quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Rússia, Extermínio Humano & Criminalização das Cartas de Nadezdha.

   Ubiracy de Souza Braga*
  
                    Vladimir Putin, tsar of the new Russia”. Nadezhda Tolokonnikova   

                       
                Em primeiro lugar, a palavra “carta” origina-se do Latim: “charta”, “chartae”, ou, “cartae”, cujo significado é “folha de papiro preparada para receber a escrita”. Em 5 de agosto de 1940, o país independente da Letônia foi forçado pelo regime soviético a se incorporar à República Socialista Federativa Soviética Russa, depois de ter sido invadido e ocupado pelo Exército Vermelho naquele ano. A Estônia e a Lituânia sofreram um destino político semelhante. Milhares de letões foram presos por terem opiniões antissoviéticas, participarem de movimentos sociais de resistência política, por serem fazendeiros, pertencerem a partidos políticos, ou se recusarem a participar de uma fazenda coletiva. Muitos foram deportados para a região da insólita Sibéria.   
Homens e mulheres que se encontravam nas prisões, campos de concentração ou assentamentos na Sibéria escreveram cartas aos amigos e parentes em casca de bétula, que era muitas vezes o único material disponível nos locais de deportação. Este foi especialmente o caso durante na 2ª guerra mundial (1939-1945), quando o papel era muito escasso socialmente. Somente 19 dessas cartas, com datas entre 1941 e 1956, sobrevivem como preservação da memória individual e coletiva em museus da Letônia. Estas cartas revelam a história da Letônia e da era soviética e os efeitos específicos da repressão em massa na vida das pessoas. Foi escrita em maio de 1949 por Gaida Eglite (1927-2008), uma deportada da região de Tomsk, à sua ex-vizinha, Laura Rozenštrauha. 
            Em segundo lugar, é atribuído ao líder sul-africano Nelson Rolihlahla Mandela a frase de que para conhecer uma sociedade, “é necessário conhecer suas prisões”. O conhecimento do Gulag soviético necessita que olhemos mais de perto do status social do preso. Sabemos que nos regimes nazista e imperialista que domina a África e Ásia, o prisioneiro não é um cidadão, com direitos civis que irá passar por um processo social educativo, pelo contrário. O preso é o “inimigo número 1”, um sujeito a ser eliminado, a chamada “raça inferior” que envenena o mundo europeu com sua impureza e precisa ser exterminado. Os primeiros “campos de concentração” da história política moderna foram criados na África pelo imperialismo europeu. A função era bem clara: terror e extermínio. O século XX expandiu os campos de concentração “e seu nome virou sinônimo de uma prisão brutalizante em condições extremamente degradadas”. Contudo, não podemos perder de vista que o campo tem uma função específica dentro dos aparelhos repressivos de Estado: a função de propagar o terror, psicológico e físico e o extermínio de certa cultura e/ou raça, nacionalidade, grupo político ou religioso.              
            Enquanto as revoluções sociais englobam eventos que vão desde as revoluções relativamente pacíficas às contrarrevoluções que puseram fim aos regimes comunistas à violenta revolução islâmica no Afeganistão, que excluem golpes de Estado, guerra civil, revoltas e rebeliões que não fazem nenhum esforço para transformar as instituições ou a justificação da autoridade, como Józef Piłsudski no golpe de 28 de maio de 1926 ou a Guerra Civil Americana, bem como a transição pacífica para a democracia através de arranjos institucionais, tais como plebiscitos e eleições livres, como na Espanha após a morte de Francisco Franco Bahamonde, chefe de Estado e ditador espanhol, conhecido como “Generalíssimo”, ou simplesmente Franco, quando integrou o golpe de Estado na Espanha em julho de 1936 contra o governo democrático da 2ª República, que desembocou na Guerra Civil Espanhola que se estendeu nos anos de 1936 a 1939.  
                             
            
          O “punho erguido”, também reconhecido como o “punho cerrado”, é um símbolo de solidariedade política. Também é utilizado como uma saudação para expressar unidade, força, desafio ou resistência político-social. A saudação remonta a antiga Assíria como um símbolo em face na violência política. A Assíria foi um reino acádio semita em torno da região do alto rio Tigre, no Norte da Mesopotâmia, atual norte do Iraque, e que dominou por diversas vezes ao longo da história política os impérios existentes naquela região, desde a tomada da Babilônia até as suas reconquistas. Localizada numa região fértil e num entroncamento de importantes rotas comerciais, Babilônia tornou-se um destacado centro econômico e cultural, desenvolvendo uma civilização complexa, sofisticada e cosmopolita, documentada por muitos registros arqueológicos que atestam o cultivo da educação, do comércio, da ciência, da utilização de diversas técnicas e da arte, florescendo num vasto conjunto urbanístico cortado por canais e rico em monumentos, templos e edificações imponentes. Seu nome vem de sua capital original, a cidade de Assur. O termo também pode se referir à região, ou, mais precisamente, ao centro da região onde estes reinos se localizavam, pois Babilônia aparece tardiamente na história política da Mesopotâmia, em comparação com outras cidades dessa extraordinária civilização, como Quixe, Uruque, Ur, Nipur ou Nínive.

Os descendentes dos assírios ainda habitam o lugar e espaço, histórico e social de sua origem politicamente determinada, como sobrevivência, formando uma minoria cristã no Iraque. Na sociedade contemporânea o “punho cerrado” é usado principalmente por ativistas de esquerda. No espectro político, a esquerda se caracteriza pela defesa de uma maior igualdade social. Normalmente, envolve uma preocupação com os cidadãos que são considerados em desvantagem em relação aos outros e uma suposição de que há desigualdades injustificadas que devem ser reduzidas ou abolidas tendo como representação poderosos emblemas tais como: grupos marxistas, anarquistas, comunistas e pacifistas. A saudação com o “punho fechado” tem sido mais usada ao longo da história social por grupos de esquerda e de defesa de grupos politicamente oprimidos. A saudação junta sinais de resistência, solidariedade, orgulho e militância num gesto simples. O “punho fechado” simboliza a luta por melhores condições de vida e a resistência contra o fascismo e contra o capitalismo. O gesto alude à resistência, à vitória, ao êxito na batalha. Já o slogan “¡No pasarán!”, teve sua origem e significado quando obteve a sua cunhagem em francês durante a 1ª grande guerra (1914-18), mas, sobretudo, quando foi apropriado historicamente por ativistas na variedade de movimentos históricos e políticos.

O uso do espanhol Tolokonnikova do slogan tem origem na Guerra Civil Espanhola (1936-39) - especificamente a partir de um discurso empolgante dado pelo líder republicano Dolores Ibárruri-Gómez, conhecido como “La Pasionaria”, durante o cerco contra a nacionalista falange de Madrid em 18 de julho de 1936. Como resultado, a própria expressão “Não passará!” tornou-se emblemática para a resistência da República contra Franco. Ibárruri-Gómez foi um membro co-fundador do Partido Comunista Espanhol e do movimento social “Mujeres Antifascistas” - uma organização de mulheres em oposição ao fascismo e de militância revolucionária. No entanto, essa heroica forma de resistência iria acabar em fracasso, para que a vitória franquista e os anos de repressão e censura viessem a depô-la. Apesar disso, o slogan continuou a se propagar, em última análise, sendo adotado pelos aliados durante a 2ª guerra mundial como universal de luta política antifascismo. Por que é significativo que a ativista Nadezhda Andréievna Tolokonnikova tenha se apropriado deste slogan na Rússia em agosto de 2012? Conscientemente, a sua T-shirt fala de uma história cultural e política compartilhada entre a Espanha e a União Soviética no início do século XX. “La Pasionaria” - ela mesma uma militante feminista e revolucionária - admirou a extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URRSS) e citou Moscou como uma Meca para a esquerda, onde “pode-se receber e perceber a marcha da humanidade rumo ao comunismo”. A ascensão da ativista política feminina durante a Segunda República da Espanha - outros incluem María de la O Lejarraga e María Teresa León - aponta para um manifesto feminista compartilhado de resistência política.

Esta imagem talvez capture a reflexão do público de forma mais intensa, porque alimenta a imagem profundamente arraigada das mulheres como personificação da nação, da Pátria. E também parece explicar que as próprias mulheres podem ser vistas e tornarem-se a representação de uma nação reprimida. Este é, em particular, pertinente para Nadezhda Tolokonnikova, que é mãe. Desse modus operandi resulta o que se refere a um conjunto de práticas e saberes sociais, em torno de filosofias individualistas que estão frequentemente em conflito e dizem respeito à criminalização dos movimentos sociais contemporâneos. Pussy Riot é um grupo de punk rock feminista russo que encena, em Moscou, “performances” extemporâneas, de provocação política sobre o estatuto das mulheres representado pelas jovens Nadezhda Andreyevna Tolokonnikova, Yekaterina Samutsevich e Maria Alyokhina, contra a campanha do Primeiro-ministro Vladimir Putin para a presidência da Rússia. Em março de 2012, durante um concerto improvisado e não autorizado na Catedral de Cristo Salvador de Moscou, as ativistas da banda foram presas e acusadas de “vandalismo motivado por intolerância religiosa”. Elas representam um movimento social que conseguiu dar voz à crítica política reprimida contra o sistema de poder autocrático: a) vigente na Rússia e contra a diluição da linha que o separa da Igreja Ortodoxa Russa, b) espetacular e criativa na Catedral de Cristo Salvador em Moscovo, c) um local sagrado utilizado como tática e estratégia do  que as “manifestações de vida”, no sentido que emprega o filósofo Georg Simmel, tivessem impacto social e político em termos globais de ativismo político. Etimologicamente Nadezhda representa o diminutivo de Nádia e significa esperança.  

        No caso russo o “culto à personalidade” é uma estratégia de propaganda política baseada na exaltação das virtudes - reais e/ou supostas - do governante, bem como da divulgação positiva de sua figura humana. Cultos de personalidade são frequentemente encontrados em ditaduras militares. Mas também existem em democracias ocidentais. Historicamente o termo culto à personalidade foi utilizado pela primeira vez por Nikita Khrushchov no “Discurso secreto” para denunciar Josef Stalin. Khrushchov citou uma carta do filósofo Marx, que critica o “culto do indivíduo”. Um culto da personalidade é semelhante à apoteose, exceto que ele é criado especificamente para os líderes políticos. Incluem cartazes gigantescos com a imagem do líder, constante bajulação o que inclui os meios de comunicação e muitas vezes perseguição aos dissidentes do mesmo.
No prefácio de 1938 à sua obra “O ano I da Revolução Russa”, o revolucionário russo-belga Victor Serge sintetiza o que, na altura desse ano, representava o resultado das perseguições políticas de Joseph Stalin. Dentre os homens cujos nomes serão encontrados nas páginas seguintes deste livro, apenas um sobrevive, Leon Trotsky, perseguido há dez anos e refugiado no México. Vladimir Lenin, Dzerjinski e Tchitcherin morreram antes, evitando assim a prostração. Zinoviev, Kamenev, Rykov e Bukharin foram fuzilados. Entre os líderes combatentes da insurreição de 1917, o herói de Moscou, Muralov, foi fuzilado; Antonov-Ovseenko, que dirigiu o assalto ao Palácio de Inverno, desapareceu na prisão; Krylenko, Dybenko, Chliapnikov, Gliebov-Avilov, todos os membros do primeiro Conselho dos Comissários do Povo, tiveram a mesma sorte, assim como Smilga, que dirigia a frota do Báltico, e Riazanov; Sokolnikov e Bubnov, do Bureau político da insurreição foram presos; Karakhan, negociador em Brest-Litovsk, foi fuzilado; dois primeiros dirigentes da Ucrânia soviética, um Piatakov, foi fuzilado, e o outro, Racovski, velho alquebrado, na prisão; os heróis das batalhas de Sviajsk e do Volga, Ivan Smirnov, Rosengoltz e Tukhatchevski foram fuzilados.
Raskolnikov, posto fora da lei, desapareceu; dos combatentes dos Urais, Mratchkovsky foi fuzilado, Bieloborodov desapareceu na prisão; Sapronov e Viladimir Smirnov, combatentes de Moscou, desapareceram na prisão; o mesmo aconteceu com Preobrajenski, o teórico do comunismo de guerra; Sosnovski, porta-voz do Partido Bolchevique no primeiro Executivo Central dos sovietes da ditadura, foi fuzilado; Enukidze, primeiro secretário desse Executivo, foi fuzilado. A companheira de Lenin, Nadejda Krupskaia, terminou seus dias não se sabe em qual cativeiro! Dentre os homens da revolução alemã, Yoffe suicidou-se, Karl Radek preso; Krestinski, que continuou atuando na Alemanha, foi fuzilado. Da oposição socialista-revolucionária de 1918, Maria Spiridonova, Trutovski, Kamkov, Karelin, sobreviveram, porém na prisão já há 18 anos. Blumkin, que aderiu ao Partido Comunista, foi fuzilado. Entre os homens que, no Ano II, asseguraram a vitória da revolução social, pequeno número ainda viveu: Kork, Iakir, Uborevitch, Primakov, Muklevitch, chefes militares dos primeiros exércitos vermelhos, foram fuzilados; fuzilados os defensores das cidades de Petrogrado, Evdokimov e Okudjava, Eliava; fuzilado Fayçulla Khodjaev, que teve papel de grande importância na “sovietização” da Ásia Central; desaparecido na prisão, o presidente do Conselho dos Comissários dos Sovietes da Hungria, Bela-Kun (cf. Serge, 1938). 
A criminalização da dissidência política era regra tanto na ex-URSS quanto no ex-império russo czarista que também criminalizava heresias religiosas. Além de presos políticos, havia presos condenados moralmente por vadiagem, furto, roubo, agressão, homicídio e estupro. Finalmente, a ex-URSS passou por guerras internas e externas, assim como o Império Russo, então uma parte desses presidiários eram prisioneiros de guerra. Antes da Revolução, o Gulag chamava-se Katorga, do grego “katergon”, galé, um sistema prisional da Rússia Imperial. Os prisioneiros eram mandados a remotos campos desabitados da Sibéria e forçados ao trabalho escravo. Este sistema começou no século XVII, foi apropriado pelos exércitos bolcheviques depois da Revolução Russa e transformados no “gulag”. Miseravelmente se aplicava exatamente a mesma forma hedionda: pena privativa de liberdade, pena de trabalhos forçados e a pena de morte. Os bolcheviques intensificaram a autocrática-imperial russa em uma escala de dezenas de vezes maiores, condições muito piores, onde até o canibalismo antropofágico existiu.
Este sistema funcionou praticamente de 25 de abril de 1930 até 1960. Foram aprisionadas milhões de pessoas, muitas delas vítimas das perseguições políticas de Joseph Stalin, as consideradas “pessoas infames”, para a malversada “Pátria Mãe”, a revolucionária União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e que deveriam passar por “trabalhos forçados educacionais” e merecerem viver ideologicamente na chamada Pátria Mãe. O “Gulag” tornou-se um símbolo da repressão da ditadura de Stalin. Na verdade, as condições de trabalho nos campos de concentração eram bastante penosas e incluíam: fome, frio, trabalho intensivo de características próprias da escravatura e servidão, por exemplo, horário de trabalho excessivo e guardiãs desvalidas na mana. Floresceram durante o regime chamado pelos historiadores de “stalinista da URSS”, estendendo-se a Sibéria e a Ucrânia, e destinavam-se, na verdade, a silenciar e torturar opositores ao regime, incluindo entre eles anarquistas, trotskistas e outros marxistas. 
Em 1857, talvez com a ingênua ilusão de que seria capaz de inflectir a política externa britânica, Marx dedicou-se a escrever em inglês uma estranha obra antieslava, “História da Diplomacia Secreta no Século XVIII” (cf. Engels, 1980), onde as disputas entre potências europeias ficaram reduzidas a ridículas manobras de bastidores. Este livro deixou os discípulos do filósofo a tais pontos perplexos quando de sua memorialista Eleonor Marx, o reeditou em 1899, tomou a iniciativa de cortar algumas passagens esdrúxulas. Daí em diante os marxistas esforçaram-se por não divulgar a obra e Stalin censurou-a definitivamente. Os traços característicos da obra ficaram ainda mais salientes num ensaio escrito por Engels em 1890, “A Política Externa do Czarismo Russo”. Apesar de o ensaio ter se beneficiado de numerosas edições, inclusive em russo, Stalin em 1934 censurou a sua publicação. Seu argumento é que o arguto Engels descurara a análise das contradições entre imperialismos e da rivalidade pela obtenção de espaços coloniais, insistindo nas ameaças de guerra suscitadas pela política russa.
Deste modo, continuou Stalin, um confronto militar entre a Alemanha burguesa e a Rússia czarista podia ser apresentado não como um “conflito imperialista”, mas como uma guerra de libertação nacional por parte da Alemanha. Em 1865, depois de ter lido que os russos seriam de origem mongol, Marx escreveu numa carta para Engels: - “Eles não são eslavos, em suma, não pertencem à raça indo-germânica, são intrusos que é necessário repelir para além do Dniepre!”. O mestre da análise social descambara na mitologia racial, chegando a conclusões inesperadas, numa carta endereçada a Wilhelm Liebknecht em fevereiro de 1878, onde não viu por detrás dos sérvios senão a sinistra mão da Rússia e enalteceu o opressor otomano afirmando que “o camponês turco, e, portanto a massa do povo turco”, era, “sem dúvida, o representante mais ativo e mais moral do campesinato da Europa”. Ao mesmo tempo contraditoriamente escrevia no livro: Das Kapital (1867), com dialética rigorosa as clivagens de classe, Marx propunha uma estratégia para o proletariado “inspirada em fobias e simpatias nacionais”.
Nenhum país recentemente passou por uma transformação tão profunda e radical como a Rússia de hoje. Abandonou um regime político-econômico que perdurou por mais de 70 anos, o do “socialismo de Estado”. Lançou-se em reformas que visavam alterar sua própria essência política, como a “perestroika” e a “glasnost”. Foi uma imensa operação de reversão econômica de um modelo estatizante, baseado na propriedade coletiva dos meios de produção e no planejamento econômico centralizado, para um sistema oposto, o do capitalismo laissez-faire. Adotaram como modelo, o estado liberal ocidental, onde o intervencionismo reduz-se a um mínimo e as propriedades estatais foram entregues ao controle e administração privados. As reformas na Rússia ganharam amplo apoio, político e financeiro, dos principais países capitalistas ocidentais em função delas visarem à absorção ao sistema capitalista mundial.  Assim, foi estendido à Rússia e ao governo do presidente Boris Yeltsin generosos empréstimos que permitiram que ele sobrevivesse politicamente às naturais turbulências do processo. Indica o compasso da crise asiática e a generalização dos seus efeitos sociais e políticos onde a Rússia marcha para uma depressão econômica. Tendo uma das maiores reservas energéticas do mundo desde petróleo, gás, minerais e demais produtos com os quais pagam suas dívidas, suas importações, comparativamente, qualquer abalo que ela sofra faz com que as economias hegemonicamente dos países malditos ricos, incluindo a plutocracia norte-americana também se afetem e sintam-se ameaçadas.

Enfim, o poema “O anjo agachado” (cf. Ricardo Domeneck, Berlim, 9.8.2012), foi dedicado às três jovens revolucionárias Nadezhda Tolokonnikova, Yekaterina Samutsevich & Maria Alyokhina: - “Adiante no túnel é um trem./ Rasputin, Stálin, de certo Nicolau II a Putin./Quiçá piore tudo um putsch./Que importa se pode seguir lendo Tchecov./A isso nós chamamos Sobre uma desgraça, outra./Eterno retorno e catástrofe,/já não há espaço entre teto/e monturo para aquele Anjo Novo. Ele, torcicolo, manco/há muitos séculos. Exemplo: os russos./ Estes enxergam no escuro,/ pois só o escuro os olha./ Ao fim das células-cone,/a luz democracia pós-Muro./Se uma rebelião-Pussy contra os machos-alfa vier, que ela nos traga à “Origem do Mundo”./Mas os falos que falam nos mantêm mudos./ “Que globo, meu Deus!”, disse eu, feito um rato, e voltei a roer as unhas”.
Em carta de 2 de janeiro de 2013, Slavoj Žižek refere-se assim à Nadezdha Tolokonnikova - Querida Nadezdha: Espero que você tenha conseguido organizar sua vida na prisão através de pequenos rituais que tornam essa experiência tolerável, e que você tenha tido tempo de ler. Segue o que penso acerca da situação que você está passando. John Jay Chapman, um ensaísta político norte-americano, escreveu sobre radicais em 1900: - “Eles estão dizendo sempre a mesma coisa. Eles não mudam; todas as outras pessoas mudam. Eles são acusados dos crimes mais incompatíveis, de egoísmo e sede de poder, indiferença ao destino de sua causa, fanatismo, trivialidade, falta de humor e de irreverência. Mas eles têm algo a dizer, é o poder prático dos radicais persistentes. Aparentemente, ninguém os segue, mas todos acreditam neles”. Não é uma boa descrição do efeito das performances do Pussy Riot? Apesar de todas as acusações, vocês tem algo a dizer. Pode parecer que as pessoas não as seguem, mas secretamente, elas acreditam em vocês, elas sabem que vocês estão dizendo a verdade, ou ainda mais, que vocês estão defendendo a verdade.
Bibliografia geral consultada.
SERGE, Victor, O Ano I da Revolução Russa. Paris, Setembro de 1938; GRAMSCI, Antônio, Lettere dal Carcere. Torino: Editore Einaudi, 1947; EHRHARD, Macelle, A Literatura Russa. São Paulo: Coleção Saber Atual, 1956; HELLER, Agnes, Sociologia della vita quotidiana. Roma: Editore Riuniti, 1975; SOLZHENITYN, Aleksandr, The Gulag Archipelago. Londres: Editores Harper & Row, 1976; BERGSON, Henri, Cartas, conferências e outros escritos. São Paulo: Abril Cultural, 1979; WALICKI, Andrezej, A History of Russian Thought. Stanford: Stanford University Press, 1979; ENGELS, Friedrich, El Problema de los Pueblos ´Sin Historia`. La Questión de las Nacionalidades en la Revolución de 1848-1849 a la Luz de la Neue Rheinische Zeitung. México: Pasado y Presente, 1980; BOBBIO, Norberto, Ni con Marx ni contra Marx. 1ª edición. Espanha: Fondo de Cultura, 1999; KAFKA, Franz, Carta ao Pai. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1997; LÉVY, Bernard-Henri, O Século de Sartre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 2001; AGABEN, Giorgio, Estado de Exceção. Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais, 2002; DERRIDA, Jacques, Papel-máquina. São Paulo: Estação liberdade, 2004; ŽIŽEKSlavoj, Às Portas da Revolução: Seleção dos Escritos de Lenin de Fevereiro a Outubro de 1917. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005; POE, Edgar Allan, A Carta Roubada. 1ª edição. Porto Alegre: L & PM Pocket, 2005; ANISSIMOV, Myriam, Vassili Grossman: Un Écrivain de Combat. Paris: Éditions du Seuil,‎ 2012; ELTCHANINOFF, Michel, “Nadejda Tolokonnikova/Slavoj Žižek. Lettres de Prison: Pussy Riot, Marx et le Capitalisme Tardif”. In: Philosophie Magazine, (074): 11/2013; pp. 28-36; LEITE, Flávia Lucchesi de Carvalho, Riot Grrrl: Capturas e Metamorfoses de uma Máquina de Guerra. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2015; 321 páginas; entre outros. 

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).  

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Denzel Washington – Cinematografia & Sociologia das Emoções.

Ubiracy de Souza Braga*

 
                                                                    O que você vê quando olha prá mim?”. Denzel Washington
           
                       
Denzel Washington entrou na Universidade de Fordham para seguir o curso de Jornalismo, que deixou inacabado, mas formou-se em Teatro pela mesma Universidade, para seguir a carreira de ator, estreando em telefilmes com sucesso na telenovela “St. Elsewhere”, de 1982. É uma universidade privada, sem fins lucrativos e católica dos Estados Unidos, com três campi ao redor da cidade de Nova Iorque. Fundada pela Diocese Católica Romana de Nova Iorque em 1841, com o nome de St. John's College, foi administrada por muitos anos pela Sociedade de Jesus até se tornar uma instituição independente, controlada por um conselho de administração de leigos, que mantiveram a tradição jesuíta. A sua primeira grande oportunidade cinematográfica ocorreu quando Richard Attenborough o convidou para desempenhar o papel do ativista sul-africano Steve Biko em: Um Grito de Liberdade, em 1987, e dois anos depois conquistou o Óscar de Melhor Ator pelo seu desempenho de soldado num batalhão inteiramente negro durante a guerra civil americana em: Tempo de Glória, de 1989. O filme centra-se nos acontecimentos da vida real envolvendo ativista negro Steve Biko e seu amigo Donald Woods, que o encontra destrutivo, e as tentativas de entender sua vida. Washington estrela como Biko e o ator Kevin Kline retrata Woods.
       Cry Freedom investiga as formas de pensamentos sociais de discriminação, corrupção política, e os efeitos perversos sobre as repercussões da violência no âmbito dos conflitos urbanos. Voltaria a repetir a nomeação desta vez para Melhor Ator (principal) pelo seu retrato do líder revolucionário “Malcolm X” de 1992. No dia 19 de maio de 1925 nascia em Omaha, em Nebrasca, nos Estados Unidos da América, Al Hajj Malik Al-Habazz, reconhecido politicamente como Malcolm Little ou Malcolm X, líder revolucionário que defendia a igualdade dos negros, filho de um pastor protestante e casado com uma mulher mulata. Durante a infância, ele sofreu com as constantes mudanças de cidade, fugindo das agressões de grupos racistas, que culminaram no assassinato do seu pai em 1931. No dia 14 de fevereiro de 1965, sua casa foi atacada, Malcolm e sua família sobreviveram, mas ninguém foi incriminado pelo atentado. Uma semana depois, no dia 21, Malcolm havia terminado um discurso na sala Audubon, em Manhattan, quando deu início um tumulto.
             Um homem gritou: - “Tire as mãos do meu bolso”. Os guarda-costas de Malcolm foram ver o que estava acontecendo e, enquanto isso, um outro homem disparou contra o peito de Malcolm. Neste momento, morria o líder revolucionário de apenas 39 anos. Norman Butler, Thomas Johnson e Talmage Hayer foram condenados à prisão perpétua pelo assassinato. Em 1992, o diretor Spike Lee produziu um documentário sobre o líder revolucionário chamado Malcolm X. A sua carreira solidificou-se em êxitos de bilheteira como “Pelican Brief”, ao lado de Julia Roberts, “Filadélfia”, co-estrelado por Tom Hanks - quando ganhou seu primeiro Óscar neste filme - o thriller “Crimson Tide”, de 1995, com Gene Hackman e o filme de guerra “Coragem Sob Fogo”, de 1996. Depois de protagonizar mais um thriller, “The Bone Collector”, em 1999, obteve mais uma nomeação para Melhor Ator pelo filme “The Hurricane”, baseado na história verídica do pugilista Rubin Hurricane Carter, acusado injustamente de ter participado num duplo assassinato e encarcerado durante vinte anos até que um jovem fã, ao ler a sua autobiografia, tenta limpar o seu nome como cidadão.

 

A história social da escravidão (ou escravatura) nos Estados Unidos inicia-se no século XVII, quando práticas escravistas similares aos utilizados pelos espanhóis e portugueses em colônias na América Latina, e termina em 1863, com a Proclamação de Emancipação de Abraham Lincoln, realizada durante a Guerra Civil Americana. Na origem da guerra tem-se, grosso modo, a escravidão e dois modelos econômicos opostos. A Guerra Civil Americana, também reconhecida como Guerra de Secessão ou Guerra Civil dos Estados Unidos, foi uma guerra civil travada nos Estados Unidos de 1861 a 1865, entre o Norte e o Sul. A guerra civil teve início principalmente como resultado da longa controvérsia política e ideológica sobre a escravização dos negros. O norte em expansão econômica devido à industrialização, à proteção ao mercado interno e à mão-de-obra livre e assalariada, e o sul de economia baseada na plantação e no escravismo. As diferenças entre os estados do norte e do sul, ao contrário da dicotomização entre estudiosos, não são tão acentuadas, como diz Lewis C. Gray.
O caráter capitalista da plantation escravista do sul, análogo aos estados do norte, era em certa medida uma contradição no sentido marxista interna ao sistema econômico. Mas uma economia escravista tende a inibir, do ponto de vista do valor-trabalho o desenvolvimento econômico de uma sociedade capitalista, tal como fora analisado por Max Weber em seu livro: The Theory of Social and Economic Organization. Ele analisa o comportamento que é dirigido principalmente por interesses materiais e também orientado para o comportamento de outros. Esse segundo aspecto distingue sua noção de ação econômica daquela da teoria econômica. A ação econômica de Weber é uma ação econômica social. É a partir dessa noção que o sociólogo vai relacionar economia e outras ordens e poderes sociais, como religião e política. Além disso, o retorno dos lucros de volta à produção, presente no norte industrializado, não ocorria da mesma forma nos estados do sul, que tinha uma acentuada tendência a um consumo intenso. Assim, norte e sul diferem-se na medida em que o primeiro possui um progresso econômico qualitativo com o retorno dos lucros à produção, e o sul, por sua vez, ao dirigir seus lucros em escravos e terras, possui um progresso econômico quantitativo, levando em consideração a aparente baixa produtividade da mão-de-obra escrava.
No período da Declaração de Independência dos Estados Unidos, em 1776, a escravidão era legal e presente em todas as Treze Colônias. Em 1865, quando foi abolida pela Décima Terceira Emenda da Constituição, ela estava presente em metade dos estados da União. Como um sistema laboral, foi vital para o sucesso econômico dos Estados Unidos no começo de sua história e quanto foi feito ilegal, foi substituída nas fazendas por sharecropping (uma forma de parceria rural) e trabalhos forçados de presos do sistema carcerário, mirando principalmente afro-americanos, que continuaram em um sistema análogo a escravidão por quase um século após a guerra civil de 1861-65. Esse fato histórico, teórico e ideológico (cf. Bailyn, 2003) se deve à mentalidade escravista do proprietário sulista, que investia na compra de escravos como mercadoria, pois “dava prestígio e segurança econômica e social numa sociedade dominada pelos plantadores”. Os consequentes saltos qualitativos na produção nortista levaram os proprietários sulistas a uma aguda disputa com os proprietários do norte. Se for aceita a condição capitalista para os estados do Sul, ou os estados do Norte, tem-se então uma sociedade capitalista que impediu o desenvolvimento o que é próprio do capitalismo, que na história a tende a revoltas, guerras e revoluções, considerando que o Sul apresentava problemas em torno do binômio de produção de produtos para o consumo interno.  
       Denzel Washington voltaria à cerimônia dos Óscares em 2001, mas como vencedor, pelo seu desempenho no policial “Dia de Treinamento”, interpretando “Alonzo Harris”, um agente do Departamento de Narcóticos que, ao acolher um agente noviço (Ethan Hawke), acaba por demonstrar a sua faceta de corrupto no país da Lei & Ordem. Ao aceitar o prêmio, Denzel o dedicou ao ator Sidney Poitier, homenageado pelo conjunto de sua carreira nessa mesma noite única, que entrou para a história social do cinema e da Academia como a noite em que dois atores negros, Denzel Washington e Halle Berry, venceram pari passu as categorias de Melhor Ator e Melhor Atriz. A sociologia das emoções se constituiu como uma subárea da disciplina sociologia nos anos 1990 primícias de um processo iniciado nos Estados Unidos quase duas décadas antes. Herdeiros de duas escolas sociológicas distintas, a funcionalista de Talcott Parsons e a interacionista simbólica, de George Herbert Mead, Herbert Blumer e  Erving Goffman,  dos sociólogos norte-americanos Randall Collins, Theodore Kemper, Jonathan Turner, Norma Denzin, Arlie Hochschild, Susan Shott, Steven Gordon e Thomas Scheff, desenvolvem à partir das suas respectivas filiações, teorias sociológicas alternativas, e, até certo ponto, conflitantes, para a compreensão das emoções.                
As tensões conceituais e metodológicas entre tais proposições envolvem  questões sociológicas fundamentais, cuja origem remota aos debates travados entre os pragmatistas William James, John Dewey e George Herbert Mead: O que é emoção? Como estudá-la? Essas questões se desdobram em várias outras: Emoção é um fenômeno sociológico? As emoções são sociocultural ou biologicamente determinadas? Ou, as emoções são inatas e universais ou são culturalmente específicas? Qual a influência do social sobre a forma de sentir e de expressar as emoções? Ou, qual e como os sentimentos influenciam os comportamento e atitudes dos indivíduos? Os referencias teóricos da disciplina central se aplicam ao estudo das emoções ou são necessários conceitos específicos? É possível estabelecer relações entre emoções e macro estrutura? As respostas a essas questões dizem respeito à definição do conceito sociológico. Seus adeptos propõem uma sociologia das emoções que deve procurar as causas sociais, psicológicas, fisiológicas das emoções para explicá-las. Deve utilizar-se do método que seja capaz de prever as emoções sociais relevantes e de formular leis gerais aplicáveis ao estudo do homem urbano na contemporaneidade.                          
Consagrado como uma das principais estrelas de Hollywood continuou a apostar nos registros dramáticos: em “John Q”, de 2002, foi um pai desesperado que decide manter como refém todo um hospital como protesto social por não procederem a um transplante de coração ao seu filho e estrelou em 2004, ao lado de Meryl Streep, “Sob o Domínio do Mal”, representa uma sinistra e competente refilmagem do sucesso dos anos 1960, com Denzel Washington no papel que pertenceu a Frank Sinatra. Ben Marco é um soldado que, em meio à violência dos soldados norte-americanos da Guerra do Golfo, foi sequestrado pelo inimigo, juntamente com sua tropa. Alguns anos depois, já em sua casa, Ben começa a rememorar do processo de submissão na guerra com a lavagem cerebral pelo qual passou enquanto esteve preso, que fazia com que obedecesse ordens sem consciência de seu papel social para contestá-las. Com um de seus companheiros de tropa, Raymond Shaw, concorrendo a um cargo na vida política do país, Ben tenta entrar em contato com ele, temendo que Shaw esteja sendo controlado durante esse processo. O ator é casado com Pauletta Pearson Washington desde junho de 1983 com quem tem quatro filhos: John David (1984), Katia (1987) e os gêmeos Olivia e Malcolm (1991). Washington é um cristão devoto. Em 1995, doou 2,5 milhões de dólares para projetos sociais da entidade pentecostal norte-americana Igreja de Deus em Cristo, composta predominantemente de negros, é a maior denominação pentecostal dos Estados Unidos.
Enfim, a sequência de “O Protetor” (“The Equalizer”), adaptação para os cinemas da série de TV oitentista estrelada por Denzel Washington, ganhou data de estreia nos cinemas norte-americanos. A Sony Pictures anunciou que a estreia do filme acontece dia 29 de Setembro de 2017, exatamente três anos após a estreia do primeiro filme. O retorno de Washington é esperado, mas tanto o diretor Antoine Fuqua quanto a protagonista feminina Chloë Moretz não tiveram suas voltas confirmadas. Apesar da indefinição, Fuqua se reunirá mais uma vez com Washington no remake de “Sete Homens e um Destino”. O filme: “O Protetor” arrecadou pouco mais de US$ 192 milhões nas bilheterias no ano passado. No filme, Denzel interpreta o vigilante Robert McCall, um ex-policial das forças especiais que simulou sua morte para viver uma vida tranquila em Boston. Quando ele sai de sua aposentadoria auto-imposta para resgatar uma jovem, Teri (Chloë Grace Moretz), ele se encontra vis-à-vis com mafiosos russos ultraviolentos. Ele pratica atos de vingança contra todos os que agem brutalmente sobre pessoas indefesas. Seu desejo de justiça se reacende no âmbito da categoria sociológica de justiçamento privado. Se alguém tem um problema, está com todas as chances empilhadas contra si, e sem ter para onde correr; McCall vai ajudar. Ele é O Protetor.
Quem assistiu ao excelente “Dia de Treinamento”, que teve o diretor Antoine Fuqua em parceria com o ator Denzel Washington, cujo trabalho lhe rendeu o Oscar em sua categoria, logo imaginaria que um segundo encontro dos dois poderia trazer algo semelhante ao filme de 2001. No entanto, “O Protetor” é completamente diferente do que Fuqua e Washington realizaram concretamente em um de seus primeiros filmes. Em relação aos vilões, eles não são apenas  vagos, como possuem características clichês da máfia em qualquer situação ou país. O simples fato de serem russos já sugere a nacionalidade de vilões como componente conveniente aos norte-americanos no período da chamada Guerra Fria. Embora a máfia russa pudesse servir justamente como uma forma de desconstruir a visão política dos criminosos, esta escolha como “social irradiado” pretende que imaginemos algo que criticasse tal situação. Ressurge a figura mítica de um justiceiro que represente algo interessante, já que promove uma espécie de catarse coletiva – por matar policiais corruptos e bandidos -,  para introjetar  a humanização do personagem em momentos extremamente delicados.
       O ator norte-americano Denzel Washington foi homenageado como a personalidade do ano dos Estados Unidos no setor de entretenimento pela revista Entertainment Weekly. Washington, que ganhou o Oscar em 2002 por sua atuação em Dia de Treinamento, foi saudado pela revista por ter atingido novos patamares em sua carreira. A Entertainment Weekly deu o título a Washington depois de ele se transformar no segundo negro a receber o Oscar de melhor ator. O jornalista Dave Karger, que escreveu o artigo sobre Washington, afirma que ele foi escolhido não apenas pelo Oscar, mas também por sua estréia como diretor no filme Antwone Fisher, sobre um jovem que quer encontrar a família que o abandonou. Fisher é o típico negro americano que encontrou na Marinha uma saída para sua vida de traumas. O pai morreu antes de ele nascer, a mãe não foi buscá-lo no orfanato quando ela saiu da prisão, foi abusado pelos pais adotivos e viu seu melhor e único amigo morrer quando assaltava uma loja. Ele também participa do filme como o psiquiatra Jerome Davenport. O filme é inspirado por uma história verídica, com o verdadeiro Antwone Fisher creditado como o roteirista, baseado em sua autobiografia escrita no livro Finding Fish. O filme foi produzido por Washington, Nancy Paloian e Todd Black, e apresenta a trilha sonora de Mychael Danna.
Bibliografia geral consultada. 

GRAY, Lewis Cecil, History of Agriculture in the Southern United States to 1860. Contributions to American Economic History. Washington: Carnegie Institute of Washington, 1933; PARSONS, Talcott, The Structure of Social Action. 2ª edição. Glencoe: The Free Press, 1949; MARCUSE, Herbert, Eros e Civilização. Uma Interpretação Filosófica do Pensamento de Freud. 8ª edição. São Paulo: Guanabara Koogan, 1966; ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric, Deporte y Ocio en el Proceso de la Civilizacion. 2ª edición. México: Fondo de Cultura Económica, 1995; THOMPSON, John, Ideologia e Cultura Moderna, Teoria Social Crítica na Era dos Meios de Comunicação de Massa. 3ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1999; MAFFESOLI, Michel, El Instante Eterno. El Retorno de lo Trágico en las Sociedades Posmodernas. Buenos Aires: Ediciones Paidós, 2001; BIKO, Steve, I Write What I Like: Selected Writings. Chicago: University of Chicago Press, 2002; BAILYN, Bernard, As Origens Ideológicas da Revolução Americana. Bauru: EDUSC, 2003; KEMPER, Theodore, “Power and Status and the Power-status Theory of Emotins”. In: Handbook of the Sociology of Emotions, 87-113. Boston: MA: Springer, 2006; THOMPSON, John, Ideologia e Cultura Moderna, Teoria Social Crítica na Era dos Meios de Comunicação de Massa. 3ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2006; VILHENA, Junia de, “A Violência da Cor: Sobre Racismo, Alteridade e Intolerância”. In: Revista Psicologia Política, vol. 6, nº12, 2006; KOURY, Mauro Guilherme Pinheiro, Emoções, Sociedade e Cultura: A Categoria de Análise Emoções como Objeto de Investigação na Sociologia. Curitiba: Editora CRV, 2009; Idem, “Sociologia e Antropologia dos Corpos e das Emoções”. In: Revista Brasileira de Sociologia da Emoção (Online), vol. 11, pp. 645-653, 2012; Idem, “Emoções e Sociedade: Um passeio na Obra de Norbert Elias”. In: História. Questões e Debates, vol. 59, pp. 79-98, 2013; Idem, “Talcott Parsons e a Teoria Geral da Ação”. In: Revista Brasileira de Sociologia da Emoção (Online), vol. 13, pp. 140-151, 2014; entre outros.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Ideologia de “Desaposentação” e Política do Trabalho no Brasil.

Ubiracy de Souza Braga*

                          “O  governo tem de regulamentar, dizer como devem ser as regras.  Wladimir Novaes Martinez

         O termo ideologia aparece pela primeira vez em 1801 no livro de Destutt de Tracy, Eléments d`ldéologie. Juntamente com o médico Pierre-Jean-Georges Cabanis (1757-1808), Joseph Marie De Gérando (1772-1842) e Constantin François de Chasseboeuf, conde de Volney, per se De Tracy pretendia elaborar uma ciência da gênese das ideias, tratando-as como fenômenos naturais que exprimem a relação do corpo humano enquanto organismo com o ambiente. Elabora uma teoria sobre as faculdades sensíveis, responsáveis pela formação de todas as nossas ideias: querer (vontade), julgar (razão), sentir (percepção) e recordar (memória). Nesses termos os ideólogos franceses eram antiteológicos, antimetafísicos e antimonárquicos. Pertenciam ao partido liberal e esperavam que o progresso das ciências experimentais, baseadas exclusivamente na observação, na análise e síntese dos dados observados, pudesse levar a uma nova pedagogia e a uma nova moral. Contra a educação religiosa e metafísica, que permite assegurar o poder político de um monarca, De Tracy propõe o ensino das ciências físicas e químicas para “formar um bom espírito”, isto é, um espírito capaz de observar empiricamente, decompor e recompor os fatos, sem se perder em especulações. Cabanis pretende construir ciências morais de tanta certeza quanto naturais, capazes de trazer a felicidade  e acabar com os dogmas, desde que a moralidade não seja separada da fisiologia do corpo humano. 

Nos Elementos de Ideologia, na parte dedicada ao estudo da vontade, De Tracy procura analisar os efeitos de nossas ações voluntárias e escreve, então, sobre economia, na medida em que os efeitos das ações voluntárias concernem à nossa aptidão para prover necessidades materiais. Procura saber como atuam, sobre o indivíduo e sobre a massa, o trabalho e as diferentes formas da sociedade, isto é, a família, a corporação. Suas considerações, na verdade, são glosas das análises do economista francês Say, a respeito da troca, da produção, do valor, da indústria, da distribuição do consumo e das riquezas. No ensaio Influências do Moral sobre o Físico, Cabanis procura determinar a influência do cérebro sobre o resto do organismo, no quadro puramente fisiológico. O ideólogo francês partilha do otimismo naturalista e materialista do século XVIII, acreditando que a Natureza tem, em si, as condições necessárias e suficientes para o progresso e que só graças a ela nossas inclinações e nossa inteligência adquirem uma direção e um sentido. Os ideólogos foram partidários de Napoleão e apoiaram o golpe de 18 Brumário, pois o julgava um liberal continuador dos ideais da Revolução Francesa. Enquanto Cônsul, Napoleão nomeou vários ideólogos senadores ou tribunos. Todavia, logo se decepcionaram com Bonaparte, vendo nele o restaurador do Antigo Regime. Opõe-se às leis referentes à segurança do Estado e são por isso excluídos do Tribunado e sua Academia é fechada. 

Os decretos napoleônicos para a fundação da nova Universidade Francesa dão plenos poderes aos inimigos dos ideólogos, que passam, então, para o partido da oposição. O sentido pejorativo dos termos “ideologia” versus “ideólogos” veio de uma declaração de Napoleão que, num discurso ao Conselho de Estado em 1812, declarou: “Todas as desgraças que afligem nossa bela França devem ser atribuídas à ideologia, essa tenebrosa metafísica que, buscando com sutilezas as causas primeiras, quer fundar sobre suas bases a legislação dos povos, em vez de adaptar as leis ao conhecimento do coração humano e às lições da história”. Bonaparte invertia a imagem que os ideólogos tinham de si mesmos: eles, que se consideravam materialistas, realistas e antimetafísicos, foram chamados de “tenebrosos metafísicos”, ignorantes do realismo político que adapta as leis ao coração humano e às lições da história. O curioso, segundo a filósofa marxista Marilena Chauí, no ensaio: O Que é Ideologia (1983), é que se a acusação de Bonaparte é infundada com relação aos ideólogos franceses, não o seria se se dirigisse aos ideólogos alemães, criticados analiticamente por Marx que conservará o significado napoleônico do termo: o ideólogo é aquele que inverte as relações humanas entre as ideias e o real de análise. Assim, a ideologia, que inicialmente designava uma ciência natural da aquisição, pelo homem, das ideias calcadas sobre o próprio real, passa a designar, dar por diante, um sistema de ideias condenadas a desconhecer sua relação real com a realidade conceitual da imaginação humana.

                        

        O que está em jogo na relação capital versus trabalho no que se refere à ideologia de desaposentação? O Plenário do Supremo Tribunal Federal, na sessão do dia 26 de outubro de 2016 decidiu por maioria de votos pela “inviabilidade do aposentado permanecer em atividade ter seu benefício majorado considerando as novas contribuições à previdência”. A tese ortodoxa fixada pelo Tribunal admite que: “No âmbito do Regime Geral de Previdência Social, somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à ‘desaposentação’, sendo constitucional a regra do Art. 18, § 2º, da Lei nº 8.213/91”. O Ministro Luis Roberto Barroso votou pelo direito segurado à desaposentação. Entretanto, observou que não havia necessidade de devolução dos valores já recebidos. Outros votos vencidos foram o da Ministra Rosa Weber e do Ministro Ricardo Lewandowski, que seguiram o posicionamento de que o segurado possui direito à desaposentação. Por outro lado, a corrente vencedora prossegue no entendimento do Ministro Dias Toffoli. Segundo ele apesar de a Carta Maior não conter vedação à desaposentação, não existe também previsão legal para tal direito.  

        O ministro Toffoli salientou que a CF dispõe de forma clara e específica que compete à legislação ordinária estabelecer as hipóteses em que as contribuições previdenciárias repercutem diretamente no valor dos benefícios, como é o caso da desaposentação, que possibilitaria a obtenção de benefício de maior valor a partir de contribuições sociais recolhidas após a concessão tributária da aposentadoria.  O Ministro Teori Zavascki acompanhou o voto referido, tendo em vista o caráter solidário do sistema previdenciário, em que as contribuições possuem o intuito de não serem de uso exclusivo do segurado, mas para a manutenção da coletividade. Votaram também pela ilegalidade da desaposentação os Ministros Edson Fachin, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Com efeito, a maioria dos ministros da Suprema Corte brasileira pautou-se no fundamento da ausência de previsão legal em relação à renúncia da aposentadoria e a possibilidade de concessão de uma nova Constituição, recalculada com base nas contribuições posteriores e idade atualizada. Argumentou-se também que a inviabilidade da aposentação se baseia nos comandos da Constituição e decorre dos princípios que regem o sistema previdenciário brasileiro.

        A história social da aposentadoria no Brasil remete ao ano de 1888, quando de forma ainda incipiente surgiram iniciativas para beneficiar antigos funcionários de setores que eram importantes para o império, tais como os funcionários dos correios, da imprensa nacional, das estradas de ferro, da marinha, da casa da moeda e da alfândega. No entanto, foi apenas no ano de 1923 que o Brasil assistiu ao ponto de partida da história da previdência social tal como é concebida. Destaca-se, assim como em outros países, o fato de mulheres e professores de educação infantil aposentarem-se 5 anos mais cedo de que os demais trabalhadores. A previdência oferece quatro tipos de jubilação: aposentadoria por idade que se diferencia se for trabalhador urbano ou trabalhador rural, aposentadoria por tempo social de contribuição que se subdivide em aposentadoria proporcional, por pontos e comum, aposentadoria por invalidez e aposentadoria especial. A classificação do trabalho brasileiro não é ponto pacífico entre os doutrinadores.

          A corrente majoritária entende que ele faz parte do direito privado, uma vez que se trata da relação social entre partes privadas: patrão e empregado. Porém, o direito do trabalho tem hoje várias regras cogentes de caráter público visando a garantir os direitos mínimos do trabalhador ante o empregador. Essas regras públicas existem em virtude da doutrina do intervencionismo básico do Estado que busca proteger o empregado, elo mais fraco da relação. Esse intervencionismo faz alguns defenderem uma natureza jurídica mista, ou seja, de direito parcialmente privado e parcialmente público para este ramo do direito que mescla tanto de normas públicas quanto privadas. Outros vão mais longe e entendem que a livre manifestação das vontades foi substituída, no direito do trabalho, pela vontade do Estado e esse teria, portanto, caráter de direito público. Finalmente, há também uma corrente que liga o direito do trabalho ao direito social, enfatizando a coletivização do direito. De qualquer modo, a tese de que este ramo do direito seria parte do direito privado permanece sendo a que prevalece no Brasil.   

Estudos recentes têm demonstrado cada vez mais com maior clareza do ponto de vista técnico-metodológico (pesquisa empírica) e técnico-científico (discursivo) que, o avanço da idade não determina a deterioração da inteligência, pois ela está associada à educação, ao padrão de vida, a vitalidade física, mental e emocional. Também é preciso perder o preconceito sobre a idade cronológica das pessoas. Vale fazer um alerta importante, talvez, só na América do Sul estima-se que no início deste novo milênio mais de 30 milhões de pessoas estarão com idade acima de 60 anos. No Brasil, só o Estado de São Paulo representará quase três (03) milhões de pessoas ou cerca de 8% dessa população. O aumento desta população tende a expandir nas próximas décadas, o que justifica o interesse e a preocupação da sociedade em geral e em particular do governo em criar ações para tratar questões ligadas à velhice. 
Após a manutenção do veto da presidenta Dilma Rousseff ao projeto que extinguiu a fórmula do fator previdenciário, a Comissão Especial que analisa a Medida Provisória (MP) 676/2015 aprovou o Relatório do deputado Afonso Florence (PT-BA), que propõe uma alternativa para o cálculo da aposentadoria. O texto segue agora para ser votado no plenário da Câmara. Em junho, Dilma Rousseff vetou uma proposta que acabava com o fator previdenciário. Melhor dizendo, o índice que reduz o valor das pensões para desestimular as “aposentadorias precoces” – e permitia imediatamente a aplicação da regra 85/95, na hora da bendita aposentadoria do trabalhador.
Pela fórmula, mulheres e homens poderão se aposentar quando a soma da idade e do tempo de contribuição for igual a 85, observando o tempo mínimo de contribuição de 30 anos de trabalho, no caso das mulheres, e 95, observando o tempo mínimo de contribuição de 35 anos de trabalho, no caso dos homens. Professores e professoras aparentemente têm assegurado o direito à aposentadoria por tempo de contribuição quando completarem 30 e 25 anos de contribuição, respectivamente. A presidenta justificou o veto, dizendo que “a proposta aumentaria o déficit no Regime Geral da Previdência, comprometendo sua sustentabilidade”. Em seu lugar, o Executivo propôs a manutenção da fórmula 85/95, mas criou “um dispositivo de escalonamento para aplicação da regra, que considera o aumento da expectativa de vida do brasileiro”.
         A Previdência Social no Brasil possui mais de 100 anos de história social e política como instituição. Tem como ponto de partida Lei Elói Chaves, regulamentada com o Decreto n° 4.682 de 1923. Ela criou a Caixa de Aposentadoria e Pensões para empregados de empresas ferroviárias, estabelecendo assistência médica, aposentadoria e pensões, válidas também para seus familiares. Em três anos, a lei seria estendida para trabalhadores de empresas portuárias e marítimas. Na década de 1930, através da promulgação de diversas normas, os benefícios sociais foram sendo ampliados para a maioria das categorias de trabalhadores, dos setores público e privado. Foram criados institutos de previdência para gestão e execução da seguridade social brasileira. Em 1960, foi criada a Lei Orgânica de Previdência Social, unificando a legislação referente aos institutos de aposentadorias e pensões já beneficiando todos os trabalhadores urbanos. Os trabalhadores rurais passariam a ser contemplados em 1963.
Em 1966, com a alteração de dispositivos da Lei Orgânica da Previdência Social, foram instituídos o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, com indenização para o trabalhador demitido que também pode ser usada para quem puder comprar sua casa própria, articulado ao Instituto Nacional de Previdência Social - INPS que reuniu os seis institutos de aposentadorias e pensões existentes. Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social. Até então, o tema ficava sob o comando do Ministério do Trabalho e Emprego. A extensão dos benefícios da previdência a todos os trabalhadores se dá com a Constituição de 1988, que passou a garantir renda mensal vitalícia a idosos e portadores de deficiência, desde que comprovada a baixa renda e que tenham qualidade de segurado. Em 1990, o Instituto Nacional de Previdência Social mudou de nome para ser chamado de Instituto Nacional de Seguridade Social.
      A nova regra para aposentadorias proposta pela Medida Provisória 676, para substituir a fórmula 85/95 – aprovada pelo Congresso e vetada pela presidente Dilma Rousseff –, vai ajudar a minimizar o impacto negativo nas contas públicas, mas não traz uma solução para o crescente déficit da Previdência Social (RGPS). A consultoria “Tendências” calculou o impacto fiscal da proposta 85/95 e da solução alternativa apresentada pelo governo. Segundo o estudo estatístico, a regra aprovada pelo Congresso aumentaria o déficit da previdência em 0,4% PIB nos próximos 55 anos, enquanto a regra progressiva proposta pelo governo elevaria o déficit em 0,1% do PIB. A fórmula representa uma alternativa para o fator previdenciário, que continua valendo, caso o trabalhador queira se aposentar mais cedo, mas com um benefício menor. Atualmente, a mudança no atual modelo de aposentadoria vem sendo tratada no Congresso, com a discussão em torno do fim do fator previdenciário, que reduz o valor de quem se aposenta por tempo de serviço antes de chegar aos 60 anos, no caso das mulheres, e 65 anos, para os homens, e a proposta de soma entre a idade do beneficiário ao se aposentar e o tempo total de contribuição, resultando em 85 e 95 anos para mulheres e homens, respectivamente, para que seja possível parar de trabalhar.
            Em primeiro lugar, a maioria das pessoas associa as palavras trabalho e emprego como se representassem valores econômicos idênticos. Apesar de estarem ligadas, essas palavras possuem significados diferentes. O trabalho é mais antigo que o emprego. O trabalho existe desde o momento que o homem começou a transformar a natureza e o meio ao seu redor. Desde o momento que o homem começou a fazer utensílios e ferramentas. Por outro lado, o emprego é algo recente na história da humanidade. É um conceito que surgiu por volta da Revolução Industrial. É uma relação social entre homens que vendem sua força de trabalho, e homens que compram essa força de trabalho pagando a capacidade de trabalho pelo valor de troca como um salário. O trabalho é essencial para o funcionamento de todas as sociedades existentes. O trabalho é responsável pela produção de alimentos e outros produtos de consumo da sociedade. Sendo assim, sempre existirá o trabalho. O conceito, a classificação e o valor atribuído ao trabalho tem sua base sociológica e são sempre questões culturais. Cada sociedade cria um conceito próprio, divide o trabalho em certas categorias e atribui-lhe um determinado valor. Quando essas condições se alteram, o trabalho também se altera. A forma como uma sociedade decide quem vai organizar o trabalho e quem o realizará. A forma como o produto, a riqueza, produzida pelo trabalho é distribuída entre os membros da sociedade, determina as divisões de classes sociais, no campo e na cidade. 
       O trabalho é o principal fator que determina as condições de existência na sociedade. Assim, enquanto existir uma sociedade, dizia Marx, existirá trabalho, pois aquela não  existe sem esta, embora o mesmo possa não ser verdadeiro em relação ao emprego. Fica claro que compreender o trabalho e o emprego é importante em qualquer ocasião e época; mas é mais importante ainda entender o trabalho quando a sociedade encontra-se em um processo reformista de conservação das estruturas de poder econômico e político; pois o trabalho certamente será influenciado e influenciará as mudanças e a sociedade. A exploração do trabalho não é mais aquela como resultado da acumulação de capital nos séculos XIX ou XX. Por isso, é preciso mudar a forma de fazer política.  O trabalho que Marx considera necessário consome apenas uma fração da jornada de trabalho. Outra porção, bem mais significativa hoje que no passado em função do avanço da produtividade e da depreciação da força de trabalho imposta pela globalização, representa o tempo no qual o trabalhador produz um valor superior à sua própria remuneração e que já não é mais, na concepção marxista, trabalho necessário e sim trabalho excedente, substância da mais-valia. Trata-se da única fonte real de todos os lucros, sob a forma de juros, dividendos e outros. Embora isto não transpareça na superfície dos fatos econômicos e nas aparências enganadoras da chamada terceirização, em que o próprio trabalho parece gerar mais dinheiro no bolso do trabalhador.
Uma pesquisa da Organização das Nações Unidas sobre Envelhecimento no Século 21 demonstrou que entre os idosos, a segurança financeira representa a maior preocupação para a manutenção social da vida. Nas últimas décadas, o Brasil viu sua população idosa aumentar em um ritmo mais rápido do que o previsto devido à queda da fecundidade e ao aumento da expectativa de vida do brasileiro, que subiu para 74, 9 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Assegurar o bem-estar da população mais velha e equilibrar as contas da seguridade social é hoje um desafio político. Atualmente o governo brasileiro alega que o sistema previdenciário não seria sustentável ao longo dos próximos anos. Para conter as despesas, o governo propôs endurecer as regras aos benefícios da previdência penalizando o trabalho. Em junho de 2015, por exemplo, o Congresso aprovou o mecanismo 85/95, que prevê mudanças no cálculo da aposentadoria. Com a nova regra, “a soma da idade + o tempo de contribuição deve ser de 85 anos para mulheres e 95 anos para homens”. A partir de 2017, o mecanismo será gradativamente acrescido em 1 ponto até 2022. 
Assim, em 2017 as idades passam para 86/96, em 2019 para 87/97, em 2020 para 88/98, até chegar em 90/100 em 2022. A mudança gradativa decorreu de uma decisão da presidente Dilma Rousseff frente à proposta aprovada no Congresso. O argumento decorre do aumento da expectativa de vida. Os gastos com aposentadoria dos idosos seriam acrescidos com as despesas públicas provocando um déficit previdenciário. A previdência consome 22,7% da despesa total do governo brasileiro. Uma pesquisa internacional apontou que os gastos previdenciários equivalem a 11% do PIB no Brasil e a 6% do PIB nos EUA, sendo que a proporção da população norte-americana acima dos 60 anos (16% da população total) é o dobro da brasileira (8% da população total). Para especialistas, a valorização do salário mínimo - que corrige os benefícios -, a aposentadoria precoce e o excesso de pensões são fatores que ajudam a elevar os gastos do governo com a previdência. Por isso, equilibrar as contas públicas é um dos pontos centrais da transformação já que o Brasil viverá uma transição demográfica a partir de 2030, quando a previsão do IBGE prognostica que a população brasileira deverá atingir seu pico e provavelmente terá o maior número de homens e mulheres trabalhando. A população jovem, de faixa etária entre 15 e 29 anos, deve cair muito a partir desta data.
Bibliografia geral consultada.

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).