segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Silvia Federici – Em Torno de Marx, Capitalismo & Práticas Feministas.

                                                                  O corpo das mulheres é a última fronteira do capitalismo”. Silvia Federici

          Silvia Federici nascida na cidade de Parma, uma cidade universitária na região Emília-Romagna em 1942, é uma filósofa contemporânea, professora e feminista autonomista italiana radicada nos Estados Unidos da América. Em 1972, Federici participou na fundação do Coletivo Feminista Internacional (International Feminist Collective), organização que lançou a campanha internacional Wages For Housework (WFH) a favor do pagamento de salário para o trabalho doméstico. Com outros membros da organização, dentre eles, Mariarosa Dalla Costa, que fez parte do movimento Potere Operaio de Antonio Negri. Após deixar o grupo, em 1971, Mariarosa constituiu o Lotta Femminista, como forma de criticar as deficiências e limitações na militância do Potere Operaio. Em decorrência da repressão aos radicais de esquerda em fins dos anos 1970, na Itália, ela dedicou-se a lecionar teoria política na Universidade de Padova, com Selma James, cofundadora da International Wages for Housework Champaign e coordenadora da Global Women`s Ataque e com autoras feministas como Maria Mies e Vandana Shiva, Federici tem sido pragmática no desenvolvimento do conceito teórico da reprodução sexual como uma chave para estudar as relações de classe, de exploração e dominação em contextos locais e globais, bem como no centro das formas de autonomia e dos bens comuns. É autora de Calibã e a Bruxa: Mulheres, Corpo e Acumulação Primitiva (2004), O Ponto Zero da Revolução: Trabalho Doméstico, Reprodução e Lutas Feministas (2013), Mulheres e Caça às Bruxas: Da Idade Média aos Dias Atuais (2018) e O Patriarcado do Salário: Notas sobre Marx, Gênero e Feminismo (2020). É professora emérita da Universidade Hofstra, uma universidade particular em Hempstead, na cidade de Nova York. 

      Além da compreensão da extensão da historiografia, permeando o conhecimento, a história pontual, a multireferencialidade, tem sido uma tarefa ímpar no âmbito de todas as ciências sociais. A sociologia, a economia política, a ciência política, a antropologia, a psicologia, trabalham com questões políticas, econômicas, sociais, culturais, religiosas, militares, demográficas e outras, que correspondem a ações, relações, processo e estruturas tomados em algum nível da historicidade. Mesmo as correntes de pensamento orientadas no sentido de formalizar as interpretações, em temos de indução quantitativa ou construção de modelos, mesmo nesses casos onde a pesquisa produz alguma explicação nova, reavalia ou reafirma explicações vigentes, sobre os modos e os tempos de devir da história. Também há aqueles que formalizam e, por assim dizer, fetichizam as categorias dialéticas de pensamento, perdendo de vista o fluxo real das ações, relações, processos e estruturas que expressam movimentos e as modificações das gentes, grupos, classes e nações. Uns e outros constroem mitos. Em todos os casos, no entanto, a história social aparece de alguma forma, como história real ou invenção, drama ou epopeia, elegia ou profecia. A multiplicidade de ciências na modernidade e as teorias relativas ao nível social, tem dado origem a distintas interpretações como se escreve ou produz a história real ou ficcional nas sociedades. E heterogêneas a histórias do capitalismo que podem ser compreendidas nas análises de David Ricardo, Karl Marx, Alexis de Tocqueville, Émile Durkheim, Max Weber, John Maynard Keynes, Talcott Parsons e Eric Hobsbawm, para ficarmos nestes exemplos.

            Não só na sociologia, mas no conjunto das ciências socais, encontram-se as mais diversas explicações sobre como e por que se dá a mudança, a evolução, o progresso, o desenvolvimento, a modernização, a crise, a recessão, o golpe de classe, a reforma, a revolução. Para explicar as transformações sociais, em sentido amplo, o sociólogo, antropólogo, economista, politólogo, psicólogo, historiador e outros têm buscado causas, condições, tendências, fatores, indicadores, variáveis, e assim por diante. Ao analisar as condições de formação, funcionamento, reprodução, generalização, mudança e crise do capitalismo globalizado, os cientistas sociais têm proposto explicações que nem sempre se excluem. Em certos casos, umas implicam outras, ou as englobam. Em primeiro lugar, uma interpretação que se generalizou bastante, desde os arquétipos comparados da Revolução Industrial, estabelece que o progresso econômico é o resultado da “criatividade empresarial”. Isto é, toda mudança, inovação ou modernização econômica substantiva tende a consumar a capacidade de criação e liderança de empresários imaginosos, inventivos ou mesmo lúdicos, capazes de articular e dinamizar os fatores da produção preexistentes e novos. Essa interpretação sustentada em níveis econômicos tem os seus principais enunciados nos escritos de economistas clássicos, seus discípulos no século XIX e XX relacionados aos self-made man ao tycoon, ao capitão de indústria, ao pioneiro, à identidade entre propriedade, livre empresa e sociedade aberta, ligam-se à tese de que a criatividade é a base do progresso social.     

                                                  

         A segunda interpretação, reconhecida como “teoria das elites”, está relacionada com a anterior. Recebeu contribuições de Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca. E tem sido retomada, em diferentes linguagens, por outros cientistas sociais e escritores, como James Burnham, Samuel P. Huntington, Clark Keer, David E. Apter, John Kenneth Galbraith e outros. É uma corrente de pensamento que propõe o funcionamento da sociedade e a mudança social em termos de elites empresariais, gerenciais, militares, intelectuais e outras. Desde o término da 2ª guerra mundial, essa teoria tem sido a base de programas organizados pelo imperialismo norte-americano, no treinamento de quadros de intelectuais, tecnocratas, militares, gerenciais, empresariais e outros, para soluções golpistas ou não em países dependentes e coloniais. Em terceiro lugar, há a intepretação que atribui importância especial à divisão social do trabalho. Toma-se o meio de trabalho como o processo social, de âmbito estrutural, que comanda o funcionamento, as combinações e as transformações das elações sociais e instituições, em níveis econômico, político e outros. Adam Smith e Émile Durkheim são autores importantes nessa corrente de pensamento. Boa parte do pensamento liberal apoia-se nessa ideia. A divisão internacional do trabalho foi apresentada durante o século XIX e até a década de 1930, como a base da prosperidade econômica e social das pessoas, de grupos sociais e das nações. As teorias sobre a democracia liberal, o pluralismo democrático e a cidadania apoiam-se implicitamente na ideia de que a divisão social do trabalho, em sentido amplo, é o processo estrutural que fundamenta e dinamiza a melhor expressão e articulação de pessoas e grupos, atividades e instituições sociais e políticas, setores produtivos e a internacionalização do trabalho em países e nações continentes.  

 A quarta intepretação considera que o fundamento último da mudança, progresso ou desenvolvimento econômico e social é a “tecnologia”. O progresso técnico comandaria as possibilidades de articulação e dinamização dos fatores produtivos principalmente capital e força de trabalho. As possibilidades de poupança e investimento, bem como desenvolvimento e diferenciação dos sistemas econômico e social estriam na dependência das inovações e aplicações da tecnologia, inovações essas originadas das ciências da natureza e da sociedade. Essa interpretação tem várias formulações. Todas, no entanto, apoiam-se na ideia de que ciência, tecnologia e desenvolvimento, ou pesquisa e desenvolvimento em geral relacionam-se positivamente nas sociedades globalizadas. A quinta interpretação confere papel especial ao Estado. Depois da crise da concepção liberal do poder político-econômico e da história, generalizou-se cada vez mais a intepretação que vê na ação estatal a base da organização e mudanças de relações e organizações econômicas e sociais. É claro que esta ideia já está presente, implícita ou explícita, no pensamento científico e filosófico dos séculos XVIII e XIX. Ela aparece em escritos de Hegel, Marx, Engels e Lenin, além de Keynes, Myrdal, Baran e ouros. Depois da criação do regime socialista em vários países, por um lado, e da crise econômica mundial iniciada em outubro de 1929, por outro, os governos capitalistas, dominantes e dependentes, passaram a intervir de forma cada vez mais ampla e profunda na economia.

          A sexta e última interpretação busca as razões dos movimentos e transformações sociais, político-econômicas e culturais nas relações e contradições de classes. De acordo com essa intepretação, as forças produtivas, a atuação estatal e outros aspectos político-econômicos, sociais e culturais são articulados e desarticulados em conformidade com os movimento e desenvolvimentos das relações e contradições das classes sociais: burguesia, classe média, campesinato, proletariado e suas subdivisões estruturais e de ocasião. Dentre os autores que se situam nessa orientação, ou contribuíram para o seu desenvolvimento, destacam-se Marx, Engels, Lenin, Bukharin, Trotski, Lukács, Gramsci e Mao-Tsé-tung, além de José Carlos Mariátegui, Maurice Dobb, Paul A. Baran, Paul M. Sweezy, Frantz Fannon e alguns outros. Essa interpretação se funda na análise do processo de trabalho produtivo, processo esse que produz a mercadoria, a mais-valia de que o burguês se apropria e a alienação econômica e política do trabalhador. O principal conteúdo e resultado desse processo, ou dessas relações de produção, tem como representação histórica e social o antagonismo entre o operário e o burguês. Nesse sentido, o golpe de Estado analisado por Marx, a greve e a revolução produzem-se neste contexto. Numa formulação breve, essa interpretação engloba relações, processos e estruturas básicos e intermediários da sociedade.  

        Quer dizer que, em cada uma dessas interpretações implica uma forma peculiar de compreender as relações entre biografia e história, conjuntura e estrutura, sincronia e diacronia, ou entre as ações, as relações, os processos e estruturas sociais, em seus perfis e movimentos. Outras, situam-se neste contexto global problemático, paradoxal. São interpretações sobre as condições e possibilidades de produção da história, em forma cômica ou trágica, dramática ou épica. A chamada Guerra Fria representa a designação atribuída ao período histórico de disputas estratégicas e conflitos indiretos entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, compreendendo o período entre o final da 2ª guerra Mundial (1940-1945) e a dissolução da União Soviética em 26 de dezembro de 1991, como resultado da declaração nº 142-Н do Soviete Supremo da União Soviética. A declaração reconheceu a Independência das Repúblicas soviéticas e criou a Comunidade de Estados Independentes. A conjuntura anterior representou um conflito extraordinário de ordem política, militar, tecnológica, econômica, social e ideológica entre as duas nações, no plano das relações políticas e econômicas internacionais e suas zonas conflitantes de influência político-militar.

Quer dizer, é chamada guerra “fria” porque não houve guerra direta entre as duas superpotências, dada a inviabilidade da vitória em uma batalha nuclear. A corrida armamentista pela construção de um grande arsenal de armas nucleares foi o objetivo central durante a primeira metade da chamada “Guerra Fria”, estabilizando-se na década de 1960-1970 e sendo reativada nos anos 1980 com o projeto do presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Ronald Reagan chamado de “Guerra nas Estrelas”. A corrida espacial foi um dos episódios que marcaram a segunda metade do século XX e foi resultado direto da Guerra Fria. Ocorrida entre os anos de 1957 e 1975, a corrida espacial ficou caracterizada pela intensa exploração no espaço realizada por americanos e soviéticos. Um dos episódios geopolíticos de maior relevância da corrida espacial foi a estratégia global ocorrida à chegada do homem à Lua. É neste âmbito de transformações globais polarizadas que Socialisme ou Barbarie representou um grupo socialista libertário radical francês do período pós-guerra. Seu nome vem de uma frase de Rosa Luxemburgo usada em The Junius Pamphlet um libelo, ou ensaio político de 1916.

             O grupo existiu durante os anos 1948 até 1965. A personalidade que o animava era Castoriadis, também reconhecido como Pierre Chaulieu ou Paul Cardan. O grupo se originou na trotskista Quarta Internacional, onde Castoriadis e Claude Lefort constituíram a chamada “Tendência Chaulieu-Montal” no Partido Comunista Internacionalista francês, em 1946. Em 1948, eles experimentaram o seu “desencanto final com o trotskismo”, levando-os a romperem com os trotskistas para formar o Socialisme ou Barbarie, cujo jornal começou a aparecer em março de 1949. Castoriadis mais tarde disse a respeito desse período que sua principal audiência e do jornal era formada pela esquerda radical: bordigistas, comunistas de conselho, alguns anarquistas e órfãos da esquerda alemã dos anos 1920. Eles foram vinculados à tendência Johnson-Forest, que desenvolveu um corpo de ideias dentro das organizações trotskistas norte-americanas. Uma facção desse grupo formou mais tarde o grupo Facing Reality. Os primeiros tempos também trouxeram debates com Anton Pannekoek e um influxo de ex-bordigistas para o grupo. Era composto tanto de intelectuais quanto de trabalhadores e concordavam com a ideia de que os principais inimigos da sociedade eram as burocracias que governavam o capitalismo moderno. eles documentaram e analisaram a luta contra a burocracia no jornal do grupo.

         A edição de número 13 ocorrida em janeiro-março de 1954, por exemplo, era dedicada à Revolta de 1953 na Alemanha Oriental e às greves que pipocaram em vários setores de trabalhadores franceses naquele verão. Seguindo a crença de que o que a luta diária que a classe trabalhadora encarava era o conteúdo real do socialismo, os intelectuais encorajavam os trabalhadores no grupo a relatarem cada aspecto de suas vidas no trabalho. O caráter-gueto de Socialismo ou Barbárie não deriva apenas da guerra fria Leste-Oeste. Ao chegar a Paris, a bordo do navio Mataroa, Cornelius Castoriadis, assim como outros intelectuais - qual Kostas Axelos, por exemplo -, vem fugido da perseguição movida contra a esquerda grega. Não somente, porém, da repressão desencadeada pela “aliança atlantista”, como igualmente dos próprios comunistas, conforme relata, em tons quase dramáticos, Morin: - “Raríssimos foram os intelectuais europeus que, sob a ocupação nazista, se tornaram militantes da heresia trotskista. Os comunistas trotskistas, presos pela Gestapo, sofriam a mesma sorte dos comunistas stalinistas e, no interior das prisões e campos nazistas, os stalinistas, no melhor dos casos, punham os trotskistas em quarentena e, na pior, liquidavam os hitlero-trotskistas. Na Grécia da Liberação, o Partido Comunista decidiu, em tomada de posição do Comitê Central, pelo extermínio dos trotskistas. Condenado à morte pelos comunistas e prevendo ser abatido pelos anticomunistas, Castoriadis emigrou para a França”.

          Assim sendo, o possível círculo de acolhida ao fugitivo em Paris está nos setores igualmente minoritários da IV Internacional. Mas Castoriadis bem cedo diagnostica um tronco leninista-burocrático comum a stalinismo e trotskismo. O grupo Socialismo ou Barbárie fará ruptura com a IV Internacional Comunista - ruptura marcada por uma dupla originalidade. De modo diferente das inumeráveis cisões anteriores do movimento trotskista, ela não se dá, assim referida “à moda de uma pequena capela que muda de chefe sem transformar em nada a doutrina”. Ao contrário de outras dissensões que igualmente rejeitam a organização de tipo leninista, ela “não joga fora o bebê” (Marx) “junto com a água do banho” (Lênin-centralismo-stalinismo). Ao romper com os heterodoxos ortodoxos - IV Internacional e dissidências da IV Internacional - em nome do marxismo, Socialismo ou Barbárie emerge como a “heresia de uma heresia” (cf. Morin, 1989). O Socialisme ou Barbarie era crítico do leninismo, rejeitando a ideia de um partido revolucionário e colocando ênfase nos conselhos de trabalhadores. Enquanto alguns membros partiram para formarem outros grupos, aqueles que permaneceram se tornaram mais e mais críticos do marxismo ao longo do tempo. Jean Laplanche, um dos membros-fundadores do grupo, recorda os primeiros dias da organização.

O grupo era tanto de intelectuais quanto de trabalhadores e concordavam com a ideia de que os principais inimigos da sociedade eram as burocracias que governavam o capitalismo. Eles documentaram e analisaram a luta contra a burocracia no jornal do grupo. A edição de número 13 referente a janeiro-março de 1954, por exemplo, era dedicada à interpretação da Revolta de 1953 na Alemanha do Leste e às greves em vários setores de trabalhadores franceses naquele verão. Seguindo a ideologia de que o que a luta diária que a classe trabalhadora encarava era o conteúdo real do socialismo, os intelectuais encorajavam os trabalhadores no grupo a relatarem cada aspecto social da vida cotidiana no trabalho.  A Hungria começou o período pós-guerra como uma livre democracia pluripartidária, e as eleições em 1945 produziram um governo de coalizão sob a batuta do primeiro-ministro Zoltán Tildy. Entretanto, o Partido Comunista, apoiado pela União Soviética, que tinha recebido somente 17% dos votos, constantemente obtinha pequenas concessões em um processo nomeado “tática do salame”, que fatiava a influência do governo eleito. Depois das eleições de 1945, os poderes do Ministro do Interior - que supervisionava a Autoridade de Proteção de Estado foram transferidos do “Partido dos Pequenos Proprietários Independentes” para gente de confiança do Partido Comunista. Empregava métodos de intimidação, falsas acusações, prisões e tortura para suprimir a esfera política. A democracia pluripartidária acabou quando o Partido Comunista se fundiu com o Partido Socialdemocrata para se tornar o “Partido Popular dos Trabalhadores Húngaro”, cuja lista de candidatos foi a votos sem oposição em 1949.

A República Popular Húngara foi declarada. Depois da 2ª guerra mundial, a Hungria sucumbiu na esfera político-ideológica de influência soviética e foi ocupada militarmente pela guerra de movimento do Exército Vermelho. Em 1949, os soviéticos tinham concluído um tratado de assistência mútua com a Hungria que garantia direitos políticos à União Soviética para uma contínua presença militar, assegurando o último controle político. Dentre 1950-52, a Polícia de Segurança forçadamente realocou milhares de pessoas para obter propriedades e moradias para os membros do Partido Popular dos Trabalhadores, e remover a ameaça da classe intelectual e burguesa. Milhares foram presos, torturados, julgados e aprisionados em campos, deportados para o leste, ou eram executados, incluindo o fundador da ÁVH László Rajk. Em um único ano, mais de 26.000 pessoas foram forçadamente realocadas de Budapeste. Como uma consequência, empregos e moradias eram muito difíceis. Os deportados geralmente experimentavam parcas condições de habitação e eram recrutados para trabalho escravo em fazendas coletivas. Muitos morreram como resultado das pobres condições de vida e desnutrição. O estudo do idioma russo e instrução política comunista foram tornados parte do currículo escolar e universitário pelo país. László Rajk nasceu em Székelyudvarhely, sendo o nono filho de uma família de saxões da Transilvânia, seus laços afetivos com o comunismo começaram como membro do Partido Comunista da Hungria (KMP). Posteriormente, foi expulso da universidade por suas ideias políticas e se tornaria operário da construção civil, até 1936, quando ingressou na Frente Popular na Guerra Civil Espanhola. 

Ele se tornou comissário do Batalhão Rakosi da XIII Brigada Internacional. Após o colapso da Espanha republicana, ele ficou internado na França até 1941, quando finalmente pôde retornar à Hungria, onde se tornou secretário do Comitê Central do Partido Comunista, um movimento comunista clandestino. Em dezembro de 1944, ele foi preso por um destacamento do Partido Arrow Cross. Ele seria executado e transportado para a prisão de Sopronkőhida, depois para a Alemanha; mas a intercessão de seu irmão mais velho, Endre, um subsecretário fascista, salvou sua vida. László Rajk foi lançado em 13 de maio de 1945. Ele voltou para a Hungria e participou da política partidária tornando-se um membro de todas as corporações líderes do partido (MKP) e do Parlamento Extemporal. Rajk foi membro do Alto Conselho Nacional de 7 de dezembro de 1945 a 2 de fevereiro de 1946. Em 20 de março de 1946, foi nomeado ministro do Interior. Neste posto ele organizou exército privado do Partido Comunista Húngaro e da polícia secreta, um análogo organização para a KGB, Securitate, Stasi e depois, o ÁVH (originalmente AVO), tornando-se diretamente responsável por isso. Sob a estratégia de “luta contra o fascismo e a reação” e “defesa do poder do proletariado”, ele proibiu e liquidou vários estabelecimentos e grupos religiosos, nacionalistas e rebeldes em torno de 1.500. Ele foi transferido do Ministério do Interior para o Ministério das Relações Exteriores de 5 de agosto de 1948 a 30 de maio de 1949. Rákosi, que via Rajk como uma ameaça ao seu poder, decidiu acusá-lo de falsas acusações e mandou prendê-lo em 30 de maio 1949 sob acusações forjadas. Rajk, que era popular entre os comunistas antes, logo se tornou o “cachorro acorrentado” de Tito, Horthy e “o imperialista”.

O levante húngaro começou em 23 de outubro de 1956, com uma manifestação pacífica de estudantes em Budapeste. Exigiam o fim da ocupação soviética e a implantação do “socialismo verdadeiro”. Quando os estudantes tentaram resgatar alguns colegas que haviam sido presos pela polícia política, esta abriu fogo contra a multidão. No dia seguinte, oficiais e soldados juntaram-se aos estudantes nas ruas da capital. A estátua de Josef Stálin foi derrubada por manifestantes que entoavam, “russos, voltem para casa”, “abaixo Gerő” e “viva Nagy”. Em resposta, o comitê central do Partido Comunista Húngaro recomendou o nome de Imre Nagy para a chefia de governo. Em 25 de outubro, tanques soviéticos dispararam contra manifestantes na Praça do Parlamento. Chocado com tais acontecimentos, o comitê central do partido forçou a renúncia de Gerő e substituiu-o por Imre Nagy. Prontamente foi à Rádio Kossuth e anunciou a futura instalação das liberdades, como seja o multipartidarismo, a extinção da polícia política, a melhoria radical das condições de vida do trabalhador e a busca do socialismo condizente com as características nacionais da Hungria. Em 28 de outubro, o primeiro-ministro Nagy vê as suas opções serem aceites por todos os órgãos do Partido Comunista. Os populares desarmam a polícia política. Em 30 de outubro, Nagy comunicou a libertação do cardeal Mindszenty e de outros prisioneiros políticos.

Reconstituíram-se os Partidos dos Pequenos Proprietários, Socialdemocrata e Camponês Petőfi. O Politburo Soviético decide, numa primeira fase (30 de outubro) mandar as tropas sair de Budapeste, e mesmo da Hungria se viesse essa a ser a vontade do novo governo. Mas no dia seguinte volta atrás e decide-se pela intervenção militar e instauração de um novo governo. A 1° de novembro, o governo húngaro, ao tomar conhecimento das movimentações militares em direção a Budapeste, comunica a intenção húngara de se retirar do Pacto de Varsóvia e pede a proteção das Nações Unidas. A 3 de novembro, Budapeste está cercada por mais de (01) mil tanques. Em 4 de novembro, o Exército Vermelho invade Budapeste, com o apoio de ataques aéreos e bombardeamentos de artilharia a Hungria, derrotando rapidamente as forças húngaras. Calcula-se que 20 000 pessoas foram mortas durante a intervenção soviética. Nagy foi preso (e executado) sendo substituído no poder pelo simpatizante soviético János Kádár. Mais de 2 mil processos políticos foram abertos, extraordinariamente resultando em 350 enforcamentos. Dezenas de milhares de húngaros fugiram do país e próximo de 13 mil foram presos. As tropas soviéticas saíram da Hungria em 1991. 

       Escolas religiosas foram nacionalizadas e líderes de igrejas foram substituídos. Em 1949 o líder da Igreja Católica Húngara, cardeal József Mindszenty, foi preso e condenado à prisão perpétua por traição. Sob Rákosi, o governo húngaro era dos mais repressores na Europa. A Revolução Húngara de 1956 e outros eventos da década de 1950 levaram à afluência de mais membros ao grupo. Nesse período conturbado do Leste europeu, eles propunham o ponto fundamental como a necessidade do capitalismo, por um lado, reduzir os trabalhadores a simples executores de tarefas e, por outro, a impossibilidade de continuar funcionando se for bem sucedido nesse ínterim. O capitalismo precisa atingir objetivos mutuamente incompatíveis: a participação social e a exclusão do trabalhador na produção - como todos os cidadãos em relação à política. Isso ficou caracterizado como a distinção entre o dirigeant (“dirigente”) e o exécutant (“executor”). Essa perspectiva permitiu o grupo expandir-se no que se refere às novas formas de luta e de conflito social que emergiam fora da esfera da produção.

Vale lembrar neste aspecto quando voltou a seu país natal para fazer este filme, o cineasta húngaro István Szabó já havia adquirido fama e respeito internacionais com o filme Mephisto, de 1981, Coronel Redl, de 1985, e Encontro com Vênus, de 1991, realizando-se grandes coproduções internacionais, lançadas no mercado cinematográfico internacional. Este aqui é em tudo diferente desses três anteriores, comparativamente, que garantiram a Szabó a admiração geral; não é um afresco, um painel; é um pequeno retrato; não é um espetáculo para dezenas de atores, é todo em tom menor, centrado na amizade natural de duas mulheres que vivem no seu dia-a-dia a passagem de um mundo para outro. Ao contrário do que seria de se esperar, não se comemora com fanfarras o fim do regime autoritário, o fim dos grilhões, a volta à liberdade plena (cf. Gati, 2006). Demonstra a perplexidade das pessoas diante da mudança radical que ocorre de tudo à sua volta – e tem mesmo um tom melancólico com a perda do valor da solidariedade entre as pessoas, o sonho que não se conseguiu realizar. Um belíssimo diálogo resume a weltanschauung de Szabó sobre aquele momento radical. Uma das amigas, a querida Böbe do título original do filme, pergunta à outra, a doce Emma; o que ela quer da vida, e ela diz: - “Uma sociedade fraterna; que apreciem o que eu faço”. E Böbe responde, ao contrário: - “Isso não vale mais nada. O que vale agora é o dinheiro e as coisas materiais que você possui”.

Em 1958 desentendimentos quanto ao papel político do grupo levou à saída de membros importantes. Claude Lefort e Henri Simon deixaram o grupo para formar “Informations et Liaison Ouvrières”. Em 1960, o grupo tinha crescido para ao redor de 100 membros e tinha desenvolvido novas ligações internacionais, primariamente na emergência de uma organização irmã na Grã-Bretanha chamada “Solidarity”. Disputas dentro do grupo sobre a crescente rejeição do marxismo por Castoriadis levou à saída do grupo ao redor do jornal Pouvoir Ouvrier. O principal jornal Socialisme ou Barbarie continuou a ser publicado até a edição de 1965, depois da qual o grupo permaneceu dormente e foi dissolvido. Uma tentativa de Castoriadis para reviver o grupo durante os nichos através da ressonância dos eventos de Maio de 1968 fracassou. A Internacional Situacionista foi associada ao grupo e influenciada através da interpretação de Guy Debord (1966), que era membro de ambos. O movimento social italiano Autonomia também acabou influenciado, embora de forma menos influente diretamente. A busca de uma argumentação que vise à universalidade (a própria filosofia) não se originaria na racionalidade humana, mas na imaginação intelectual criadora e/ou “imaginária radical”.

O homem é criação propiciada por uma formação exagerada da faculdade da imaginação que faz a essência do homem, precisamente criadora. Para que a espécie humana pudesse sobreviver, a psique precisou ser socializada e dar sentido a um mundo aparentemente sem-sentido natural-biológico. Ao criar as significações, institui-se a sociedade que é a origem de si mesma. Não se poderia pensar a humanidade fora do mundo de significações, ou a subjetividade, a partir do termo “para si”, das representações das instituições sociais. O “para si” é inferido a partir das instancias, interdependentes, em que todas existem, mas nenhuma se mantém sem a outra, numa completa relação de atividade e reciprocidade representando a totalidade do sujeito. Enfim, Castoriadis admite que é impossível fazer filosofia sem uma ontologia, isto é, sem uma interrogação sobre o ser, mas, ao contrário do que possa pensar aquele para quem ontologia soa como “palavra proibida”, sua reflexão é inteiramente articulada à questão política. Não sendo, pois, uma idealização, mas um pensamento radical sobre a possibilidade de uma sociedade na qual os homens tenham consciência de seu poder. Por sua vez, o imaginário radical enquanto imaginário social aparece como corrente do coletivo anônimo, traduzindo-se na sociedade e no que para o social-histórico é posição, criação e fazer ser. Duas dimensões não incomunicáveis nem estáticas, obviamente, embora a dimensão de análise psíquica, a todo tempo, tenha a sua participação oculta na formação do que é próprio na criação.

As ideias movem-se, mudam de lugar, ganham força na história, apesar das formidáveis determinações internas e externas globais. O conhecimento transforma-se, progride, regride. Crenças e teorias renascem; outras, antigas, morrem. A primeira condição de uma dialógica cultural é a pluralidade e diversidade de pontos de vista. Essa diversidade cultural é potencial e está em toda parte. Toda sociedade comporta indivíduos genética, intelectual, psicológica e afetivamente muito diverso, apto, portanto, a outros pontos de vista cognitivamente muito variados. São, justamente, essas diversidades de pontos de vista culturais e políticos que inibem e a normalização reprime. Do mesmo modo, as condições sociais ou acontecimentos aptos a enfraquecerem o imprinting, segundo Morin (2008), e a normalização na medida em que avança permitirão às diferenças individuais exprimirem-se no domínio da práxis cognitiva. Essas condições aparecem nas sociedades que permitem o encontro, a comunicação e o debate de ideias. A dialógica cultural supõe o comércio, constituído de trocas múltiplas de informações, ideias, opiniões, teorias; o comércio das ideias é tanto mais estimulado quanto mais se realizar com ideias de outras culturas do passado. O intercâmbio das ideias produz o enfraquecimento dos dogmatismos e intolerâncias sociais e religiosas, o que resulta no próprio crescimento. Comporta a competição, a concorrência, o antagonismo, o conflito social, moral e político, entre ideias, concepções e visões de mundo.

Bibliografia Geral Consultada.

GOTTRAUX, Philippe, Socialisme ou Barbarie, un Engagement Politique et Intellectuel dans la France de l`après Guerre. Suíça: Editions Payot Lausanne, 1997; BARNABÉ, Israel Roberto, “Elites, Classe Social e Poder Local”. In: Revista Estudos de Sociologia. Araraquara (UNESP), vol. 4, n° 7. pp. 01-16; 1999; ALLEGRO, Luís Guilherme Vieira, A Reabilitação dos Afetos: Uma Incursão no Pensamento Complexo de Edgar Morin. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007; GUARALDO, Olivia, “Pensadoras de Peso: O Pensamento de Judith Butler e Adriana Cavarero”. In: Revista Estudos Feministas, vol. 15, n° 3, 2007: MORIN, Edgar, O Método 4 – As Ideias. 4ª edição. Porto Alegre: Editora Sulina, 2008; Idem, Edwige, L`Inséparable. Paris: Éditions Fayard, 2009; CAVARERO, Adriana, Vozes Plurais: Filosofia da Expressão Vocal. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011; CURIEL, Ochy, La Nación Heterosexual: Análisis del Discurso Jurídico y el Régimen Heterosexual desde la Antropología de la Dominación. Colombia: Impresol Ediciones, 2013; MARQUES, Alfran Marcos Borges, A Política como Projeto de Autonomia em Cornelius Castoriadis. Dissertação de Mestrado em Filosofia. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Natal: Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2014; FERREIRA, Tiago Alfredo da Silva, Entendimento, Conhecimento e Autonomia: Virtudes Intelectuais e o Objetivo do Ensino de Ciências. Tese de Doutorado em Ensino, História e Filosofia das Ciências. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2015; FEDERICI, Silvia, Calibã e a Bruxa: Mulheres, Corpo e Acumulação Primitiva. São Paulo: Editora Elefante, 2017; Idem, O Ponto Zero da Revolução. São Paulo: Editora Elefante, 2019; OSMAN, Elzahra Mohamed Radwan Omar, “O Sonho da Sultana, a Razão Colonial e os Feminismos em Contextos Islâmicos”. In: Revista Ártemis, vol. 32, n° 1, 2021; GARCIA, Rubya Souza, Gênero, Trabalho Doméstico e de Reprodução Social: Uma Análise Sobre a Exploração e Opressão de Mulheres no Capitalismo. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Serviço Social. Escola de Humanidades. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2022; GABRIEL, Alice de Barros, Materialidade, Maternidade e Outras Matrizes. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Instituto de Ciências Humanas. Departamento de Filosofia. Brasília: Universidade de Brasília, 2022; LIMA, Caio Taner, A Binariedade de Gênero como Controle Sociopolítico. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Setor de Ciências Humanas. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2023; entre outros.  

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Ilha Bem Distante – Felicidade, Cuidado de Si & Herança Familiar.

                                                                                               Não nos vemos se não saímos de nós”. José Saramago

         A história social registra em seu domínio que as motivações tanto sociológicas como psicológicas, propostas para fazer compreender na prática as estruturas e gênese do simbolismo erram muitas vezes por uma secreta e estreita metafísica: umas porque querem reduzir o processo motivador a um sistema de elementos exteriores à consciência e exclusiva das pulsões, as outras porque se atêm exclusivamente a pulsões, ou, o que é pior, ao mecanismo redutor da censura e ao seu produto, o recalcamento. O que quer dizer que implicitamente se volta a um esquema explicativo e linear no qual se descreve, se conta a epopeia dos indo-europeus ou as metamorfoses da libido, voltando a cair nesse vício fundamental que é acreditar que a explicação dá inteiramente conta de um fenômeno que por natureza escapa às normas da semiologia teórica.  Para Durand (1997), que estuda in concreto o simbolismo imaginário precisa enveredar pela via da antropologia, dando a esta palavra o seu sentido atual: o conjunto das ciências que estudam a espécie homo sapiens, sem se por limitações a priori e sem optar por uma ontologia que assim não passa de um “espiritualismo camuflado”, ou “ontologia culturalista” que, geralmente, não é mais que uma “máscara da atitude sociologista”, ou dentre atitudes resolvendo-se em última análise num “intelectualismo semiológico”.   

Esse trajeto é reversível; porque o meio elementar é revelador da atitude adotada diante da dureza, da fluidez da queimadura. Qualquer gesto chama a sua matéria e procura o seu utensílio, e que toda matéria excluída, abstraída do cósmico, e utensílio ou instrumento é vestígio de um gesto passado. O trajeto antropológico (cf. Durand, 1997) pode indistintamente partir da cultura ou do natural psicológico, uma vez que o essencial da representação está contido entre dois marcos reversíveis. Uma tal posição antropológica, que não quer ignorar nada das motivações relacionais contidas nas tramas sociópetas ou sociófogas do simbolismo, leva em conta as instituições rituais, a tensão do simbolismo religioso, a poesia, a mitologia, a iconografia ou psicologia implicando uma metodologia essencial para delimitar os conteúdos de sentido desses trajetos que os símbolos constituem. É no ambiente tecnológico humano que vamos encontrar um acordo entre os impactos sociais dominantes, o investimento humano na vida e prolongamento ou confirmação cultural. Em termos pavlovianos, poder-se-ia dizer que ambiente humano é o primeiro condicionamento das dominantes sensório-motoras, de tempo, espaço, causalidade física, movimento e velocidade, um campo de investigação que denominou epistemologia genética é o lugar da projeção dos esquemas de imitação.

O filme Em Uma Ilha Bem Distante (Faraway, 2023) chegou ao catálogo da Netflix ocupando uma extraordinária posição no ranking Top 10 de longas-metragens mais assistidos. Logo no início do filme, somos convidados a ver Zeynap Altin, vivida brilhantemente pela atriz Naomi Krauss. Apagada pela dor e sofrimento, ela é uma mulher melancólica que precisa ajeitar as coisas para o velório de sua mãe. Somado a isso, ela ainda tem que dar conta das tarefas domésticas e cuidar do pai rabugento, do marido desatento e da filha adolescente rebelde. Com roteiro realizado por Jane Ainscough e direção de Vanessa Jopp, a comédia romântica alemã é estrelada por Naomi Krauss e Goran Bogdan. A trama narra a história social da mulher de meia-idade, rumo a uma jornada de autodescoberta em uma ilha “remota e paradisíaca no Leste Europeu”. Ela herda o espólio (do latim hærentia) que é o patrimônio de bens, direitos e obrigações de uma pessoa que faleceu, deixada a seus sucessores legais. É a parcela do patrimônio de alguém, transferida a certas pessoas elencadas na lei como titulares desse direito - os sucessores herdeiros e legatários. É o registro desta transmissão e a petição é a ação que compete ao herdeiro para reconhecimento de seu direito sucessório, ou, contra a quem esteja pretendendo ter o direito de deter tudo ou parte da herança, ter o reconhecimento na qualidade de herdeiro e restituição dos bens que estavam de posse de terceiros.

A história segue Zeynep Altin, uma mulher de meia-idade sobrecarregada com trabalho e menosprezada pela família que está perto de seu limite. Quando a funerária faz uma confusão e veste sua amada e falecida mãe com um terno em vez do seu vestido favorito, ela surta de vez. Então, decidida a buscar um pouco de paz em sua vida, a protagonista abandona Munique e parte rumo à uma ilha remota na Croácia, para um chalé antigo de sua mãe. No entanto, as coisas saem do que havia planejado quando Zeynep descobre que Josip, o antigo proprietário do local, ainda está vivendo por ali. Além de ser estrelado por Naomi Krauss no papel da protagonista Zeynep, o elenco do ainda é contemplado com nomes como Goran Bogdan (Sonja e o Touro, 2012), Adnan Maral (Turco para Iniciantes, 2012), Artjom Gilz (Milk & Honey, 1988), Davor Tomić (97 Minutes, 2022) e os novatos Vedat Erincin e Bahar Balci. Em reviews de veículos de comunicação internacionais, como o Decider, por exemplo, o jornalista Jogn Serba desenvolve críticas analíticas mistas sobre a produção, afirmando que ela “cumprirá sua agenda superficial. Mas isso não quer dizer que seja uma experiência desagradável”. Ele completa enaltecendo a atriz, dizendo que, “mesmo quando a escrita é fraca, Krauss mantém o suficiente de sua presença carismática para dar liga ao filme”. Por fim, M.N. Miller, do Ready Steady Cut, elogia a narrativa e escolha de protagonista do projeto, que se trata de “uma divertida e doce comédia romântica sobre pessoas de uma certa idade”.

Em verdade o sentido do termo fantástico nasce na acepção literária por ocasião da tradução francesa das Phantasiestücke in Callot`s Manier de Ernest Hoffmann (1813). A palavra alemã Phantastich evocava inicialmente as formas breves da fantasia e, na época romântica, trazia à lembrança tudo o que se referia ao domínio do imaginário, mas com a tradução da obra de Hoffmann, o adjetivo evolui em direção ao substantivo e passa a designar uma nova modalidade literária. Pierre- George Castex em seu livro Le Conte Fantastique en France de Nodier à Maupassant (1951), pretende responder às questões de Sainte-Beuve, a fecundidade e a transformação da literatura fantástica no decorrer do século XIX, explicar sua história e o êxito quase constante que ela experimentou e o sucesso ilustrado, de Nodier a Maupassant, “por uma série de obras patéticas ou perturbadoras”.  Em sua Introdução, segundo Camarini (2014), depois de creditar aos jornalistas do Globe, Jean-Jacques Ampère e Duvergier de Hauranne, a clarividência de notar a originalidade da obra de Hoffmann que apresenta um sobrenatural essencialmente interior e psicológico, definindo-o assim: “O fantástico, na verdade, não deve ser confundido com a fabricação convencional de contos mitológicos ou contos de fada, o que implica uma mudança de mentalidade. Pelo contrário, é caracterizada por uma intrusão brutal de mistério no contexto da vida real”. 

Do ponto de vista histórico e técnico-metodológico com quase duas horas de duração, as gravações externas do filme: Em Uma Ilha Bem Distante (2023) ocorreram em Munique, na Alemanha, e também numa ilha na Croácia, um país europeu situado nos Balcãs que se limita ao Norte com a Eslovénia e Hungria, a Nordeste com a Sérvia, a Leste com a Bósnia e Herzegovina e ao Sul com Montenegro. É banhado a Oeste pelo mar Adriático e possui uma fronteira marítima com a Itália, no golfo de Trieste. Após a invasão do Eixo na Iugoslávia, em abril de 1941, a maior parte do território croata foi incorporado a um “estado-cliente”. Em resposta, um movimento social e político de resistência se desenvolveu. Isso levou à criação legalista nacional do Estado Federal da Croácia, que após a “guerra de posição” se tornou membro fundador e constituinte da República Socialista Federativa da Iugoslávia. Em 25 de junho de 1991 declarou a própria independência, que entrou em vigor integral em 8 de outubro. A Guerra da Independência Croata foi travada com sucesso por quatro anos após a declaração. 

Se, como pretende o antropólogo Lévi-Strauss, o que é da ordem da natureza e tem por critérios a universalidade e a espontaneidade está separado do que pertence à cultura, domínio da particularidade, da relatividade e do constrangimento, não deixa de ser necessário que um acordo se realize entre a natureza e a cultura, sob pena de ver o conteúdo cultural nunca ser vivido. Autores notaram a extrema confusão que reina na demasiado rica terminologia do imaginário: signos, imagens, símbolos, alegorias, emblemas, arquétipos, esquemas (schémas), esquemas (schèmes), ilustrações, assim como representações, diagramas e sinepsias são termos empregados pelos analistas de estudos do imaginário. O esquema é uma generalização dinâmica e afetiva da imagem, constitui a factividade e a não-substantividade geral do parcours imaginário. O esquema aparenta-se ao que Piaget, na esteira de Herbert Silberer, chama “símbolo funcional” e ao que Bachelard na filosofia chama de “símbolo motor”. Faz a junção ente dos gestos inconscientes da sensório-motricidade, entre as dominantes reflexas suas representações. São esses esquemas que na antropologia do imaginário formam o “esqueleto dinâmico”, o esboço funcional da imaginação. A diferença entre os gestos reflexológicos que Gilbert Durand descreve e os esquemas é que estes últimos já não são apenas engramas teóricos, mas trajetos antropológicos encarnados em representações concretas mais precisas.

Os gestos diferenciados em esquemas vão determinar, em contato com o ambiente natural e social, os grandes arquétipos que Jung os definiu. Os arquétipos constituem as substantificações dos esquemas. Carl Jung vai buscar esta noção em Jakob Burckhardt e faz dela sinônimo de “origem primordial”, de “enagrama”, de “margem original”, de “protótipo”. Portanto, evidencia claramente o caráter social de trajeto antropológico dos arquétipos quando escreve que a imagem primordial deve incontestavelmente estar em relação com certos processos perceptíveis da natureza que se reproduzem sem cessar e são sempre ativos, mas por outro lado é igualmente indubitável que ela diz respeito também a certas condições inferiores da vida do espírito e da dinâmica da vida em geral. Quer dizer, bem longe de ter a primazia de domínio sobre a imagem, a ideia seria tão-somente o comprometimento pragmático do arquétipo imaginário num contexto histórico e epistemológico. O mito representa um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas, sistema dinâmico que, sob o impulso de um esquema tende a compor uma narrativa. O mito e sua representação no símbolo é já um esboço de racionalização, dado que utiliza o fio do discurso, no qual os símbolos se resolvem em palavras e os arquétipos em ideias culturais.

O mito explicita um esquema ou um grupo de esquemas. Do modo que o arquétipo promovia a ideia e que o símbolo engendrava o nome, concordamos com Durand que o mito promove a doutrina religiosa, o sistema filosófico ou, como bem viu Émile Bréhier (1876-1952), a narrativa histórica e lendária.  Foi este princípio, que Jung sentiu abrangido por seus conceitos de “Arquétipo” e “Inconsciente coletivo”, justamente o que uniu o médico psiquiatra Jung ao físico austríaco Wolfgang Ernest Pauli (1900-1958), posteriormente suíço e norte-americano, reconhecido por seu trabalho na teoria do spin do elétron, todavia, dando início às pesquisas interdisciplinares em física e psicologia. Ocorre que a sincronicidade se manifesta às vezes atemporalmente e/ou em eventos energéticos acausais, e em ambos comparativos casos são violados princípios associados ao paradigma científico vigente. As leis naturais são verdades estatísticas, absolutamente válidas ante magnitudes macrofísicas, mas não microfísicas. Isto implica um princípio de explicação diferente do causal. Cabe a indagação, por extensão, se em termos muito gerais existem não somente uma possibilidade, senão uma realidade de acontecimentos acausais. Entetanto, a acausalidade é esperável quando parece de forma impensável a causalidade. Ante a casualidade só resulta viável a avaliação numérica ou o método estatístico.

As agrupações ou séries de casualidades hão de ser consideradas casuais enquanto não se ultrapasse os limites de “observação da probabilidade”. A probabilidade é sempre um número decimal entre 0 e 1, ou uma porcentagem entre 0% e 100%. Se ultrapassado, implica-se um princípio acausal ou “conexão transversal de sentido” na compreensão do evento. Os países continentais em área de terra espaçosa têm uma área de água na fronteira ao mar largo e fronteiras terrestres com inúmeros países. O país arquipélago tem inúmeras ilhas, águas territoriais mais amplas, e muitas vezes sem fronteiras terrestres com países   vizinhos. Uma identidade compartilhada se desenvolveu definida por uma cultura nacional, diversidade étnica, pluralismo religioso dentro de uma população de maioria muçulmana, e uma história de colonialismo, rebelião e golpes de Estado. O conceito que os geógrafos usam para definir massa continental pode variar segundo os critérios que adotam, podendo ser físicos, culturais, políticos ou histórico-sociais. A definição física de maior disseminação considera a divisão abstrata em sete continentes: África, América do Norte, América do Sul, Antártida, Ásia, Europa e Oceania. Esse modelo é cultural como padrão em países como China, Índia, Paquistão e em boa parte dos países de língua inglesa com larga população, o que o faz ser reconhecido o padrão utilizado por mais de 45% da população mundial. Ou seja, menos da metade (45,7%) da população mundial agora vive em algum tipo de democracia, um declínio significativo em relação a 2020, quando o número era de 49,4%. Ainda menos (6,4%) residem em uma “democracia plena” – categoria social que inclui apenas 21 dentre 167 países e territórios que foram analisados, depois que Chile e Espanha foram rebaixados para as chamadas “democracias imperfeitas”.

Mas, entendemos que seguindo-se critérios tanto culturais como sociais e políticos, costumam-se considerar como continentes a Europa, a Ásia, a África, a América, a Antártida e a Oceania. O chamado Velho Mundo é constituído pelos mesmos três continentes que constituem a Eufrásia, isto é, a Europa, Ásia e África. Essa classificação técnico-metodológica é baseada numa afirmação concreta de especialistas renomados de que as três massas terrestres se unem histórica e geograficamente: Ásia e Europa (Eurásia), cujos acidentes geográficos que ligam os continentes são respectivamente o Cáucaso, o mar Cáspio e a cordilheira dos Urais, no momento em que a África e a Ásia são comunicadas per se pelo istmo do Suez que separa o mar Mediterrâneo do mar Vermelho, ligando os continentes africano e Asiático, no qual foi construído o canal do Suez. Uma via navegável artificial a nível do mar no Egito, entre o mar Mediterrâneo e o mar Vermelho (golfo de Suez). Inaugurado em 17 de novembro de 1869, após 10 anos de construção, permite que navios viajem entre o velho continente, a Europa e a Ásia Meridional, sem navegar em torno de África, como na chamada Era dos Descobrimentos entre os anos 1497-1500, reduzindo a distância da viagem marítima entre o continente europeu e a Índia em cerca de 7 mil km.

A cultura que caracteriza as sociedades humanas é organizada e/ou organizadora via o veículo cognitivo da linguagem, a partir do “capital cognitivo coletivo” dos conhecimentos adquiridos, das competências aprendidas, das experiências vividas, da memória histórica, das crenças míticas de uma sociedade. E, dispondo de seu capital cognitivo, a cultura institui as regras/normas que organizam a sociedade e governam os comportamentos individuais. Estas regras in statu nascendi geram processos sociais que regeneram a complexidade social adquirida por essa mesma cultura. Assim, a cultura não deve ser compreendida pelas metáforas estruturais, que são termos impróprios em uma organização recursiva onde o que é produzido e gerado torna-se produtor e gerador daquilo que o produz ou gera. Entendemos que cultura & sociedade estão em relação geradora mútua; nessa relação, não podemos esquecer as interações entre indivíduos, eles próprios portadores ou transmissores de cultura, que regeneram a sociedade, a qual regenera a cultura. Daí a tese sociológica segundo a qual, é possível explicar que “se a cultura contém um saber coletivo acumulado em uma memória social, se é portadora de princípios, modelos, esquemas de conhecimento, se gera uma visão de mundo, se a linguagem e o mito são partes constitutivas da cultura, então a cultura não comporta somente uma dimensão cognitiva: é uma máquina cognitiva cuja práxis é cognitiva”.   

É neste sentido próprio de saber cognitivo que uma cultura abre e fecha as potencialidades bioantropológicas do conhecimento. Ela as abre e atualiza fornecendo aos indivíduos o seu saber acumulado, a sua linguagem, os seus paradigmas, a sua lógica, os seus esquemas, os seus métodos de aprendizagem, métodos de investigação, de verificação, etc., mas, ao mesmo tempo, ela as fecha e inibe com as suas normas, regras, proibições, os seus tabus, seu etnocentrismo, a sua autossacralização, a sua “ignorância de ignorância”. Ainda aqui, o que abre o conhecimento é o que fecha o conhecimento. Desde o seu nascimento, o ser humano conhece não só por si, para si, em função de si, mas, também pela sua família, pela sua tribo, pela sua cultura, pela sua sociedade, para elas, em função delas. O conhecimento de um indivíduo alimenta-se de memória biológica e de memória cultural, associadas na própria memória, que obedece a várias entidades de referência, diversamente presentes nela. Tudo o que é linguagem, lógica, consciência, tudo o que é espírito e pensamento, constitui-se na encruzilhada dialógica entre dois princípios de tradução, um contínuo, o outro descontínuo (binário).

As aptidões individuais organizadoras do nosso cérebro humano necessitam de condições socioculturais para se atualizarem, as quais necessitam das aptidões do espírito humano para se organizarem individual e socialmente. A cultura está nos espíritos, vive nos espíritos, os quais estão na cultura, vivem na cultura. Meu espírito conhece através da minha cultura, vivem na cultura. Meu espírito conhece através da minha cultura, mas, em certo sentido, a minha cultura conhece através do meu espírito. Assim, portanto, as instâncias produtoras do conhecimento se coproduzem umas às outras; há uma unidade recursiva complexa estabelecida entre produtores e produtos do conhecimento, ao mesmo tempo/espaço em que há relação hologramática entre cada uma das instâncias, cada uma contendo as outras e, nesse sentido, cada uma contendo “o todo enquanto todo”. Quer dizer é falar em relação social de interação simultaneamente, concorrente, antagônica, recursiva e hologramática entre essas instâncias cogeradoras do reconhecimento humano. Mas não é apenas essa complexidade relacional sob condições determinada que permitem compreender a possível autonomia relativa do espírito – as faculdades intelectuais - e no sentido técnico do cérebro individual.

É assim que o espírito individual pode autonomizar-se em relação à determinação biológica. Recorrendo às suas fontes e recursos socioculturais. Em relação à determinação cultural utilizando a aptidão bioantropológicas para organizar o conhecimento. O espírito individual pode alcançar a sua autonomia jogando com a dupla dependência que, ao mesmo tempo, o constrange, limita e alimenta. Pode jogar, pois há margem, entre hiatos, aberturas, defasagens. Entre o bioantropológico e o sociocultural, o ser individual e a sociedade. Assim, a possibilidade de autonomia do espírito individual está inscrita no princípio de seu conhecimento. E isso em nível de seu conhecimento cotidiano, quanto em nível de pensamento filosófico ou científico. A cultura fornece ao pensamento as suas condições sociais e materiais de formação, de concepção, de conceptualização. Portanto, ela impregna, modela e eventualmente governa os conhecimentos individuais. A cultura e, somente pela via da cultura, a sociedade está no interior do conhecimento. O conhecimento está na cultura e a cultura está na representação do conhecimento. Um ato cognitivo per se é um elemento do complexo cultural coletivo que se atualiza em um ato cognitivo individual. As nossas percepções sociológicas do real ou mesmo concepções estão sob um determinado controle, não apenas de constantes fisiológicas e psicológicas, mas níveis de compreensão de variáveis culturais e históricas.

Na área croata do mar Adriático há 698 ilhas, 389 ilhéus e 78 recifes, o que torna o arquipélago croata no maior do mar Adriático e no segundo maior do Mediterrâneo, após o arquipélago grego. Destas ilhas, apenas 47 estão habitadas no sentido demográfico de que existe pelo menos um residente permanente. Não obstante, algumas fontes assinalam que a Croácia conta com 66 ilhas com presença humana histórica, das quais 19 perderam todos os seus habitantes como consequência do declínio populacional, que ocorre devido à insuficiente atividade econômica. As ilhas da Croácia têm sido habitadas desde os tempos da antiga Grécia; por exemplo, Hvar já era habitada entre 3500 e 2500 a.C., e Dionísio I de Siracusa fundou uma colônia em Hvar e Vis no século IV a.C.  A população das ilhas teve o seu valor mais alto em 1921 com 173 503 habitantes e entrou em declínio constante nas décadas seguintes, caindo para níveis anteriores a 1850 em 1981. No censo de 2001 foram registados 121 606 habitantes, face aos 110 953 de 1991. As principais atividades nas ilhas são a viticultura e cultivo de oliveiras, a pesca e o turismo. A economia local está relativamente pouco desenvolvida, enquanto que o custo de vida é de 10 a 30% mais alto que no continente, e por isso o governo da Croácia oferece diversos tipos sociais de apoio e proteção através da sua Lei das ilhas (Zakon o otocima) para estimular a economia, incluindo não cobrar portagem nas pontes e proporcionar passagens de ferry com valores pecuniários de fato bem mais baratas ou gratuitas para os habitantes originários destas ilhas.

          Desde a adoção da Constituição de 1990, a Croácia é uma República democrática. Em 2000, abandonou o sistema político de governo semipresidencialista em favor do parlamentarismo. A Croácia é membro das Nações Unidas, do Conselho da Europa, da OSCE, da “Parceria para a Paz” e outras organizações sociais. O presidente da República (Predsjednik) representa o chefe de Estado e é eleito para mandatos de cinco anos. Além de ser o comandante-em-chefe das forças armadas, o presidente tem o dever de nomear o primeiro-ministro com consentimento do parlamento, e alguma influência na política externa. O atual presidente da Croácia é Zoran Milanović, que assumiu o cargo em 18 de fevereiro de 2020. O parlamento da Croácia (Sabor) é um corpo legislativo unicameral com até 160 deputados, eleitos por voto popular para mandatos de quatro anos. As sessões plenárias têm lugar de 15 de janeiro a 15 de julho e de 15 de setembro a 15 de dezembro. O governo da Croácia (Vlada), chefiado pelo presidente, é integrado pelo primeiro-ministro, dois vice-primeiros-ministros e 14 ministros de setores particulares de atividade. O ramo executivo é responsável por propor legislação e um orçamento, por executar as leis, e por determinar as relações políticas públicas externa e interna da República. A Croácia tem como representação um sistema judicial de três níveis, que consiste em um Supremo Tribunal, coordenador dos tribunais de condado e tribunais municipais. O Tribunal Constitucional decide in limine sobre matérias relacionadas com a Constituição.

Bibliografia geral consultada.

KRISTEVA, Julia, Estrangeiros para nós mesmos. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1994; SEMPRUN, Jorge, La Escritura o La Vida. Barcelona: Tusquets Editores, 1995; DURAND, Gilbert, As Estruturas Antropológicas do Imaginário. Introdução à Arquetipologia Geral. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997; GUIBERNAU, Montserrat, Nacionalismos - O Estado Nacional e o Nacionalismo no Século XX. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1997; CANEVACCI, Massimo, Antropologia della Comunicazione Visuale. Roma: Edizionne Meltemi, 2001; SOLER, Jordi, Los Rojos de Ultramar. Madrid: Ediciones Alfaguara, 2004; HALL, Stuart, A Identidade Cultural na Pós-modernidade. 11ª edição. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2006; COSTA, Denise Magalhães da, O Si - Mesmo e a Singularidade da Presença. Dissertação de Mestrado em Filosofia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2007; WANZELER, Murilo Cunha, O Cuidado de Si em Michel Foucault. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2011; ASSMANN, Aleida, Espaços de Recordação: Formas e Transformações da Memória Cultural. Campinas: Editora Unicamp, 2011; GOMES, Marcel Maia de Oliveira, O Cuidado de Si na Redução de Danos: Uma Análise Histórica, Política e Ética, a Partir de Michel Foucault. Dissertação de Mestrado. Núcleo de Pós-Graduação em Psicologia Social. Centro de Educação e Ciências Humanas. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2013; CARRIÈRE, Jean-Claude, A Linguagem Secreta do Cinema. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2015; FREUD, Sigmund, A Interpretação dos Sonhos. Porto Alegre: L&PM Editores, 2017; BARROZO, Naiara Martins, José Saramago Leitor de Montaigne: A Presença dos Ensaios nos Cadernos de Lanzarote. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Letras.  Instituto de Letras. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2021; AGOSTINHO, Maria Eugênia Morasco, Memória e Identidade em los Rojos de Ultramar, de Jordi Soler. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos de Literatura. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2023; entre outros.

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Covert Affairs – Confiança, Perversões & Sexualidades Múltiplas.

                                                     Talvez o Ocidente não tenha sido capaz de inventar novos prazeres”. Michel Foucault

A sinceridade é uma virtude valorizada em circunstâncias onde as divisórias entre “amigo” e “inimigo” eram geralmente distintas e tensas. A vasta extensão de sistemas sociais abstratos associada à modernidade transforma a natureza da amizade. Não por acaso o sociólogo inglês percebe que a amizade é com frequência um modo de reencaixe, mas ela não está diretamente envolvida nos próprios sistemas abstratos, que superam explicitamente a dependência ligada a laços pessoais. O oposto de “amigo”, discursivamente, já não é mais “inimigo”, nem mesmo “estranho”; ao invés disto é “conhecido”, “colega”, ou “alguém que não conheço”. Acompanhando esta transição, a honra é substituída pela lealdade que não tem outro apoio a não ser o afeto pessoal, e a sinceridade substituída pelo que podemos chamar de autenticidade: a exigência de que o outro seja aberto e bem intencionado. Embora estas conexões sociais possam envolver “intimidade emocional”, isto não é uma condição da manutenção da confiança pessoal. Laços pessoais institucionalizados e códigos de sinceridade e honra informais ou informalizados fornecem estruturas de confiança. É bastante errôneo, contudo, realçar a impessoalidade dos sistemas abstratos contra as intimidades da vida pessoal como a maior parte das explicações sociológicas correntes tendem a fazer. A vida pessoal e os laços sociais que ela envolve estão profundamente entrelaçados com os sistemas abstratos de mais longo alcance como ocorre com o partido político. O termo “confiança” aflora com muita frequência na linguagem cotidiana. 

A questão para Anthony Giddens é: como estas mudanças afetaram as relações de intimidade pessoal e sexual? Pois estas não são apenas simples extensões da organização da comunidade ou do parentesco. A amizade, por exemplo, desde Georg Simmel ou Friedrich Nietzsche, foi pouco estudada pelos sociólogos, mesmo se considerarmos a intuição de Alain Touraine a respeito, mas ela proporciona uma pista importante para fatores de amplo alcance que influenciam a vida pessoal. Temos de compreender o caráter da amizade em contextos pré-modernos precisamente em associação com a comunidade local e o parentesco. A confiança nos amigos era frequentemente de importância central. Nas culturas tradicionais, com a exceção parcial de algumas vizinhanças citadinas em Estados agrários, havia uma divisão bem clara entre membros reconhecidos como “os de dentro e os de fora ou estranhos”. As amplas arenas de interação não hostil com outros anônimos, característica da atividade social moderna, não existia. Nestas circunstâncias sociais, a amizade era institucionalizada e vista como meio de criar alianças mais ou menos duradouras com outros contragrupos potencialmente hostis. Amizades institucionalizadas eram formas de camaradagem, assim como mormente ocorrem nas reconhecidas “fraternidades de sangue”, socialmente, ou dentre “companheiros de armas”. Institucionalizada ou não, a amizade era em geral baseada em valores de sinceridade e honra. 

Alguns sentidos do termo, embora partilhem amplas afinidades eletivas com outras utilidades de usos, são de implicação relativamente desimportante. Quer dizer, alguém que diz: “confio que você esteja bem”, normalmente quer dizer algo mais com esta fórmula de polidez do que “espero que você esteja com boa saúde” – embora mesmo aqui “confio” tenha uma conotação algo mais forte que “espero”, implicando algo mais próximo a “espero não ter motivos para duvidar”. A atitude de crença ou crédito que entra em confiança em alguns contextos mais significativos já se encontra aqui. Quando alguém diz: “confio em que X se comportará desta maneira”, esta implicação social é mais evidente, embora não muito além do nível do “conhecimento indutivo fraco”. É reconhecido que se conta com X para produzir o comportamento em questão, dadas as circunstâncias normais apropriadas. Eles não se relacionam aos sistemas perpetuadores de confiança, mas são designações referentes aos comportamentos dos outros; o indivíduo envolvido não é requisitado a demonstrar aquela “fé” religiosa que a confiança envolve em seus significados.        


A principal definição de “confiança” no Oxford English Dictionary é descrita como “crença ou crédito em alguma qualidade ou atributo de uma pessoa ou coisa, ou a verdade de uma afirmação”, e esta definição proporciona um ponto de partida útil. “Crença” e “crédito” estão claramente ligados de alguma forma à “fé”, da qual, seguindo Simmel, mas embora reconhecendo que a fé e confiança são intimamente aliadas, Niklas Luhmann faz uma distinção entre as duas que é a base de sua obra sobre o tema. A confiança, diz ele, deve ser compreendida especificamente em relação ao risco, um termo que passa a existir apenas no período moderno. A noção se originou com a compreensão de que resultados inesperados podem ser uma consequência de nossas próprias atividades ou decisões, ao invés de exprimirem significados ocultos de natureza ou intenções inefáveis da Deidade. Mas “risco”, substitui em grande parte o que antes era pensado como fortuna (fortuna ou destino) e torna-se separado das cosmologias. A confiança pressupõe, segundo Giddens, consciência das circunstâncias de risco, o que não ocorre com a crença. Tanto a confiança como a crença se referem a expectativas que podem ser frustradas ou desencorajadas. A crença, como Niklas Luhmann a emprega, se refere a atitude mais ou menos certa de que as coisas similares permanecerão estáveis.

 Quando se trata da questão de confiança, o indivíduo considera conscientemente as alternativas para seguir um curso específico de ação. Alguém que compra um carro usado, ao invés de um novo, “arrisca-se a adquirir uma dor de cabeça”. Ele ou ela deposita confiança na pessoa do vendedor ou na reputação da firma para tentar evitar que isto ocorra. Deste modo, um indivíduo que não considera alternativas está numa situação de crença, enquanto alguém que reconhece essas alternativas e tenta calcular os riscos assim reconhecidos, engaja-se em confiança. Numa situação de crença, uma pessoa reage ao despontamento culpando outros, em circunstâncias de confiança ela ou ele deve assumir parcialmente a responsabilidade e pode “se arrepender de ter depositado confiança em alguém ou algo”. A distinção entre confiança e crença depende de a possibilidade de frustração ser influenciada pelo próprio comportamento prévio da pessoa e, portanto, de uma discriminação correlata “entre risco e perigo”. Isto é, Luhmann alega a possibilidade de separar risco e perigo deve derivar de características sociais da modernidade. Ela surge, essencialmente, de uma compreensão do fato de que a maioria das contingências que afetam a atividade humana são humanamente criadas, “e não meramente dadas por Deus ou pela natureza”. A abordagem sociológica é importante e dirige nossa atenção para várias discriminações conceituais que deve ser feita na compreensão da confiança.    

O que indica isto em termos de confiança pessoal? A resposta a esta questão segundo Giddens, é fundamental para a transformação da intimidade no século XX. A confiança em pessoas não é enfocada por conexões personalizadas no interior da comunidade local e das redes de parentesco. A confiança pessoal torna-se um projeto, a ser “trabalhado” pelas partes envolvidas, e requer a abertura do indivíduo para o outro. Onde ela não pode ser controlada por códigos normativos fixos, a confiança tem que ser ganha, e o meio de fazê-lo consiste em abertura e cordialidade demonstráveis. Nossa preocupação peculiar com “relacionamentos”, no sentido em que a palavra é agora tomada, é expressiva deste fenômeno. Relacionamentos são laços baseados em confiança, onde a confiança não é pré-dada, mas trabalhada, e onde o trabalho envolvido significa um processo mútuo de autorrevelação. A confiança pessoal, por conseguinte, tem que ser estabelecida através do processo de autoquestionamento: a descoberta de si torna-se um projeto diretamente envolvido com a reflexividade na modernidade sociológica. Para Christopher Lasch: - conforme o mundo vai assumindo um aspecto cada vez mais ameaçador, a vida torna-se busca de bem-estar através de exercícios, dietas, drogas, regimes espirituais de vários tipos, autoajuda psíquica e psiquiatria.

Covert Affairs representou uma série singular de cinema de espionagem do canal norte-americano USA Network, quando estreou no dia 13 de julho de 2010. O enredo, que gira em torno de uma rede de agentes que trabalham para a Central Intelligence Agency (CIA), reconhecida informalmente como Agência, é um serviço civil de inteligência estrangeira do governo federal dos Estados Unidos, oficialmente encarregado de coletar, processar e analisar informações de segurança nacional de todo o mundo, principalmente por meio do uso de inteligência humana e conduzir ações secretas por meio de sua Diretoria de Operações. O filme é assinado pelos mesmos criadores da Trilogia Bourne. A série é estrelada originalmente por Christopher Gorham e Piper Perabo, que pelo seu papel de Annie Walker, levou a série “a uma indicação ao Globo de Ouro”.  A primeira temporada de Covert Affairs foi para o ar em 13 de julho de 2010, logo depois da exibição da série White Collar. Em 2014, foi renovada para a quinta temporada. Em 6 de janeiro de 2015, o canal USA Network anunciou que a série não seria renovada para uma sexta temporada, citando o clichê de “baixa audiência e orçamento alto de cada de episódio, como motivos para o cancelamento do programa”. Annie Walker (Piper Perabo), representa uma jovem agente em treinamento da CIA que é colocada em um “círculo de confiança” da agência quando ela inesperadamente acaba sendo promovida para as chamadas “operações em campo”. Enquanto aparenta que ela foi puxada da obscuridade para suas excepcionais habilidades linguísticas, pode haver alguma coisa, ou alguém de seu passado e que seus chefes da CIA estão realmente atrás.

Mas não é hora de problematizar o desenvolvimento teórico na sociologia. Isso inclui procurar, finalmente, o comum entre as tentativas de definições da sociologia, além de tudo o que as separa. Assim será possível tratar a pergunta sobre por que os clássicos ainda não puderam ser ultrapassados. Colocar tais perguntas numa fase de um discurso de “crise da sociologia” não desfaz a nossa responsabilidade de levar em conta esse discurso como problema. Mas a crise da sociologia e o mal-estar da sociologia consigo mesma não são novidade. Isto é, o estabelecimento da sociologia como ciência repousa sobre a precondição da crise da ciência. Haverá uma crise permanente da sociologia ou tratar-se-ia de uma crise do próprio objeto com impactos sociais na sociologia? Uma contradição que aparentemente está no fundo de boa parte deste debate reside em sua tarefa difusa e equívoca, assumida pela sociologia ao longo do processo histórico da sua cientificação e a ela atribuída, parcialmente, pelas exigências sociais e políticas. Por um lado, a sociologia como análise concreta do presente considera a sua tarefa primordial como sendo descobrir a “modernidade concreta”, de mostrar e tornar compreensíveis tendências do desenvolvimento social, assim como de proporcionar medidas para a solução de problemas sociais. A sociologia é uma teoria social com tendência para a análise crítica e visão de problemas. Mas concentra-se como tal, frequentemente, em dados sociais e objetos particulares nacionais. Assim, a análise da modernidade, no âmbito da concepção de história, de ciência e de teoria da sociedade, reduz-se a uma análise de sociedades nacionais que não satisfaz a pretensão de uma teoria da dinâmica atual.

A unidade entre teoria geral da sociedade e análise genial começa com a renúncia à premissa do progresso, nos clássicos modernos, em torno da virada do século. A concepção da sociologia nesses clássicos, com os seus entendimentos e a sua proliferação, repousa sobre uma interdisciplinaridade que é abandonada, em grande parte, pela sociologia. Melhor dizendo, a sua relação com teorias complexas interdisciplinares, como a teoria de sistemas, a teoria da evolução, as teorias da informação e da comunicação, é mais caracterizada pelo não-entendimento, pela adaptação ou pela rejeição precipitadas do que pela disposição aberta para aprender. Por causa disso, a sociologia mal contribui, de maneira inovadora, para o discurso interdisciplinar. Mas o isolamento perante as ciências históricas, a psicologia, a biologia ou a economia, só permite, atualmente, esperar uma nova concepção teórica interdisciplinar, que deveria ser aceita, de antemão, como uma pretensão geralmente científica de estilo comtiano. Onde se pratica, a re-historização da sociologia com a concentração sobre o discurso diante de uma crise da sociologia. Alguns estudam os clássicos por causa de soluções exemplares de problemas abstratos, desenvolvidas no contexto da própria “construção” teórica; outros usam o retorno aos clássicos para a reconstrução de um auto-entendimento histórico da sociologia, buscando reconstruir, frequentemente, nada além daquele “auto-entendimento histórico” que serve para a própria posição, justificando-a com o brilho de uma legitimação histórica. 

A naturalidade segundo a qual a sociologia retoma assuntos de sua própria história social não é um fato de se estranhar. Não só por causa do surgimento espontâneo e abrupto da redescoberta da perspectiva histórica, mas, também, porque não há justificativa para essa virada enquanto traço de ruptura. Isso parece ainda mais estranho, na medida em que o tratamento de clássicos na sociologia é quase sempre ambivalente. A sociologia acentua com mais ênfase que as demais ciências a condição social dos enunciados científicos. Ser ultrapassado seria, não só interpretar um destino, mas uma finalidade de todo trabalho científico. Isso coincide, cientificamente, com a crença em um progresso da argumentação científica. O progresso é entendido como diferenciação da sociologia, mesmo quando o objeto de pesquisa sumiu há muito tempo. O que resta é uma multiplicidade de construções teóricas abstratas e metodológicas, sobre níveis separados de problemas, sem ser independentes, dispostos lado a lado, nos quais a sociologia é usada para colocar em primeiro plano de maneira construtiva. Desde de 1920 não se legitimou em análise comparada uma teoria com Émile Durkheim, Vilfredo Pareto, Georg Simmel, Ferdinand Tönnies ou Max Weber, logrou obter repercussão positiva.  

Mas não é hora de problematizar o desenvolvimento teórico na sociologia. Isso inclui procurar, finalmente, o comum entre as tentativas de definições da sociologia, além de tudo o que as separa. Assim será possível tratar a pergunta sobre por que os clássicos ainda não puderam ser ultrapassados. Colocar tais perguntas numa fase de um discurso de “crise da sociologia” não desfaz a nossa responsabilidade de levar em conta esse discurso como problema. Mas a crise da sociologia e o mal-estar da sociologia consigo mesma não são novidade. Isto é, o estabelecimento da sociologia como ciência repousa sobre a precondição da crise da ciência. Haverá uma crise permanente da sociologia ou tratar-se-ia de uma crise do próprio objeto com impactos sociais na sociologia? Uma contradição que aparentemente está no fundo de boa parte deste debate reside em sua tarefa difusa e equívoca, assumida pela sociologia ao longo do processo histórico da sua cientificação e a ela atribuída, parcialmente, pelas exigências sociais e políticas. Por um lado, a sociologia como análise concreta do presente considera a sua tarefa primordial como sendo descobrir a “modernidade concreta”, de mostrar e tornar compreensíveis tendências do desenvolvimento social, assim como de proporcionar medidas para a solução de problemas sociais. A sociologia é uma teoria social com tendência para a análise e visão de problemas. Mas concentra-se como tal, frequentemente, em dados sociais e objetos particulares nacionais. Assim, a análise da modernidade, no âmbito da concepção de história, de ciência e de teoria da sociedade, reduz-se a uma análise de sociedades nacionais que não satisfaz a pretensão de uma teoria da dinâmica atual.

A unidade entre teoria geral da sociedade e análise genial começa com a renúncia à premissa do progresso, nos clássicos modernos, em torno da virada do século. A concepção da sociologia nesses clássicos, com os seus entendimentos e a sua proliferação, repousa sobre uma interdisciplinaridade que é abandonada, em grande parte, pela sociologia. Melhor dizendo, a sua relação com teorias complexas interdisciplinares, como a teoria de sistemas, a teoria da evolução, as teorias da informação e da comunicação, é mais caracterizada pelo não-entendimento, pela adaptação ou pela rejeição precipitadas do que pela disposição aberta para aprender. Por causa disso, a sociologia mal contribui, de maneira inovadora, para o discurso interdisciplinar. Mas o isolamento perante as ciências históricas, a psicologia, a biologia ou a economia, só permite, atualmente, esperar uma nova concepção teórica interdisciplinar, que deveria ser aceita, de antemão, como uma pretensão geralmente científica de estilo comtiano. Onde se pratica, a re-historização da sociologia com a concentração sobre o discurso diante de uma crise da sociologia. Alguns estudam os clássicos por causa de soluções exemplares de problemas abstratos, desenvolvidas no contexto da própria “construção” teórica; outros usam o retorno aos clássicos para a reconstrução de um auto-entendimento histórico da sociologia, buscando reconstruir, frequentemente, nada além daquele “auto-entendimento histórico” que serve para a própria posição, justificando-a com o brilho de uma legitimação histórica. 

O interesse, amplamente na moda, hic et nunc, pela história da sociologia é uma consequência da crise mal interpretada da disciplina, mas esse interesse histórico não é nenhum interesse simples e único, é de fato algo em torno de um dilema real.  A sociedade plenamente burguesa desenvolvida e, sem dúvida a nossa, ainda é per se uma sociedade de perversão explosiva e fragmentada. Não obstante, seria preciso interrogar justamente esse tema tão frequente de que as perversões estão fora do discurso e que somente a suspensão de um obstáculo, a quebras de um segredo pode abrir o caminho que conduz até ele. Esse tem anão seria para incitar a falar, para sempre levar a recomeçar a falar nesse tema que, nas fronteiras de todo o discurso contemporâneo, ele é exibido nas telas de cinema como o segredo quer é indispensável desencavar, uma coisa quase que abusivamente reduzida ao mutismo das relações de imagens, ao mesmo tempo difícil e necessária, preciosa e perigosa de ser vista? Num caso religioso, fazendo do sexo o que, por excelência devia ser “confessado”, apresenta-se sempre como enigma inquietante: não o que se demonstra obstinadamente, mas o que se esconde em toda parte, presença insidiosa quando se corre o risco de se ouvir porque fala em voz baixa e muitas vezes disfarçada.  O segredo do sexo não é, sem dúvida, a realidade fundamental em relação à qual se dispõem, todas as incitações a “pôr em fila” as insídias do discurso sobre sexo – que tentem quebrá-lo quer o reproduzam de forma obscura, pela própria maneira da falar.

Trata-se, segundo Foucault (1984), ao contrário, de um tema que faz parte da própria mecânica dessas incitações: maneira de dar forma à exigência de falar, fábula indispensável à economia infinitamente proliferante do discurso sobre o sexo. O que é próprio das sociedades modernas não é o terem condenado o sexo a permanecer na obscuridade, mas sim o terem-se devotado a falar dele sempre, valorizando-o como o segredo. Quer dizer, cometer-se-ia um engano em ver nessa proliferação dos discursos um simples ou complexo fenômeno midiático, quantitativo, um puro acréscimo como se fosse indiferente o que neles se diz, como se o fato de falar nisso fosse, em si, mais importante do que as formas de imperativos que se lhe impõe ao falar. Pois essa colocação do sexo em discurso não estaria ordenada no sentido de afastar da realidade as formas de sexualidade insubmissas à economia estrita da reprodução. Historicamente da infância à velhice foi definida norma sexual e cuidadosamente caracterizando todos os desvios; organizaram-se controles pedagógicos e tratamentos médicos.

            Toda essa atenção loquaz com que nos alvoroçamos em torno da sexualidade, há dois ou três séculos, não estaria ordenada em função de uma preocupação elementar: assegurar o povoamento, reproduzir a força de trabalho, reproduzir a forma das relações sociais; em suma, proporcionar uma sexualidade economicamente útil e politicamente necessária? Do século XIX aos nossos dias representaram antes de mais nada, a idade da multiplicação: uma dispersão de sexualidades, um reforço de suas formas absurdas, uma implantação múltipla das “perversões”, melhor dizendo, iniciadora de heterogeneidades sexuais. Leis naturais da matrimonialidade e regras imanentes da sexualidade começaram a se inscrever em dois registros distintos. Afigura-se um mundo da perversão, secante em relação ao da infração legal ou moral, não sendo, entretanto, simplesmente uma variedade sua. Surge toda uma entalha distinta, apesar de alguns parentescos com antigos libertinos. O que significa o surgimento de todas essas sexualidades periféricas? Que a medicina penetrou com grande aparato nos prazeres do casal: quer dizer, inventou toda uma patologia orgânica, funcional ou mental, originada nas práticas sexuais “incompletas”; classificou com desvelo todas as possíveis formas de prazeres anexo; integrou-os ao “desenvolvimento” e às “perturbações” do instinto; empreendeu a gestão de todos eles.

        Covert Affairs apareceu pela primeira vez na mídia em julho de 2008 nas “propostas em desenvolvimento da USA Network”. O episódio piloto foi escrito por Matt Corman and Chris Ord. O casting decorreu em junho de 2009, com a expectativa de que um casting bem sucedido levaria a um compromisso de produção. Emily Blunt foi a primeira atriz escolhida, no início de julho de 2009 como a agente da CIA Annie Walker. A contratação de Christopher Gorham veio no final de julho, rapidamente seguida pelo anúncio de que o piloto tinha sido aceite pela USA Network. No início de agosto de 2009, Tim Matheson assinou para dirigir um piloto de 90 minutos. Anúncios posteriores de contratações incluíram o de Anne Dudek em meados de agosto, seguido pelos de Kari Matchett e Peter Gallagher no princípio de setembro. O piloto começou a ser filmado em Toronto, em setembro de 2009. O elenco dos episódios tem incluído comparativamente alguns rostos menos familiares com personagens mais importantes, assim como comparativamente velhos rostos reconhecidos de Hollywood como o do ator israelita Oded Fehr, que apareceu como convidado no papel de um agente da Mossad num tiroteio repleto de ação. Em janeiro de 2010, the Covert Affairs o piloto de Covert Affairs recebeu luz, com um pedido adicional de 11 episódios.

            Oded Fehr nascido em 23 de novembro de 1970 é um ator de cinema e televisão israelense. O diretor Stephen Sommers foi uma das pessoas que ajudaram Oded a atuar nos filmes A Múmia e O Retorno da Múmia. Entre 2005-2006 Fehr interpretou Farik na série Sleeper Cell do canal Showtime. Em 2010, Fehr apareceu no quarto episódio de Covert Affairs dos Estados Unidos da América como um agente da Mossad israelense. Ele também apareceu no segundo episódio da segunda temporada intitulado Good Advices, e aparece como um personagem recorrente. Em 2013 participou de quatro episódios da série NCIS no papel de um agente renegado da Mossad. Fehr nasceu em Tel Aviv, Israel, de herança judaica. Sua mãe é uma supervisora ​​de atendimento e seu pai é um físico germânico. Ele tem um irmão, uma irmã, e uma jovem meia-irmã. Ele frequentou a Bristol Old Vic Theatre School na Inglaterra depois de ter uma breve aula de arte dramática, em Frankfurt, Alemanha. Ele serviu no Exército Israelense de 1989-1992 e trabalhou como segurança da El Al companhia aérea de Israel na Alemanha. Fehr é casado com Rhonda Tollefson, a quem conheceu em ópera de Los Angeles. Eles se casaram em 22 de dezembro de 2000. Oded Fehr fala hebraico, inglês e um pouco de alemão. O elenco de Covert Affairs era esperado para retornar à série, com exceção de Eric Lively, cujo personagem seria retirado por alguma razão.

Vários membros foram acrescentados ao elenco na Primavera de 2010, incluindo Sendhil Ramamurthy como outro agente da CIA cujo personagem veio substituir o de Blake Ellender Lively, reconhecida por ter interpretado Serena van der Woodsen, na série de TV Gossip Girl e Emmanuelle Vaugier como jornalista. Engajadas no corpo útil, transformadas em caráter profundo dos indivíduos, as extravagâncias sexuais sobrepõem-se à tecnologia da saúde e do patológico. E, inversamente, a partir do momento em que passam a ser “coisa” médica ou medicalizável, como lesão, disfunção ou sintoma, é que vão ser surpreendidas no fundo do organismo ou sobre a superfície da pele ou entre todos os signos do comportamento. O poder que, assim, toma a seu cargo a sexualidade, assume como um dever roçar os corpos; acaricia-os com a penetração dos olhos; intensifica regiões; eletriza superfícies; dramatiza momentos conturbados. Açambarca o corpo sexual. Na cinematografia de ação, não estamos longe de admitir que há, fora dúvida, aumento da eficácia e extensão do domínio sob controle, mas também a sensualização do poder e benefício do prazer. O que produz duplo efeito: o poder ganha impulso pelo próprio exercício; o controle vigilante é recompensado pela emoção que o reforça; a intensidade que relança à curiosidade do questionário; o prazer descoberto reflui em direção ao poder que o cerca. 

         Trata-se do tipo social de poder que exerceu sobre o corpo e o sexo, um poder que, justamente, não tem a forma da lei nem os efeitos da interdição: ao contrário, que procede mediante a redução das sexualidades singulares. Não fixa fronteiras para a sexualidade, provoca suas diversas formas, seguindo-as através das linhas de penetração infinitas. Não a exclui, mas inclui no corpo à guisa de modo de especificação dos indivíduos. Não procura esquivá-la, atrai suas variedades com espirais onde prazer e poder se reforçam. Não opõe uma barreira, organiza lugares de máxima saturação. Produz e fixa o despropósito sexual. A sociedade moderna é perversa, não a despeito de seu puritanismo ou como reação à sua hipocrisia: é perversa real e diretamente. Quer dizer, o crescimento das perversões não é um tema moralizador que acaso tenha obcecado os espíritos escrupulosos e vitorianos.  É o produto real da interferência de um tipo de poder sobre os corpos e seus prazeres. Talvez o Ocidente não tenha sido capaz de inventar novos prazeres e, ao que parece não descobriu vícios inéditos, mas definiu novas regras no jogo dos poderes e dos prazeres: nele se configurou a fisionomia rígida das perversões. Essa implantação das perversões múltiplas não zombaria da sexualidade, a vingança contra um poder que lhe imponha uma lei por demais repressiva.

          Também não se trata de formas paradoxais de prazer que se voltem para o poder, investindo sobre ele na forma de outro “prazer a experimentar”. A implantação das perversões é um efeito-instrumento: é através do isolamento, da intensificação e da consolidação das sexualidades periféricas que as relações de poder com o sexo e o prazer ramificam e multiplicam, medem o corpo e penetram nas condutas. E, nesse avanço dos poderes, fixam-se sexualidades disseminadas, rotuladas segundo uma idade, um lugar, um gosto, um tipo de prática. Proliferação das sexualidades por extensão do poder; majoração do poder ao qual cada uma dessas sexualidades regionais dá um campo de intervenção: o prazer e o poder não se anulam; não se voltam um contra o outro; seguem-se, entrelaçam-se e se relançam. Encadeiam-se através de mecanismos complexos e positivos, de excitação e de incitação. Esta é uma relação clara e rica no cinema de ação. É preciso, segundo Michel Foucault, abandonarmos a hipótese de que as sociedades industriais inauguraram um período de repressão mais intensa do sexo. É o inverso que aparece: nunca tantos centros de poder, jamais tanta atenção manifesta e prolixa; nem tantos contatos e vínculos circulares, nunca tantos focos onde estimular a intensidade dos prazeres e a obstinação dos poderes para se disseminarem mais além.

Bibliografia geral consultada.

DELBEÉ, Anne, Une Femme. Paris: Presses Universitaires de la Renaissance, 1982; SAID, Edward, Orientalismo: O Oriente como Invenção do Ocidente. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1990; MAIGRET, Eric; MACÉ, Eric (Org.), Penser les Médiacultures. Nouvelles Pratiques et Nouvelles Aproches de la Represéntation du Monde. Paris: Éditeur Armand Colin, 2005; BRAGA, Ubiracy de Souza, “A Questão Israelense-Palestina: Histórias Míticas?”. In: Jornal O Povo. Fortaleza, 7 de outubro de 2006; CRIGNON, Philippe, Hobbes et la Represéntation: Une Ontologie Politique. Thèse de Doctorat. Saint-Denis: Université de Paris 8, 2007; CERTEAU, Michel de, A Invenção do Cotidiano. 1. Artes de fazer. 22ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2014; FOUCAULT, Michel, Vigiar e Punir. Nascimento da Prisão. 42ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2014; SPEZZARIA, Mario, A Linha Metafísica do Belo. Estética e Antropologia em K. P. Moritz. Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2017; ECO, Umberto, Il Fascismo Eterno. 1ª Edizionne. Roma: Editora La Nave di Teseo, 2018; BRANDÃO, Wildson Roberto Lima, O Terrorismo e a Multiplicidade de Interpretação: A Lógica Racional das Teorias Racionalistas, a Construção Discursiva das Teorias Reflexivistas e as Relações Internacionais. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2020; NUNES, Sarah Bonfim Matos, O Papel da Razão na Emancipação Feminina: Mary Wollstonecraft e sua Reivindicação. Dissertação de Mestrado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2021; ROMANETTO, Matheus Capovilla, Clínica e Política: Bases Subjetivas da Transformação Social em Eric Fromm. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Sociologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2021; TAVELA, Renata Martuchelli, Vozes Femininas entre Estilhaços: Alteridade nas Literaturas Portuguesas e Moçambicanas Contemporâneas. Tese de Doutorado. Centro de Educação e Humanidades. Instituto de Letras. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2023; entre outros.