quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Covert Affairs – Confiança, Perversões & Sexualidades Múltiplas.

                                                     Talvez o Ocidente não tenha sido capaz de inventar novos prazeres”. Michel Foucault

A sinceridade é uma virtude valorizada em circunstâncias onde as divisórias entre “amigo” e “inimigo” eram geralmente distintas e tensas. A vasta extensão de sistemas sociais abstratos associada à modernidade transforma a natureza da amizade. Não por acaso o sociólogo inglês percebe que a amizade é com frequência um modo de reencaixe, mas ela não está diretamente envolvida nos próprios sistemas abstratos, que superam explicitamente a dependência ligada a laços pessoais. O oposto de “amigo”, discursivamente, já não é mais “inimigo”, nem mesmo “estranho”; ao invés disto é “conhecido”, “colega”, ou “alguém que não conheço”. Acompanhando esta transição, a honra é substituída pela lealdade que não tem outro apoio a não ser o afeto pessoal, e a sinceridade substituída pelo que podemos chamar de autenticidade: a exigência de que o outro seja aberto e bem intencionado. Embora estas conexões sociais possam envolver “intimidade emocional”, isto não é uma condição da manutenção da confiança pessoal. Laços pessoais institucionalizados e códigos de sinceridade e honra informais ou informalizados fornecem estruturas de confiança. É bastante errôneo, contudo, realçar a impessoalidade dos sistemas abstratos contra as intimidades da vida pessoal como a maior parte das explicações sociológicas correntes tendem a fazer. A vida pessoal e os laços sociais que ela envolve estão profundamente entrelaçados com os sistemas abstratos de mais longo alcance como ocorre com o partido político. O termo “confiança” aflora com muita frequência na linguagem cotidiana. 

A questão para Anthony Giddens é: como estas mudanças afetaram as relações de intimidade pessoal e sexual? Pois estas não são apenas simples extensões da organização da comunidade ou do parentesco. A amizade, por exemplo, desde Georg Simmel ou Friedrich Nietzsche, foi pouco estudada pelos sociólogos, mesmo se considerarmos a intuição de Alain Touraine a respeito, mas ela proporciona uma pista importante para fatores de amplo alcance que influenciam a vida pessoal. Temos de compreender o caráter da amizade em contextos pré-modernos precisamente em associação com a comunidade local e o parentesco. A confiança nos amigos era frequentemente de importância central. Nas culturas tradicionais, com a exceção parcial de algumas vizinhanças citadinas em Estados agrários, havia uma divisão bem clara entre membros reconhecidos como “os de dentro e os de fora ou estranhos”. As amplas arenas de interação não hostil com outros anônimos, característica da atividade social moderna, não existia. Nestas circunstâncias sociais, a amizade era institucionalizada e vista como meio de criar alianças mais ou menos duradouras com outros contragrupos potencialmente hostis. Amizades institucionalizadas eram formas de camaradagem, assim como mormente ocorrem nas reconhecidas “fraternidades de sangue”, socialmente, ou dentre “companheiros de armas”. Institucionalizada ou não, a amizade era em geral baseada em valores de sinceridade e honra. 

Alguns sentidos do termo, embora partilhem amplas afinidades eletivas com outras utilidades de usos, são de implicação relativamente desimportante. Quer dizer, alguém que diz: “confio que você esteja bem”, normalmente quer dizer algo mais com esta fórmula de polidez do que “espero que você esteja com boa saúde” – embora mesmo aqui “confio” tenha uma conotação algo mais forte que “espero”, implicando algo mais próximo a “espero não ter motivos para duvidar”. A atitude de crença ou crédito que entra em confiança em alguns contextos mais significativos já se encontra aqui. Quando alguém diz: “confio em que X se comportará desta maneira”, esta implicação social é mais evidente, embora não muito além do nível do “conhecimento indutivo fraco”. É reconhecido que se conta com X para produzir o comportamento em questão, dadas as circunstâncias normais apropriadas. Eles não se relacionam aos sistemas perpetuadores de confiança, mas são designações referentes aos comportamentos dos outros; o indivíduo envolvido não é requisitado a demonstrar aquela “fé” religiosa que a confiança envolve em seus significados.        


A principal definição de “confiança” no Oxford English Dictionary é descrita como “crença ou crédito em alguma qualidade ou atributo de uma pessoa ou coisa, ou a verdade de uma afirmação”, e esta definição proporciona um ponto de partida útil. “Crença” e “crédito” estão claramente ligados de alguma forma à “fé”, da qual, seguindo Simmel, mas embora reconhecendo que a fé e confiança são intimamente aliadas, Niklas Luhmann faz uma distinção entre as duas que é a base de sua obra sobre o tema. A confiança, diz ele, deve ser compreendida especificamente em relação ao risco, um termo que passa a existir apenas no período moderno. A noção se originou com a compreensão de que resultados inesperados podem ser uma consequência de nossas próprias atividades ou decisões, ao invés de exprimirem significados ocultos de natureza ou intenções inefáveis da Deidade. Mas “risco”, substitui em grande parte o que antes era pensado como fortuna (fortuna ou destino) e torna-se separado das cosmologias. A confiança pressupõe, segundo Giddens, consciência das circunstâncias de risco, o que não ocorre com a crença. Tanto a confiança como a crença se referem a expectativas que podem ser frustradas ou desencorajadas. A crença, como Niklas Luhmann a emprega, se refere a atitude mais ou menos certa de que as coisas similares permanecerão estáveis.

 Quando se trata da questão de confiança, o indivíduo considera conscientemente as alternativas para seguir um curso específico de ação. Alguém que compra um carro usado, ao invés de um novo, “arrisca-se a adquirir uma dor de cabeça”. Ele ou ela deposita confiança na pessoa do vendedor ou na reputação da firma para tentar evitar que isto ocorra. Deste modo, um indivíduo que não considera alternativas está numa situação de crença, enquanto alguém que reconhece essas alternativas e tenta calcular os riscos assim reconhecidos, engaja-se em confiança. Numa situação de crença, uma pessoa reage ao despontamento culpando outros, em circunstâncias de confiança ela ou ele deve assumir parcialmente a responsabilidade e pode “se arrepender de ter depositado confiança em alguém ou algo”. A distinção entre confiança e crença depende de a possibilidade de frustração ser influenciada pelo próprio comportamento prévio da pessoa e, portanto, de uma discriminação correlata “entre risco e perigo”. Isto é, Luhmann alega a possibilidade de separar risco e perigo deve derivar de características sociais da modernidade. Ela surge, essencialmente, de uma compreensão do fato de que a maioria das contingências que afetam a atividade humana são humanamente criadas, “e não meramente dadas por Deus ou pela natureza”. A abordagem sociológica é importante e dirige nossa atenção para várias discriminações conceituais que deve ser feita na compreensão da confiança.    

O que indica isto em termos de confiança pessoal? A resposta a esta questão segundo Giddens, é fundamental para a transformação da intimidade no século XX. A confiança em pessoas não é enfocada por conexões personalizadas no interior da comunidade local e das redes de parentesco. A confiança pessoal torna-se um projeto, a ser “trabalhado” pelas partes envolvidas, e requer a abertura do indivíduo para o outro. Onde ela não pode ser controlada por códigos normativos fixos, a confiança tem que ser ganha, e o meio de fazê-lo consiste em abertura e cordialidade demonstráveis. Nossa preocupação peculiar com “relacionamentos”, no sentido em que a palavra é agora tomada, é expressiva deste fenômeno. Relacionamentos são laços baseados em confiança, onde a confiança não é pré-dada, mas trabalhada, e onde o trabalho envolvido significa um processo mútuo de autorrevelação. A confiança pessoal, por conseguinte, tem que ser estabelecida através do processo de autoquestionamento: a descoberta de si torna-se um projeto diretamente envolvido com a reflexividade na modernidade sociológica. Para Christopher Lasch: - conforme o mundo vai assumindo um aspecto cada vez mais ameaçador, a vida torna-se busca de bem-estar através de exercícios, dietas, drogas, regimes espirituais de vários tipos, autoajuda psíquica e psiquiatria.

Covert Affairs representou uma série singular de cinema de espionagem do canal norte-americano USA Network, quando estreou no dia 13 de julho de 2010. O enredo, que gira em torno de uma rede de agentes que trabalham para a Central Intelligence Agency (CIA), reconhecida informalmente como Agência, é um serviço civil de inteligência estrangeira do governo federal dos Estados Unidos, oficialmente encarregado de coletar, processar e analisar informações de segurança nacional de todo o mundo, principalmente por meio do uso de inteligência humana e conduzir ações secretas por meio de sua Diretoria de Operações. O filme é assinado pelos mesmos criadores da Trilogia Bourne. A série é estrelada originalmente por Christopher Gorham e Piper Perabo, que pelo seu papel de Annie Walker, levou a série “a uma indicação ao Globo de Ouro”.  A primeira temporada de Covert Affairs foi para o ar em 13 de julho de 2010, logo depois da exibição da série White Collar. Em 2014, foi renovada para a quinta temporada. Em 6 de janeiro de 2015, o canal USA Network anunciou que a série não seria renovada para uma sexta temporada, citando o clichê de “baixa audiência e orçamento alto de cada de episódio, como motivos para o cancelamento do programa”. Annie Walker (Piper Perabo), representa uma jovem agente em treinamento da CIA que é colocada em um “círculo de confiança” da agência quando ela inesperadamente acaba sendo promovida para as chamadas “operações em campo”. Enquanto aparenta que ela foi puxada da obscuridade para suas excepcionais habilidades linguísticas, pode haver alguma coisa, ou alguém de seu passado e que seus chefes da CIA estão realmente atrás.

Mas não é hora de problematizar o desenvolvimento teórico na sociologia. Isso inclui procurar, finalmente, o comum entre as tentativas de definições da sociologia, além de tudo o que as separa. Assim será possível tratar a pergunta sobre por que os clássicos ainda não puderam ser ultrapassados. Colocar tais perguntas numa fase de um discurso de “crise da sociologia” não desfaz a nossa responsabilidade de levar em conta esse discurso como problema. Mas a crise da sociologia e o mal-estar da sociologia consigo mesma não são novidade. Isto é, o estabelecimento da sociologia como ciência repousa sobre a precondição da crise da ciência. Haverá uma crise permanente da sociologia ou tratar-se-ia de uma crise do próprio objeto com impactos sociais na sociologia? Uma contradição que aparentemente está no fundo de boa parte deste debate reside em sua tarefa difusa e equívoca, assumida pela sociologia ao longo do processo histórico da sua cientificação e a ela atribuída, parcialmente, pelas exigências sociais e políticas. Por um lado, a sociologia como análise concreta do presente considera a sua tarefa primordial como sendo descobrir a “modernidade concreta”, de mostrar e tornar compreensíveis tendências do desenvolvimento social, assim como de proporcionar medidas para a solução de problemas sociais. A sociologia é uma teoria social com tendência para a análise crítica e visão de problemas. Mas concentra-se como tal, frequentemente, em dados sociais e objetos particulares nacionais. Assim, a análise da modernidade, no âmbito da concepção de história, de ciência e de teoria da sociedade, reduz-se a uma análise de sociedades nacionais que não satisfaz a pretensão de uma teoria da dinâmica atual.

A unidade entre teoria geral da sociedade e análise genial começa com a renúncia à premissa do progresso, nos clássicos modernos, em torno da virada do século. A concepção da sociologia nesses clássicos, com os seus entendimentos e a sua proliferação, repousa sobre uma interdisciplinaridade que é abandonada, em grande parte, pela sociologia. Melhor dizendo, a sua relação com teorias complexas interdisciplinares, como a teoria de sistemas, a teoria da evolução, as teorias da informação e da comunicação, é mais caracterizada pelo não-entendimento, pela adaptação ou pela rejeição precipitadas do que pela disposição aberta para aprender. Por causa disso, a sociologia mal contribui, de maneira inovadora, para o discurso interdisciplinar. Mas o isolamento perante as ciências históricas, a psicologia, a biologia ou a economia, só permite, atualmente, esperar uma nova concepção teórica interdisciplinar, que deveria ser aceita, de antemão, como uma pretensão geralmente científica de estilo comtiano. Onde se pratica, a re-historização da sociologia com a concentração sobre o discurso diante de uma crise da sociologia. Alguns estudam os clássicos por causa de soluções exemplares de problemas abstratos, desenvolvidas no contexto da própria “construção” teórica; outros usam o retorno aos clássicos para a reconstrução de um auto-entendimento histórico da sociologia, buscando reconstruir, frequentemente, nada além daquele “auto-entendimento histórico” que serve para a própria posição, justificando-a com o brilho de uma legitimação histórica. 

A naturalidade segundo a qual a sociologia retoma assuntos de sua própria história social não é um fato de se estranhar. Não só por causa do surgimento espontâneo e abrupto da redescoberta da perspectiva histórica, mas, também, porque não há justificativa para essa virada enquanto traço de ruptura. Isso parece ainda mais estranho, na medida em que o tratamento de clássicos na sociologia é quase sempre ambivalente. A sociologia acentua com mais ênfase que as demais ciências a condição social dos enunciados científicos. Ser ultrapassado seria, não só interpretar um destino, mas uma finalidade de todo trabalho científico. Isso coincide, cientificamente, com a crença em um progresso da argumentação científica. O progresso é entendido como diferenciação da sociologia, mesmo quando o objeto de pesquisa sumiu há muito tempo. O que resta é uma multiplicidade de construções teóricas abstratas e metodológicas, sobre níveis separados de problemas, sem ser independentes, dispostos lado a lado, nos quais a sociologia é usada para colocar em primeiro plano de maneira construtiva. Desde de 1920 não se legitimou em análise comparada uma teoria com Émile Durkheim, Vilfredo Pareto, Georg Simmel, Ferdinand Tönnies ou Max Weber, logrou obter repercussão positiva.  

Mas não é hora de problematizar o desenvolvimento teórico na sociologia. Isso inclui procurar, finalmente, o comum entre as tentativas de definições da sociologia, além de tudo o que as separa. Assim será possível tratar a pergunta sobre por que os clássicos ainda não puderam ser ultrapassados. Colocar tais perguntas numa fase de um discurso de “crise da sociologia” não desfaz a nossa responsabilidade de levar em conta esse discurso como problema. Mas a crise da sociologia e o mal-estar da sociologia consigo mesma não são novidade. Isto é, o estabelecimento da sociologia como ciência repousa sobre a precondição da crise da ciência. Haverá uma crise permanente da sociologia ou tratar-se-ia de uma crise do próprio objeto com impactos sociais na sociologia? Uma contradição que aparentemente está no fundo de boa parte deste debate reside em sua tarefa difusa e equívoca, assumida pela sociologia ao longo do processo histórico da sua cientificação e a ela atribuída, parcialmente, pelas exigências sociais e políticas. Por um lado, a sociologia como análise concreta do presente considera a sua tarefa primordial como sendo descobrir a “modernidade concreta”, de mostrar e tornar compreensíveis tendências do desenvolvimento social, assim como de proporcionar medidas para a solução de problemas sociais. A sociologia é uma teoria social com tendência para a análise e visão de problemas. Mas concentra-se como tal, frequentemente, em dados sociais e objetos particulares nacionais. Assim, a análise da modernidade, no âmbito da concepção de história, de ciência e de teoria da sociedade, reduz-se a uma análise de sociedades nacionais que não satisfaz a pretensão de uma teoria da dinâmica atual.

A unidade entre teoria geral da sociedade e análise genial começa com a renúncia à premissa do progresso, nos clássicos modernos, em torno da virada do século. A concepção da sociologia nesses clássicos, com os seus entendimentos e a sua proliferação, repousa sobre uma interdisciplinaridade que é abandonada, em grande parte, pela sociologia. Melhor dizendo, a sua relação com teorias complexas interdisciplinares, como a teoria de sistemas, a teoria da evolução, as teorias da informação e da comunicação, é mais caracterizada pelo não-entendimento, pela adaptação ou pela rejeição precipitadas do que pela disposição aberta para aprender. Por causa disso, a sociologia mal contribui, de maneira inovadora, para o discurso interdisciplinar. Mas o isolamento perante as ciências históricas, a psicologia, a biologia ou a economia, só permite, atualmente, esperar uma nova concepção teórica interdisciplinar, que deveria ser aceita, de antemão, como uma pretensão geralmente científica de estilo comtiano. Onde se pratica, a re-historização da sociologia com a concentração sobre o discurso diante de uma crise da sociologia. Alguns estudam os clássicos por causa de soluções exemplares de problemas abstratos, desenvolvidas no contexto da própria “construção” teórica; outros usam o retorno aos clássicos para a reconstrução de um auto-entendimento histórico da sociologia, buscando reconstruir, frequentemente, nada além daquele “auto-entendimento histórico” que serve para a própria posição, justificando-a com o brilho de uma legitimação histórica. 

O interesse, amplamente na moda, hic et nunc, pela história da sociologia é uma consequência da crise mal interpretada da disciplina, mas esse interesse histórico não é nenhum interesse simples e único, é de fato algo em torno de um dilema real.  A sociedade plenamente burguesa desenvolvida e, sem dúvida a nossa, ainda é per se uma sociedade de perversão explosiva e fragmentada. Não obstante, seria preciso interrogar justamente esse tema tão frequente de que as perversões estão fora do discurso e que somente a suspensão de um obstáculo, a quebras de um segredo pode abrir o caminho que conduz até ele. Esse tem anão seria para incitar a falar, para sempre levar a recomeçar a falar nesse tema que, nas fronteiras de todo o discurso contemporâneo, ele é exibido nas telas de cinema como o segredo quer é indispensável desencavar, uma coisa quase que abusivamente reduzida ao mutismo das relações de imagens, ao mesmo tempo difícil e necessária, preciosa e perigosa de ser vista? Num caso religioso, fazendo do sexo o que, por excelência devia ser “confessado”, apresenta-se sempre como enigma inquietante: não o que se demonstra obstinadamente, mas o que se esconde em toda parte, presença insidiosa quando se corre o risco de se ouvir porque fala em voz baixa e muitas vezes disfarçada.  O segredo do sexo não é, sem dúvida, a realidade fundamental em relação à qual se dispõem, todas as incitações a “pôr em fila” as insídias do discurso sobre sexo – que tentem quebrá-lo quer o reproduzam de forma obscura, pela própria maneira da falar.

Trata-se, segundo Foucault (1984), ao contrário, de um tema que faz parte da própria mecânica dessas incitações: maneira de dar forma à exigência de falar, fábula indispensável à economia infinitamente proliferante do discurso sobre o sexo. O que é próprio das sociedades modernas não é o terem condenado o sexo a permanecer na obscuridade, mas sim o terem-se devotado a falar dele sempre, valorizando-o como o segredo. Quer dizer, cometer-se-ia um engano em ver nessa proliferação dos discursos um simples ou complexo fenômeno midiático, quantitativo, um puro acréscimo como se fosse indiferente o que neles se diz, como se o fato de falar nisso fosse, em si, mais importante do que as formas de imperativos que se lhe impõe ao falar. Pois essa colocação do sexo em discurso não estaria ordenada no sentido de afastar da realidade as formas de sexualidade insubmissas à economia estrita da reprodução. Historicamente da infância à velhice foi definida norma sexual e cuidadosamente caracterizando todos os desvios; organizaram-se controles pedagógicos e tratamentos médicos.

            Toda essa atenção loquaz com que nos alvoroçamos em torno da sexualidade, há dois ou três séculos, não estaria ordenada em função de uma preocupação elementar: assegurar o povoamento, reproduzir a força de trabalho, reproduzir a forma das relações sociais; em suma, proporcionar uma sexualidade economicamente útil e politicamente necessária? Do século XIX aos nossos dias representaram antes de mais nada, a idade da multiplicação: uma dispersão de sexualidades, um reforço de suas formas absurdas, uma implantação múltipla das “perversões”, melhor dizendo, iniciadora de heterogeneidades sexuais. Leis naturais da matrimonialidade e regras imanentes da sexualidade começaram a se inscrever em dois registros distintos. Afigura-se um mundo da perversão, secante em relação ao da infração legal ou moral, não sendo, entretanto, simplesmente uma variedade sua. Surge toda uma entalha distinta, apesar de alguns parentescos com antigos libertinos. O que significa o surgimento de todas essas sexualidades periféricas? Que a medicina penetrou com grande aparato nos prazeres do casal: quer dizer, inventou toda uma patologia orgânica, funcional ou mental, originada nas práticas sexuais “incompletas”; classificou com desvelo todas as possíveis formas de prazeres anexo; integrou-os ao “desenvolvimento” e às “perturbações” do instinto; empreendeu a gestão de todos eles.

        Covert Affairs apareceu pela primeira vez na mídia em julho de 2008 nas “propostas em desenvolvimento da USA Network”. O episódio piloto foi escrito por Matt Corman and Chris Ord. O casting decorreu em junho de 2009, com a expectativa de que um casting bem sucedido levaria a um compromisso de produção. Emily Blunt foi a primeira atriz escolhida, no início de julho de 2009 como a agente da CIA Annie Walker. A contratação de Christopher Gorham veio no final de julho, rapidamente seguida pelo anúncio de que o piloto tinha sido aceite pela USA Network. No início de agosto de 2009, Tim Matheson assinou para dirigir um piloto de 90 minutos. Anúncios posteriores de contratações incluíram o de Anne Dudek em meados de agosto, seguido pelos de Kari Matchett e Peter Gallagher no princípio de setembro. O piloto começou a ser filmado em Toronto, em setembro de 2009. O elenco dos episódios tem incluído comparativamente alguns rostos menos familiares com personagens mais importantes, assim como comparativamente velhos rostos reconhecidos de Hollywood como o do ator israelita Oded Fehr, que apareceu como convidado no papel de um agente da Mossad num tiroteio repleto de ação. Em janeiro de 2010, the Covert Affairs o piloto de Covert Affairs recebeu luz, com um pedido adicional de 11 episódios.

            Oded Fehr nascido em 23 de novembro de 1970 é um ator de cinema e televisão israelense. O diretor Stephen Sommers foi uma das pessoas que ajudaram Oded a atuar nos filmes A Múmia e O Retorno da Múmia. Entre 2005-2006 Fehr interpretou Farik na série Sleeper Cell do canal Showtime. Em 2010, Fehr apareceu no quarto episódio de Covert Affairs dos Estados Unidos da América como um agente da Mossad israelense. Ele também apareceu no segundo episódio da segunda temporada intitulado Good Advices, e aparece como um personagem recorrente. Em 2013 participou de quatro episódios da série NCIS no papel de um agente renegado da Mossad. Fehr nasceu em Tel Aviv, Israel, de herança judaica. Sua mãe é uma supervisora ​​de atendimento e seu pai é um físico germânico. Ele tem um irmão, uma irmã, e uma jovem meia-irmã. Ele frequentou a Bristol Old Vic Theatre School na Inglaterra depois de ter uma breve aula de arte dramática, em Frankfurt, Alemanha. Ele serviu no Exército Israelense de 1989-1992 e trabalhou como segurança da El Al companhia aérea de Israel na Alemanha. Fehr é casado com Rhonda Tollefson, a quem conheceu em ópera de Los Angeles. Eles se casaram em 22 de dezembro de 2000. Oded Fehr fala hebraico, inglês e um pouco de alemão. O elenco de Covert Affairs era esperado para retornar à série, com exceção de Eric Lively, cujo personagem seria retirado por alguma razão.

Vários membros foram acrescentados ao elenco na Primavera de 2010, incluindo Sendhil Ramamurthy como outro agente da CIA cujo personagem veio substituir o de Blake Ellender Lively, reconhecida por ter interpretado Serena van der Woodsen, na série de TV Gossip Girl e Emmanuelle Vaugier como jornalista. Engajadas no corpo útil, transformadas em caráter profundo dos indivíduos, as extravagâncias sexuais sobrepõem-se à tecnologia da saúde e do patológico. E, inversamente, a partir do momento em que passam a ser “coisa” médica ou medicalizável, como lesão, disfunção ou sintoma, é que vão ser surpreendidas no fundo do organismo ou sobre a superfície da pele ou entre todos os signos do comportamento. O poder que, assim, toma a seu cargo a sexualidade, assume como um dever roçar os corpos; acaricia-os com a penetração dos olhos; intensifica regiões; eletriza superfícies; dramatiza momentos conturbados. Açambarca o corpo sexual. Na cinematografia de ação, não estamos longe de admitir que há, fora dúvida, aumento da eficácia e extensão do domínio sob controle, mas também a sensualização do poder e benefício do prazer. O que produz duplo efeito: o poder ganha impulso pelo próprio exercício; o controle vigilante é recompensado pela emoção que o reforça; a intensidade que relança à curiosidade do questionário; o prazer descoberto reflui em direção ao poder que o cerca. 

         Trata-se do tipo social de poder que exerceu sobre o corpo e o sexo, um poder que, justamente, não tem a forma da lei nem os efeitos da interdição: ao contrário, que procede mediante a redução das sexualidades singulares. Não fixa fronteiras para a sexualidade, provoca suas diversas formas, seguindo-as através das linhas de penetração infinitas. Não a exclui, mas inclui no corpo à guisa de modo de especificação dos indivíduos. Não procura esquivá-la, atrai suas variedades com espirais onde prazer e poder se reforçam. Não opõe uma barreira, organiza lugares de máxima saturação. Produz e fixa o despropósito sexual. A sociedade moderna é perversa, não a despeito de seu puritanismo ou como reação à sua hipocrisia: é perversa real e diretamente. Quer dizer, o crescimento das perversões não é um tema moralizador que acaso tenha obcecado os espíritos escrupulosos e vitorianos.  É o produto real da interferência de um tipo de poder sobre os corpos e seus prazeres. Talvez o Ocidente não tenha sido capaz de inventar novos prazeres e, ao que parece não descobriu vícios inéditos, mas definiu novas regras no jogo dos poderes e dos prazeres: nele se configurou a fisionomia rígida das perversões. Essa implantação das perversões múltiplas não zombaria da sexualidade, a vingança contra um poder que lhe imponha uma lei por demais repressiva.

          Também não se trata de formas paradoxais de prazer que se voltem para o poder, investindo sobre ele na forma de outro “prazer a experimentar”. A implantação das perversões é um efeito-instrumento: é através do isolamento, da intensificação e da consolidação das sexualidades periféricas que as relações de poder com o sexo e o prazer ramificam e multiplicam, medem o corpo e penetram nas condutas. E, nesse avanço dos poderes, fixam-se sexualidades disseminadas, rotuladas segundo uma idade, um lugar, um gosto, um tipo de prática. Proliferação das sexualidades por extensão do poder; majoração do poder ao qual cada uma dessas sexualidades regionais dá um campo de intervenção: o prazer e o poder não se anulam; não se voltam um contra o outro; seguem-se, entrelaçam-se e se relançam. Encadeiam-se através de mecanismos complexos e positivos, de excitação e de incitação. Esta é uma relação clara e rica no cinema de ação. É preciso, segundo Michel Foucault, abandonarmos a hipótese de que as sociedades industriais inauguraram um período de repressão mais intensa do sexo. É o inverso que aparece: nunca tantos centros de poder, jamais tanta atenção manifesta e prolixa; nem tantos contatos e vínculos circulares, nunca tantos focos onde estimular a intensidade dos prazeres e a obstinação dos poderes para se disseminarem mais além.

Bibliografia geral consultada.

DELBEÉ, Anne, Une Femme. Paris: Presses Universitaires de la Renaissance, 1982; SAID, Edward, Orientalismo: O Oriente como Invenção do Ocidente. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1990; MAIGRET, Eric; MACÉ, Eric (Org.), Penser les Médiacultures. Nouvelles Pratiques et Nouvelles Aproches de la Represéntation du Monde. Paris: Éditeur Armand Colin, 2005; BRAGA, Ubiracy de Souza, “A Questão Israelense-Palestina: Histórias Míticas?”. In: Jornal O Povo. Fortaleza, 7 de outubro de 2006; CRIGNON, Philippe, Hobbes et la Represéntation: Une Ontologie Politique. Thèse de Doctorat. Saint-Denis: Université de Paris 8, 2007; CERTEAU, Michel de, A Invenção do Cotidiano. 1. Artes de fazer. 22ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2014; FOUCAULT, Michel, Vigiar e Punir. Nascimento da Prisão. 42ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2014; SPEZZARIA, Mario, A Linha Metafísica do Belo. Estética e Antropologia em K. P. Moritz. Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2017; ECO, Umberto, Il Fascismo Eterno. 1ª Edizionne. Roma: Editora La Nave di Teseo, 2018; BRANDÃO, Wildson Roberto Lima, O Terrorismo e a Multiplicidade de Interpretação: A Lógica Racional das Teorias Racionalistas, a Construção Discursiva das Teorias Reflexivistas e as Relações Internacionais. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2020; NUNES, Sarah Bonfim Matos, O Papel da Razão na Emancipação Feminina: Mary Wollstonecraft e sua Reivindicação. Dissertação de Mestrado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2021; ROMANETTO, Matheus Capovilla, Clínica e Política: Bases Subjetivas da Transformação Social em Eric Fromm. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de Sociologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2021; TAVELA, Renata Martuchelli, Vozes Femininas entre Estilhaços: Alteridade nas Literaturas Portuguesas e Moçambicanas Contemporâneas. Tese de Doutorado. Centro de Educação e Humanidades. Instituto de Letras. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2023; entre outros.

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