terça-feira, 4 de agosto de 2020

Manuel Castells - Adversidade Inteligente & Coletividades em Rede.


Ubiracy de Souza Braga

Os atores são coletivos, sem burocracia, sem hierarquia, sem líderes”. Manuel Castells

                            

Na crítica à historiografia se chamam de “cidadãos incompletos” aqueles que possuem alguns dos três direitos compreendidos pela cidadania, em oposição àqueles que não se beneficiam de nenhum dos direitos. O número de nascimentos anuais chegou a um dos seus ápices na década de 1980, com mais de 139 milhões de nascimentos, e é esperado que nos próximos anos o número de nascimentos gire em torno dos 135 milhões, como foi reportado em 2011, enquanto o número de mortos fique em torno de 56 milhões por ano e deverá crescer para 80 milhões até 2040. A população humana na Terra já alcançou a marca extraordinária de7 bilhões em 31 de outubro de 2011, de acordo com o Fundo de População das Nações Unidas, ou em de 2012, de acordo com o Departamento do Censo dos Estados Unidos da América.  Em 2012, as projeções da Organização das Nações Unidas (ONU) indicaram importantes dados estatísticos que a população mundial continuará a crescer em número cada vez menor num futuro previsível. É esperado que a população chegasse entre 8,3 e 10,9 bilhões em 2050.

Considerando que há um balanço parte e todo no nexo da vivência, o que garante o equilíbrio para esse balanço é a categoria do significado que para Wilhelm Dilthey, nada mais é do que a integração num todo que nós encontramos junto e nos remete ao significado contido na relação parte-todo que encontra na vivência e é seu fundamento. É neste sentido que se considera que vida e a mudança dos seus principais momentos estruturais fazem que a concepção do mundo sempre e em toda a parte se expresse em oposições, embora sobre um fundo comum. Portanto, é na arte, na religião e no pensamento que encarnam os ideais que vangloriam a existência de um povo. Por conseguinte, toda a mundividência é produto da história. A historicidade revela-se como uma propriedade fundamental da consciência humana. Os sistemas filosóficos e sociológicos não constituem uma exceção. Como as religiões e as obras de arte, contêm uma visão de mundo, inserida na vitalidade das pessoas que os produziram e em consonância com as épocas em que vieram à luz do dia; traduzem uma determinada atitude afetiva, caracterizam-se pela imprescindível energia lógica, porque o filósofo e frequentemente o sociólogo procuram trazer a imagem do mundo à clara consciência e ao mais estrito urdimento cognitivo. Um esforço mental de reflexão e trabalho dos conceitos gera uma circunspecção que reside o valor prático da atitude filosófica.

Como o centro da compreensão está na vida como um todo estruturado, mas sempre resultando da relação entre individualidades, é possível perceber a conexão entre a ética e a teoria compreensiva. Em verdade uma concepção da teoria, ao longo de quase meio século, permeada lado a lado por um motivo básico: uma unidade cuja garantia de existência é a presença do sentido. Há uma démarche que atravessa o homem, e nesta noção de sentido está a marca de uma concessão fatal a uma metafísica.  Ele desejava evitar tanto quanto o empirismo dos positivistas, desde que fique clara a dimensão de ser criador de significados, que não é simplesmente a noção ampla de vida, mas sua unidade constitutiva, a vivência, representada em toda experiência humana. A história é suscetível de conhecimento porque é obra humana; nela o sujeito e objeto do conhecimento formam unidade. Nessa direção chega-se à formulação final da concepção de Wilhelm Dilthey. Seus elementos sociológicos são: vivência, expressão e compreensão. A vivência surge como algo especificamente social – pela sua dimensão intersubjetiva, e cultural – pela sua dimensão significativa -, para além do seu nível psicológico ou mesmo biológico porque guarda na memória.



Em todo o planeta habitável, 5,1 bilhões de pessoas usam algum tipo de aparelho celular. O dado estatístico está no Relatório a Economia Móvel 2019, do Group Managed Service Accounts (GSMA), empresa de análise que edita anualmente uma publicação reunindo informações sociais sobre essa tecnologia e o ecossistema móvel no planeta. O número equivale aproximadamente 67% da população mundial. As estatísticas tradicionais de uso da rede mundial de computadores (internet) são absolutamente antiquadas. A estimativa é que até 2025 o número de pessoas com esse tipo de serviço aumente em 710 milhões, chegando a 5,8 bilhões. A projeção é que um contingente de cerca de 30% de todo o planeta deve permanecer sem condições de fazer uso deste produto nos próximos anos. No recorte por região, com o maior percentual de celulares está a Europa, com 85%. Em seguida vêm Comunidade dos Estados Independentes (80%), América do Norte (83%), América Latina (67%), Ásia e Pacífico (66%), Oriente Médio e Norte da África (64%) e África Subsaariana (45%). A variação da penetração dos celulares evidencia a persistência de desigualdades regionais no acesso a essa tecnologia. A expectativa é que o número de usuários de rede móvel cresça de 5% ao ano, incluindo 1,4 bilhão de usuários e chegando a 5 bilhões em 2025, o que corresponde a 60% da população mundial neste ano. Os smartphones (celular inteligente) devem enredar esse crescimento qualitativo. Em 2018, eles eram 60% dos dispositivos móveis em funcionamento. Em 2025, a estimativa é que representem 80% do total da base de aparelhos celulares. O Brasil deve ter 204 milhões de smartphones.

Trata-se de um ato de consciência, que propõe e persegue fins num contexto intersubjetivo. As interações sociais e humanas ganham corpo nas diversas formas de manifestação de vida através da arte, filosofia, religião, técnica e ciência, como expressão desse caráter simultâneo subjetivo e objetivo da atividade que a experiência demanda, intersubjetivamente constituída assume. Sua concepção metodológica articula-se, portanto, em torno do movimento de ir e vir que ocorre entre a vida, como conjunto de vivências e as formas objetivas que seus resultados assumem na sua expressão. A referência às “vivências”, segundo Gabriel Cohn, visa a preservar esse caráter imediato, no qual só é possível compreender aquilo de que o próprio intérprete, pois, sabemos que é de interpretação que se trata, e não de observação é também o produtor; ou seja, os propósitos, os fins e os valores, ainda que ao intérprete caiba mais propriamente reproduzi-los, na sua tarefa de reconstituir o processo da sua produção primeira. A diferenciação das ciências particulares da sociedade não se realizou por um artifício da “inteligência teórica”, em resolver o problema posto pela existência do mundo mediante a análise metódica do objeto de investigação: a própria vida a realizou.

O celular inteligente (smartphone) deve ser utilizado em massa na medida em que haja inteligência para utilizá-lo. A cultura que caracteriza as sociedades é organizada/organizadora via o veículo cognitivo da linguagem, do “capital cognitivo coletivo” dos conhecimentos adquiridos, das competências aprendidas, das experiências vividas, da memória histórica, das crenças míticas de uma sociedade. E, dispondo de seu capital cognitivo, segundo Edgar Morin, a cultura institui as regras/normas que organizam a sociedade e governam os comportamentos individuais. Estas regras geram processos sociais e regenera globalmente a complexidade social adquirida por essa mesma cultura. Assim, a cultura não deve ser compreendida pelas metáforas estruturais, que são termos impróprios em uma organização recursiva onde o que é produzido e gerado torna-se produtor e gerador daquilo que o produz ou gera. Ipso facto, cultura e sociedade estão em relação geradora mútua; nessa relação, não podemos esquecer as interações entre indivíduos, eles próprios portadores ou transmissores de cultura, que regeneram a sociedade, a qual regenera a cultura. Daí a tese segundo a qual, se a cultura contém um saber coletivo acumulado em uma memória social, se é portadora de princípios, modelos, esquemas de conhecimento, se gera uma visão de mundo, se a linguagem e o mito são partes constitutivas da cultura, então a cultura não comporta somente uma dimensão cognitiva: “é uma máquina cognitiva cuja práxis é cognitiva”.

É neste sentido próprio de saber cognitivo que uma cultura abre e fecha as potencialidades bioantropológicas do conhecimento. Ela as abre e atualiza fornecendo aos indivíduos o seu saber acumulado, a sua linguagem, os seus paradigmas, a sua lógica, os seus esquemas, os seus métodos de aprendizagem, métodos de investigação, de verificação, etc., mas, ao mesmo tempo, ela as fecha e inibe com as suas normas, regras, proibições, tabus, seu etnocentrismo, sua autossacralização, sua ignorância de ignorância. Ainda aqui, o que abre o conhecimento é o que fecha o conhecimento. Desde o seu nascimento, o ser humano conhece não só por si, para si, em função de si, mas, também pela sua família, pela sua tribo, pela sua cultura, pela sua sociedade, para elas, em função delas. Assim, o conhecimento de um indivíduo alimenta-se de memória biológica e de memória cultural, associadas na própria memória, que obedece a várias entidades de referência, diversamente presentes nela. Tudo o que é linguagem, lógica, consciência, tudo o que é espírito e pensamento, constitui-se na encruzilhada dialógica entre dois princípios de tradução, um contínuo, o outro descontínuo (binário).

As aptidões individuais organizadoras do cérebro humano necessitam de condições socioculturais para se atualizarem, as quais necessitam das aptidões do espírito humano para se organizarem individual e socialmente. A cultura está nos espíritos, vive nos espíritos, os quais estão na cultura, vivem na cultura. Meu espírito conhece através da minha cultura, vivem na cultura. Meu espírito conhece através da minha cultura, mas, em certo sentido, a minha cultura conhece através do meu espírito. Assim, portanto, as instâncias produtoras do conhecimento se coproduzem umas às outras; há uma unidade recursiva complexa estabelecida entre produtores e produtos do conhecimento, ao mesmo tempo em que há relação hologramática entre cada uma das instâncias, cada uma contendo as outras e, nesse sentido, cada uma contendo o todo enquanto todo. Falar em complexidade é falar em relação de interação simultaneamente complementar, concorrente, antagônica, recursiva e hologramática entre essas instâncias cogeradoras do reconhecimento humano. Mas não é apenas essa complexidade que permite compreender a possível autonomia relativa do espírito (faculdades intelectuais) e no sentido técnico do cérebro individual. Temos em nós toda a história do universo, mas somos diferentes pela consciência, pela cultura, e é por isso que temos uma dupla identidade: fazemos parte da natureza, mas também estamos fora dessa natureza. 

Temos um dever para com a humanidade que é efetivamente de participar na construção de um novo mundo, de um mundo melhor. Então, essa inseparabilidade só pode ser concebida se houver um pensamento que Morin denomina de recursivo, dialógico e hologramático. O que se passa então? A dialógica é porque somos ao mesmo tempo complementares e antagonistas. Por exemplo, quando queremos nos livrar da espécie, decidimos não fazer filhos, tomamos a pílula, tomamos procedimentos abortivos. Poderíamos nos revoltar contra a sociedade, sobretudo se ela é opressiva. Então, há uma relação, ao mesmo tempo, de complementariedade e antagonismo entre indivíduo, espécie e sociedade. A relação hologramática é como no holograma, ou seja, no holograma o ponto contém toda a informação do conjunto, cada célula do meu corpo contém a totalidade do meu patrimônio genético e o da humanidade, e o todo, diríamos também, da sociedade presente, e não diríamos somente o todo da humanidade, como faz Marx, mas o todo do cosmos, porque somos animais, temos em nós toda a história dos primatas, dos mamíferos, dos vertebrados que somos do mundo vivo.

Mas é assim mesmo que o espírito individual pode autonomizar-se em relação á sua determinação biológica. Recorrendo às suas fontes e recursos socioculturais. E em relação à sua determinação cultural utilizando a sua aptidão bioantropológicas para organizar o conhecimento. O espírito individual pode alcançar a sua autonomia jogando com a dupla dependência que, ao mesmo tempo, o constrange, limita e alimenta. Pode jogar, pois há margem, entre hiatos, aberturas, defasagens. Entre o bioantropológico e o sociocultural, o ser individual e a sociedade. Assim, a possibilidade de autonomia do espírito individual está inscrita no princípio de seu conhecimento. E isso em nível de seu conhecimento cotidiano, quanto em nível de pensamento filosófico ou científico. A cultura fornece ao pensamento as suas condições sociais e materiais de formação, de concepção, de conceptualização. Impregna, modela e eventualmente governa os conhecimentos individuais. A cultura e, pela via da cultura, a sociedade está no interior do conhecimento. O conhecimento está na cultura e a cultura está na representação do conhecimento. Um ato cognitivo per se é um domínio cognitivo formado de elementos do complexo cultural coletivo que se atualiza no ato cognitivo individual.


 Renato Russo Sinfônico em holograma.

As nossas percepções ou mesmo concepções estão sob um controle, não apenas de constantes fisiológicas e também psicológicas, mas níveis de variáveis culturais e históricas. A percepção é submetida a categorizações, conceptualizações, taxinomias, que influenciarão o reconhecimento e a identificação das cores, das formas, dos objetos. O conhecimento intelectual organiza-se em função de paradigmas que selecionam, hierarquizam, rejeitam as ideias sociais e as informações técnicas, bem como em função de significações mitológicas e de projeções imaginárias. Assim se opera a construção social da realidade, ou antes, a co-construção social da realidade, visto que a realidade se constrói também a partir de dispositivos cerebrais, em que o real (imagem) se consubstancializa e se dissocia do irreal (ficção), que constitui a visão de mundo, que concretiza-se em verdade, mas também em erro, na mentira. Para conceber a sociologia do conhecimento, é necessário conceber não só o enraizamento do conhecimento na sociedade e a interação social do conhecimento/na sociedade. Mas no anel recursivo no qual o conhecimento é /produtor sociocultural que comporta a própria ação cognitiva.     

 Renato Russo, nome artístico de Renato Manfredini Júnior nascido no Rio de Janeiro, em 27 de março de 1960 e morto em 11 de outubro de 1996, na mesma cidade. Foi um cantor, compositor, produtor e multi-instrumentista brasileiro, célebre por ter sido líder, vocalista e fundador da banda Legião Urbana. Antes de fundar a banda, Renato integrou o grupo musical Aborto Elétrico, do qual saiu devido aos constantes desentendimentos com o baterista Fê Lemos. Adotou o sobrenome artístico Russo em homenagem ao inglês Bertrand Russell, ao suíço Jean-Jacques Rousseau e ao francês Henri Rousseau. Renato morreu devido as “complicações causadas pelo HIV” em 11 de outubro de 1996, na época com 36 anos. Amigos do cantor afirmam que ele contraiu a doença após se “envolver com um rapaz que conheceu em Nova Iorque”, portador da doença, em 1989. Como integrante da Legião Urbana, Renato lançou oito álbuns de estúdio, cinco álbuns ao vivo, alguns lançados postumamente e diversos contos. Gravou ainda três discos solo e cantou ao lado de Herbert Vianna, Adriana Calcanhotto, Cássia Eller, Paulo Ricardo, Erasmo Carlos, Leila Pinheiro, Biquini Cavadão, 14 Bis e Plebe Rude. Em outubro de 2008, a revista Rolling Stone Brasil promoveu a Lista dos Cem Maiores Artistas da Música Brasileira, em que Renato Russo ocupa o 25º lugar.  

Os homens de uma cultura, pelo seu modo de conhecimento, produzem a cultura que produz seu reconhecimento. A cultura gera os conhecimentos que regeneram a cultura. Ao considerar-se a que ponto o conhecimento é produzido por uma cultura, dependente de uma cultura, integrado a uma cultura, pode-se ter a impressão de que nada seria capaz de libertá-lo. Mas isso seria, sobretudo, ignorar as potencialidades de autonomia relativa, no interior de todas aquelas culturas, dos espíritos individuais. Os indivíduos não são todos, e nem sempre, mesmo nas condições culturais mais fechadas, máquinas triviais obedecendo impecavelmente à ordem social e às injunções culturais. Isso seria ignorar que toda cultura está vitalmente aberta ao mundo exterior, de onde tira conhecimentos objetivos e que conhecimentos e ideias migram entre as culturas. Seria ignorar que aquisição de uma informação, a descoberta de um saber, a invenção de uma ideia, podem modificar e transformar uma sociedade, mudar o curso da história. Assim, o conhecimento está ligado, por todos os lados, à estrutura da cultura, à organização social, à práxis histórica. Sempre por toda parte, o conhecimento científico transita pelos espíritos individuais, que dispõem de autonomia potencial, a qual pode em certas condições sociais e políticas atualizarem-se e tornar-se um pensamento pessoal crítico. 

Sobre a aquisição do conhecimento pesa um formidável determinismo. Ele nos impõe o que se precisa conhecer, como se deve conhecer, o que não se pode conhecer. Comanda, proíbe, traça os rumos, estabelece os limites, ergue cercas de arame farpado e conduz-nos ao ponto onde devemos ir. E também que conjunto prodigioso de determinações sociais, culturais e históricas é necessário para o nascimento da menos ideia, da menor teoria. Não bastaria limitarmo-nos a essas determinações que pesam do exterior sobre o conhecimento. É necessário considerar, também, os determinismos intrínsecos ao conhecimento, que são, segundo Edgar Morin, muito mais implacáveis. Em primeiro lugar, princípios iniciais, comandam esquemas e modelos explicativos, os quais impõem uma visão de mundo e das coisas que se governam/e controlam de modo imperativo e proibitivo a lógica dos discursos, pensamentos, teorias. Ao organizar os paradigmas e modelos explicativos associa-se o determinismo organizado dos sistemas de convicção e de crença que, quando reinam em uma sociedade, impõem a todos a força imperativa do sagrado, a força normalizadora do dogma, a força proibitiva do tabu. As doutrinas e ideologias dominantes dispõem também da força imperativa e coercitiva que leva a evidência aos convictos e o temor inibitório aos desalmados.

A partir deste fundamento, compreendemos que ordem, desordem e organização são elementos essenciais para o entendimento da complexidade, pois se desintegram e se desorganizam ao mesmo tempo. Nesse entendimento, constata-se que o sentido da realidade se dá por meio da relação do todo com as partes e vice e versa em uma análise integradora em que não é pertinente examinar o fenômeno a partir de uma única matriz de racionalidade. A desordem torna-se indispensável para a organização social da vida humana, pois a sociedade é dependente de acontecimentos/fatos que possam modificar a ordem já estabelecida para gerar novos meios de organização entre os sujeitos. Há um imprinting cultural, matriz que estrutura o conformismo, e há uma normalização que o impõe. O imprinting é um termo que Konrad Lorentz propôs para dar conta da marca incontornável pelas primeiras experiências do jovem animal, como o passarinho que, ao sair do ovo, segue como se fosse sua mãe, o primeiro ser vivo ao seu alcance. Há um imprinting cultural que marcam os humanos, desde o nascimento, com o selo da cultura, primeiro familiar e depois da escola, prosseguindo na universidade ou na profissão. Contrariamente à orgulhosa pretensão dos intelectuais e cientistas, o conformismo cognitivo não é de modo algum uma marca de subcultura que afeta principalmente as camadas subalternas da sociedade. Os subcultivados sofrem um imprinting e uma normalização atenuados e há mais opiniões pessoais diante do balcão de café do que num coquetel literário. Embora contrariados em contradição com seu desenvolvimento liberal intelectual que permite a expressão de desvios e de ideias e formas escandalosas, o imprinting e a normalização crescem paralelamente com a aquisição da cultura.

O imprinting cultural determina à desatenção seletiva, que nos faz desconsiderar tudo aquilo que não concorde com as nossas crenças, e o recalque eliminatório, que nos faz recusar toda informação inadequada às nossas convicções, ou toda objeção vinda de fonte técnica considerada ruim. A normalização manifesta-se de maneira repressiva ou intimidatória. Cala os que teriam a tentação de duvidar ou de contestar. A normalização, portanto, com seus subaspectos de conformismo, exerce uma prevenção contra o desvio e elimina-o, se ele se manifesta. Mantém, impõe a norma do que é importante, válido, inadmissível, verdadeiro, errôneo, imbecil, perverso. Indica os limites a não ultrapassar. As palavras que não devem proferir. Os conceitos a desdenhar, as teorias a desprezar. O imprinting assimila a perpetuação dos modos de conhecimento e verdades estabelecidas. Obedece a processos de tribunais: uma cultura produz modos de conhecimento entre os homens dessa própria cultura. Através do seu modo de conhecimento, reproduzem a legitimidade que produz esse conhecimento. As crenças que se impõem são fortalecidas pela fé que as suscitaram. Então, se reproduzem não somente os conhecimentos, mas as  estruturas e os modos reguladores que determinam a invariância desses conhecimentos.

As ideias movem-se, mudam de lugar, ganham força na história, apesar das formidáveis determinações internas e externas globais. O conhecimento transforma-se, progride, regride. Crenças e teorias renascem; outras, antigas, morrem. A primeira condição de uma dialógica cultural é a pluralidade e diversidade de pontos de vista. Essa diversidade cultural é potencial e está em toda parte. Toda sociedade comporta indivíduos genética, intelectual, psicológica, pessoal e afetivamente muito diversa, apta, portanto, a outros pontos de vista cognitivamente muito variados. São, justamente, essas diversidades de pontos de vista sociais, culturais, políticos que inibem e a normalização reprime. Do mesmo modo, as condições ou acontecimentos aptos a enfraquecerem o imprinting e a normalização permitirão às diferenças individuais exprimirem-se no domínio cognitivo. Essas condições aparecem nas sociedades que permitem o encontro, a comunicação e o debate de ideias. A dialógica cultural supõe o comércio, constituído de trocas múltiplas de informações, ideias, opiniões, teorias. O comércio das ideias é tanto mais estimulado quanto mais se realizar com ideias de outras culturas do passado. O intercâmbio das ideias produz o enfraquecimento dos dogmatismos e intolerâncias, o que resulta em seu próprio crescimento. Comporta a competição, a concorrência, o antagonismo, o conflito social e político entre ideias, concepções e visões de mundo.

Quando a sociedade é demasiada complexa, isto é, policultural, e um mesmo indivíduo experimentam várias inserções, seja familiar, de casta ou clã, étnica, nacional, política, filosófica, religiosa, todo o conflito entre essas dependências e crenças pode tornar-se fonte de debates, problemas, crises internas, o que segundo esta perspectiva se instala a dialógica no seio do próprio espírito individual. Mas quando ideias contrárias se enfrentam no espírito de um mesmo indivíduo, elas podem então: - seja se anular reciprocamente, dando lugar ao ceticismo, ele mesmo fermento de atividade crítica e motos do debate de ideias; seja, provocar uma “double blind”, contradição pessoal gerando na própria mente uma crise espiritual, que estimula a auto-reflexão e suscita eventualmente uma busca de nova solução; - seja suscitar uma hibridização ou, melhor, uma síntese criadora entre ideias contrárias. O encontro de ideias antagônicas cria uma zona de turbulência que abre uma brecha no determinismo. Mas pode  estimular, entre indivíduos na formação de grupos, interrogações, dúvidas, reticências, buscas.

O processo social de formação de uma tendência conselheira é, ao mesmo tempo, da legitimação dessa tendência: eludindo a nova concepção social torna-se respeitável e respeitada per se. Institucionaliza-se, estabelece a regra sociológica, ou seu princípio de normalização, na sua esfera de influência. A mentalidade científica, inicialmente marginal e desviante, muito prudente, até mesmo astuciosa em relação aos poderes coligados do espiritual e do temporal, progressivamente, autonomizou-se e enraizou-se no interior da sociedade, criando suas associações e instituições e, em dois séculos, tornou-se a nova ortodoxia no conhecimento do mundo. Mas uma ortodoxia de novo tipo, pois comporta o debate e o conflito social de ideias. Existem situações nas quais o desvio é reconhecido e saudado como originalidade. Embora fuja da norma, beneficia-se de um estatuto intrínseco elitista que o eleva acima da norma de um determinado regimento sindical ou universitário. Para que este seja não apenas tolerado, mas considerado como originalidade e não mais como desvio, e pluralismo cultural com autonomização dos estatutos dos artistas, autores, pensadores e produtores sociais.

Bibliografia geral consultada.

MONTÁLBÁN, Manuel Vásquez, História y Comunicación Social. Madrid: Alianza Editorial, 1985; LATOUR, Bruno, Reensamblar lo Social: Una Introducción a la Teoria del Actor en Red. Buenos Aires: Ediciones Manantial, 2008; MELLO, Selma Ferraz Motta, Comunicação e Organizações na Sociedade em Rede. Novas Tensões, Mediações e Paradigmas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação. Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010; ZANON, Darlei, O Impacto da Sociedade em Rede sobre a Igreja Católica, a partir de Manuel Castells. Dissertação de Mestrado. Departamento de Sociologia. Lisboa: Instituto Univesitário de Lisboa, 2011; OLIVEIRA, Jaqueline Cássia de, Psicogenealogia Sistêmica: O Romance Familiar Contado pelo Genograma. Belo Horizonte: Interação Sistêmica Edições, 2013; CASTELLS, Manuel, “El Poder de las Redes”. In: Vanguardia Dosier, n° 50, enero-marzo 2014; COHN, Gabriel, Sociologia da Comunicação: Teoria e Ideologia. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2014; SALGUEIRO, Gustavo Herrera, A Sociedade em Rede e a Eficácia dos Movimentos Sociais no Brasil. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Direito. São Cristóvão. Universidade Federal de Sergipe, 2018; RAMOS, Viviane de Assis, Tecnologia e Formação: O Smartphone na Experiência de Jovens Universitários. Dissertação de Mestrado em Educação. Programa de Pós-graduação em Educação. Faculdade de Educação. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2018; GOMES, Maria Gisélia da Silva, Celular e Estudante: Uso Dispositivo Móvel dentro da Escola. Programa de Pós-Graduação em Educação. Mestrado em Educação. Centro de Educação. Maceió: Universidade Federal de Alagoas, 2018; ADORNO, Theodor, Indústria Cultural. São Paulo: Editora Unesp, 2020; SILVA, Rodrigo Otávio Cruz e, Sociedade Informacional, Direitos Autorais e Acesso: O Problema das Licenças Compulsórias de Obras Literárias Esgotadas no Brasil. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Direito. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2020;  entre outros.

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