“Ao quebrar o silêncio a linguagem realiza o que o silêncio pretendia”. Maurice Merleau-Ponty
A psicologia representa uma disciplina acadêmica de “imenso escopo”, cruzando as fronteiras entre as ciências naturais e as ciências sociais. Os “psicólogos biológicos” buscam uma compreensão das propriedades emergentes dos cérebros humanos, ligando a disciplina à neurociência. Sendo considerados cientistas sociais, também os psicólogos visam entender o comportamento de indivíduos e grupos. Um profissional ou pesquisador envolvido na disciplina é chamado de psicólogo. Alguns psicólogos também podem ser classificados como “cientistas comportamentais ou cognitivos”. Alguns psicólogos tentam entender o papel das funções mentais no comportamento individual e social. Outros exploram os processos fisiológicos e neurobiológicos subjacentes às funções e comportamentos cognitivos. Os psicólogos estão envolvidos em pesquisas sobre percepção, cognição, atenção, emoção, inteligência, experiências subjetivas, culturais, motivação, funcionamento do cérebro e personalidade. Os interesses dos psicólogos se estendem às relações interpessoais, resiliência psicológica, resiliência familiar e outras áreas da psicologia social. Eles também consideram a mente inconsciente. Os psicólogos pesquisadores empregam métodos abstratos e empíricos para inferir relações causais e correlacionais entre variáveis psicossociais. Alguns psicólogos clínicos e de aconselhamento confiam na interpretação simbólica. Talvez o melhor tenha sido o antropólogo Gilbert Durand (1921-2012).
A
palavra psicologia significa literalmente “estudo da alma”. A palavra foi usada
pela primeira vez no Renascimento. Em sua forma em latim psychiologia,
foi empregada pela primeira vez pelo humanista e latinista croata Marko Marulić (1450-1524) na década de 1510-1520. Embora o reconhecimento psicológico seja frequentemente
aplicado à avaliação e tratamento de problemas de saúde mental, ele também é
direcionado para a compreensão e resolução de problemas em várias esferas da
atividade psicológica humana. Segundo muitos relatos, a psicologia visa, em última análise,
beneficiar a sociedade. Muitos psicólogos estão envolvidos em algum tipo de
papel terapêutico, praticando psicoterapia em ambientes clínicos, de
aconselhamento ou escolares. Outros psicólogos realizam pesquisas científicas
sobre uma ampla gama de tópicos especiais relacionados a processos mentais e
comportamento. Normalmente, o último grupo de psicólogos trabalha em ambientes
acadêmicos como por exemplo, universidades, escolas de medicina ou hospitais.
Outro grupo de psicólogos é empregado em ambientes industriais e organizacionais.
Outros ainda estão envolvidos essencialmente em trabalhos relativos sobre
desenvolvimento humano, a questão do envelhecimento, esportes, saúde, ciência
forense, educação e mídia em geral.
Em Amor Invisível (2019), Bess (Shannon Tarbet) sofre de “síndrome de percepção seletiva” e não consegue ver sua própria mãe (cf. Gorki, 2019). Em busca de uma solução, uma psiquiatra pede para Bess passar um tempo com um “homem suicida”, entretanto, ela também não pode vê-lo, nem compreendê-lo. E apesar de não enxergar o que está em sua frente, a jovem precisará tomar as “rédeas” de sua vida. A percepção seletiva pode se referir a qualquer número de vieses cognitivos na psicologia relacionados à maneira como as expectativas afetam a percepção visualmente. O julgamento humano e a tomada de decisão são distorcidos por uma série de preconceitos cognitivos, perceptivos e motivacionais. Pessoas tendem a não reconhecer seu próprio preconceito, embora elas tendam a reconhecer facilmente, e até superestimar, a operação do preconceito no julgamento humano por outros. Uma das razões pelas quais isso pode ocorrer é o que tem sido chamado de “bombardeio de estímulos” em que as pessoas recebem no âmbito cotidiano, deixando difícil de se prestar atenção igualmente a tudo como ocorre na vida social; portanto, elas escolhem, e escolhem de acordo com suas próprias necessidades. Percepção seletiva é o nome dado a um fenômeno psicológico segundo o qual, diante de um evento ou elemento social, escolhemos concentrar nossa atenção cotidiana quanto ao fato social que ver, ouvir e prestar atenção de acordo com nossas crenças pessoais.
A concentração mental tem como representação um
processo psíquico que consiste em concentrar voluntariamente toda a atenção possível
da mente sobre um objetivo prático, objeto ou atividade humana que se está fazendo no momento,
deixando de lado todos os fatos sociais ou objetos que possam ser capazes de
interferir na atenção. Vontade é a capacidade através da qual tomamos posição
frente ao que nos aparece. Diante de um fato, podemos desejá-lo ou rejeitá-lo.
Ante um pensamento, podemos afirmá-lo, negá-lo ou suspender o juízo sobre ele. Para
os filósofos Santo Agostinho e René Descartes, vontade e liberdade são a mesma
coisa: a faculdade através da qual somos dignos de louvor, quando escolhemos o
bom, e dignos de reprovação, quando escolhemos o mau. Agostinho e Descartes
concordam em que o fato de nós humanos termos vontade nos torna responsáveis
pelas nossas decisões e ações. A dimensão moral do homem decorre do fato dele
ter vontade. Em Agostinho, a escolha digna de reprovação é pecado. Em Descartes
é erro. O “pecado” é uma falta religiosa oriunda da vontade. O erro é uma falta
moral ou epistêmica. Moral quando a falta oriunda da vontade é prática.
Epistêmica quando a falta oriunda da vontade é teórica. Agostinho de Hipona (354-430) e René Descartes (1596-1650) também concordam em afirmar que o fato sociológico de termos vontade não só nos torna
responsáveis por nossos atos e decisões como também livra Deus de qualquer
responsabilidade sobre a mesma, tal como explica a teodiceia.
A
percepção seletiva, para o que nos interessa, é a característica que o indivíduo faz com que uma
pessoa, um objeto ou um evento se sobressaia visualmente. Em outras palavras, é
uma forma de viés, porque interpreta as informações de uma maneira que é
congruente com os valores e crenças existentes do indivíduo. Por exemplo, um
professor pode ter um aluno favorito porque é influenciado pelo favoritismo
intragrupo. O professor ignora a baixa realização do aluno. Por outro lado,
eles podem não perceber o progresso social de seu aluno menos favorito. Percepção
seletiva é o processo pelo qual os indivíduos percebem “o que querem nas
mensagens da mídia enquanto ignoram pontos de vista opostos”. É um termo amplo
para identificar o comportamento que todas as pessoas exibem tendem a “ver
as coisas” com base em seu quadro de referência específico. Também descreve
como categorizamos e interpretamos as informações sensoriais de uma maneira que
favorece uma categoria ou interpretação sobre outra. Em outras palavras, ela
representa uma forma de viés, porque interpretamos as informações de uma
maneira que é congruente com nossos valores e crenças existentes. Os psicólogos
acreditam que esse processo ocorre automaticamente.
A
percepção seletiva pode se referir a qualquer número de vieses cognitivos na
psicologia relacionados à maneira como as expectativas humanas afetam a
percepção. O julgamento humano e a tomada de decisão são distorcidos por uma
série do que em psicologia se chama “preconceitos cognitivos”, perceptivos e
motivacionais, e as pessoas tendem a não reconhecer seu preconceito, embora
elas tendam a reconhecer facilmente e até superestimar “a operação de
preconceito no julgamento humano por outros”. Uma das razões pelas quais isso
pode ocorrer pode ser factualmente porque as pessoas são simplesmente bombardeadas
com muitos estímulos todos os dias para prestar igual atenção a tudo; portanto,
escolhem e escolhem de acordo com suas próprias necessidades. Para entender
quando e por que uma região específica de uma cena é selecionada, os estudos
observaram e descreveram os movimentos oculares dos indivíduos enquanto
realizavam tarefas específicas. Nesse caso, a visão era um processo ativo que
integrava as propriedades da cena ao comportamento oculomotor específico e
orientado a objetivos. Em um estudo clássico sobre esse assunto relacionado ao “efeito
hostil da mídia”, que é um bom exemplo de configuração socialmente dapercepção seletiva, os espectadores
assistiram a uma tira de filme de um jogo de futebol norte-americano considerado particularmente
violento em Princeton-Dartmouth.
Os
telespectadores de Princeton relataram ter visto quase o dobro de infrações às
regras cometidas pela equipe de Dartmouth do que os telespectadores de
Dartmouth. Um aluno de Dartmouth não viu nenhuma infração cometida pelo lado de
Dartmouth e erroneamente assumiu que ele havia recebido apenas parte do filme,
enviando uma mensagem solicitando o resto. A percepção seletiva também é
um problema para os anunciantes, pois os consumidores podem interagir com
alguns anúncios e não com base em suas crenças preexistentes sobre a marca. Seymour
Smith, um destacado “pesquisador de publicidade”, encontrou evidências de
percepção seletiva na pesquisa de publicidade no início dos anos 1960, e
definiu que era “um procedimento pelo qual as pessoas deixam entrar ou filtrar
o material publicitário que têm a oportunidade de ver ou ouvir. Eles fazem isso
por causa de suas atitudes, crenças, preferências e hábitos de uso,
condicionamento, etc.”. As pessoas que gostam, compram ou estão pensando em
comprar uma marca têm mais probabilidade de notar publicidade do que aquelas
que são neutras em relação à marca. Esse fato tem repercussões no campo
da pesquisa em publicidade, porque qualquer análise pós-publicidade que
examine as diferenças de atitudes ou comportamento de compra entre os que estão
cientes e os que desconhecem a publicidade é falha, a menos que diferenças
preexistentes sejam controladas. Do ponto de vista da comunicação social os
métodos de interpretação de pesquisa em publicidade utilizam um design
longitudinal que estão indiscutivelmente melhor equipados para controlar a
percepção seletiva.
O
filósofo francês Maurice Merleau-Ponty exercitou em sua teoria reflexões sobre
a fenomenologia, movimento filosófico segundo o qual, assim que algo se revela
frente à consciência humana, o Homem inicialmente o observa e o percebe em
completa conformidade com sua forma, do ponto de vista da sua capacidade
perceptiva. Na conclusão deste processo, a matéria externa é inserida em seu
campo consciencial, convertendo-se, assim, em um fenômeno. O filósofo tem
consciência de que as teorias sociais convencionalmente conhecidas sobre a
percepção e a psicologia, contrariando Jean-Paul Sartre, percebe em que
instante a consciência é integrada no mundo.
As críticas analíticas de Merleau-Ponty ao modelo representacional da
percepção e da consciência se constituem ao longo de sua démarche no âmbito
filosófico. Todavia em O Visível e o Invisível (1996; 2007),
praticamente abandona a preocupação com a crítica a estas questões. Aprofunda
cada vez mais suas concepções sobre o corpo, sobre o Ser, inaugurando a
concepção de “carne”. Escreve que a carne (“Chair”) não é matéria, não é
espírito, não é substância. Seria preciso para designá-la, o termo “elemento”
(“élément”) “em que era empregado para falar-se da água, do ar, da terra e do
fogo. Isto é, no sentido de uma coisa geral, meio caminho entre o indivíduo
espaço-temporal e a ideia”.
Essa teoria circunscreve três impulsos
filosóficos que serão afastados pelo trabalho merleau-pontyano: o teológico,
que coloca o Absoluto como ponto de partida; o humanista, presente tanto nas
filosofias da consciência quanto nas antropologias filosóficas, que faz da
subjetividade o ponto de partida. Enfim, o naturalismo cientificista e o de um
certo materialismo que, desejoso de corrigir as tendências anteriores, toma o
homem e o mundo como processos objetivos impessoais. Esta é a tônica, por
exemplo no caso exemplar do filme Misery (1990) em que a miséria humana não
é determinista, pois acaso, do latim: “a casu”, significa “sem causa”.
Acaso é uma palavra que pode ser usada em três sentidos diferentes, dependendo
do significado que se dê originalmente à palavra causa. A base do conhecimento
está, portanto, na capacidade de perceber o que nos cerca. Implica também o
processo de dar significado ao que foi captado pelos sentidos, para que se
possam realizar as necessárias conexões entre os objetos perceptíveis, o que
torna possível vê-los como um todo expresso na dinâmica socialmente de seu
movimento.
Leitora
ardente e fã número 1 dos livros dele, Annie o prende na própria casa e o
submete a uma série de torturas inimagináveis. Uma adaptação elegante, fiel e
recheada de humor mórbido. Escritor de best-sellers, Paul Sheldon (James Caan)
é salvo de um acidente por uma fã que resolve “guardá-lo para ela”. Ela se
chama Annie Wilkes (Kathy Bates), enfermeira fanática pela personagem Misery
Chastain. Paul, com as duas pernas quebradas e preso à cama, sente o alívio de
não ter morrido tornar-se horror quando Annie descobre que a personagem Misery
morre no último romance da série. Ele é obrigado a queimar o manuscrito com que
esperava conquistar respeitabilidade literária. Annie exige que ele resgate
Misery dentre os mortos e, diante do trágico e o inusitado, escrever essa
história dramática, pois será sua única garantia de vida. Vale lembrar que num
curso sobre o conceito de Natureza, ministrado em 1956/57, no Collège de
France, Merleau-Ponty afirma que o problema ontológico é aquele ao qual se
subordinam todos os outros e por isso mesmo a ontologia não pode ser um teísmo,
um naturalismo ou um humanismo, não pode identificar o Ser com um dos
seres - Deus, o homem ou a Natureza, é reafirmada na última nota do ensaio: O Visível e o Invisível (2007), quando apresenta o plano de
seu escrito, escrevendo: - “Trata-se
precisamente de mostrar que a filosofia não pode mais pensar segundo esta
clivagem: Deus, o homem, as criaturas”.
Neste
aspecto filosófico e metodológico, Marx, depois de Hegel, é quem melhor
precisa, a ideia segundo a qual “não é a consciência dos homens que determina o
seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência”.
Assim como não se julga um indivíduo pela ideia que ele faz de si próprio, não
se poderá julgar uma tal época de transformação pela mesma consciência de si; é
preciso, pelo contrário, explicar esta consciência pelo conflito que existe
entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. Uma organização
social nunca desaparece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que
ela é capaz de conter; nunca relações de produção novas e superiores se lhe
substituem antes que as condições materiais de existência destas relações se
produzam no próprio seio da velha sociedade. É por isso que a humanidade só
levanta os problemas que é capaz de resolver e, numa observação atenta,
descobrir-se-á que o próprio problema só surgiu quando as condições materiais e
espirituais para o resolver existiam ou estavam, ao menos em via de aparecer.
Narra que existe a “carne do mundo” e a “carne do corpo” e se imbricam na
relação de percepção mútua. - “A carne é fenômeno de espelho e o espelho é
extensão da minha relação com meu corpo”. É a possibilidade de corpo e mundo
terem carne que os faz reconhecíveis para o outro, que nos faz capazes de,
percebendo o mundo, refletirmos sobre este e sobre nós mesmos.
Merleau-Ponty foi, comparativamente ao lado de Jean-Paul Sartre (1905-1980), a figura mais representativa do pensamento filosófico francês após a 2ª guerra mundial (1939-1945), e que se celebrizou por uma de suas manifestações reconhecidas: o existencialismo. Ele procura persuadir o leitor de que os conceitos fundamentais da filosofia - sujeito e objeto, fato e essência, ser e nada, consciência, imagem, coisa, palavra - já representam determinada interpretação singular do mundo. Sua obra foi profundamente inspirada pelos trabalhos de Edmund Husserl (1859-1938), “pai da fenomenologia”, apesar de negar sua doutrina do conhecimento intencional, preferindo basear sua construção teórica na maneira de se portar do corpo e na captação de impressões dos sentidos. No exame minucioso da percepção, Merleau-Ponty converte o processo fenomenológico em uma modalidade existencial, resumindo no logos a estrutura do mundo. Segundo sua concepção, a filosofia permite um novo aprendizado do olhar sobre o universo que o envolve, um retorno ao âmago do objeto. A base do conhecimento está na capacidade de perceber o que nos cerca, o que implica também o processo de dar significado ao que foi captado pelos sentidos, para que se possam realizar as conexões entre os objetos perceptíveis, o que torna possível vê-los.
O trabalho parece ser uma categoria muito simples. A ideia de trabalho nesta universalidade, como trabalho em geral, é também das mais antigas. No entanto, concebido do ponto de vista econômico nesta forma simples, o trabalho é uma categoria tão moderna como as relações que esta abstração simples engendra. Assim, apesar de historicamente a categoria mais simples poder ter existido antes da mais concreta, pode pertencer, no seu completo desenvolvimento - em compreensão e em extensão -, precisamente a uma forma de sociedade complexa, enquanto a categoria mais concreta se achava já completamente desenvolvida numa forma de sociedade mais atrasada. Assim, a abstração mais simples, que a economia política moderna coloca em primeiro lugar e que exprime uma relação muito antiga e válida para todas as formas de sociedade, só aparece, no entanto, sob esta forma abstrata como verdade prática enquanto categoria da sociedade mais moderna. Isto é importante, na medida em que para Marx, o todo, na forma em que aparece no espírito como todo-de-pensamento, ou seja, analiticamente, é um produto do cérebro pensante, que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível, de um modo que difere da apropriação desse mundo pela arte, pela religião, pelo espírito prático, antes como depois, o objeto real conserva a sua independência fora do espírito; e isso na duração estabelecida em que tiver uma atividade meramente especulativa, meramente teórica. No emprego do método teórico é necessário que o objeto, a sociedade, esteja constante no espírito como dado primeiro.
No
filme Misery, a máquina de escrever de Paul tem como representação uma
tecla “N” defeituosa, o que alude assim como uma das primeiras máquinas
históricas de escrever de Stephen King. Antes de James Caan assumir o papel de
Paul Sheldon, ele foi oferecido para o genial Jack Nicholson. O ator recusou
porque tinha feito O Iluminado em 1980, e não queria fazer outra adaptação de
um livro de King. Curiosamente James Caan apareceu uma vez no set de ressaca, e
todas as cenas que ele filmou naquele dia obviamente não ficaram boas para
exibição. O diretor Rob Reiner disse a James Caan que ele teria que fazer as
cenas novamente porque havia “um problema no laboratório”. Quando Caan
descobriu que não tinha nada de errado com o laboratório, ele se ofereceu para
cobrir o dinheiro que o estúdio perdeu com a gravação extra. Annie Wilkes é a
personagem favorita na literatura ficcionista de King, porque ela sempre foi
surpreendente para escrever, com profundidade e simpatia inesperadas. Segundo
Merleau-Ponty, a esfera humana é uma espécie abstrata de “intermundo”, o qual
pode ser explicado como o contexto histórico, a simbologia, ou a verdade a ser
construída.
Algo que acena com a possibilidade de uma
significação das coisas, apesar de todos os paradoxos existenciais. Neste
sentido, ser é visto pelo outro como uma fração de mundo, a interação social
entre as consciências e a ligação dialética entre o senhor e o escravo no
sentido hegeliano. Contudo, as obras mais significativas de Merleau-Ponty são
as de natureza psicológica, para o que nos interessa, estão entre elas: A
Estrutura do Comportamento, de 1942, e Fenomenologia da Percepção,
de 1945. Na sua fase de inferência política elaborou uma série de outros
ensaios de teor metodológico marxista como: Humanismo e Terror, de 1947,
uma apologia do “comunismo soviético” de fins da década de 1940. Em 1955 ele
passa por uma modificação sensível na sua weltanschauung sobre este
regime, no ensaio: As Aventuras da Dialética, de 1955, no qual o
marxismo é visto no plano abstrato da teoria, mais como um método de
análise do que representando uma práxis revolucionária para se avançar
politicamente sobre o debate da questão tópica da verdade no âmbito histórico
da fenomenologia. Ao distanciar-se de suas primeiras obras e buscar a
ontologia, Merleau-Ponty busca o Espírito Selvagem e o Ser Bruto. Sua interrogação
vem exprimir-se na nota de O Visível e o Invisível, na medida em que
para ele: “O Ser é o que exige de nós criação para que dele tenhamos
experiência”.
Frase cujo prosseguimento reúne emblematicamente arte e filosofia, pois a nota continua: “filosofia e arte, juntas, não são fabricações arbitrárias no universo da cultura, mas contato com o Ser justamente enquanto criações”. Por que criação? Porque entre a realidade dada como um fato, instituída, e a essência secreta que a sustenta por dentro há o momento instituinte, no qual o Ser vem a ser: para que o ser do visível venha à visibilidade, solicita o trabalho do pintor; para que o ser da linguagem venha à expressão, pede o trabalho do escritor; para que o ser do pensamento venha à inteligibilidade, exige o trabalho do pensador. Se esses trabalhos são criadores é justamente porque tateiam ao redor de uma intenção de exprimir alguma coisa para a qual não possuem modelo que lhes garanta o acesso ao Ser, pois é sua ação que abre a via de acesso para o contato socialmente humano pelo qual pode haver experiência do Ser. Que laço amarra num tecido único experiência, criação, origem e Ser? Aquele que prende Espírito Selvagem e Ser Bruto. Que é Espírito Selvagem? É o espírito de práxis, que quer e pode alguma coisa, o sujeito que não diz “eu penso”, e sim “eu quero”, “eu posso”, mas que “não saberia como concretizar isto que ele quer e pode senão querendo e podendo”. Realizando uma experiência e sendo essa própria experiência na existência.
O
que torna possível a experiência criadora é a existência de uma falta ou de uma
lacuna a serem preenchidas, sentidas pelo sujeito da ação como intenção de
significar alguma coisa muito precisa e determinada no campo da ação social. Em
A Estrutura do Comportamento, obra dedicada ao tema da relação entre corpo e
espírito, Merleau-Ponty confronta as posições behavioristas e gestaltistas
em psicologia, e afirma que o interesse pela noção de comportamento advém de
suas possibilidades para uma compreensão do mundo humano que escape tanto da
redução mecanicista dos acontecimentos psíquicos quanto da assimilação do
psiquismo à consciência pura. Graças a essa noção, pensada como estrutura, o
filósofo pode distinguir entre a ordem física, a biológica e a humana, ordens
que não podem ser reduzidas umas às outras, por nenhum tipo de mentalidade, mas
dotadas de especificidade e diferença intrínseca. A elaboração da ideia abstrata
de ordem humana como instituição da ordem simbólica efetuada pela mediação complexa da percepção, pela linguagem e pelo trabalho, ou como relação com
o possível e com o ausente, assegura a irredutibilidade dessa ordem à ordem
física e à biológica, mas nem por isso o pensador a concebe como uma construção
intelectual específica posta pela consciência reflexiva: o comportamento não é uma coisa nem é uma ideia.
O referencial teórico de Merleau-Ponty ainda conserva ressonâncias da tradição esquecida da antropologia filosófica, pois o papel central é conferido à consciência perceptiva e não à percepção. Diante das operações da ciência e da filosofia cabe indagar: por que nossa existência é convertida em objeto de conhecimento, nosso corpo, em coisa qualquer, a percepção, em pensamento de perceber, a palavra, em pura significação, instrumento a serviço do mutismo do intelecto? Por que nossa inerência ao mundo, à história e à linguagem são dissimuladas? Recusa do imprevisível, o pensamento de sobrevoo tem como representação social no plano da teoria um “projeto de posse intelectual do mundo domesticado pelas representações construídas pelo sujeito do conhecimento”. A crítica analítica do possessivo é, simultaneamente, afirmação de que a filosofia e a ciência não são a fonte do sentido e que não há um ponto de partida absoluto, Deus, o homem, a Natureza, mas um solo originário e uma inerência ao mundo que merecem ser interrogados: o que está ligado de forma inseparável ao ser. É aquilo que está intimamente unido e que diz respeito ao próprio ser. A miséria humana é inerente da pessoa ou coisa e que lhe é inseparável por natureza. É o que é intrínseco, específico e que pode servir para caracterizar algo ou alguém para o bem ou o mal.
No
contexto alemão Jürgen Habermas no ensaio: “Desobediência Civil – a pedra de
toque do estado democrático de direito” (2015), lembra o duo bávaro que tem
dado o tom do governo alemão, os senhores Zimmermann e Spranger, canta o refrão
em verso cuja melodia o Frankfurter Allgemeine Zeitung não para de tocar para
eles há meses: “resistência sem violência é violência”. Em contrapartida, o
ministro da Justiça se encontra a tal ponto sob a sombra do ministro do
Interior – e o liberalismo dos outrora democratas liberais já está a tal ponto
com as costas junto à parede – que nessa curva só restam tautologias a serem
ouvidas: mesmo a “desobediência civil sem violência” seria ilegal. Na discussão
dos últimos dois meses, os advogados de uma intensificação do direito penal
contra manifestações seguiram a tendência de estender o conceito jurídico de
violência até as formas não convencionais da formação da vontade política, indo
além da tipicidade do ato violento. Conhece-se pela psicologia a compulsão de
pensar segundo alternativas: como tantas vezes antes, também agora o pensamento
compulsivo se entrincheira atrás de fórmulas jurídicas. Como alternativa única
ao perturbador e ao desordeiro, ao perpetrador de ato violento criminoso,
aparece o manifestante pacífico – um cidadão que vai à urna eleitoral por dever
e costume, frequenta talvez as assembleias do próprio partido e participa
eventualmente de um ato coletivo, seja no Primeiro de Maio ou em 20 de julho.
Da autoridade que tem de cuidar da paz e da ordem, a formação democrática da
vontade do presuntivo soberano mostra um semblante pálido, intimidado, sem
garras. Por razões policiais, seria melhor que as manifestações ocorressem em
salões, em todo caso, que não se desviassem da imagem normal do cortejo ordeiro
de cidadãos adultos e asseadamente vestidos, com alocuções conclusivas diante
da Câmara Municipal.
O
pensamento do “ou-ou”, é uma mentalidade dualista que seleciona a realidade, ou
seja, que vê as coisas de forma binária e busca segurança na falsa univocidade
de dicotomias violentamente produzidas na realidade. Manifestando-se
pacificamente, o “perturbador da paz pública” que não se dirige para casa a
toda pressa depois da primeira solicitação policial e, contudo, não pode
demonstrar ter satisfeito a tipicidade original do “apaziguamento” é um produto
desse pensamento. De fato, modificou-se a cena dos protestos na Alemanha desde
as marchas de Páscoa no começo dos anos 1960. Temos na memória, lembra
Habermas, os protestos estudantis, cuja fagulha saltou de Berlim para as
universidades da Alemanha Ocidental, quando Benno Ohnesorg foi assinado a tiros
por um policial, sem motivo aparente. As novas formas desse movimento de
protesto, frequentemente criativas, às vezes violentas, inspiraram-se nos
modelos norte-americanos, a começar por aquele caso exemplar de desobediência
civil em Ann Arbor, onde, em 15 de outubro de 1965, 39 estudantes da
Universidade de Michigan, como protesto contra a intervenção militar dos
Estados Unidos no Vietnã, mantiveram ocupado o escritório das autoridades
locais para a convocação militar, e precisaram ser arrancados duas horas depois
do final do expediente. O processo subsequente desencadeou um debate vivaz,
recebendo por conta disso uma publicidade mundial. Ainda mais nítida – e ainda
mais fortemente investida de emoções – é a nossa lembrança das ações
terroristas clandestinas da Rote Armee Fraktion (RAF), que muito rapidamente
tornaram claramente a diferença entre as ações criminosas da fração do Exército
Vermelho e desobediência civil – por fim, até mesmo nas cabeças humanas em que
esses conceitos continuaram peculiarmente difusos depois de anos de discussões
duras, conduzidas internamente.
Desde
a segunda metade dos anos 1970, foi se formando um novo movimento de protesto,
com outra composição, com novos objetivos e com uma paleta de cores de novas
formas, diferenciadas, de manifestação da vontade. Certamente, fala-se de
resistência isenta de violência, ainda que pelo menos os porta-vozes do
movimento saibam que hoje não são satisfeitas visivelmente de resistência,
definidas na Lei Fundamental, artigo 20. Inciso 4. Mas cabe obrigar um
movimento social e uma linguagem juridicamente fundamentada? Cabe per se
“desapropriá-lo terminologicamente”, como diz Günter Frankenberg, o sociólogo
da Universidade Técnica de Munique? O uso popular da linguagem quer expressar,
com o termo “resistência”, apenas a urgência do motivo do protesto. A palavra
não é empregada nem sequer de maneira metafórica quando designa as
manifestações de desobediência civil – ou seja, atos que são ilegais segundo
sua forma, embora sejam executados em apelo aos fundamentos legitimadores da
ordem do Estado democrático de direito, reconhecidos em comum. Quem recorre ao
protesto dessa maneira se vê em uma situação na qual só lhe restam, tratando-se
de uma questão de consciência moral, os meios drásticos, carregados de riscos
pessoais, para despertar a disposição de novamente deliberar formar vontade a
respeito de uma norma vigente ou de uma política decidida com força de lei,
dando impulso à revisão de uma opinião da maioria. Quem decide pela
desobediência civil não quer se dar por satisfeito com que estejam esgotadas as
possibilidades de revisão institucionalmente previstas, dado o alcance de uma
regulamentação considerada ilegítima. Por que a ação do que aceita o risco de
uma persecução penal por essas razões não iria poder se chamar “resistência”?
A
persistência nas instituições da democracia ligada ao Estado de direito se
incorpora a desconfiança contra a razão falível e contra a natureza corruptível
dos seres humanos. Para Habermas essa desconfiança estende-se para além dos
controles e dos contrapesos que podem se institucionalizar. Pois nem a
observância da via jurídica nem a autoridade da jurisprudência científica
oferecem uma proteção automática em face do desenraizamento moral de uma ordem
jurídica e de uma jurisprudência intactas na forma. No ano do quinquagésimo aniversário do 30 de
janeiro de 1933, isso não carece de maiores explicações. O Estado de direito
que pretende permanecer idêntico a si mesmo se encontra diante de uma tarefa
paradoxal. Ele precisa proteger e vigiar a desconfiança contra uma injustiça
que apareça sob as formas legais, embora ela não possa assumir uma forma
institucionalmente garantida. Com essa ideia em torno de uma desconfiança não
institucionalizável contra si mesmo, o Estado de direito sobreleva o conjunto
de suas ordens positivadas. O paradoxo encontra a sua solução em uma cultura
política que dota as cidadãs e os cidadãos da sensibilidade, da medida do juízo
e da disposição ao risco que são necessárias em situações transitórias e
excepcionais a fim de reconhecer as violações legais à legitimidade e a fim de
agir também ilegalmente por discernimento moral, em caso de necessidade. O caso
da desobediência civil só pode ocorrer sob a condições de um Estado de direito
intacto em seu todo. Diferentemente do combatente da resistência, ele reconhece
a legalidade democrática da ordem realmente existente na realidade.
Bibliografia
Geral Consultada.
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