quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Lamartine Babo – Invenção da Mulata & Centenário de Nascimento.

                Consagrado no gramado, sempre amado, o mais cotado. Nos Fla-Flus é o Ai, Jesus! Lamartine Babo                                 

           As unidades de geração desenvolvem perspectivas, reações e posições políticas e afetivas diferentes em relação a um mesmo dado problema. O nascimento em um contexto social idêntico, mas em um período específico, faz surgirem diversidades nas ações dos sujeitos. Outra característica é a adoção ou criação de estilos de vida distintos pelos indivíduos, mesmo vivendo em um mesmo âmbito social. Em outras palavras: a unidade geracional constitui uma adesão mais concreta em relação àquela estabelecida pela conexão geracional. A forma como grupos de uma mesma “conexão geracional” lida com os fatos históricos vividos, por sua geração, fará surgir distintas unidades geracionais no âmbito da mesma conexão geracional no conjunto da sociedade. Karl Mannheim não esconde sua preferência pela abordagem histórico-romântica alemã e destaca ainda que este é um exemplo bastante claro de como a forma de se colocar uma questão pode variar de país para país, assim como de uma época para outra. Ao invés de associar as gerações a um conceito de tempo externalizado e mecanicista, pautado por um princípio de linearidade, o pensamento histórico-romântico alemão se esforça por buscar no problema geracional uma contraproposta diante da linearidade do fluxo temporal da história. Suas inquietações no plano metodológico apresentam como fio condutor e boutade o estigma e suas consequências sociais, percebidos a partir de diversos ângulos, mas sua principal temática de investigação é de fato a questão racial. Ele publicou em sua progênie os seguintes ensaios etnológicos: “Atitude Desfavorável de Alguns Anunciantes de São Paulo em Relação aos Empregados de Cor” (1942) e “Preconceito de Marca: As Relações Raciais em Itapetininga” (1955) e também “Negro político, político negro”, seu último trabalho. 

Todos eles versam sobre as distintas formas e condicionamentos sociais sobre os quais de constituem as manifestações de preconceito, aspecto que organiza o entendimento da questão racial brasileira. Após anos de estudos e pesquisas de Oracy Nogueira (1917-1996) chegou-se à conclusão que o estilo de racismo à brasileira caracteriza-se pelo “preconceito de marca”. Assim, o preconceito de marca se estabeleceria em relação às aparências. Quando toma por pretexto para as suas manifestações de vida, os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os gostos, o sotaque, caracterizando a marca. Mas basta a suposição de que o indivíduo descende de grupo étnico, para que supra as consequências do preconceito: diz-se que é de origem. O impacto desses estudos foi assimilado de modo traumático porque havia na ideologia brasileira e na academia, como ambiente cultural, certo compromisso com a tese sociológica da democracia racial. Com os trabalhos de Roger Bastide (1898-1974) e Florestan Fernandes (1920-1995), em “Negros e brancos em São Paulo”, é que foi revelada, por trás das relações, o preconceito racial com o preconceito de classe e, portanto, o preconceito racial constitutivo da sociabilidade na sociedade brasileira. Oracy Nogueira compreende que os estudos que tratam da “situação racial” brasileira, no que se refere ao negro (e ao mestiço de negro), podem ser divididos em três correntes: 1) a corrente afro-brasileira, a que deram impulso Nina Rodrigues e Arthur Ramos (1903-1949), e os estudiosos que mais diretamente foram influenciados por ambos; e que, sob a influência de Melville Jean Herskovits (1895-1963), um antropólogo, pesquisador e professor universitário norte-americano que firmemente estabeleceu Estudos africanos e Estudos afro-americanos na academia americana. 

Ipso facto, ele prossegue, sob uma forma renovada, com os trabalhos de René Ribeiro, Roger Bastide e outros, podendo ser caracterizada como aquela corrente que dá ênfase ao estudo do processo de aculturação, preocupada em determinar a contribuição das culturas africanas à formação da cultura brasileira; 2) a dos estudos históricos, em que se procura mostrar como ingressou o negro na sociedade brasileira, a receptividade que encontrou e o destino que nela tem tido, corrente esta de que Gilberto Freyre (1900-1987) é o principal representante; e 3) a corrente sociológica que, sem desconhecer a importância das duas perspectivas mencionadas, se orienta no sentido de desvendar o estado das relações entre os componentes brancos e de cor, seja qual for o grau de mestiçagem concretamente com o negro ou o com o índio na história da população brasileira.   Em termos metodológicos, o estudo de comunidade, instrumento com que a Sociologia nasceu entre nós, largamente influenciada pelos desdobramentos da escola de Chicago (EUA), fora enriquecido pela investigação histórica das relações entre brancos e negros durante a escravidão. Em termos interpretativos, porque Nogueira, desafiando as lições de Herbert Blumer (1900-1987) e de seu mestre Donald Pierson (1900-1995), teorizava uma forma nova de preconceito racial, presente em sociedades como o Brasil, quando distinguem os dois tipos básicos de preconceito racial: - Considera-se como preconceito racial uma disposição (ou atitude) desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, aos quais se têm como estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da ascendência étnica que se lhes atribui ou reconhece. Quando o “preconceito de raça” se exerce em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto para as suas manifestações, os traços do indivíduo, a fisionomia, os gestos, o sotaque, diz-se que é de marca; quando basta a suposição de que descende de certo grupo étnico para que sofra as consequências sociais do preconceito, pois se diz que é de origem histórica e socialmente determinada.           

O primeiro aspecto, no plano de análise identifica a distinção entre preconceito de marca (aparência) e preconceito de origem (ascendência), que historicamente tem o intuito de qualificar a situação racial brasileira vis-à-vis aos condicionamentos histórico- raciais na sociedade norte-americana. Tratava-se de estabelecer uma crítica às análises que diferenciavam o preconceito racial brasileiro daquele das demais sociedades (em especial a norte-americana) apenas em termos de intensidade, sem qualificá-lo. Essa abordagem significou o ponto de partida de sua contribuição sociológica ao tema na medida em que o autor, ao analisar o preconceito, além de reconhecê-lo, situa-o como um problema central nos estudos das relações raciais no Brasil. Sua perspectiva acerca da sociedade norte-americana foi desenvolvida durante sua estadia naquele país, posteriormente à passagem de Gilberto Freyre na University of Columbia, entre os anos de 1945 e 1947, na Universidade de Chicago, para a realização do doutorado. Ao longo do texto, ele fornece relatos etnográficos de situações cotidianas que vivenciou nos Estados Unidos e cujo impacto social proporcionou o insight para a criação do quadro teórico-metodológico de referência para compreender a situação racial brasileira. Os Estados Unidos e o Brasil constituem exemplos de dois tipos de “situações raciais”: um em que o preconceito racial é manifesto e insofismável e outro em que o próprio reconhecimento do preconceito tem dado margem a uma controvérsia de não se superar.

O ponto central da reflexão de da sociologia de Oracy Nogueira é a permanência, o desenvolvimento e a especificidade do preconceito racial no Brasil, que ele chama de “preconceito de cor”, ou “preconceito de marca”. Preconceito que facilitou a integração e a ascensão social dos imigrantes europeus e retardou e impediu a ascensão dos negros. Primeiro, porque os brasileiros natos, seja no cotidiano, seja em sua ideologia política ou literária, sempre viram no imigrante branco um elemento de melhoramento ou a ideologia de branqueamento da raça. Segundo, “enquanto a ascensão de descendentes de imigrantes tanto se pode dar com o cruzamento como sem o cruzamento com descendentes de antigos colonizadores portugueses, a ascensão de elementos de cor ou pressupõe ou se faz acompanhar do cruzamento com elementos brancos, seja qual for a origem deles”. Em consequência, cada conquista do negro ou do mulato que logra vencer econômica, profissional ou intelectualmente tende a ser absorvida, em uma ou duas gerações, pelo grupo branco, através do branqueamento progressivo e da progressiva incorporação dos descendentes a esse grupo. O negro, a cada geração, teria, portanto, de começar, de novo, lutando contra o preconceito e sem a solidariedade de um grupo identitário. Sim, porque o sociólogo Oracy confirma o que já se sabia antes dele, e será reafirmado depois: não há, no Brasil, grupo racial qua grupo. A diferença, é que, existindo o grupo para os outros, ainda que não para si, torna-se objeto de discriminação, mas não solidariedade que possam fortalecê-lo na luta contra o preconceito.

O objeto teorizado por Oracy Nogueira é justamente essa complexa constelação de “preconceitos baseados em marcas” (1998), afastados de origens geográficas ou culturais, resguardados por ideologias “assimilacionistas”, que impedem o cultivo de diferenças identitárias pelos setores já discriminados. Muitos desses decadentes foram carreados a cargos burocráticos, quando não, a ofícios manuais, considerados menos prestigiosos na localidade. As violações ao “intra-casamento” alimentaram as formas em que se dá a miscigenação. Neste caso foram recolhidos casos frequentes de “uniões pré-maritais” – duradouras ou ocasionais – de homens brancos de projeção, com “mulheres de cor”, prática que chegou até as primeiras décadas deste século. Isso, em detrimento da salvaguarda das famílias brancas, que detinham status social superior e concentravam poder econômico e político. Mestiços resultantes dessas uniões ostentando alguns deles nome de família tradicional, quando instruídos e dotados de traços negroides pouco acentuados, beneficiaram-se desse conjunto de circunstâncias para atingir posto em atividades menos desvalorizadas, podendo até conquistar destaque político.

De qualquer modo, no entanto, o apelo a atitudes e práticas simulatórias, dissimulatórias ou elusivas, correntes na localidade, indicavam o mal-estar provocado por tais fatos sociais, em razão do preconceito aí vigente. Servem de exemplos: o uso de termos imprecisos, como “pardo”, “mestiço” para designações mais embaraçosas; e a dissimulação social em reconhecer o status social como de negros (as), a despeito dos traços étnicos denunciadores, identificados pelo pesquisador, fotografia(s) de pessoa(s) socialmente aceita(s) como integrante(s) do segmento branco. Oracy Nogueira rememora que outro recurso esclarecedor da chamada resistência local às oportunidades, acessíveis a negros e negroides, encontram-se no paralelo entre a efetiva ascensão social no quadro de estrangeiros (principalmente italianos), portadores de conhecimentos técnicos, e a de negros e seus mestiços, mesmo quando, porventura, também portadores desses conhecimentos. A estes últimos o casamento com brancas representou sempre condição indispensável, mas não àqueles outros. Aposentado o etnólogo ainda escreveria, entre outras coisas, a expressiva Introdução a seu livro Tanto preto quanto branco (1985), que reedita seus artigos sobre relações raciais e a original biografia Negro Político, Político Negro (1992) misturando ficção à pesquisa sociológica na narrativa da trajetória pessoal Dr. Alfredo Casemiro da Rocha, prefeito de Cunha na República Velha, caso singular de ascensão social de um homem negro no Brasil. É recém-saído do regime escravocrata e o objeto de estudo de Oracy Nogueira neste livro, que alia reflexão sociológica a relato biográfico ao analisar a vida desse médico negro que teve intensa atividade política no interior de São Paulo e chegou inclusive a ocupar cadeira de Senador da República.

O problema geracional se torna um problema de existência de um tempo interior não mensurável e que só pode ser apreendido qualitativamente. As unidades de geração desenvolvem perspectivas, reações e posições políticas diferentes em relação a um mesmo problema dado. O nascimento em um contexto social idêntico, mas em um período específico, faz surgirem diversidades sociais nas ações dos sujeitos. Outra característica é a adoção ou criação de estilos de vida distintos pelos indivíduos, mesmo vivendo em um mesmo meio social. Em outras palavras: a unidade geracional constitui uma adesão mais concreta em relação àquela estabelecida pela conexão geracional. Estes, de acordo com Mannheim, foram produtos específicos - capazes de produzir mudanças sociais - da colisão entre o tempo biográfico e o tempo histórico. Ao mesmo tempo, as gerações podem ser consideradas o resultado de descontinuidades históricas e, portanto, de mudanças sociais. Em outras palavras: o que forma uma geração não é uma data de nascimento comum - a “demarcação geracional” é algo apenas potencial - mas é a parte do processo histórico que jovens da mesma idade-classe de fato compartilham em vista do vínculo com a geração atual. Interessante notar comparativamente que também neste período se dava o importante capítulo brasileiro na vida de Fernand Braudel (1902-1985), iniciado em 1935, quando o historiador aceitou um repentino convite aetivo para se incorporar à Missão Francesa que, a partir de 1934, ajudou a fundar e construir a nossa extraordinária Universidade de São Paulo.

Esta permanência no Brasil, que se prolongou por três anos consecutivos, e que se repetirá por sete meses em 1947, foi, contudo, apenas o ponto de partida de uma relação social e uma experiência mais geral que Braudel entabulará com a América Latina, e que absorverá parte considerável de sua atividade intelectual, de 1935 até aproximadamente os anos de 1953. Desse modo, o trabalho como Titular da cátedra de História das Civilizações da Universidade de São Paulo representa pari passu a origem de um interesse que Fernand Braudel desenvolverá com respeito à história social e à civilização latino-americanas. Culminará no fato de que uma parte substancial de sua atividade acadêmica e intelectual, desenvolvida entre 1946 e 1953, terá como parâmetro essa história e vida latino-americanas que, entre os anos de 1935 e 1953 estará voltado para seu interesse mediado em ambos os períodos por um terceiro, cujo centro de gravidade será o tema global de seu Mediterrâneo (cf. Aguirre Rojas, 2003). Suas inquietações no plano intelectual e metodológico de pesquisa apresentam como fio condutor e boutade o estigma e suas consequências sociais, percebidos a partir de diversos ângulos, mas sua principal temática de investigação é de fato a questão racial. Vale lembrar que autor publicou em sua progênie, “Atitude Desfavorável de Alguns Anunciantes de São Paulo em Relação aos Empregados de Cor” (1942) e “Preconceito de Marca: As Relações Raciais em Itapetininga” (1955) e também “Negro político, político negro”, seu último trabalho. Eles versam sobre as distintas formas e condicionamentos sociais sobre os quais de constituem as manifestações de preconceito, aspecto que organiza o entendimento da questão racial brasileira. Após anos de estudos e pesquisas de Oracy Nogueira chegou-se à conclusão que o estilo de racismo à brasileira caracteriza-se pelo “preconceito de marca”.

Assim, o preconceito de marca se estabeleceria em relação às aparências. Quando toma por pretexto para as suas manifestações de vida, os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os gostos, o sotaque, caracterizando a marca. Mas basta a suposição de que o indivíduo descende de grupo étnico, para que supra as consequências do preconceito: diz-se que é de origem. O impacto desses estudos foi assimilado de modo traumático porque havia na ideologia brasileira e na academia, como ambiente cultural, certo compromisso com a tese sociológica da democracia racial. Com os trabalhos de Roger Bastide e Florestan Fernandes, em “Negros e brancos em São Paulo”, é que foi revelada, por trás das relações, a realidade do preconceito racial de par em par com o preconceito de classe e, portanto, o preconceito racial constitutivo da sociabilidade na sociedade brasileira. Oracy Nogueira compreende que os estudos que tratam da “situação racial” brasileira, no que se refere ao negro (e ao mestiço de negro), podem ser divididos em três correntes: 1) a corrente afro-brasileira, a que deram impulso Nina Rodrigues (1862-1906) e Arthur Ramos, e os estudiosos que mais diretamente foram influenciados por ambos; e que, sob a influência de Herskovits, prossegue, sob uma forma renovada, com os trabalhos de René Ribeiro, Roger Bastide e outros, podendo ser caracterizada como aquela corrente que dá ênfase ao estudo do processo de aculturação, preocupada em determinar a contribuição das culturas africanas à formação da cultura brasileira; 2) a dos estudos históricos, em que se procura mostrar como ingressou o negro na sociedade brasileira, a receptividade que encontrou e o destino que nela tem tido, corrente esta de que Gilberto Freyre é o principal representante dentro e fora do Brasil; e 3) a que, sem desconhecer as duas perspectivas já mencionada, se orienta no sentido de desvendar as relações entre os componentes brancos e de cor seja qual for o grau de mestiçagem com o negro ou o índio da população brasileira.

Em termos metodológicos, não queremos perder de vista o estudo de comunidade, instrumento com que a Sociologia nasceu entre nós, largamente influenciada pelos desdobramentos da escola de Chicago, que fora enriquecido pela investigação histórica das relações entre brancos e negros durante a escravidão. Em termos interpretativos, porque Nogueira, desafiando as lições de Herbert Blumer e de seu mestre Donald Pierson (1900-1995), interpretava uma forma nova de preconceito racial, presente em sociedades como o Brasil, quando distinguem os dois tipos básicos de preconceito racial: - Considera-se como preconceito racial uma disposição (ou atitude) desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, aos quais se têm como estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da ascendência étnica que se lhes atribui ou reconhece. Quando o “preconceito de raça” se exerce em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto para as suas manifestações, os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os gestos, o sotaque, diz-se que é de marca; quando basta a suposição de que o indivíduo descende de certo grupo étnico para que sofra as consequências do preconceito, pois que é de origem histórica e socialmente determinada.

Em termos metodológicos, não queremos perder de vista o estudo de comunidade, instrumento com que a Sociologia nasceu entre nós, largamente influenciada pelos desdobramentos da escola de Chicago, que fora enriquecido pela investigação histórica das relações entre brancos e negros durante a escravidão. Em termos interpretativos, porque Nogueira, desafiando as lições de Herbert Blumer e de seu mestre Donald Pierson (1900-1995), interpretava uma forma nova de preconceito racial, presente em sociedades como o Brasil, quando distinguem os dois tipos básicos de preconceito racial: - Considera-se como preconceito racial uma disposição (ou atitude) desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, aos quais se têm como estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da ascendência étnica que se lhes atribui ou reconhece. Quando o “preconceito de raça” se exerce em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto para as suas manifestações, os traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os gestos, o sotaque, diz-se que é de marca; quando basta a suposição de que o indivíduo descende de certo grupo étnico para que sofra as consequências do preconceito, pois que é de origem histórica e socialmente determinada.

O personagem brasileiro da Disney, Zé Carioca, está completando 80 anos, dia 24 de agosto de 2022! Milton Nascimento, Caetano Veloso, Paulinho da Viola e Gilberto Gil são algumas das personalidades importantes da cultura nacional que estão completando 80 anos em 2022. Mas um brasileiro muito querido e especial está também virando octogenário: Zé Carioca. Muito antes de o Louro José fazer sucesso com o público, esse papagaio, nascido no dia 24 de agosto de 1942 pelas mãos de Walt Disney (segundo divulgado, ele foi desenhado em um guardanapo no Copacabana Palace), já conquistava por seu carisma e, claro, sua malandragem. O primeiro aspecto, no plano de análise identifica a distinção entre preconceito de marca (“aparência”) e preconceito de origem (“ascendência”), que historicamente tem o intuito de qualificar a situação racial brasileira vis-à-vis aos condicionamentos históricos- raciais na sociedade norte-americana. Tratava-se de estabelecer uma crítica às análises que diferenciavam o preconceito racial brasileiro daquele das demais sociedades (em especial a norte-americana) apenas em termos de intensidade, sem qualificá-lo. Essa abordagem significou o ponto de partida de sua contribuição sociológica ao tema na medida em que o autor, ao analisar o preconceito, além de reconhecê-lo, situa-o como um problema central nos estudos das relações raciais no Brasil. Sua perspectiva acerca da sociedade norte-americana foi desenvolvida durante sua estadia naquele país, posteriormente à passagem de Gilberto Freyre na University of Columbia, entre os anos de 1945 e 1947, na Universidade de Chicago, para a realização do doutorado. Ele fornece relatos etnográficos de situações cotidianas que vivenciou nos Estados Unidos e cujo impacto social proporcionou o insight para a criação do quadro teórico-metodológico de referência para compreender a situação racial brasileira.

Os Estados Unidos e o Brasil constituem exemplos de dois tipos de “situações raciais”: um em que o preconceito racial é manifesto e insofismável e outro em que o próprio reconhecimento do preconceito tem dado margem a uma controvérsia de não se superar. O ponto central da reflexão de da sociologia de Oracy Nogueira é a permanência, o desenvolvimento e a especificidade do preconceito racial no Brasil, que ele chama de “preconceito de cor”, ou “preconceito de marca”. Preconceito que facilitou a integração e a ascensão social dos imigrantes europeus e retardou e impediu a ascensão dos negros. Primeiro, porque os brasileiros natos, seja no cotidiano, seja em sua ideologia política ou literária, sempre viram no imigrante branco um elemento de melhoramento ou a ideologia de branqueamento da raça. Segundo, “enquanto a ascensão de descendentes de imigrantes tanto se pode dar com o cruzamento como sem o cruzamento com descendentes de antigos colonizadores portugueses, a ascensão de elementos de cor ou pressupõe ou se faz acompanhar do cruzamento com elementos brancos, seja qual for a origem deles”. Em consequência, cada conquista do negro ou do mulato que logra vencer econômica, profissional ou intelectualmente tende a ser absorvida, em uma ou duas gerações, pelo grupo branco, através do branqueamento progressivo e da progressiva incorporação dos descendentes a esse grupo. O negro, a cada geração, teria, portanto, de começar, de novo, lutando contra o preconceito e sem a solidariedade de um grupo identitário. Sim, porque Oracy confirma o que já se sabia antes dele, e será reafirmado depois: não há, no Brasil, grupo racial qua grupo. A diferença, para Oracy, é que, existindo o grupo para os outros, ainda que não para si, torna-se objeto de discriminação, mas não cria laços de solidariedade que possam fortalecê-lo em sua luta contra o preconceito socialmente estabelecido.

O objeto teorizado por Oracy Nogueira é justamente essa complexa constelação de preconceitos baseados em marcas (1998), afastados de origens geográficas ou culturais, resguardados por ideologias “assimilacionistas”, que impedem o cultivo de diferenças identitárias pelos setores já discriminados. Muitos desses decadentes foram carreados a cargos burocráticos, quando não, a ofícios manuais, considerados menos prestigiosos na localidade. As violações ao “intra-casamento” alimentaram as formas em que se dá a miscigenação. Neste caso foram recolhidos casos frequentes de “uniões pré-maritais” – duradouras ou ocasionais – de homens brancos de projeção, com “mulheres de cor”, prática que chegou até as primeiras décadas deste século. Isso, em detrimento da salvaguarda das famílias brancas, que detinham status social superior e concentravam poder econômico e político. Mestiços resultantes dessas uniões, ostentando alguns deles nome de família tradicional, quando instruídos e dotados de traços negroides pouco acentuados, beneficiaram-se desse conjunto de circunstâncias para atingir posto em atividades menos desvalorizadas, podendo até conquistar destaque político. De qualquer modo, o apelo a atitudes e práticas simulatórias, dissimulatórias ou elusivas, indicavam o mal-estar por tais fatos, em razão do preconceito aí vigente.

Servem de exemplos: o uso corrente de termos imprecisos, como “pardo”, pelos militares e “mestiço”, mesmo que sobre este último o magnânimo antropólogo Darcy Ribeiro tenha escrito a respeito, e neste caso, para designações menos embaraçosas; e a dissimulação social em reconhecer o status social como de negros (as), a despeito dos traços étnicos denunciadores, identificados pelo pesquisador, fotografia(s) de pessoa(s) socialmente aceita(s) como integrante(s) do segmento branco. Oracy Nogueira rememora que outro recurso esclarecedor da chamada resistência local às oportunidades, acessíveis a negros e negroides, encontram-se no paralelo entre a efetiva ascensão social no quadro de estrangeiros (principalmente italianos), portadores de conhecimentos técnicos, e a de negros e seus mestiços, mesmo quando, porventura, também portadores desses conhecimentos. A estes últimos o casamento com brancas representou sempre condição indispensável, mas não àqueles outros. Aposentado o etnólogo escreveria a expressiva Introdução a seu livro Tanto preto quanto branco (1985), que reedita seus artigos sobre relações raciais e a original biografia Negro Político, Político Negro (1992) que mistura ficção à pesquisa histórica e sociológica na narrativa da trajetória pessoal e política do Dr. Alfredo Casemiro da Rocha, prefeito de Cunha na República Velha, caso singular de ascensão de um homem negro no Brasil recém-saído do regime escravocrata é o objeto de estudo de Oracy Nogueira neste livro, que alia reflexão sociológica a relato biográfico ao analisar a vida desse médico negro que teve intensa atividade política no interior de São Paulo e chegou inclusive a ocupar cadeira de Senador da República. 

A primeira canção de Lamartine Babo (Lalá) a ser gravada seria justamente uma marchinha para o carnaval de 1927, intitulada “Os Calças Largas”, que satirizava a moda masculina. O carnaval de 1927 no Rio de Janeiro teve um desfile de corso, “uma agremiação carnavalesca que desfilava com carros ornamentados pelas ruas da cidade”. O corso era uma brincadeira popular no Brasil no final do século XIX e início do século XX. Os foliões fantasiados jogavam confetes, serpentinas e lança-perfume nos ocupantes dos carros. O carnaval no Rio de Janeiro é historicamente uma festa popular que inclui blocos de rua, bailes e desfiles de escolas de samba. A ela se seguiram muitas outras, “eternizadas” nos bailes e blocos de rua, como “Linda Morena” e “A.E.I.O.U”, esta música em parceria com Noel Rosa (1910-1937). Noel de Medeiros Rosa foi um sambista, cantor, compositor, bandolinista e violonista brasileiro, um dos maiores e mais importantes artistas da música no Brasil. Teve contribuição fundamental na legitimação do samba de morro e no “asfalto”, ou seja, entre a classe média e o rádio, principal meio de comunicação de massa - fato de grande importância socialmente, não só para o samba, mas para a história da música popular brasileira. Morto prematuramente aos 26 anos em decorrência de tuberculose, deixou um conjunto de canções que se tornaram clássicas dentro do cancioneiro popular brasileiro. Mais tarde, em 2016 foi agraciado in memoriam com a Ordem do Mérito Cultural do Brasil, na classe de grão-mestre. É uma ordem honorífica dada a personalidades brasileiras e estrangeiras como forma de reconhecer sociologicamente suas contribuições em caráter meritório à cultura do Brasil.

 Antropologicamente é uma cruz de Sant`Iago da Espada esmaltada de branco perfilada de ouro. No centro, um livro aberto lavrado de ouro sobre uma coroa de louros circundado pela legenda Ordem do Mérito Cultural. Simbolicamente encarna a faixa de gorgorão de seda chamalotada de púrpura, com insígnia pendente no laço. Placa com resplendor de ouro sob a insígnia. Fita média de gorgorão de seda chamalotada de púrpura, com a insígnia pendente no centro. Fita estreita de gorgorão de seda chamalotada de púrpura, com a insígnia pendente na extremidade da ponta. Em 1932, “O Teu Cabelo Não Nega”, em coautoria com os irmãos João e Raul Valença, causou rebuliço nos salões aristocráticos do clube do Fluminense. Apesar da execução por uma orquestra com 18 componentes, entre os quais Pixinguinha (1897-197) na flauta, os versos ousados chocaram boa parte da elite social, que, “escandalizada, abandonou de imediato o local”. A obra de Lalá gira em torno de 300 músicas. Entre as mais reconhecidas estão “No Rancho Fundo”, em parceria com Ary Barroso, de 1931, e “Eu Sonhei Que Tu Estavas Tão Linda”, composta com Francisco Mattoso, de 1942. Foi instituída pelo artigo 34 da lei nº 8.313 de 23 de dezembro de 1991 e pelo decreto nº 1.711 de 22 de novembro de 1995 pelo presidente FHC. A entrega das insígnias ocorre no dia 5 de novembro de cada ano, quando se comemora o Dia Nacional da Cultura.

O acervo inclui, ainda, composições criadas para as festas juninas, como “Chegou a Hora da Fogueira”, gravada em 1933 por Carmen Miranda e Mário Reis. No ano seguinte, o cantor gravaria outro hit da dança de quadrilha, chamado “Isto É Lá com Santo Antônio”. Ao longo da carreira autoral, Lamartine Babo escreveu, também, operetas e canções para o teatro de revista, além dos livros Pindaíba (1932) e Lamartiníadas (1939), e textos satíricos publicados nas revistas Dom Quixote, Para Todos e Shimmy. Quanto à atuação no rádio, que o celebrizou, a trajetória se iniciou em 1930, com o programa Casa dos Discos. A este se seguiram Clube da Meia-Noite, Clube dos Fantasmas e A Canção do Dia, entre outros, sendo o mais famoso de todos o Trem da Alegria, realizado entre 1943 e 1956 por um trio formado por Lalá, Yara Salles e Héber de Bôscoli. A presença maciça do público fazia com que as apresentações fossem realizadas sempre em teatros, como o João Caetano. Ali, em 10 de janeiro de 1944, quando Lamartine Babo completava 40 anos, ele executou pela primeira vez, numa só noite, os hinos de todos os participantes do campeonato estadual de 1943, com destaque para a popularidade carioca do clube de Regatas Flamengo, que se sagrou bicampeão carioca naquele ano. Além do rubro-negro, foram homenageados os times de futebol Bangu, Bonsucesso, Botafogo, Canto do Rio, o Fluminense, único hino composto em parceria, com Lírio Panicali (1906-1984), Madureira, São Cristóvão, Vasco e América.

Em 1759, com a expulsão dos jesuítas do Brasil pelo Marquês de Pombal (1699-1782), as suas fazendas foram vendidas a centenas de novos sitiantes. A região passou a caracterizar-se pelas suas chácaras e, a partir do Século XX, passou a ser um bairro tipicamente urbano. Ainda assim, possui a terceira maior floresta urbana do mundo, a Floresta da Tijuca, plantada por determinação de dom Pedro II (1825-1891) na segunda metade do século XIX pelo major Archer em terras de café desapropriadas, para combater a falta de água que se instalara na então capital do império. Trata-se de uma floresta secundária, uma vez que é fruto de replantio, compreendendo espécies que não são nativas da mata atlântica, a cobertura vegetal original. Data de 1859 até 1866 o funcionamento pioneiro da primeira linha de transporte em veículos sobre trilhos no Rio de Janeiro, com tração animal, anterior ao bonde elétrico, ligando o Largo do Rocio (Praça Tiradentes) a um local perto do bairro da Usina, mais tarde reconhecido como Muda, cobrindo um trajeto de 7 km.  Nos Estados Unidos e na Europa, onde o processo de urbanização das cidades foi pioneiro, o subúrbio, foi e continua sendo o espaço destinado às elites e classes médias – uma espécie de refúgio contra os aglomerados urbanos insalubres e perigosos do período da industrialização. São bucólicos, ajardinados e de casas confortáveis.

O Parque Nacional da Tijuca é uma unidade de conservação de proteção integral da natureza localizada na cidade do Rio de Janeiro. Entre os pontos turísticos do parque, trilhas, grutas e cachoeiras, encontram-se marcos famosos da cidade, como a Pedra da Gávea, o Corcovado, e o Pico da Tijuca, ponto mais alto do parque, elevando-se 1 022 metros acima do nível do mar. Com relevo montanhoso, inclui áreas do Maciço da Tijuca. É administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade. A área é composta por vegetação secundária, uma vez que é fruto de um reflorestamento promovido à época do Segundo Reinado, quando se tornou patente que o desmatamento causado pelas fazendas de café estava prejudicando o abastecimento de água potável da então capital do Império. Vivem, no parque, mais de 230 espécies de animais e aves: entre eles, macaco-prego, quati, cutia, cachorro-do-mato, sagui, beija-flor e sabiá. O parque, que possui 3 972 hectares, é a quarta maior área verde urbana do país, superada apenas pelo Parque Estadual da Cantareira (7 916,52 hectares), da Reserva Floresta Adolfo Ducke (10 mil hectares) em Manaus e do Parque Estadual da Pedra Branca (12 500 hectares). Entertanto, a Tijuca é um bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Está entre os bairros mais antigos, tradicionais e populosos da capital fluminense.

Seu índice de qualidade de vida, no ano 2000, era de 0,887, o 18º melhor do município, dentre 126 bairros avaliados, considerado alto. Segundo dados estatísticos estimados de 2019, possui 182.366 habitantes, sendo o maior da Zona Norte. No peer ranking de bairros mais valorizados economicamente do município, a Tijuca ocupa a 22ª posição estatisticamente, em dados de outubro de 2022 e o bairro possui uma população de classe média e média-alta. Tijuca é um bairro da Zona Norte do município do Rio de Janeiro. Está entre os bairros mais antigos, tradicionais e populosos da capital fluminense. O Índice de Progresso Social (IPS) é uma metodologia que avalia a qualidade de vida da população no Brasil de forma multidimensional. No ranking IPS da Prefeitura do Rio de Janeiro, a região administrativa da Tijuca onde se localiza o bairro da Tijuca conta com índices de 79.5 para IPS; 85.8 para necessidades humanas básicas; 70.6 para fundamentos do bem-estar; e 82.1 para oportunidades, todos acima da média do município. Logo após a vitória dos portugueses sobre os franceses no episódio da França Antártica, em 1565, comparativamente, a região do atual bairro da Tijuca foi ocupada pelos padres jesuítas, que, nela, instalaram imensas fazendas dedicadas ao cultivo da cana-de-açúcar, uma capela a São Francisco Xavier que deu o nome à fazenda dos jesuítas do Centro da cidade carioca: a saber: Fazenda de São Francisco Xavier. 

Até o início do século XX, essa acepção de subúrbio também se aplicava ao Rio de Janeiro; onde o subúrbio era o local de nobreza – não tão refinada como Botafogo ou o Engenho Velho, que eram bairros da aristocracia –, mas com serviços voltados a essa classe, que também se dirigiam para lá com fins de descanso. Foi a partir da reforma urbana do prefeito Pereira Passos (1836-1913), em 1903, que o conceito de subúrbio “ganhou contornos mais ideológicos e pejorativos no contexto do Rio de Janeiro”. Com a implantação de uma nova ordem urbana no Centro da futura metrópole, associada também à expansão do mercado imobiliário para as classes sociais altas à beira-mar, o proletariado do Centro foi “expulso” para os subúrbios, que passaram a ser vistos como locais estratégicos de escoamento dessa população marginalizada para bem longe do Centro “civilizado”. Como não houve uma política de moralização da classe trabalhadora nesse processo, o que favoreceu a emergência do caráter pejorativo que o termo “subúrbio” emana no cenário carioca. Com base no conceito pejorativo de subúrbio, como remetente à ideia de locais habitados por classes socioeconômicas menos privilegiadas, pode-se inferir que a Tijuca e entorno, em termos históricos, geográficos e especialmente ideológicos, não pode ser considerada um subúrbio da cidade, mesmo fazendo parte da Zona Norte, onde se localiza grande parte dos originais trilhos urbanos para delimitação dos subúrbios. Originalmente aristocrática, a Tijuca é um bairro valorizado do Rio de Janeiro, berço de famílias tradicionais e de uma classe média com bom poder aquisitivo, mesmo com o êxodo das décadas de 1980 e 1990.

O bairro passou 20 anos “adormecido”, devido ao processo social de favelização, que acabou sendo maior que no restante da cidade por questões geográficas; no início da última década o bairro apresentou forte valorização imobiliária devido a melhorias estruturais oriundas do poder público. Em 23 de agosto de 1985, o decreto 5.280 definiu os atuais limites do bairro. Rio de Janeiro, ou simplesmente referido como “Rio”, é um município brasileiro, capital do estado homônimo, situado no Sudeste do país. Um dos maiores destinos turísticos internacionais no Brasil, na América Latina e também do Hemisfério Sul. A capital fluminense é a cidade brasileira mais conhecida no exterior, funcionando como um espelho, ou “retrato nacional”, seja positiva ou negativamente. É a segunda maior metrópole do Brasil, depois de São Paulo, a sétima maior da América e a décima oitava do mundo. Sua população segundo o censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística era 6 211 223 habitantes. Tem o epíteto herdado do realismo mágico de Cidade Maravilhosa, e os que nela nascem são chamados cariocas. Classificada como uma metrópole, exerce influência nacional, seja do ponto de vista cultural, econômico ou político brasileiros, e é um dos principais centros econômicos, culturais e financeiros do país, sendo internacionalmente conhecida por diversos ícones culturais e paisagísticos, como o Pão de Açúcar, o morro do Corcovado com a estátua do Cristo Redentor, as praias dos bairros de Copacabana, Ipanema e Barra da Tijuca, entre outras; os estádios do Maracanã e Nilton Santos; o bairro boêmio da Lapa e seus arcos; o Theatro Municipal do Rio de Janeiro; as florestas da Tijuca e da Pedra Branca; a Quinta da Boa Vista; a Biblioteca Nacional; a fabulosa ilha de Paquetá, na baía da Guanabara; o réveillon de Copacabana; o carnaval carioca; a Bossa Nova e o samba. Parte da cidade foi designada Patrimônio da Humanidade pela UNESCO em 1° de julho de 2012.

Representa o segundo maior PIB do país e o 30º maior do mundo, estimado em cerca de 354,981 bilhões de reais (cf. IBGE/2023), e é sede das duas maiores empresas brasileiras — a Petrobras e a Vale, e das principais companhias de petróleo e telefonia do Brasil, além do maior conglomerado de empresas de mídia e comunicações da América Latina, o Grupo Globo. Contemplado por grande número de universidades e institutos, é o segundo maior polo de pesquisa e desenvolvimento do Brasil, responsável por 19% da produção científica nacional, segundo dados de 2005. Rio de Janeiro é considerada uma cidade global beta — pelo inventário de 2008 da Universidade de Loughborough. A cidade foi, sucessivamente, capital da colônia portuguesa do Estado do Brasil (1763–1815), depois do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815–1822), do Império do Brasil (1822–1889) e da República dos Estados Unidos do Brasil (1889–1968) até 1960, quando a sede do governo foi transferida definitivamente para a recém-construída Brasília. Naquele ano, o Rio foi transformado em uma cidade-estado com o nome de Guanabara e, somente em 1975, torna-se a capital do Rio de Janeiro.

Uma forma de atividade generalizada que tomou lugar na vida social não pode, evidentemente, permanecer tão desregulamentada, em seu desempenho e atividade, sem que disso resulte os impactos sociais sobre a divisão do trabalho e as mais profundas perturbações. Mas sofrer no trabalho não é uma fatalidade. É, em particular, como decorre e testemunhamos, uma fonte de desmoralização geral real. Pois, precisamente porque as funções econômicas absorvem o maior número de cidadãos, para o pleno desenvolvimento da vida social, há uma multidão de indivíduos, como dizia Freud, cuja vida transcorre quase toda no meio industrial e comercial; a decorrência disso é que, como tal meio é pouco marcado pela moralidade, a maior parte da existência transcorre fora de toda e qualquer ação moral. A tese funcionalista expressa na pena de Émile Durkheim, como uma espécie de antídoto da civilização, e que o sentimento do dever cumprido se fixe fortemente em nós, é preciso que as próprias circunstâncias em que vivemos permanentemente desperto. A atividade de uma profissão só pode ser regulamentada eficazmente por “um grupo próximo o bastante dessa mesma profissão para conhecer bem seu funcionamento, para sentir todas as suas necessidades e poder seguir todas as variações destas”. O único grupo que corresponde a essas condições é o que seria formado por todos os agentes de uma mesma condição reunidos num mesmo corpo. E que a sociologia durkheimiana conceitua de corporação ou grupo profissional. É na ordem econômica que o grupo profissional existe tanto quanto a moral profissional. Desde que, não sem razão, com a supressão das antigas corporações, não se fizeram mais do que tentativas fragmentárias e incompletas para reconstituí-las em novas bases.  

Os únicos agrupamentos dotados de permanência são os que se chamam sindicatos, seja de patrões, seja de operários. Historicamente, temos aí in statu nascendi o começo e o princípio ético de uma organização profissional, mas ainda de forma rudimentar. Isto porque, em primeiro lugar, um sindicato é uma associação privada, sem autoridade legal, desprovida, por conseguinte, de qualquer poder regulamentador. O número deles é teoricamente ilimitado, mesmo no interior de uma categoria industrial; e, como cada um é independente dos outros, se não se constituem em federação e se unificam, não há neles nada que exprima a unidade da profissão em seu conjunto de práticas e saberes sociais. Não só os sindicatos de patrões e de empregados são distintos uns dos outros, o que é legítimo e necessário, como não há entre eles contatos regulares. Não existe organização comum que os aproxime sem fazê-los perder sua individualidade e na qual possam elaborar em comum uma regulamentação que, estabelecendo suas relações mútuas, imponha-se a ambas as partes com a mesma autoridade; por conseguinte, é sempre a “lei dos mais forte” que resolve os conflitos, e o estado de guerra subiste inteiro. Salvo no caso de seus atos pertencentes à esfera moral comum estão na mesma situação. A tese sociológica é a seguinte: para que uma moral e um direito profissionais possam se estabelecer nas diferentes profissões, é necessário, pois, que a corporação, em vez de permanecer um agregado confuso e sem unidade, se torne, ou antes, volte a ser, um grupo definido, organizado, uma instituição pública qualquer.

A primeira observação familiar da crítica de Émile Durkheim, é que a corporação tem contra si seu próprio passado histórico. De fato, ela é tida como intimamente solidária do antigo regime político e, por conseguinte, como incapaz de sobreviver a ele. Na história da filosofia, o que permite considerar as corporações uma organização temporária, boa apenas para uma época e uma civilização determinada, é, ao mesmo tempo, sua grande antiguidade e a maneira como se desenvolveram na história. Se elas datassem unicamente da Idade Média, poder-se-ia crer, de fato que, nascidas com um sistema político, deviam necessariamente desaparecer com ele. Mas, na realidade, têm uma origem bem mais antiga. Em geral, elas aparecem desde que as profissões existem, isto é, desde que a atividade deixa de ser puramente agrícola. Se não parecem ter sido conhecidas na Grécia, até o tempo da conquista romana, é porque os ofícios, sendo desprezados, eram exercidos exclusivamente por estrangeiros e, por isso mesmo, achavam-se excluídos da organização legal da cidade. Mas em Roma, comparativamente, elas datam pelo menos dos primeiros tempos da República; uma tradição chegava até a atribuir sua criação ao rei Numa, um sabino escolhido como segundo rei de Roma. Sábio, pacífico e religioso, dedicou-se a elaboração das primeiras leis de Roma, assim como dos primeiros ofícios religiosos da cidade e do primeiro calendário. É verdade que, por tempo, elas tiveram de levar uma existência bastante humilde, pois os historiadores e os monumentos só raramente as mencionam; não sabemos muito bem como eram organizadas. Desde de Cícero, sua quantidade tornara-se considerável e elas começavam a desempenhar um papel. Nesse momento afirma J.-P Waltzing (1857-1929), “todas as classes de trabalhadores parecem possuídas pelo desejo de multiplicar as associações profissionais” (Apud Durkheim, 2010).  

Mas o caráter desses agrupamentos se modificou; eles acabaram tornando-se “verdadeiras engrenagens da administração” (cf. Altbach, 2004). Desempenhavam funções oficiais; cada profissão era vista como um serviço público, cujo encargo e cuja responsabilidade ante o Estado cabiam à corporação correspondente. Foi a ruína da instituição. Porque, segundo Durkheim, essa dependência em relação ao Estado não tardou a degenerar numa servidão intolerável que os imperadores só puderam manter pela coerção. Todas as sortes de procedimentos foram empregadas para impedir que os trabalhadores escapassem das pesadas obrigações que resultavam, para eles, de sua própria profissão. Evidentemente, tal sistema de trabalho só podia durar enquanto o poder político fosse o bastante para impô-lo. É por isso que ele não sobreviveu à dissolução do Império. Aliás, as guerras civis e as invasões haviam destruído o comércio e a indústria; os artesãos aproveitaram essas circunstâncias para fugir das cidades e se dispersar nos campos. Assim, os primeiros séculos de nossa era viram produzir-se um fenômeno que devia se repetir tal qual no fim do século XVII: a vida corporativa se extinguiu quase por completo. Mal subsistiram alguns vestígios seus, na Gália e na Germânia, nas cidades de origem romana. Portanto, naquele momento, um teórico tivesse tomado consciência da situação, teria provavelmente concluído, como o fizeram mais tarde os economistas, que as corporações não tinham, ou, em todo caso, não tinham mais razão de ser, que haviam desaparecido irreversivelmente, e sem dúvida teria tratado de retrógrada e irrealizável toda tentativa de reconstituí-las. Os acontecimentos desmentiriam uma tal profecia. De fato, após um “eclipse da razão” de algum tempo caminhando para os nossos dias, as corporações recomeçaram nova existência em todas as sociedades europeias.

Elas renasceram por volta dos séculos XI e XII. Desde esse momento, diz Emile Levasseur, “os artesãos começam a sentir a necessidade de se unir e formam suas primeiras associações”.  Em todo caso, no século XII, elas estão outra vez florescentes e se desenvolvem até o dia em que começa para elas uma nova decadência. Uma instituição tão persistente assim não poderia depender de uma particularidade contingente e acidental; muito menos ainda é possível admitir que tenha sido o produto de não sei que “aberração coletiva”. Se, desde a origem da cidade até o apogeu do Império, desde o alvorecer das sociedades cristãs aos tempos modernos, elas foram necessárias, é porque correspondem a necessidades duradouras e profundas. Sobretudo, vale lembrar que o próprio fato de que, depois de terem desaparecido uma primeira vez, reconstituíram-se por si mesmas e sob uma nova forma, retira todo e qualquer valor ao argumento que apresenta sua desaparição violenta no fim do século passado como uma prova de que não estão mais em harmonia com as novas condições de existência coletiva. A necessidade que todas as grandes sociedades civilizadas sentem de chamá-las de volta à vida é o mais seguro sintoma evidente dessa supressão radical não era um remédio e de que a reforma de Jacques Turgot (172701781) requeria outra que não poderia ser indefinidamente adiada. Mas nem toda organização corporativa é um anacronismo histórico. Acreditamos que ela seria chamada a desempenhar, nas sociedades contemporâneas, menos pelo papel considerável que julgamos indispensável, por causa não dos serviços econômicos que ela poderia prestar, mas da influência moral que poderia ter.  O que vemos antes de mais nada no grupo profissional é um poder moral capaz de conter os egoísmos individuais, de manter no coração dos trabalhadores um sentimento vivo de solidariedade comum, de impedir que a “lei do mais forte” se aplique de maneira brutal nas relações industriais e comerciais. 

Mas é preciso evitar estender a todo regime corporativo o que pode ter sido válido para certas corporações e durante um curto lapso de tempo de seu desenvolvimento. Longe de ser atingido por uma sorte de enfermidade moral devida à sua própria constituição, foi sobretudo um papel moral que ele representou e continua representando ainda, na maior parte de sua história. Isso é particularmente evidente no caso das corporações romanas. Sem dúvida, a associação lhes dava mais forças para salvaguardar, se necessário, seus interesses comuns. Mas era isso apenas um dos contragolpes úteis que a instituição produzia, lembra Durkheim: “não era sua razão de ser, sua função principal. Antes de mais nada, a corporação era um colégio religioso”. Cada uma tinha seu deus particular, cujo culto quando ela tinha meios, era celebrado num templo especial. Do mesmo modo que cada família tinha seu Lar familiaris, cada cidade seu Genius publicus, cada colégio tinha seu “deus tutelar”, Genius collegi. Naturalmente, o culto profissionalmente não se realizava sem festas, que ipso facto eram celebradas em comum sem sacrifícios e banquetes. Todas as espécies de circunstâncias serviam, aliás, de ocasião para alegres reuniões, além disso, distribuições de víveres ou de dinheiro ocorriam com frequência às expensas da comunidade. Indagou-se se a corporação tinha uma caixa de auxílio, se ela assistia regularmente seus membros necessitados, e as opiniões a esse respeito são divididas. Mas o que retira da discussão parte de seu interesse e alcance é que esses banquetes, mais ou menos periódicos, e as distribuições que os acompanharam serviam de auxílios e faziam não raro as vezes de uma assistência direta. Os infortunados sabiam que podiam contar com essa subvenção dissimulada. Como corolário do caráter religioso, o colégio de artesãos era, ao mesmo tempo, um colégio funerário. Unidos, como gentiles, num mesmo culto durante sua vida, os membros da corporação queriam, como eles, dormir juntos seu derradeiro sono. 

A importância tão considerável que a religião tinha em sua vida, tanto em Roma quanto na Idade Média, põe particularmente em evidência a verdadeira natureza de suas funções; porque toda comunidade religiosa constituía, então, um ambiente moral, do mesmo modo que toda disciplina moral tendia necessariamente a adquirir uma forma religiosa. A partir do instante em que, no seio de uma sociedade política, certo número de indivíduos tem em comum ideias, interesses, sentimentos, ocupações que o resto da população não partilha com eles, é inevitável que, sob a influência dessas similitudes eles sejam atraídos uns para os outros, que se procurem, teçam relações, se associem e que se forme assim, pouco a pouco, um grupo restrito, com sua fisionomia especial da sociedade em geral. Porque é impossível que homens vivam juntos, estejam regularmente em contato, sem adquirirem o sentimento do todo que formam por sua união, sem que se apeguem a esse todo, se preocupem com seus interesses e o levem em conta em sua conduta. Enfim, basta que esse sentimento se precise e se determine, que, aplicando-se às circunstâncias mais ordinárias e mais importantes da vida, se traduza em fórmulas definidas, para que se tenha um corpo de regras morais em via de se constituir. Ao mesmo tempo que se produz por si mesmo e pela força das coisas, esse resultado é útil e o sentimento de sua utilidade contribui para confirma-lo. A vida em comum é atraente, ao mesmo tempo que coercitiva. Para o ponto de vista conservantista do método analítico durkheimiano, a coerção é necessária para levar o homem a se superar, a acrescentar à sua natureza física outra natureza; mas, à medida que aprende a apreciar os encantos dessa nova existência, ele contrai a sua necessidade e não há ordem de atividade que não os busque com paixão.

A moral doméstica não se formou de outro modo. Por causa do prestígio que a família conserva ante nossos olhos, parece-nos que, se e ela foi e é sempre uma escola de dedicação e de abnegação, o foco por excelência da moralidade, é em virtude de características bastante particulares que teria o privilégio e que não se encontrariam em ouro lugar em nenhum grau. Costuma-se crer que exista na consanguinidade uma causa excepcionalmente poderosa de aproximação moral. A prova está em que, num sem-número de sociedades, os não-consanguíneos são muitos no seio da família; o parentesco dito artificial se contrai então com grande facilidade e exerce todos os efeitos do parentesco natural. Inversamente, acontece com grande frequência consanguíneos bem próximos serem, moral ou juridicamente, estranhos uns aos outros; é, por exemplo, o caso dos cognatos na família romana. Portanto, a família não deve suas virtudes à unidade de descendência: ela é, simplesmente, um grupo de indivíduos que foram aproximados uns dos outros, no seio da sociedade política, por uma comunidade mais particularmente estreita de ideias, sentimentos e interesses. A consanguinidade pode ter facilitado essa concentração, pois ela tem por efeito natural inclinar as consciências umas em relação às outras. Outros fatores intervieram: a proximidade material, a solidariedade de interesses, a necessidade de união contra um perigo comum, ou simplesmente de se unir, foram causas muito mais poderosas de comunicação social no processo produtivo. 

Mas, para dissipar todas as prevenções, adverte Durkheim, para mostrar bem que o sistema corporativo não é apenas uma instituição do passado, seria necessário mostrar que transformações ele deve e pode sofrer para se adaptar às sociedades modernas, pois é evidente que ele não pode ser o que era na Idade Média. Para tanto, seriam necessários estudos comparativos que não estão feitos e que não podemos fazer de passagem. Talvez, porém, não seja impossível perceber desde já, mas apenas em suas linhas mais gerais, o que foi esse desenvolvimento. O historiador que empreende resolver em seus elementos a organização política dos romanos não encontra, no decurso de sua análise, nenhum fato que possa adverti-lo da existência das corporações. Elas não entravam na constituição romana, na qualidade de unidades definidas e reconhecidas. Em nenhuma das assembleias eleitorais, em nenhuma das reuniões do exército, os artesãos se reuniam por colégios, em parte alguma o grupo profissional tomava parte, como tal, na vida pública, seja em corpo, seja por intermédio de representantes regulares. No máximo, a questão pode se colocar a propósito de três ou quatro colégios que se imaginou poder identificar com algumas das centúrias constituídas por Sérvio Túlio, a saber: tignari (construtores de casas), aerari (corporação clerical), tibicines (monumento funerário), corporações cornicínes (pizza enrolada), mas o fato não está bem estabelecido.

Quanto às outras corporações, estavam certamente fora da organização oficial do povo romano. Ora, por muito tempo os ofícios não foram mais do que uma forma acessória e secundária da atividade social dos romanos. Roma era essencialmente uma sociedade agrícola e guerreira. No primeiro era dividida em gentes e em cúrias; a assembleia por centúrias refletia antes a organização militar. Quanto às funções industriais, eram demasiado rudimentares para afetar a estrutura política da cidade. Aliás, até um momento bem avançado da história romana, os ofícios permaneceram marcados por um descrédito moral que não lhes permitia ocupar uma posição regular no Estado. Sem dúvida, veio um tempo em que sua condição social melhorou. Mas a própria maneira como foi obtida essa melhora é significativa. Para conseguir fazer respeitar seus interesses e desempenhar um papel na vida pública, os artesãos tiveram de recorrer a procedimentos irregulares e extralegais. Só triunfaram sobre o desprezo de que eram objeto por meios de intrigas, complôs, agitação clandestina. E, se, mais tarde, acabaram sendo integrados ao Estado para se tornar engrenagens da máquina administrativa, essa situação como foi, para eles, uma conquista gloriosa, mas uma penosa dependência; se entraram então no Estado, não foi para nele ocupar a posição a que seus serviços sociais podiam lhes dar direito, mas simplesmente para poder ser mais bem vigiados pelo poder governamental.

Quando as cidades se emanciparam da tutela senhorial, quando a comuna se formou, o corpo de ofícios, que antecipara e preparara esse movimento, tornou-se a base da constituição comunal. De fato, segundo J.-P Waltzing, “em quase todas as comunas, o sistema político e a eleição dos magistrados baseiam-se na divisão dos cidadãos em corpos de ofícios”. Era costumeiro votar-se por corpos de ofícios e elegiam-se ao mesmo tempo os chefes da corporação e os da comuna. – Em Amiens, por exemplo, os artesãos se reuniam todos os anos para eleger os prefeitos de cada corporação ou bandeira (bannière); os prefeitos eleitos nomeavam em seguida doze escabinos, que nomeavam outros doze, e o escabinato apresentava, por sua vez, aos prefeitos das bandeiras três pessoas, dentre as quais eles escolhiam o prefeito da comuna... Em algumas cidades, o modo de eleição era ainda mais complicado, mas, em todas, a organização política e municipal era intimamente ligada á organização do trabalho. Inversamente, assim como a comuna era um agregado de corpos de ofícios, o corpo de ofício era uma comuna em miniatura, pelo próprio fato de que fora o modelo do qual a instituição comunal era a forma ampliada e desenvolvida. Queremos dizer com isso, que sabemos o que a comuna foi na história de nossas sociedades, de que se tornou, com o tempo, a pedra angular. Ipso facto, já que era uma reunião de corporações e que se formou com base no tipo da corporação, foi esta em última análise, que serviu de base a todo o sistema político oriundo do movimento comunal. Vê-se que, em sua trajetória, ela cresceu singularmente em importância e dignidade. Em Roma, começou estando quase fora dos contextos normais, ela serviu de marco elementar para sociedades contemporâneas. É um motivo para que recusemos a considera-la uma instituição arcaica, destinada a desaparecer.

A obra do sociólogo não é a do homem público, assevera Émile Durkheim. O que a experiência do passado demonstra, antes de mais nada, é que os marcos do grupo profissional devem guardar sempre uma relação com os marcos da vida econômica; foi por ter faltado com essa condição que o regime corporativo desapareceu. Portanto, já que o mercado, de municipal que era, tornou-se nacional e internacional, a corporação deve adquirir a mesma extensão. Em vez de ser limitada apenas aos artesãos de uma cidade, ela deve ampliar-se, de maneira a compreender todo os membros da profissão, dispersos em toda a extensão do território, porque, qualquer que seja a região em que se encontram, quer no campo, todos são solidários uns com os outros e participam da vida comum. Já que essa vida comum é, sob certos aspectos, independentemente de qualquer determinação territorial, tem que ser criado um órgão apropriado, que a exprima e regularize seu funcionamento. Por causa de suas dimensões sociais, tal órgão estaria necessariamente em contato relacional com o órgão central da vida coletiva, pois os acontecimentos importantes o bastante para envolverem toda uma categoria de empresas industriais num país tem necessariamente repercussões bastante gerais, que o Estado não pode sentir, o que o leva a intervir. Não foi sem fundamento que o poder real tendeu indistintamente a não deixar fora de sua ação a grande indústria. Era impossível que ele se desinteressasse por uma forma de atividade que por sua natureza, é capaz de afetar o conjunto da sociedade. Essa organização unitária para o conjunto de um mesmo país não exclui, de modo algum, a formação de órgãos secundários, que compreendam os trabalhadores similares de uma mesma região ou localidade, e cujo papel seria especializar ainda mais a regulamentação profissional segundo as necessidades locais ou regionais. A vida econômica poderia ser regulada e determinada, sem nada perder de sua diversidade. Por isso mesmo, o regime corporativo seria protegido contra essa propensão ao imobilismo, que lhe foi frequente e justamente criticada no passado, porque é um defeito que resultava do caráter estreitamente comunal da corporação.

Bibliografia Geral Consultada.         

SCHWARCZ, Lilia Moritz, “Complexo de Zé Carioca: Notas Sobre uma Identidade Mestiça e Malandra”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 10, n° 29, out. de 1995; NOLASCO, Sócrates, O Mito da Masculinidade. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1995; CORRÊA, Mariza, “Sobre a Invenção da Mulata”. In: Cadernos Pagu (6-7) 1996: pp.35-50; DA MATTA, Roberto, Carnavais, Malandros e Heróis: Para uma Sociologia do Dilema Brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1997; CERTEAU, Michel, L`Invenzione del Quotidiano. Roma: Edizione Lavoro, 2000; FENERICK, José Adriano, Nem do Morro, Nem da Cidade: As Transformações do Samba e a Indústria Cultural (1920-1940). Tese de Doutorado em História Econômica. São Paulo: Universidade Estadual de São Paulo, 2002; HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence (Org.), A Invenção das Tradições. 6ª edição. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2008; DURKHEIM, Émile, Da Divisão do Trabalho Social. 4ª edição. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2010; WEISS, Raquel Andrade, Émile Durkheim e a Fundamentação Social da Moralidade. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010; ERICEIRA, Ronald Clay dos Santos, A Mulher é a Tal: Visões de Compositores de Marchinhas Carnavalescas sobre as Mulheres no Rio de Janeiro dos Anos de 1930 e 1940. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social. Instituto de Psicologia. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2010; OSTOS, Natascha Stefania Carvalho, “Terra Adorada, Mãe gentil: l’Image de la Nature et du Féminin dans la Construction de l’Idée de Brésil-nation (1930-1945)”. In: Cahiers des Amériques Latines, 82; 2016, 155-170; TIBURI, Márcia, Complexo de Vira-lata: Análise da Humilhação Colonial. Rio de Janeiro: Editor José Olympio, 2021; CAMARGO, Claudia Regina, Literatura e Hipertexto: A Não Linearidade e a Formação do (Hiper)leitor. Tese de Doutorado. Programa de Doutorado em Teoria Literária. Curitiba: Centro Universitário Campos de Andrade, 2023; MIQUELUTTI, Guilherme, “Lamartine Babo, Mário Reis, Isaurinha Garcia”. In: https://www12.senado.leg.br/radio/2025/01/31entre outros.

domingo, 26 de janeiro de 2025

Cavalo Frísio – Cultura, Afinidade Eletiva & Montaria na Ilha Ameland.

                Culto é aquele que sabe onde encontrar aquilo que não sabe”. Georg Simmel

           A obra do sociólogo não é a do homem público, lembrava seu fundador Émile Durkheim. O que a experiência do passado demonstra, antes de mais nada, é que os marcos do grupo profissional devem guardar sempre uma relação com os marcos da vida econômica; foi por ter faltado com essa condição que o regime corporativo desapareceu. Portanto, já que o mercado, de municipal que era, tornou-se nacional e internacional, a corporação deve adquirir a mesma extensão. Em vez de ser limitada apenas aos artesãos de uma cidade, ela deve ampliar-se, de maneira a compreender todo os membros da profissão, dispersos em toda a extensão do território, porque, qualquer que seja a região em que se encontram, quer no campo, todos são solidários uns com os outros e participam da vida comum. Tendo em vista que historicamente essa vida comum é, sob certos aspectos, independentemente de qualquer determinação territorial, tem que ser criado um órgão apropriado, que a exprima e regularize seu funcionamento. Por causa de suas dimensões, tal órgão estaria necessariamente em contato relacional com o órgão central da vida coletiva, pois os acontecimentos importantes o bastante para envolverem toda uma categoria de empresas industriais num país tem necessariamente repercussões bastante gerais, que o Estado não pode sentir, o que o leva a intervir. Não foi sem fundamento que o poder real tendeu indistintamente a não deixar fora de sua ação a grande indústria. Era impossível que ele se desinteressasse por uma forma de atividade que por sua natureza, é capaz de afetar o conjunto da sociedade. Essa organização unitária para o conjunto de um mesmo país não exclui, de modo algum, a formação de órgãos secundários, que compreendam os trabalhadores similares da mesma região ou localidade, e cujo papel social seria especializar ainda mais a regulamentação segundo as necessidades locais, regionais ou nacionais.

A vida econômica poderia ser regulada e determinada, sem nada perder de sua diversidade. Por isso mesmo, o regime corporativo seria protegido contra essa propensão ao imobilismo, que lhe foi frequente e justamente criticada no passado, porque é um defeito que resultava do caráter estreitamente comunal da corporação. Na síntese durkheimiana representada sobre o lugar de análise das corporações deve-se até supor que esteja destinada a se tornar a base, ou uma das bases essenciais de nossa organização política. Ela começa por ser exterior ao sistema social, tenderá a se empenhar de forma cada vez mais profunda nele, à medida que a vida econômica se desenvolve. Ela foi outrora a divisão elementar da organização comunal. Agora que a comuna, de organismo autônomo que era outrora, veio se perder no Estado, como o mercado municipal no mercado nacional, acaso não é legítimo pensar que a corporação também deveria sofrer uma transformação correspondente e tornar-se a divisão elementar do Estado, a unidade política fundamental? A sociedade, em vez de continuar sendo o que ainda é, um agregado de distritos territoriais justapostos, tornar-se-ia um vasto sistema de corporações nacionais. Mas essas divisões geográficas são, em sua maioria, artificiais e já não despertam em nós sentimentos profundos. O espírito provinciano desapareceu irremediavelmente: o patriotismo de paróquia tornou-se um arcaísmo que não se pode restaurar à vontade. Uma nação só se pode manter se, entre o Estado e os particulares, se intercalar uma série de grupos secundários próximos dos indivíduos para atraí-los fortemente em sua esfera de ação e arrastá-los, assim, na torrente geral da vida social. 

Isso não quer dizer, porém, que a corporação seja uma espécie de panaceia capaz de servir a tudo. Será necessário que, em cada profissão, um corpo de regras se constitua, fixando a quantidade de trabalho, a justa remuneração dos diferentes funcionários, seu dever para com os demais e para com a comunidade, etc.  Estaremos, pois, não menos que atualmente, em presença de uma tábula rasa. A vida social deriva inexoravelmente de uma dupla fonte: a similitude das consciências e a divisão do trabalho social. O indivíduo é socializado no primeiro caso, porque, não tendo individualidade própria, confunde-se como seus semelhantes, no seio de um mesmo tipo coletivo; no segundo, porque, tendo uma fisionomia e uma atividade pessoais que o distinguem dos outros, depende deles na mesma medida em que se distingue e, por conseguinte, da sociedade que resulta de sua união. Esta divisão dá origem às regras jurídicas que determinam as relações das funções divididas, mas cuja violação acarreta apenas medidas reparadoras sem caráter expiatório. De todos os elementos técnicos e sociais da civilização, a ciência nada mais é que a consciência levada a seu mais alto ponto de clareza. Nunca é demais repetir que para que as sociedades possam viver nas condições de existência que lhes são dadas, é necessário que o campo da consciência se estenda e se esclareça. Quanto mais obscura uma consciência, mais é refratária à mudança social, porque não vê depressa o que é necessário mudar. Nem em que sentido é preciso mudar. Uma consciência esclarecida sabe preparar de antemão a maneira de se adaptar a essa mudança risível. Eis porque é necessário que a inteligência guiada pela ciência adquira uma importância maior no curso da vida coletiva. Tais sentimentos são capazes de inspirar não apenas esses sacrifícios, mas também atos de renúncia completa e de abnegação exclusiva. A sociedade aprende a ver os membros que a compõem como cooperadores que ela não pode dispensar e para com os quais tem deveres sociais.    

          Integrando o arquipélago das Ilhas de Wadden, no limite oriental do Mar do Norte, que se estende desde o Noroeste da Holanda até à Dinamarca passando pela Alemanha, as Ilhas Frísias representam a pátria do povo frísio, cuja língua é falada até aos nossos dias. O mais antigo registo desta etnia é referido por Tácito, um dos grandes historiadores romanos, em De Origine et situ Germanorum, no século I, onde alude a um povo de marinheiros que povoaram as terras em torno do Mar do Norte e cujas colonizações terão deixado vestígios em Inglaterra, na Escócia, Dinamarca, Alemanha, Bélgica, França, Itália e nos Países Baixos. Em 12 a.C. terão sido conquistados pelo general romano Nero Cláudio Druso, juntando-se muito mais tarde, no século V, à emigração dos anglo-saxões, chegando até Bruges, já no século VII, e convertendo-se depois ao cristianismo sob influência do Reino Franco, também reconhecido como Francia, foi o território governado pelos francos na Alta Idade Média e na Antiguidade Tardia. Os francos eram uma tribo germânica que habitava o médio e baixo Rio Reno no século III d.C. O Reino Franco surgiu após a queda do Império Romano. Clóvis I foi o primeiro rei dos francos, coroado em 496. O Reino Franco foi governado por duas dinastias principais: os merovíngios e os carolíngios. A dinastia merovíngia foi estabelecida por Clóvis I, o primeiro rei dos Francos a unir as tribos francas sob um único governante, alterando a forma de liderança de chefes tribais para um governo de um único rei e assegurando que o reinado passasse aos seus herdeiros.  

           O Reino Franco se expandiu e incorporou características de outros povos, como os saxões, os romanos e os avaros. O Império Carolíngio foi sua maior extensão territorial geopolítica, alcançada durante o reinado de Carlos Magno. O Tratado de Verdun, em 843, dividiu o reino em três partes: os francos centrais, os francos ocidentais e os francos orientais. O Tratado de Meersen, em 870, readequou as fronteiras. Há aproximadamente 12 mil anos, aquando da última era do gelo, parte do que é atualmente o Mar do Norte constituía terra seca, já que o nível das águas se encontrava 60 metros abaixo do ponto atualmente, subindo depois em virtude do derretimento das calotas polares. Aquando do início do Holoceno, há sete mil anos, atingir-se-ia, então, a linha atualmente costeira, com a ação das marés a transportar quantidades significativas de areia que viriam assim a formar uma linha de dunas que, depois de o mar romper, se transformariam nas famosas Ilhas de Wadden. A construção de represas iniciar-se-ia por volta do ano 1000, com um papel preponderante a ser desempenhado pelos monges do Mosteiro de Aduard, sendo que no final da Idade Média as inundações haviam já diminuído francamente graças ao fortalecimento do sistema de diques, uma estrutura de contenção de água que serve para proteger pessoas, propriedades e infraestruturas de inundações.  A recuperação de terra prosseguiria a partir do século XVII, atingindo o seu pico durante os séculos XIX e XX.  

Como aspecto absolutamente curioso, mas ilustrativo das condições naturais, é evidente o lento, mas contínuo movimento das próprias ilhas, podendo-se inclusivamente referir o termo migração quando a elas nos referimos, sendo clara a deslocação de oeste para Leste, com a maioria daquelas que se localizam no extremo ocidental a mergulhar lentamente e o surgimento de bancos mais consistentes a Leste. Por consequência, também as aldeias se tornaram móveis ou poderemos até dizer “migrantes”, a maioria encontrando-se agora no ponto Oeste de cada ilha, tendo sido fundadas no centro e vendo-se, séculos depois, cada vez mais próximas do seu extremo ocidental e, por consequência, do inevitável afundamento. Formando uma entidade natural única e uma região holandesa distinta, as ilhas de Texel, Vlieland, Terscheling, Ameland e Schiermonnikoog formam uma barreira natural entre a costa frísia e o Mar do Norte, situando-se nos lodaçais do Mar de Wadden, constituindo-se Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) tem como representação social uma agência especializada na esfera política da Organização das Nações Unidas (ONU) que trabalha essencialmente para promover a paz e o desenvolvimento sustentável desde 2009. Ali é possível realizar caminhadas extraordinárias com guias profissionais e assistir geograficamente ao desfilar de aldeias, pólderes e pântanos salgados que circundam as ilhas ao longo das suas margens à medida que as faixas de praia e de dunas se entrelaçam com o vislumbrante mar. No seu interior impressionam-nos as extensas florestas e charnecas entrecruzadas com trilhos para caminhadas e passeios de bicicleta. Povoadas há mais de mil anos, estas ilhas foram não raramente vítimas per se dos caprichos da Natureza, enquanto o mar arrasava cidades, eliminando-as do mapa e as areias movediças alteravam o terreno, mas por mais assustador e desafiador que parecesse, os seus habitantes ali se mantiveram, agarrados à pesca e à caça da baleia como meio de subsistência.

 Oferecendo uma enorme e maravilhosa diversidade paisagística que varia entre praias, dunas, florestas e pólderes, as ilhas em conjunto com os pântanos do Mar de Wadden representam uma reserva natural protegida e que reúne a cooperação entre os países que partilham aquela região, isto é, a Holanda, Alemanha e Dinamarca. Os terrenos pantanosos representam um verdadeiro paraíso para espécies aquáticas como caranguejos, mexilhões e ostras e atraem cerca de 12 milhões de aves, representando para 34 destas um ponto de paragem nas respectivas rotas de migração. Durante a maré baixa há áreas que se mantêm secas permitindo a passagem a pé desde o continente até às ilhas ou entre si. Os holandeses chamam wadlopen a esta prática, que deverá sempre ser realizada na companhia de um guia experiente, já que a qualquer momento nós podemos deparar com a subida da maré e ninguém desejará ser surpreendido com a chegada do mar a meio de semelhante caminhada. Outro aspecto muitíssimo curioso é a diferença que se nota entre a cultura e a língua do continente e as das ilhas, onde se fala frísio, uma língua germânica com forte semelhança com o inglês, comparativamente, e onde este terá também bebido influências culturais, aquando da invasão viquingue. Também encontramos pratos e bebidas ali existentes, como o queijo de algas, em Vlieland, os arandos de Terchelling, do antigo celta aran, “abrunho”, airela ou oxicoco do grego ὀξύς, ácido, e κόκκος, baga, pelo seu sabor ácido, representam um grupo de arbustos perenes ou videiras de arrasto do subgênero Oxycoccus do gênero Vaccinium, e a cerveja de Texel, que entretanto se tornou muito popular em toda a Holanda. Mas a cooperação também tem sua moralidade intrínseca. 

Há apenas motivos para crer, que, em nossas sociedades, essa moralidade ainda não tem todo o desenvolvimento que lhes seria necessário. Daí resulta duas grandes correntes da vida social, que correspondem dois tipos de estrutura não menos diferentes. Dessas correntes, a que tem sua origem nas similitudes sociais ocorre quando um grupo é capaz de criar e reproduzir para si e para os outros a princípio só e sem rival. As mulheres representam algo mais do que uma categoria existente socialmente e compreendem pessoas do sexo feminino de diferentes idades, diferentes condições etárias familiares pertencentes a diferentes estratos, comunidades e classes sociais, nações e nacionalidades. Homens e mulheres envelhecem de formas diferentes, o que interfere nas respectivas configurações familiares. Suas vidas são ordenadas por diferentes regras sociais e costumes, em um meio de trabalho e sociabilidade no qual se configuram crenças e opiniões distintas decorrentes de estruturas de dominação secularizadas. Um aspecto da história social das mulheres que a distingue particularmente das outras diz respeito ao fato de ter sido uma história vinculada a um movimento social dentro e fora do trabalho. Por um longo período ela tem sido escrita a partir de convicções feministas, embora o conceito e o movimento decorram de meados do século XX. Certamente toda história social é herdeira de um contexto político, mas relativamente poucas histórias têm uma ligação tão forte com um programa de transformação e de ação como a história das mulheres. Quer as historiadoras tenham sido membros de organizações feministas ou de grupos de conscientização, quer elas se definissem como ativistas feministas, ou decerto fora deste movimento social urbano, seus trabalhos não foram menos marcadamente pelo movimento pragmático feminista hic et nunc europeu.

         Um dos domínios sociais, per se simbólicos mais intrigantes na circunscrição das relações de gênero diz respeito às conexões entre corpo, de marca nome e renome. De acordo com a literatura antropológica disponível sobre o assunto, o processo de renomeação, quase sempre associado a situações rituais (cf. Gennep, 1978), é um dos marcadores sociais por excelência da aquisição de prestígio e de status nas sociedades não ocidentais. Essa conexão entre corpo, gênero e marca tem suscitado interpretações distintas a respeito dos significados envolvidos nos rituais que a enfeixam: ritos de passagem, na acepção sociológica de Van Gennep (1873-1957), ou de instituição, para Pierre Bourdieu (1930-2002), interpelados pela questão da exclusão e a chamada “violência simbólica”, eles visam a separar aqueles que já passaram por eles, daqueles que ainda não o fizeram e, assim, instituir uma diferença duradoura entre os que foram e os que ainda não foram afetados. No extraordinário ritual cabila de circuncisão, por exemplo, ele separa o rapaz das mulheres e do mundo feminino, ao mesmo tempo em que converte o mais efeminado dos homens num homem na plena acepção da condição de homem, separado por uma diferença de natureza, de essência, mesmo da mais masculina, da maior e da mais forte das mulheres. Os estudos etnográficos produzidos no âmbito da história socialmente das artes e da presente sociologia da cultura, ou como propugnamos, sociologia das emoções, têm trazido contribuições socioculturais fundamentais para repensarmos a equação parental histórica entre nome, status e posição de prestígio estamental e da articulação com o problema da autoria e da autoridade.

          Manuais de retórica, assim como obras de fisiognomonia, livros de civilidade e artes de conversação lembram incansavelmente do século XVI ao XVIII que o rosto está no centro das percepções de si, da sensibilidade ao outro, dos rituais de sociabilidade da sociedade civil, das formas do político. Trata-se de um privilégio antigo que reveste, porém, uma nova tonalidade a partir do início daquele século. Todos esses textos dizem e repetem que o rosto fala. Ou, mais precisamente, que pelo rosto é o indivíduo que se exprime. Um laço se esboça historicamente e depois é traçado, segundo Courtine & Haroche, História do Rosto: Exprimir e Calar as emoções (Do século 16 ao começo do século 19) (2016: 10-11) mais nitidamente entre sujeito, linguagem e rosto, um laço crucialmente para a elucidação moderna. As percepções sociais do rosto são lentamente deslocadas, as sensibilidades à expressão se desenvolvem progressivamente. É um dos traços físicos essencialmente do avanço do individualismo nas mentalidades. Um “individualismo de costumes” que Philippe Ariès atribui a um processo social geral de privatização que vai transformar profundamente a identidade individual entre estes últimos séculos e reconfigurar de maneira paradoxal as relações entre comportamentos públicos e privados: o que vai, por um lado, afirmar a proeminência do indivíduo e incitar a expressão pessoal. O indivíduo é, em diante, indissociavelmente da expressão singular de seu rosto, com uma tradução corporal de seu eu como foro íntimo. Mas, por outro lado, esse mesmo movimento histórico e sexualmente que o incita a se exprimir leva-o ao mesmo tempo a se apagar, a mascarar o seu rosto, a encobrir sua expressão.

             Guilherme I de Orange-Nassau (1533-1584), em neerlandês Willem van Oranje, também reconhecido como o Guilherme, o Taciturno (Willem de Zwijger), foi Príncipe de Orange, Conde de Nassau (Guilherme IX de Nassau), líder da Casa de Orange-Nassau e o grande impulsionador do movimento de Independência dos Países Baixos. Após um período como stadthouder (regente) das províncias da Holanda, Zelândia, Utrecht e Borgonha, ao serviço da Casa de Habsburgo, deu início à revolta que marcou o princípio da Guerra dos Oitenta Anos, sendo declarado como fora-da-lei por Filipe II de Espanha em 1567. Guilherme não assistiu ao sucesso da sua causa, que chegou apenas em 1648 com o fim do poderio espanhol na região, e morreu assassinado por Balthazar Gerardts em Delft. Nos Países Baixos, Guilherme, o Taciturno, é considerado como o fundador da nação e o hino nacional, Wilhelmus, foi uma canção popular da época escrita em seu apoio. A bandeira é uma adaptação da bandeira do Príncipe e a cor nacional dos Países Baixos, o laranja, tem como representação uma referência direta ao nome do principado de Orange (laranja). Existem várias explicações para o seu apelido de o Taciturno, uma tradução livre do neerlandês o Calado. Uma delas cita a falta de vontade que mostrou em discutir assuntos difíceis ou de estado em público; a explicação alternativa refere a relutância em informações obtidas enquanto pajem de confiança do Imperador Carlos V, mesmo quando se encontrava em guerra com o seu filho Filipe II.

Guilherme nasceu no castelo de Dillenburg (moderna Alemanha), então sede da Casa de Nassau, como filho mais velho do Conde Guilherme de Nassau e de sua mulher Juliana de Stolberg-Werningerode. Os seus primeiros anos foram marcados por uma educação luterana, inspirada pela mãe. Em 1544, com apenas onze anos, Guilherme herdou o título e propriedades do primo Renato de Chalôn, Príncipe de Orange, e tornou-se senhor de um vasto território nos modernos Países Baixos e Bélgica. Dada a sua tenra idade e importância estratégica e política, Guilherme foi chamado à corte do imperador Carlos V de Habsburgo, que se tornou regente do Principado de Orange e terras associadas. Em Bruxelas, Guilherme estudou línguas estrangeiras, diplomacia e estratégia militar sob a supervisão da princesa Maria da Áustria, mulher do rei Luís II da Hungria e Baviera, e irmã do imperador. Por insistência de Carlos V, Guilherme foi incentivado a esquecer a sua educação protestante e a converter-se ao catolicismo. Durante este período, Guilherme foi um dos pajens favoritos do imperador, que nunca questionou a sua lealdade. Em 1551, Guilherme tornou-se Senhor de Egmond e Conde de Buren, através do seu casamento com Ana de Egmond, uma herdeira que lhe trouxe ainda mais interesses territoriais nos Países Baixos. Após servir como capitão de cavalaria, adquiriu o comando militar como general de um dos exércitos do imperador.

O poder político depressa se seguiu, com a nomeação, em 1555, para o Conselho de Regência dos Países Baixos. Quatro anos depois, sobe de estatuto e torna-se stadtholder (Regência/governo regente) das províncias da Holanda, Zelândia, Utrecht e Borgonha. Com estatuto político crescente, Guilherme casou com Ana da Saxónia em 1561, o que lhe permitiu ampliar a sua base de apoio e rede de contactos na Saxónia, Hesse e Palatinado. O casamento resultou em cinco filhos, incluindo Maurício de Nassau, nascido em 1567, mas provou ser um desastre. Ana, de temperamento instável e mal-humorado, tinha problemas psiquiátricos que levaram à dissolução da união dez anos depois. Embora nunca se tenha oposto em aberto ao rei de Espanha nesta fase da sua carreira, Guilherme tornou-se num dos líderes da oposição na Raad van State, o parlamento neerlandês. Juntamente com os Condes de Hoorn e Egmont, a sua facção procurava obter mais autonomia para os Países Baixos e maior importância política e governativa para a aristocracia local. Outra razão de descontentamento latente era o tratamento dado pela Espanha católica à comunidade protestante local, então ainda em minoria. Tendo sido educado como luterano e também católico, Guilherme era profundamente devotado, mas defendia a liberdade religiosa, qualquer que fosse a confissão. Neste contexto, as iniciativas da Inquisição nos Países Baixos promovidas pela regente Margarida de Parma não caíram bem junto do seu grupo político.

A população depressa se organizou contra os atropelos à liberdade religiosa. Em 1566 foi formada uma comissão de nobres, entre os quais Luís de Nassau, um dos irmãos de Guilherme, que entregou uma petição à Duquesa de Parma, exigindo o fim das perseguições. Como seria de esperar, a ideia foi mal aceite pela regente e a situação tornou-se instável. Em agosto do mesmo ano a violência estalou e grupos de calvinistas atacaram igrejas e capelas católicas, destruindo as imagens de santos, que consideravam ser uma ofensa ao segundo mandamento. Os motins, reconhecidos como Beeldenstorm, prolongaram-se até outubro e obrigaram Margarida de Parma a negociar. Ficou acordado que as principais exigências de tolerância religiosa seriam atendidas se os nobres envolvidos ajudassem a estabelecer a ordem. As promessas ficaram por cumprir e o clima de tensão manteve-se. Descontente com a situação no terreno, Filipe II de Espanha enviou Fernando Álvarez de Toledo y Pimentel, Duque de Alba, conhecido como o Duque de Ferro, para pacificar a região. O anúncio da chegada provocou o exílio de muitos luteranos, calvinistas e seus simpatizantes, com medo de represálias. Guilherme, que prestara apoio financeiro aos amotinados, seguiu o exemplo e retirou-se com a família para Nassau. Os receios provaram estar corretos na sua chegada em 1567, o Duque de Alba criou um tribunal especial para apurar responsabilidades na rebelião. Cerca de 10 000 pessoas foram convocadas para responder perante o Duque de Alba e muitas acabaram por ser aprisionadas. Guilherme foi também chamado para responder às acusações, mas não compareceu. Em consequência, foi declarado inimigo público e as suas propriedades nos Países Baixos confiscadas pela coroa.

Sem nada já a perder, Guilherme tomou então a tarefa de organizar a resistência armada ao regime do Duque de Alba. Financiado pelas suas propriedades alemãs, recrutou um exército de mercenários e nomeou o irmão Luís de Nassau como general. A região estava agora a um passo da guerra. O exército de Nassau invadiu os Países Baixos pelo Norte na primavera de 1568 e a 23 de maio ocorreu a Batalha de Heiligerlee, contra um contingente espanhol comandado por João de Ligne, Duque de Aremberg e stadtholder das províncias do Norte. O resultado foi uma vitória marcada de Luís de Nassau, o que custou a vida de Aremberg e despoletou a ira do Duque de Alba. Como represália, Alba mandou executar vários nobres que se encontravam presos, incluindo os Condes de Egmont e Hoorn, e mobilizou o seu exército para Groningen. A 21 de julho, encontrou as tropas de Nassau na Batalha de Jemmingen e obteve a sua vingança. O exército recrutado por Guilherme foi aniquilado e o seu irmão Luís teve que fugir para salvar a vida. Estas duas batalhas marcaram o início da Guerra dos Oitenta Anos. A resposta surgiu pouco tempo depois, com uma invasão da província de Brabante, no Sul, com o próprio Guilherme à cabeça de um grande exército. O Duque de Alba não aceitou o desafio para batalha evitando o inimigo, na esperança que a ameaça desaparecesse sozinha. A estratégia mostrou-se acertada quando os problemas financeiros o impediram de pagar aos mercenários e provocaram a dissolução da sua força militar.

Guilherme foi obrigado a retirar-se de novo para Nassau, mas não desistiu. Nos anos seguintes, não lhe foi possível recrutar novo exército devido à falta de fundos e, por isso, recorreu a outros métodos para minar o poderio espanhol.  Assim, Guilherme iniciou uma campanha de propaganda com distribuições de panfletos e inspirou diversas canções populares, alusivas à causa rebelde. O moderno hino nacional dos Países Baixos, Wilhelmus, foi uma destas canções de propaganda. Os motivos da propaganda eram cimentar a sua já enorme popularidade e fazer passar as suas ideias políticas. A principal, que viria a alterar-se nos anos seguintes, era a de que Guilherme não estava contra a pessoa do rei de Espanha, senhor dos Países Baixos, mas sim contra as políticas injustas implementadas pelos seus regentes estrangeiros. A guerra mudou de curso a 1 de abril de 1572, quando um grupo de corsários rebeldes (os Watergeuzen) atacou Brielle. Em vez de retirar-se após o ataque principal, como era seu costume, os corsários ocuparam a cidade, reclamando-a para a posse do Príncipe de Orange. O exemplo de Brielle espalhou-se e nos meses seguintes a maioria das cidades das províncias da Holanda e Zelândia declararam apoio a Guilherme. Amesterdão e Middelburg foram as principais excepções. Pouco depois, as cidades rebeldes convocaram uma reunião dos Staten Generaal (Estados Gerais) e nomearam Guilherme como stadtholder, um cargo que já ocupara por nomeação espanhola. Guilherme aproveitou a oportunidade e o seu exército rebelde invadiu de novo a região, capturando cidades por todo o país, incluindo postos importantes como Leuven, Roermond e Mons. O seu plano agressivo dependia da ajuda dos huguenotes franceses, mas o Massacre da Noite de São Bartolomeu, ocorrido a 24 de agosto de 1572, custou a vida de muitos em França e cortou a fonte de apoio.

Em consequência, Guilherme foi obrigado a retirar-se mais uma vez. O lado espanhol aproveitou então para contra-atacar e recapturar diversas cidades rebeldes, massacrando as populações civis favoráveis a Guilherme. O contra-ataque foi mais complicado na Holanda, onde conseguiram capturar Haarlem, mas à custa de um cerco de sete meses e da perda de 8 mil soldados. Em 1573, o Duque de Alba foi substituído por Dom Luís de Zuñiga y Requesens. Ao longo do ano seguinte, Guilherme obteve diversas vitórias militares, principalmente em confrontos navais, mas foi derrotado na Batalha de Mookerheyde (14 de abril), onde perdeu dois irmãos: Luís e Adolfo de Nassau. Requesens tentou então tomar Leiden, porém a população local organizou-se e resistiu ao longo cerco. O exército espanhol foi obrigado a se retirar quando os rebeldes destruíram os diques adjacentes e inundaram a área local. Guilherme ficou satisfeito com a prova de fidelidade da cidade e fundou a Universidade de Leiden como gesto de boa vontade. Após esta onda de vitórias, em 1576 Guilherme obteve outra de âmbito diplomático, ao conseguir que as províncias assinassem a Pacificação de Ghent, um conjunto de reivindicações e a promessa de lutar em conjunto contra a invasão espanhola. Não foi, no entanto, conseguido acordo em matéria religiosa e as cidades católicas continuavam a recusar reconhecer as calvinistas, e vice-versa. A guerra virou a favor dos rebeldes, quando, no mesmo ano, uma parte substancial do exército espanhol desertou por falta de pagamento. Esta situação obrigou o novo regente, João da Áustria, a assinar o Édito Perpétuo em fevereiro de 1577, onde prometia submeter-se às exigências da Pacificação de Ghent. Apesar disso, João da Áustria invadiu e tomou a cidade rebelde de Namur no mesmo ano, marcando o regresso ao conflito armado. Guilherme obteve novas vitórias e em setembro fez uma entrada triunfal em Bruxelas. A 23 de janeiro de 1580, foi dado um passo importante para a Independência dos Países Baixos com a assinatura da União de Utrecht, um tratado retificado pelas províncias do norte e pela maioria das cidades de Brabante e Flandres, que consolidou a causa comum.

        O próprio desenvolvimento do comércio e a ascensão dos negócios estavam entre as principais causas da Revolução Industrial, que marcou uma grande virada na história. Comparável apenas à adoção da agricultura pela humanidade no que diz respeito ao avanço material, a Revolução Industrial influenciou de alguma forma quase todos os aspectos da vida cotidiana. Em particular, a renda média e a população começaram a apresentar um crescimento sustentado sem precedentes. Alguns economistas disseram que o efeito mais importante da Revolução Industrial foi que o padrão de vida da população em geral no mundo ocidental começou a aumentar consistentemente pela primeira vez na história, embora outros autores tenham dito que não começou a melhorar significativamente até finais dos séculos XIX e XX. O Produto Interno Bruto per capita era amplamente estável antes da do surgimento da economia capitalista moderna, sendo que a Revolução Industrial iniciou um processo macrossociológico de desenvolvimento, chamado uma “Era de crescimento econômico per capita nas economias capitalistas” (cf. Hobsbawm, 1978). Os historiadores concordam que o início da Revolução Industrial é o evento mais importante na história social desde que biologicamene reconhecemos a domesticação de animais e plantas.

Sobre a questão específica a respeito das chamadas Afinidade eletivas, lembra Michael Löwy que são raros os pesquisadores especializados em sociologia das religiões que, ao comentar os diversos escritos de Weber sobre o tema hic et nunc, em particular A Ética Protestante, não constataram a utilização conceitual através do termo “afinidade eletiva”. Isto porque, estranhamente, esse termo suscitou poucos estudos, discussões ou debates e menos ainda uma análise mais sistemática de seu significado metodológico. Existe o ensaio de Richard Howe (1978) que contém informações úteis sobre as origens do termo, mas a definição que ele propõe considerando a “afinidade eletiva”, como uma ideia no sentido de emprego kantiano não é muito pertinente. Além disso, na interpretação Löwyniana, o referido autor não distingue a “afinidade interna” da conceitual afinidade eletiva, o que elimina o papel decisivo da eleição. Enfim, ele parece querer reduzir a Wahlverwandtschaft a uma “afinidade entre palavras”, em função da “interseção de significados”, o que limita seu considerável alcance. No ensaio de J. J. R. Thomas (1985) depois de uma discussão não sem interesse, chega a uma conclusão decepcionante: - “Tentando evitar o conceito de ideologia, considerado por ele grosseiramente materialista, Weber criou um conceito [afinidade eletiva] que não leva a lugar algum”. A contribuição é a do ensaista José María González Garcia que dedicou às afinidades eletivas entre Max Weber e Johann Wolfgang von Goethe (1992).

Uma forma de atividade generalizada que tomou lugar na vida social não pode, evidentemente, permanecer tão desregulamentada, em seu desempenho e atividade, sem que disso resulte os impactos sociais sobre a divisão do trabalho e as mais profundas perturbações. Mas sofrer no trabalho não é uma fatalidade. É, em particular, como decorre e testemunhamos, uma fonte de desmoralização geral real. Pois, precisamente porque as funções econômicas absorvem o maior número de cidadãos, para o pleno desenvolvimento da vida social, há uma multidão de indivíduos, como dizia Freud, cuja vida transcorre quase toda no meio industrial e comercial; a decorrência disso é que, como tal meio é pouco marcado pela moralidade, a maior parte da existência transcorre fora de toda e qualquer ação moral. A tese funcionalista expressa na pena de Émile Durkheim, como uma espécie de antídoto da civilização, e que o sentimento do dever cumprido se fixe fortemente em nós, é preciso que as próprias circunstâncias em que vivemos permanentemente desperto. A atividade de uma profissão só pode ser regulamentada eficazmente por “um grupo próximo o bastante dessa mesma profissão para conhecer bem seu funcionamento, para sentir todas as suas necessidades e poder seguir todas as variações destas”. O único grupo que corresponde a essas condições é o formado por todos os agentes de uma mesma condição reunidos num mesmo corpo.

E que a sociologia durkheimiana conceitua de corporação ou grupo profissional. É na ordem econômica que o grupo profissional existe tanto quanto a moral profissional. Desde que, não sem razão, com a supressão das antigas corporações, não se fizeram mais do que tentativas fragmentárias e incompletas para reconstituí-las em novas bases sociais.  Os únicos agrupamentos dotados de permanência são os que se chamam sindicatos, seja de patrões, seja de operários. Historicamente, temos aí in statu nascendi o começo e o princípio ético de uma organização profissional, mas ainda de forma rudimentar. Isto porque, em primeiro lugar, um sindicato é uma associação privada, sem autoridade legal, desprovida, por conseguinte, de qualquer poder regulamentador. O número deles é teoricamente ilimitado, mesmo no interior de uma categoria industrial; e, como cada um é independente dos outros, se não se constituem em federação e se unificam, não há neles nada que exprima a unidade da profissão em seu conjunto de práticas e saberes sociais. Não só os sindicatos de patrões e de empregados são distintos uns dos outros, o que é legítimo e necessário, como não há entre eles contatos regulares. Não existe organização comum que os aproxime sem fazê-los perder sua individualidade e na qual possam elaborar em comum uma regulamentação que, estabelecendo suas relações mútuas, imponha-se a ambas as partes com a mesma autoridade; por conseguinte, é sempre a “lei dos mais forte” que resolve os conflitos, e o estado de guerra subiste inteiro. Salvo no caso comparativamente de seus atos pertencentes à esfera moralmente comum estão na mesma situação, isto é de uma forma social idênntica. A tese sociológica é a seguinte: para que uma moral e um direito profissionais possam se estabelecer nas diferentes profissões, é necessário, pois, que a corporação, em vez de permanecer um agregado confuso e sem unidade, se torne, ou antes, volte a ser, um grupo definido, organizado, uma instituição pública.

O termo Wahlverwandtschaft tem uma longa história, muito anterior aos escritos sobre religião de Max Weber. Foi na alquimia medieval que o termo “afinidade” começou a ser usado para explicar a atração e fusão dos corpos. Segundo Alberto Magno (1193/1206-1280), se o enxofre se une aos metais, é por causa da afinidade que ele tem com esses corpos: “propter affinitarem naturae metalla adurit”. Encontramos essa temática nos alquimistas dos séculos seguintes. Por exemplo, em seu livro Elementa Chimiane (1724), Hermannus Boerhaave (1668-1738) explica que “particulae solventes et solutae se affinitate suae naturae colligunt in corpora homogênea”. A afinidade é uma força em virtude da qual duas substâncias “procuram-se, unem-se e encontram-se” numa espécie de casamento, de bodas químicas, antes procedendo do amor que do ódio, “magis ex amore quam ex dio”. O termo attractio electiva aparece pela primeira vez nos escritos do químico sueco Torbern Olof Bergman. Seu livro, De attractionjibus electivis (Upsalla, 1775), foi traduzido para o francês com o título de Traité des affinités chimiques ou Attractions électives (1788). Na tradução alemã (Frankfurt, Tabor, 1782-1790), o termo “atração eletiva” foi exatamente traduzido por Wahlverwandtschaft, afinidade eletiva. Foi dessa versão alemã do livro oitocentista de Bergman que Goethe tirou o título de seu romance Wahlverwandtschaft (1809), no qual ele menciona um livro de química estudado “há cerca de dez anos” por um de seus personagens. O termo se torna uma extraordinária metáfora para designar o movimento passionalmente pelo qual um homem e uma mulher são atraídos um para o outro – correndo o risco de se separarem de seus antigos companheiros – a partir da afinidade íntima entre suas almas. Essa transposição de Wolfgang Goethe (1749-1832) faz do conceito químico para a o terreno social da espiritualidade e do amor foi facilitada pelo fato correntemente de que, em vários alquimistas, como compreendemos a Síndrome de Boerhaave, por exemplo, o termo já era fortemente carregado sui generis de metáforas sentimentais e eróticas. 

Para Goethe, existe afinidade eletiva quando dois seres ou elementos “procuram-se um ao outro, atraem-se, apropriam-se um do outros e, em seguida ressurgem dessa união íntima numa forma renovada me imprevista”. A semelhança com a fórmula de Boerhaave – dois elementos “procuram-se, unem -se e encontram-se” – é impressionante, e não excluímos que Goethe conhecesse e tenha se inspirado na obra do alquimista holandês. Com o romance de Goethe, o termo ganhou direito de cidadania na cultura alemã como designação de um tipo de ligação particular entre duas almas. Foi na Alemanha que ele passou por sua terceira metamorfose, isto é, a transmutação, por obra desse grande alquimista e legítimo fundador da sociologia chamado Max Weber, em conceito de representação puramente de encarnação sociológico.  Da acepção antiga, ele conserva as conotações de escolha recíproca, atração e combinação, mas a dimensão da novidade parece desaparecer. O conceito é um lugar importante em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, precisamente por levar a cabo a análise da relação complexa e sutil entre essas duas formas de saber. Para o exegeta, trata-se de superar a abordagem tradicional em termos de causalidade e, assim, evitar o debate sobre a primazia do “material” ou do “espiritual”.  São especificados ao mesmo tempo, na medida do possível, o modo e a direção geral em consequência de afinidades eletivas, não por acaso em seu conteúdo de sentido, o movimento religioso agiu sobre o desenvolvimento da cultura material.

A “afinidade eletiva” é talvez um meio para uma busca causal “num segundo momento”, mas isso não significa que ela própria seja uma relação causal. As formulações de Max Weber são suficientemente flexíveis para podemos admitir diferentes leituras de interpretação. Neste ano, Mills mencionou, numa carta a um amigo, que os manuscritos incluíam “uma [versão] completamente reescrita e, acredito de primeira linha, de um ensaio inédito Sobre o Artesanato Intelectual” (“On Intellectual Craftsmanship”). A primeira versão do texto foi escrita em abril de 1952, segundo anotação de Mills no manuscrito, e distribuída para uso em sala de aula em 1955. O texto completo foi publicado em Society, vol.17, n° 2, janeiro 1980, pp.63-70. O texto acabou sendo publicado como apêndice de The Sociological Imagination e tornou-se a parte mais universalmente conhecida e elogiada do livro. Metodologicamente é em torno da ideia de “artesanato intelectual” que a coletânea de textos de Charles Wright Mills foi organizada. Além do famoso Apêndice, foram reunidos quatro outros textos curtos, representando um meio de trabalho que nos ajudam a melhor a compreensão sociológica dessa ideia: um trecho de White Collar que explica a utilidade de uso pragmaticamente do tipo ideal abstrato weberiano do artesanato, algo que tornou-se um anacronismo na experiência moderna do trabalho descrito no capítulo 2; uma palestra, inédita em português, realizada por Mills numa convenção para designers, na qual defende o teor abstrato do modelo artesanal como um valor central para seres humanos não alienados, disposto no capítulo 3; a seção inicial de seu extraordinário livro: A Imaginação Sociológica, na qual apresenta aquilo que ela pode nos oferecer, ao esclarecer a inter-relação entre biografia e história no capítulo 4; e, per se um texto sobre a posição do intelectual e de seu ofício diante das questões públicas no capítulo 5.

Wright Mills faz, em “Sobre o artesanato intelectual”, um relato pessoal, dirigido aos que se iniciam ou dissociam nas Ciências Sociais, de como procede em seu ofício. A imagem de um “ofício” e a associação com as ideias de “artesanato” e “oficina” se contrapõe à divisão do trabalho do cientista social como alguém que testa hipóteses construídas a partir de leis gerais e aplicadas através de métodos controláveis. No trabalho do cientista social não haveria fórmulas, leis, receitas, e sim méthodos, no sentido originalmente grego da palavra: via, caminho, rota para se chegar a um fim. O “artesão intelectual” de que trata Mills deve ser visto como um “tipo ideal”, no sentido weberiano do termo – algo que não é encontrado em forma “pura” na realidade social, mas que, construído pelo pesquisador a partir do exagero de algumas propriedades de determinado fenômeno, nos ajuda a compreendê-lo. Nesse sentido, ver o trabalho de pesquisa como um ofício ressalta a importância da dimensão existencial na formação do pesquisador. Isso não quer dizer que se devam explicar os resultados do trabalho a partir da biografia, como ocorre em tolas reuniões científicas; não estamos falando de fenômenos psicanalíticos ou coisas do gênero. Como Charles Wright Mills (1916-1962) tende a enfatizar a indissociabilidade, para o “artesão intelectual”, entre sua vida e seu trabalho - ideia próxima à que um autor brilhante como o sociólogo e filósofo Georg Simmel (1858-1918) chamaria de “autocultivo” através da prática social de seu ofício.

Para nós, política tem como representação regulação da existência coletiva, poder decisório, luta entre interesses contraditórios, disputa por posições de mundo, confrontos mil entre forças sociais, violência em última análise. Só que a produção política, os processos políticos, se diferenciam radicalmente da produção econômica porque usa eventualmente suportes materiais, tais como armas, livros, processos, papéis onde se inscrevem as ordens, os atos de gestão, as sentenças ou as leis, mas não é uma produção material. Porque consiste em decisões imperativas. Assim, é também diferente da produção simbólica porque exercita-se sobre o interesse dos agentes sociais, quando não sobre o seu próprio corpo; corresponde a atos de vontade que regulam atividades coletivas; disciplina práticas sociais. O suplício repousa na arte quantitativa do sofrimento. O suplício faz correlacionar o tipo político de ferimento físico, a qualidade, a intensidade, o tempo social de suas vítimas. Além disso, o suplício faz parte de um ritual. É um elemento da liturgia punitiva, e que obedece a duas exigências. Em relação à vítima, ele deve ser marcante: destina-se, ou pela cicatriz que deixa no corpo, ou pela ostentação de que se acompanha, a tornar infame aquele que é sua vítima; o suplício, mesmo se tem como função “purgar” o crime, não reconcilia; traça em torno, ou melhor, sobre o próprio corpo do condenado sinais que não devem se apagar; a memória dos homens, em todo caso, guardará a lembrança da exposição, da roda, da tortura ou do sofrimento devidamente contatados. E pelo lado da justiça o suplício deve ser ostentoso, constatado por todos, processado como sendo seu triunfo.   

Não produz mensagens, discursos; produz obediências, obrigações, submissões, direitos, deveres, controles. Poder é uma relação social: de mando e obediência. As decisões tomadas politicamente se impõem a todos num dado território ou numa dada unidade social. Convertem-se em atividades coercitivas (esfera da segurança), administrativas (esfera da administração), jurídico-judiciárias (esfera da justiça) e legislativas (esfera da deliberação). O processo político diz respeito a pergunta: “Quem pode o quê sobre quem?”. Eis a grande questão do processo político, do confronto entre forças sociais, da sujeição de vontades a outras vontades. Fora da ideia de nacionalismo, a partir da competição entre nações, foi o filósofo Simmel quem chamou atenção para o fato de que, “a luta contra uma potência estrangeira dá ao grupo um vivo sentimento de sua unidade”, e além disso, é “'um fato que se verifica quase sem exceção. Não há, por assim dizer, grupo doméstico, religioso, econômico ou político que possa passar sem esse cimento'”. Essa atividade intelectual, porque psíquica e de preparação psicológica, quase exclusivamente entre homens, pode representar com o homem diante da guerra um crime contra a humanidade, individual ou coletivamente com o intuito de destruir, total ou parcialmente, um grupo tipicamente nacional, étnico, racial, militar, religioso.

Penny`s Shadow é um filme holandês de Steven de Jong de 2011, estrelado por Liza Sips, Levi van Kempen e Monic Hendrickx. A estrela do evento Lisa (Liza Sips) saiu de férias para Ameland e o anfitrião Kai (Levi van Kempen) se reuniu.  Pier Gerlofs Donia é o maior herói da Frísia, movido por vingança e pela busca por Independência ao seu país. Como Servo, ele é de classificação A, estando a par de vários outros heróis famosos ao decorrer do globo terrestre. Invocado como um Berserker nesta manifestação, ele apresenta seus traços de quando perdeu a razão após sofrer a perda realmente de sua esposa e propriedades, tornando-se um homem áspero e odioso. A Cruz dos Holandeses age como se quisesse que a cruel dívida que o mundo lhe impôs seja paga com a vida daqueles que entram em seu caminho. Desde a invocação ele traja sua armadura e raramente a tira, então sua aparência fisicamente é bem difícil de ser vista. Em suas grandes mãos é empunhada a Zweihänder, uma espada pesada e usada por duas mãos, mas que este homem, pela sua força e tamanho, usa com apenas uma delas. De fato, sociologicamente, ele parece ser um gigante entre outros humanos. Mesmo com insanidade tomando conta de si, a sua experiência como guerreiro parece ser uma das poucas qualidades mentais que foi mantida na história social; pois mugindo como um touro, ele segura a espada com tal habilidade que seria possível decapitar cinco inimigos simultaneamente, fazendo suas cabeças rolarem pelo chão ensanguentado.

Mesmo ensandecido, este Berserker não tem sua experiência marcial prejudicada: o autodeclarado Rei dos Frísios. À primeira vista, Berserker é um monstro enjaulado nesta armadura, com fumaça negra de vários incêndios saindo do metal e servindo como uma cortina que deixa sua identidade e seus parâmetros obscuros, simplesmente tornando quaisquer formas de leitura de informação inúteis, comparativamente, tal como a Clarividência oriunda de Mestres. Fora esconder sua identidade e status, essa armadura, devido à fumaça, torna a presença de Berserker sufocante e rarefeita, fazendo sua figura parecer uma fotografia sem foco e que aleatoriamente duplica ou triplica sua imagem, parecendo-se mais como uma alucinação. Mesmo se Grutte Pier retirar o capacete, ninguém irá reconhecer seu rosto. Se a armadura canaliza a violência e experiência do Bando Negro de Arum, a espada é a responsável por carregar todo o ressentimento e ódio de Pier ao decorrer da lâmina. Por ser um Fantasma Nobre, a espada torna-se complicadíssima de quebrar, fora os seus efeitos de corromper aquilo que corta. A aura que transborda da espada é única assustadora, induzindo medo e um impedimento mental para quem estiver olhando.  Pier casou-se com Rintze Syrtsema e eles tiveram dois filhos, um menino chamado Gerloff e uma garota chamada Wobble, nascidos por volta de 1510.

Pier morreu em 1520, e em 1525 sua mãe inseriu no testamento que Sybren, irmão de Pier, seria o protetor dos filhos dele, que ainda eram menores de idade. Pier e seu cunhado, Ane Pijbes (marido de Tijdt Gerlofs), eram parceiros na propriedade rural de Meyllemastate, em Kimswerd. Pier era descendente direto do chefe frísio Haring Harinxma (1323–1404), um Schieringer e Podestà de Westergo, e terceiro primo de Jancko Douwama, nobre e rebelde da Frísia. Douwama e Grutte Pier são considerados os maiores heróis da luta pela independência frísia. Wijerd Jelckama, conhecido como Grutte Wierd, é comumente descrito por autores dos séculos XVIII e XIX como sobrinho de Grutte Pier. Autores modernos como Jacob Jetzes Kalma (1907-1991) duvidam dessa conexão, e Jelle Brouwer, na Encyclopedia of Friesland, declara que Wierd não era sobrinho de Donia, mas seu “tenente”. O regimento fora incumbido de reprimir a guerra civil entre os Vetkopers, que se opunham aos Burgúndios e, consequentemente, à lei de Habsburgo, e os Schieringers. O Batalhão Negro era reconhecido como uma força militar violenta; quando o pagamento que recebiam era considerado insuficiente ou em falta, eles extraíam pagamento dos aldeães e, em 29 de janeiro de 1515, os integrantes da Mão Negra pilharam a aldeia de Donia, supostamente estupraram e mataram sua esposa, Rintze Syrtsema (1483-1515), e queimaram inteiramente a igreja do vilarejo e todo o patrimônio de Donia.

Querendo vingança, Pier iniciou uma guerrilha contra os Habsburgos e aliou-se a Carlos de Egmond, duque de Gueldres (1492–1538), o principal oponente dos Habsburgos.  Pier batalhou os navios que viajavam o Zuiderzee, especialmente em 1517, quando usou seus “navios sinalizadores” para atacar outras embarcações na costa ocidental da Frísia, às quais ele transportou forças da Guéldria, desembarcando em Medemblik. Pier desenvolveu grande ódio por essa municipalidade e seus habitantes. Nos primeiros anos, soldados de Medemblik cooperaram com o exército holandês comandado pelo duque Carlos I de Espanha, futuro Imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Foi em Medemblik que, em março de 1498, representantes dos Schieringers encontraram-se com o duque Alberto da Saxônia (1828-1902), que governava o país, para requisitar proteção contra os Vetkopers — o que resultou na ocupação saxã da Frísia. Em 24 de junho de 1517, Grutte Pier e seu Arumer Zwarte Hoop, formado por aproximadamente 4 mil soldados da Frísia e Guéldria, navegaram para a Frísia Ocidental e avançaram até Medemblik. Eles rapidamente capturaram a cidade, matando muitos habitantes e tomando muitos outros como prisioneiros. Alguns foram liberados mediante um alto pagamento pelo resgate; outros fugiram e encontraram segurança no Castelo de Medemblik.     

O senhor do castelo, Joost van Buren (1587-1679), foi bem-sucedido em manter os agressores fora dos limites das muralhas. Compreendendo que não poderia tomar o castelo, o chamado Bando Negro de Arum pilhou a cidade e a incendiou. Como a maioria das casas era feita de madeira, a cidade, incluindo a igreja, monastério e paço municipal, foi completamente arrasada pela violência do fogo. Com essa vitória parcial, Pier e seus homens invadiram os castelos de Alkmaar e Midelburgo, novamente pilhando, incendiando e deixando tudo em ruínas. Em 1517, o Bando Negro de Arum capturou a cidade de Asperen, matando praticamente todos seus habitantes. Eles então usaram a cidade altamente fortificada como base até serem expulsos pelo stadthouder holandês. Em resposta aos ataques em Medemblik e Alkmaar e à falha do Capitão Geral de Amstelland, Waterland e Gooiland em defender seus territórios, o stadthouder da Holanda concordou em providenciar uma esquadra de guerra em julho de 1517. A frota ficou sob comando supremo de Anthonius van den Houte, Lorde de Vleteren, intitulado “Almirante do Zuiderzee”. Em nome de Carlos I, van den Houte anunciou que libertaria a região da pirataria frísia e guéldria. Apesar do sucesso inicial da expedição, com algumas das embarcações frísias sendo queimadas perto de Bunschoten, Grutte Pier respondeu capturando onze dos navios holandeses em uma batalha ao largo da costa próxima a Hoorn, em 1518.  Pouco após essa vitória, Pier derrotou 300 holandeses em Hindeloopen. De acordo com a lenda, Pier teria forçado seus cativos a repetir um xibolete, a fim de distinguir frísios de infiltrantes da Holanda e Baixa Alemanha. 

Apesar de seu sucesso, Pier não pôde conter a ameaça da Borgonha e Habsburgo, e retirou-se, desiludido, em 1519. O sobrinho dele, Wijerd Jelckama, assumiu o comando dos rebeldes. Pier teve o privilégio ou sorte de morrer pacificamente na cama, na cidade de Sneek, Frísia, em 18 de outubro de 1520. Pier está enterrado em Sneek, na Martinikerk (igreja de Martinho), reconhecida naesfera religiosa no século XV como Groote Kerk (igreja de Grutte). Seu túmulo está localizado no lado Norte da igreja. O cavalo frísio é o único nativo dos Países Baixos que conseguiu sobreviver à passagem histórica e social do tempo. As suas origens remontam a milênios atrás. Sendo uma das mais antigas raças na Europa, esteve à beira da extinção várias vezes ao longo do último século. Graças à devoção de entusiastas, sobreviveu até ao presente, gozando de grande popularidade em todo o mundo. A sua origem se deu por volta do ano 500 a.C., quando o povo frísio se estabeleceu ao longo do mar do Norte trazendo os seus cavalos, descendentes diretos de Equus robustus. No ano 800, o mar do Norte era denominado mar Frísio, local onde se desenvolveu de forma notável a raça. Em torno de 150, historiadores romanos mencionaram a cavalaria frísia na Britânia, na fronteira entre a Escócia e a Inglaterra. A cavalaria era formada por soldados montando garanhões frísios. O escritor Anthony Dent remete também para o aparecimento de tropas independentes frísias em Carlisle, no século IV, igualmente formada por ginetes no lombo de cavalos Friesians. Ele também menciona a influência do cavalo Friesian na raiz do Shire e também nos pôneis Fell. Há inúmeras ilustrações de frísios em torneios e justas na Idade Média. A primeira data etnograficamente sobre o cavalo frísio remonta a 1544.

         O pônei Fell é uma raça versátil de trabalho de pôneis de montanha e charneca originários das fazendas Cumberland e Westmorland do Noroeste da Inglaterra e é usado para montaria e condução. A raça é intimamente relacionada ao seu vizinho geográfico, o pônei Dales, mas é um pouco menor e mais parecido com um pônei na construção. O pônei Fell é reconhecido por sua robustez, agilidade, força e firmeza. Os pôneis Fell variam muito em peso e tamanho, então pôneis podem ser encontrados para carregar quase qualquer cavaleiro. A altura média da raça é de 13,2 mãos (54 polegadas, 137 cm), e o limite superior de altura para a raça é de 14 mãos (56 polegadas, 142 cm). A raça foi criada para o ambiente montanhoso implacável de Cumbria, no Noroeste da Inglaterra, onde são adaptáveis ​​a qualquer clima temperado. As cores aceitas na raça são pretas, castanho escuro, baio, cinza e castanhos se ambos os pais forem registrados. Piebalds e skewbalds não são permitidos. Na realidade são termos britânicos para combinações específicas de cores na pelagem dos cavalos. Eles descrevem apenas a coloração e as marcas externas do cavalo, não sua raça ou composição genética.  Além da coloração, as autoridades de registo também reconhecem padrões específicos de marcações. Uma estrela na cabeça e/ou uma pequena quantidade de branco no boleto traseiro ou abaixo dele é aceitável. No entanto, marcações brancas em excesso são desencorajadas. 

         O Fell Pony deve ser resistente e demonstrar boas características de pônei, incluindo a questão genética dos ossos fortes e planos. Ele deve exibir inteligência e autopreservação consideradas comuns às raças de pôneis britânicos de montanha e charneca e, ao mesmo tempo, ter uma atitude viva e alerta. A raça geralmente tem um temperamento estável. O pônei Fell tem andamentos regulares, é reconhecido por movimentos corretos e é considerado seguro em terrenos acidentados. Os pôneis Fell são saltadores confiáveis ​​e ágeis, o que os torna úteis para cavalgadas cross-country ou caça. O Fell Pony compartilha suas origens com o extinto pônei Galloway, que também foi a raiz do Dales Pony. Acredita-se que ele tenha se originado na fronteira entre a Inglaterra e a Escócia, provavelmente anterior aos tempos de domínio romanos. Entretanto, a Fell Pony Society não faz nenhuma afirmação sobre qualquer contribuição de “garanhões de guerra romanos importados sendo cruzados com esses pôneis”. Nos primeiros livros genealógicos, 50% dos pôneis eram marrons, embora nas últimas décadas o preto tenha se tornado predominante, seguido pelo marrom, baio e cinza. Eles são principalmente uma raça de pôneis de trabalho com atividade, resistência, robustez e inteligência que lhes permite viver e prosperar em condições difíceis nas colinas do Lake District. O Fell Pony foi originalmente usado como um cavalo de carga, carregando ardósia e chumbo, cobre e minérios de ferro. Eles também eram usados ​​para agricultura leve e transporte de produtos agrícolas volumosos, como lã. Com seus corpos robustos, pernas fortes e disposição uniforme, e sendo bons e rápidos caminhantes, eles viajavam até 240 mi (390 km) por semana. Eles eram favorecidos pelos vikings como cavalos de carga, bem como para arar, cavalgar e puxar trenós. Seu uso como pôneis de carga continuou no século XX, quando também eram usados ​​em trens de pôneis de carga e pelos serviços postais.

Alguns Fells eram famosos no Norte como trotadores rápidos. Histórias são contadas sobre distâncias cobertas em grandes velocidades por esses pôneis. Durante as Cruzadas e até o fim da guerra dos oitenta anos, foi introduzido sangue de cavalos árabes. Ao longo do século XVII, os frísios compartilhavam pistas com cavalos de origem espanhola em várias escolas onde se pratica a Alta Escola de Equitação. No fim do século XIX, devido ao declínio da Europa feudal, a presença do cavalo frísio ficou reduzida à província da Frísia, onde se celebravam corridas de trote de frísios atrelados a carruagens. Essas corridas logo se tornaram culturalmente uma festa popular que ocorriam ao longo de toda a província. Em 1823, o rei Guilherme dos Países Baixos (1815-1840) entregou um “chicote de ouro” ao vencedor de uma grande corrida de trotadores. Na sequência, em 1° de maio de 1879, numa pequena aldeia chamada Roodahuizum, foi formado o Registro Genealógico de cavalo frísio (o FPS), e assim, dar o primeiro passo para a salvação da raça. Tal foi o desastre em 1913 que ficaram apenas três garanhões em serviço. Foi nessa conjuntura que uma centena de agricultores, preocupados com a situação agonizante da raça, se juntaram para criar uma parceria para a preservação do frísio. A eles, se deve a salvação da raça. O luxuoso cavalo passou a cavalo de trabalho nas fazendas, algo lógico quando se pretende competir com os pesados Bovenlander.  

Ameland é um município dos Países Baixos, situado na província da Frísia. Uma província dos Países Baixos representa a divisão administrativa entre o governo nacional e as municipalidades locais, tendo a responsabilidade nos assuntos de importância regional ou subnacional. O Governo de cada província, é composto por três grandes partes: a Assembleia Legislativa da Província (Provinciale Staten), que é o parlamento provincial eleito de quatro em quatro anos pelos votos dos moradores das províncias que têm direito de voto. Lembrando-se que a idade mínima para votar nas eleições é 18 anos. A Provinciale Staten forma, através de eleição entre seus membros, a Deputação Provincial (Gedeputeerde Staten), um colégio encarregado das tarefas mais executivas, presidida pelo Commissaris van de Koning nomeado pela Coroa. Tem uma língua própria, o frísio, que apresenta considerável proximidade com o inglês: inclusive há um ditado que prega “como o leite é para o queijo, são os ingleses para os frísios”. Mas era um xibolete, uma peculiaridade de pronúncia para identificar um determinado grupo linguístico, funcionando como um tipo social de senha linguística, com utilidade de uso pelo herói frísio Pier Gerlofs Donia (1480-1520) para distinguir, entre seus prisioneiros, “quem era da Frísia e quem era alemão ou neerlandês”. Grutte Pier nasceu Pier Gerlofs Donia em 1480, em Kimswerd, perto da cidade de Harlingen, em Wonseradeel, na Frísia. Pier Gerlofs era uma das quatro crianças Gerloff Piers e Fokel Sybrants Bonga. 

A mãe de Pier, Fokel, era filha do nobre Schieringer Sybrant Doytsesz. Ele casou-se com Rintze Syrtsema e eles tiveram dois filhos, um menino chamado Gerloff e uma garota chamada Wobble, nascidos por volta de 1510. Pier morreu em 1520, e em 1525 sua mãe inseriu no testamento que Sybren, irmão de Pier, seria o protetor dos filhos dele, que ainda eram menores de idade. Pier e seu cunhado, Ane Pijbes (marido de Tijdt Gerlofs), eram parceiros na propriedade rural de Meyllemastate, em Kimswerd. Aproximadamente 7 km a nordeste da vila de Donia de Kimswerd, na cidade de Franeker, o Batalhão Negro, um regimento Landsknecht a serviço de George, duque da Saxônia, foi aquartelado. O regimento foi encarregado de suprimir a guerra civil entre os Vetkopers, que se opunham à Borgonha e, posteriormente, ao domínio dos Habsburgos, e os Schieringers. O Batalhão Negro era reconhecido como uma força militar violenta; quando seu pagamento era insuficiente ou inexistente, eles extraíam pagamentos dos aldeões locais. Em 29 de janeiro de 1515, o Batalhão Negro saqueou a aldeia de Donia, então supostamente “estuprou e matou sua esposa, Rintze Syrtsema, queimando totalmente a igreja da aldeia e a propriedade de Donia”. Em busca de vingança, Pier iniciou uma campanha de guerra de guerrilha contra os Habsburgos e aliou-se a Carlos de Egmond, duque de Guelders, o principal oponente dos Habsburgos. Apesar de seu sucesso, do ponto de vista do espírito bélico, Pier não pôde conter a ameaça da Borgonha e Habsburgo, então retirou-se, desiludido, em 1519. O sobrinho dele, Wijerd Jelckama, assumiu o comando dos rebeldes. Alternativamente escrito Wierd e Wijard (1490-1523), apelidado groote Wierd, foi um guerreiro frísio, comandante militar e membro do “Bando Negro de Arum” (“Arumer Zwarte Hoop”). Era sobrinho de Pier Gerlofs Donia reconhecido como Grutte Pier e lutou bravamente ao seu lado contra os invasores saxões e holandeses. 

Jelckama assumiu o posto do tio como combatente da liberdade após a morte dele, em 1520. O historiador Wopke Eekhoff (1809-1880) descreveu Jelckama como tão robusto quanto o gigante Donia, este com, supostamente, 2, 15 metros de altura, no mínimo, e forte o bastante para levantar um cavalo de 450 kg por sobre a cabeça. Grutte Pier e Wijerd lutaram contra os guerreiros da Baixa Saxônia que ocuparam a Frísia. Eles lideraram as forças que capturaram Medemblik e sitiaram o castelo de Midelburgo. Participou também de batalhas ao mar, inclusive uma na qual seu tio capturou 28 navios dos Países Baixos e ficou conhecido como “Cruz dos holandeses”. Além da porção de terra ocupada pelos saxões, partes da Frísia foram conquistadas pela Dinamarca, Holanda e ducados. O objetivo de Donia e Jelckama era livrar a Frísia da dominação estrangeira e conseguir a Independência. Eles obtiveram sucesso, mas perderam batalhas após a saúde de Donia ter piorado, em 1519. Com a morte, em 1520, Jelckama assumiu o comando dos rebeldes frísios e continuou a lutar, desta vez contra os Burgúndios. Foi menos bem-sucedido do que seu tio e acabou derrotado e posteriormente decapitado, em 1523, junto com as forças frísias e guéldrias remanescentes. A execução aconteceu publicamente em Leeuwarden e “exigiu quatro golpes do executor para remover a cabeça de Jelckama de seu pescoço extremamente grosso”. Pier morreu pacificamente na cama, na cidade de Sneek, Frísia, em 18 de outubro de 1520. Pier está enterrado em Sneek, na Martinikerk conhecida no século XV como Groote Kerk. Seu túmulo está localizado no lado Norte da igreja. Embora possa se comunicar e interagir com as outras pessoas, sua condição como Berserker não o permite fazê-lo por muito tempo. Pier Gerlofs Donia era um homem rude, mas bem-humorado. No entanto, ele, após ter sua esposa assassinada e propriedade destruída, foi tomado pelo ódio e buscou vingança, agora apresentando-se como um homem apenas bruto e violento — um touro raivoso. Com o Mestre, Pier parece ser um Servo consideravelmente calmo e quieto, mas que ainda psicologicamente se sente o ressentimento apenas pela presença. Em combate, tem sido considerado pela literatura “um monstro selvagem, bestial e perigos e mesmo que insano, suas habilidades com aquela gigantesca espada nunca o deixaram”.

Bibliografia Geral Consultada.

BECKER, Howard, Los Extraños. Sociología de la Desviación. Buenos Aires: Editor Tiempo Contemporáneo, 1971; HELLER, Agnes, Sociologia della Vita Quotidiana. Roma: Editore Riuniti, 1975; VAN GENNEP, Arnold, Os Ritos de Passagem. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1978; DOR, Joël, O Pai e Sua Função em Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991; BIZZO, Nelio Marco Vincenzo, Ensino de Evolução e História do Darwinismo. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1991; LÉVINAS, Emmanuel, Alterité et Transcendence. Paris: Editeur Fata Morgana, 1995; KAPLAN, Elizabeth Ann, A Mulher e o Cinema: Os Dois Lados da Câmera. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1995; MERLEAU-PONTY, Maurice, Le Cinema et la Nouvelle Psychologie. Paris: Éditions Gallimard, 1996; CERTEAU, Michel de, L`Invenzione del Quotidiano. Roma: Edizione Lavoro, 2000; SCHRIJVER, Frans, Regionalism after Regionalization: Spain, France and the United Kingdom. Amsterdam: Amsterdam University Press, 2006; D’ALLONNES, Myriam Revault, El Poder de los Comienzos: Ensayo sobre la Autoridad. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 2008; EVANS, Kelsey, A Survey of the Health Issues of Friesian Horses. Kansas: Senior Applied Research Project Sterling College, 2010; DURKHEIM, Émile, Da Divisão do Trabalho Social. 4ª edição. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2010; FREUD, Sigmund, O Mal-estar na Civilização. 1ª edição. São Paulo: Editor Penguin Classics Companhia das Letras, 2011; AUGÉ, Marc, O Antropólogo e o Mundo Global. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2014; COURTINE, Jean-Jacques; HAROCHE, Claudine, História do Rosto. Exprimir e Calar as Emoções (Do Século 16 ao Começo do Século 19). Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2016; BOEGHEIM, Iris J.M. “Genetic Background of Dwarfism in the Friesian Horse”. In: BMC Part of Springer Nature: Utrecht University, 2017; DALGALARRONDO, Luisa, “Lobos, Cavalos, Cadelas e Outros Personagens da Violência de Gênero no Trabalho de Carolina Bianchi”. In: Rev. Bras. Estud. Presença 14 (3) • 2024; MACÊDO, Marcelle Maciel da Veiga, Facetas Paradoxais do Consumo: Mal-estar e Felicidade. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicanálise. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2024; entre outros.