérgicas
contra militares radicais. O episódio mais grave ocorrido no mandato de Geisel
foi a morte sob tortura do jornalista Vladimir Herzog. Sua morte gerou uma
grande comoção social de segmentos daquela classe média. Políticos da oposição,
setores progressistas da Igreja Católica, estudantes universitários e parte da
imprensa se aliaram e realizaram um culto ecumênico na Catedral da Sé, em São
Paulo, com a participação de milhares de pessoas. O volume Cidadania Proibida (Imprensa
Oficial; Editora Global) analisa a cobertura da mídia sob a censura no período
ditatorial, principalmente com relação ao caso Vladimir Herzog e suas
repercussões políticas e sociais. Neste momento, foram importantes os
depoimentos de dois jornalistas, George Benigno Duque Estrada e Rodolfo Konder,
também presos com Herzog, os quais confirmam que ele passou por sessões de
tortura e espancamento enquanto estava preso. É last but not least a tese sustentada pelo “Dossiê Herzog”, uma das
principais publicações de jornalismo investigativo no Brasil. O livro chegou ao
público pela primeira vez em 1979 e tornou-se um importante instrumento de pesquisa
e denúncia dos crimes realizados pela ditadura e na luta dos movimentos que
queriam trazer o voto direto de volta para o país.
Bibliografia
geral consultada.
IZECKSOHN, Isaac,
O Antissemitismo: Uma Alergia Social.
São Paulo: Editora Formosa, 1954; GOLGHER, Isaias, A Tragédia do Comunismo Judeu. Belo Horizonte: Editora Mineira,
1970; ALMEIDA FILHO, Hamilton, A Sangue
Quente: A Morte do Jornalista Vladimir Herzog. São Paulo: Editora Alfa-Ômega,
1978; FRAGOSO, Heleno Cláudio; BERMUDES, Sérgio, “A Tortura e a Morte de Presos Políticos: O Caso Wladimir Herzog”. In: Encontros com a Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, nº 3, setembro de 1978; PEROSA, Lilian Maria F. de Lima, Cidadania Proibida: O Caso Herzog Através da Imprensa. São Paulo: Editora
Global, 1979; GABEIRA, Fernando, O que é isso, companheiro. 20ª edição. Rio de Janeiro: Editor Codecri, 1980; CASTRO, Celso, Dossiê
Geisel. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 2002; JORDÃO,
Fernando Pacheco, Dossiê Herzog: Prisão,
Tortura e Morte no Brasil. São Paulo: Editora: Global, 2005; ANGELO,
Vitor de Amorim, Ditadura Militar, Esquerda Armada e Memória Social no
Brasil. Tese de Doutorado em Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em
Ciências Sociais. São Carlos:
Universidade Federal de São Carlos, 2011; KLEINAS, Alberto, A Morte de
Vladimir Herzog e a Luta Contra a Ditadura: A Desconstrução do Suicídio. Dissertação de Mestrado.
São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2012; JOFFILY, Mariana, No Centro da Engrenagem: Os Interrogatórios na Operação Bandeirante e no DOI de São Paulo (1969-1975). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional; São Paulo: Edusp, 2013; MARKUN, Paulo, Meu Querido Vlado: A História de Vladimir Herzog e do Sonho de uma Geração. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2015; REICHHARDT, David
Creimer; THOMAZ, Omar Ribeiro; GHERMAN, Michel, & DEBERT, Guita Grin, A Multidão Silenciosa: Vladimir Herzog, Assassinado (São Paulo, 1975):
Etnografia de um Evento. Dissertação de Mestrado em Sociologia. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2015; NUZZI, Victor, “Caso Herzog chega a Corte Interamericana e põe Estado em Xeque”. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2016/05/06/; entre outros.
________________
* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).
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