sábado, 25 de junho de 2016

Alfred Hitchcock - Cinema, Suspense & Segredos Espetaculares.


                                                                                                                                          Ubiracy de Souza Braga

                Existe algo mais que a lógica: a Imaginação. Se a ideia é boa, jogue a lógica pela janela”. Alfred Hitchcock
 
    
            Os filmes de arte surgiram na França, em 1908, por iniciativa do empresário Paul Laffitte, que fundou a Le Film d`Art com a intenção de levar os intelectuais ao cinema. Para isso, a empresa realizou versões cinematográficas de obras literárias de autores famosos, como Charles Baudelaire, Émile Zola, Victor Hugo, Gustave Flaubert, Honoré de Balzac, Molière e outros. Louis Feuillade, diretor do estúdio Gaumont, se opõe a esse tipo de intelectualismo e leva seu estúdio a produzir cerca de 80 filmes por ano em todos os gêneros, incluindo comédias, dramas do cotidiano, épicos e melodramas, mas foram seus filmes seriados sobre crimes que o levaram à fama na França e nos Estados Unidos. Filme de arte é um termo que comumente se refere a produções cinematográficas quase que tipicamente “independentes” e voltadas a um nicho condicionado de mercado. Em oposição a obras de caráter hollywoodiano, que são direcionadas ao grande público de mercado, o “filme de arte” é pretendido ser um trabalho sério, artístico, muitas vezes experimental e não projetado para o apelo de massa, feito principalmente por razões estéticas em vez de lucro comercial, e contém conteúdo não convencional ou altamente simbólico. O termo é usado na América do Norte, Reino Unido e Austrália, comparado ao resto da Europa, onde está mais associado a filmes autorais e ao cinema nacional. Suspense, para o que nos interessa, representa um sentimento de incerteza ou ansiedade mediante as consequências de determinado fato, mais frequentemente referente à perceptividade da audiência em um trabalho dramático. 
          Não é, porém, uma exclusividade da ficção, pode ocorrer em qualquer situação onde há a possibilidade de um grande evento ou um momento dramático, com a tensão como emoção primária mediante a situação. Em uma definição mais ampla do suspense, tal emoção sociológica surge quando alguém está preocupado com sua falta de conhecimento sobre o desenvolvimento de um evento significativo; assim o suspense seria, então, a combinação da antecipação com a lide da incerteza e obscuridade do porvir. Toda ideia de suspense ou, mais precisamente, narrativa tensional, não tem boa reputação no campo da literatura tradicional, considerada por alguns como um aspecto dinâmico do roteiro. Meir Sternberg, em uma visão retórica-funcionalista, considera o suspense como um dos vários componentes de interesse da narração. De acordo com ele, a narração pode ser definida como a interação entre suspense/curiosidade/surpresa e o tempo abstrato de comunicação per se em qualquer combinação, qualquer meio, qualquer manifesto ou forma latente. Nas mesmas linhas funcionais, ele define a narrativa como um discurso onde essa interação domina: a narratividade, então, ascende de um possível detalhe ou papel secundário, ao status de princípio regulador, o primeiro entre as prioridades de contar/ler. Nessa concepção, suspense pode ser o oposto de curiosidade, porque precisa de uma narração cronológica. Por exemplo, o interesse estando na obscuridade do futuro, enquanto o segundo cria mistério modificando a ordem de exposição dos eventos, numa teleologia da narração.

Por extensão, a análise comparada em literatura e cinema, o termo suspense passou a designar um gênero de narrativa seja de ficção ou de não-ficção em que predominam as situações de tensão, provocando temor ou eventualmente sustos, no leitor ou espectador. No cinema, o suspense foi largamente explorado, como forma de “cativeiro da audiência”. Alguns cineastas o tornaram sua marca registrada, como é o caso principal e significativo de Alfred Hitchcock, cujos filmes possuem a preocupação principal de provocar uma reação de medo ou expectativa humana diante da realidade. No tipo de suspense descrito por Hitchcock, ele ocorre quando a audiência tem a expectativa ruim que está para acontecer, ou que eles acreditam que possa acontecer, uma perspectiva construída através de eventos sucessivos, aos quais eles não têm o poder de interferir de forma a prevenir os acontecimentos diante de uma fatalidade.

                   

            Sir Alfred Joseph Hitchcock, nasceu em Leytonstone, subúrbio de Londres, em 13 de agosto de 1899 e faleceu em Bel Air, Los Angeles, em 29 de abril de 1980. Foi um cineasta inglês, considerado o mestre dos filmes de suspense, dos mais conhecidos e populares “realizadores” de todos os tempos. Em 1913 ele deixou a escola e passou a definir sua carreira profissional, estudando engenharia na School of Engineering and Navigation. Fez cursos de desenho no Departamento de Belas Artes da Universidade de Londres. Foi então que descobriu um novo hobby para preencher, por assim dizer, o seu tempo de lazer, o cinema, que estava começando a se estabelecer como uma das mais importantes atividades intelectuais e recreativas em Londres. A capital tinha mais de quatrocentos dispositivos de projeção, instalados no entorno de concorridas pistas de patinação. Em 1920, aos vinte e um anos de idade, o jovem Alfred Hitchcock leu em uma revista que uma empresa de cinema dos Estados Unidos da América (EUA), a Famous Players-Lasky Company, iria criar um estúdio em Londres, Inglaterra.
Alfred Hitchcock apresentou-se nos escritórios da Famous levando consigo alguns esboços de letreiros para filmes mudos que tinha projetado com a ajuda de seu chefe no departamento de publicidade da Henley. Imediatamente, a empresa o contratou como desenhista de letreiros. Mas quando o salário que passou a ganhar no novo emprego lhe permitiu ele deixou o emprego na Henley. No primeiro ano trabalhou como letrista em vários filmes, e no ano seguinte passou a ser responsável por cenários e pequenos diálogos em novos filmes. Ele escrevia sob a direção de George Fitzmaurice, que também lhe ensinou as primeiras técnicas de filmagem. Nos estúdios, Hitchcock conheceu Alma Reville, “uma jovem encantadora da mesma idade, nascida em Nottingham”. Extremamente pequena e magra, e grande fã de cinema, ela trabalhou nos estúdios de uma empresa londrina desde os 16 anos, a Film Company, e logo passou a trabalhar na Famous. Alma e Hitchcock colaboraram em vários filmes dirigidos por Graham e Cutts, e em 1923 viajaram para a Alemanha para produzir um filme cujo roteiro ele mesmo havia escrito, “The prude`s fall”. No navio de retorno a Inglaterra, Hitchcock declarou-se a Alma e logo iniciaram um longo noivado (cf. Xenakis, 1987).    
Em assim sendo, em nosso ponto de vista analítico “Hitchcock, o filme, não é uma biografia do genial diretor”. É um episódio de sua vida, importante, sim, mas não chega a ser um elogio às virtudes de Hitchcock, e sim às de sua mulher, a roteirista Alma Reville, e às de Helen Mirren, que a interpreta - mais que às de Anthony Hopkins. Se a ideia era dar protagonismo a Alfred Hitchcock, a produção teve efeito contrário ao que esperava o diretor Sacha Gervasi. A excessiva caracterização de Anthony Hopkins como Hitchcock foi mais um empecilho que um benefício para o ator galês, cuja interpretação ficou muito condicionada pelo aspecto físico característico do diretor de Psicose. Sua voz impostada e a sensação que sempre se vê o ator acima do personagem fazem com que seja ainda mais evidente a sutileza da interpretação de Helen Mirren em seu papel de esposa à sombra - mas não abnegada. Alma Reville é sem dúvida a revelação do filme. Tanto pelo pouco etnográfico que se sabe de sua pessoa como pela força expressiva e psicanalítica de uma personalidade que, apesar de tudo, soube entender melhor que ninguém a grandeza e as fragilidades de Hitchcock”.
O suspense de Alfred Hitchcock trouxe “inovações técnicas” nas posições e movimentos das câmeras (cf. Deleuze, 1974; 1983), nas elaboradas edições e nas surpreendentes trilhas sonoras que realçam os efeitos de suspense e aparente terror. O clima de suspense é acentuado pelo uso de música forte e dos efeitos de luz. Em Psycho, “somente o espectador vê a porta se entreabrir, esperando algo acontecer enquanto o detetive sobe a escada”. Um dos recursos de suspenses mais utilizados por Hitchcock é o do “vilão inocente”, através dele um inocente é erroneamente acusado ou condenado por um crime e que, para se ver livre, acaba assumindo a missão de perseguir e encontrar o real culpado.  Em alguns filmes, o personagem age como se soubesse que o telespectador está observando sua vida. No filme “Rear Window” (1954), o personagem Lars Thorwald (interpretado por Raymond Burr) confronta Jeffries (interpretado por James Stewart) dizendo: - “O que você quer de mim?” endereçando a pergunta ao telespectador com um close em seu rosto. Hitchcock usou em vários de seus filmes o que é conhecido como cameo, literalmente “camafeu”, significando uma “participação especial”, onde uma pessoa famosa aparece em um filme. Nos filmes de Hitchcock, quem aparecia era ele próprio, em instantes, geralmente no início de seus filmes. Para não distrair o público do enredo principal, no decorrer de sua obra o diretor passou a aparecer logo no início dos filmes. 
     Embora inúmeros cinéfilos reconheçam o clássico filme: Psicose, de Alfred Hitchcock, nem todos sabem como o filme foi realizado. Hitchcock é uma ficção que pretende revelar o complicado contexto desta produção: o cineasta já não tinha a mesma notoriedade do início da sua carreira, aparentemente nenhum produtor queria investir em um “pequeno filme de suspense onde a protagonista morre logo no começo, e as cenas de nudez no chuveiro não facilitavam para encontrar a atriz principal”. No primeiro trailer divulgado, Anthony Hopkins incorpora o humor sarcástico do cineasta, enquanto Helen Mirren, no papel de sua esposa, trata de limitar as ambições do diretor. Scarlett Johansson interpreta Janet Leigh (foto), e vários outros nomes prestigiosos completam o elenco, tais como Jessica Biel, Toni Collette e James d`Arcy. O filme dirigido por Sacha Gervasi retrata de um “particular ponto de vista” os bastidores das gravações de Psicose. A imagem destaca Anthony Hopkins na pele de Alfred Hitchcock. Um detalhe interessante, que deve chamar a atenção dos cinéfilos, é a faca ensanguentada, numa referência clara à lendária cena do chuveiro. Scarlett Johansson interpreta Janet Leigh, a protagonista de Psicose, e personifica todas as loiras que obcecavam o cineasta - de Tippi Hedren a Grace Kelly, passando por Kim Novak.
             Do ponto de vista técnico-metodológico o “MacGuffin” é um conceito original nos filmes de Hitchcock, passando a ser um termo usado pelo cineasta “para inserir um objeto que serve de pretexto para avançar na história sem que ele tenha muita importância no conteúdo da mesma”. O MacGuffin de Psycho “é o dinheiro roubado do patrão”. O dinheiro só serve para conduzir a personagem Marion Crane até o Motel Bates, mas ao chegar ao motel o dinheiro perde a importância no desenrolar da história. Já o MacGuffin de Torn Courtain é a fórmula que possibilitaria a construção de um antimíssil. É para conseguir a fórmula que o personagem principal parece desertar para Berlim (então Oriental), é seguido pela noiva e daí desenvolve-se o enredo. E a exemplaridade do filme: Vertigo (“Um Corpo Que Cai / A Mulher que Viveu Duas Vezes”) lançado no auge da fama do diretor e, porém não foi muito bem recebido pela crítica. Contudo, Vertigo é reconhecido por ter influenciado vários diretores e roteiristas nas décadas seguintes. O filme foi eleito “entre os 100 melhores filmes de todos os tempos pelo Instituto Americano do Cinema em 1998”.    
  
   O filme: Psicose representa um “quadro psicopatológico” (cf. Freud, 1971: 229 e ss.) clássico, reconhecido pela psiquiatria, pela psicologia clínica e pela psicanálise como um estado psíquico no qual se verifica certa “perda de contato com a realidade”. Nos períodos de crises mais intensas podem ocorrer (variando de caso a caso) alucinações ou delírios, desorganização psíquica que inclua pensamento desorganizado e/ou paranoia (dementia paranoides), acentuada inquietude psicomotora, sensações de angústia intensa e opressão, e insônia severa. Tal é frequentemente acompanhado por uma falta de crítica ou de insight que se traduz numa incapacidade de reconhecer o carácter estranho ou bizarro do comportamento. Desta forma surgem também, nos momentos de crise, dificuldades de interação social e em cumprir normalmente as atividades de vida diária. Na psicanálise, a psicose causou dificuldades teóricas para Freud, mas não para Jacques Lacan. Se o primeiro demonstrou-se hesitante em enquadrá-la do ponto de vista analitico, concentrando-se na neurose, Lacan, tomando-a constantemente em suas conferências, associou-a a “foraclusão” (ou “forclusão”) do nome-do-pai.
            Para Freud, no caso da psicopatologia da vida cotidiana, 
gli errori di memoria si distinguono dalla dimenticanza accompagnata da falso ricordo soltanto per l´unico particolare tipico che l`errore (il falso ricordo) non viene riconosciuto come tale, ma trova credito. L`uso dell`espressione ´errore` però pare dipendere anche da um`altra condizione. Noi parliamo di ´errore` anziché di ´falso recordo` quando nel materiale psichico da riprodurre si vuole dare rilievo al carattere della realtà obiettiva, dove dunque si vuole ricordare qualcosa di diverso da un fatto della nostra vita psichica, anzi qualcosa di accessibile alla conferma o confutazione da parte della memoria altrui. L`opposto dell`errore di memoria in questo senso è l`ignoranza (cf. Freud, 1971).

            O termo “foraclusão” foi introduzido pela primeira vez por Jacques Lacan, em 4 de julho de 1956, na última sessão de seu Seminário dedicado às psicoses e à leitura do comentário de Sigmund Freud sobre a paranoia do jurista Daniel Paul Schreber. Para compreender a gênese desse conceito, há que relacioná-lo com a utilização que Hippolyte Bernheim fez, em 1895, da noção de “alucinação negativa”: nesta designa a ausência de percepção de um objeto presente no campo do sujeito após a hipnose. Freud retomou o termo, porém não mais o empregou a partir de 1917, na medida em que, em 1914, propôs uma nova classificação das neuroses, psicoses e perversões no âmbito de sua teoria da castração. A primeira discussão publicada de Freud sobre o Complexo de castração aparece em seu estudo de caso Little Hans (1909), cuja mãe relatou ter dito ao filho que se continuasse a tocar seu pênis, ela pediria ao médico que o cortasse. Deu então o nome de Verneinung ao mecanismo verbal pelo qual o recalcado é reconhecido de maneira negativa pelo sujeito, sem, no entanto ser aceito: - “Não é meu pai”. Em 1934, o termo foi traduzido em francês por négation. Na psicanálise freudiana, a angústia de castração (Kastrationsangst) refere-se ao medo inconsciente da perda do pênis originário durante o Estágio fálico do desenvolvimento psicossexual em toda a vida.
De acordo com Freud, quando o menino torna-se consciente das diferenças entre os órgãos genitais masculinos e femininos, ele assume que o pênis do sexo feminino foi removido criando-se uma angústia que seu pênis será cortado por seu rival, a figura do pai, como punição por desejar a figura da mãe. Quanto à ”renegação” (Verleugnung), Freud a caracterizava como a recusa, por parte do sujeito, a reconhecer a realidade de uma percepção negativa - por exemplo, a ausência de pênis na mulher. Paralelamente, na França, Pichon introduzia o termo “escotomização”, para designar o mecanismo de “enceguecimento inconsciente” pelo qual o sujeito faz desaparecerem de sua memória ou sua consciência fatos desagradáveis. Em 1925, uma polêmica opôs Freud a René Laforgue a propósito dessa palavra. Laforgue propunha traduzir por “escotomização” tanto a renegação (Verleugnung) quanto outro mecanismo, próprio da psicose e, em especial, da esquizofrenia. Freud recusou-se a acompanhá-lo e distinguiu, de um lado, a Verleugnung, e de outro, a Verdrangung (“recalque”). A situação descrita por Laforgue despertava a ideia da anulação da percepção, ao passo que a exposta por Freud mantinha a percepção, no contexto da negatividade: dialeticamente atualização da percepção que consiste na renegação.      


          Hitchcock, filme que narra a história da produção do clássico: Psicose é o primeiro trabalho de ficção do londrino Sacha Gervasi como diretor. Roteirista de O Terminal e diretor do documentário: Anvil: The Story of Anvil, Gervasi fala dos desafios dessa sua estreia em entrevista exclusiva. - Manter Hitchcock conversando com a câmera - uma coisa que ele fazia para promover seus trabalhos - foi intencional para preservar a fantasia do cineasta? - Sim, é só um filme. Tem elementos fantásticos, e é também uma referência [à série de TV] Alfred Hitchcock Presents, em que ele se dirigia para a câmera. Tratamos como uma referência direta porque a maioria do público dos EUA via a série. Na Inglaterra eles têm outro referencial. Nós trabalhamos em cima dessa persona que ele criou. E também é uma forma de deixar o público ciente de que [o filme] é surreal e fantástico. Há esses elementos de fantasia. Imediatamente adiantamos que esta não é a típica cinebiografia intensa, sincera, honesta. - O que eu acho interessante é que o trabalho de Hitchcock, com o tempo, adquiriu o status de obra-prima, mas naquela época os críticos diziam que os filmes dele eram passatempos divertidos, como cinema de gênero. Ele fazia filmes para o público, então tentamos abraçar esse espírito. Sabíamos que isso provocaria uma comoção, mas ficamos empolgados com essa opção. Todo mundo sabe sobre as atrizes e o que aconteceu com Tippi Hedren, atriz, ativista dos direitos dos animais e ex-modelo norte-americana. É de domínio público esse lado ligeiramente difícil, sádico e neurótico do diretor. O que as pessoas não sabiam é que a grande parceira [de Hitchcock] era a esposa dele. Mas Hitchcock não era exatamente maravilhoso com a esposa. Essa é a questão de gênero que não deve ser desprezada.

Bibliografia geral consultada. 

FREUD, Sigmund, Psicopatologia della Vita Quotidiana. Torino: Bollati Boringhieri Editore, 1971; DELEUZE, Gilles, Cinéma I: l` Image-Mouvement. Paris: Éditions de Minuit, 1983; MONTERDE, José Enrique, Cine y Enseñanza. Barcelona: Editorial laia, 1986; TRUFFAUT, François, Truffaut/Hitchcock - Entrevistas. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986; XENAKIS, Françoise, Ih, Esqueceram Madame Freud. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1987; SILVA, Marcos Paulo do Nascimento, A Problemática do Mal em O Mal-Estar na Civilização. Dissertação de Mestrado. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Departamento de Filosofia. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2004; SIMMEL, Georg, “A Sociologia do Segredo e das Sociedades Secretas”. Tradução de Simone Carneiro Maldonado. In: Revista de Ciências Humanas. Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Santa Catarina. Volume 43, Número 1, pp. 219-242, abril de 2009; SANTOS, Marcelo Moreira, Poética Fílmica: O Exemplo de Alfred Hitchcock. Tese de Doutorado em Comunicação. Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012; Artigo: “Filme Hitchcock é, na verdade, uma história sobre Alma Reville, a mulher do diretor”. In: http://cinema.uol.com.br/2013/01/31CONSTANTINO, Maria Julia Évora. Trailer do Filme Psicose, para Além do Marketing Cinematográfico. Dissertação de Mestrado em Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2014; OLIVEIRA JÚNIOR, Luiz Carlos Gonçalves de, Vertigo, a Teoria Artística de Alfred Hitchcock e seus Desdobramentos no Cinema Moderno. Tese de Doutorado. Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015; MERENCIANO, Levi Henrique, Cinema Hollywoodiano no século XXI: O Ritmo em Abordagem Semiótica e os Filmes mais vistos em 2001 a 2010. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa. Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2015; RIBEIRO, Marcelo Rodrigues Souza, Do Inimaginável: Cinema, Direitos Humanos, Cosmopoéticas. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Arte e Cultura Visual - Doutorado. Faculdade de Artes Visuais. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2016;  entre outros.  

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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ), Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).         

quinta-feira, 23 de junho de 2016

Virginia Raggi – Uma Mulher Prefeita da Cidade Eterna.

Ubiracy de Souza Braga
 
                                         “Credo i romani avrano le idee ancora più chiare in cabina elettorale”. Virginia Raggi 

           República Romana representou um período da antiga civilização romana onde o governo operou como uma república, também designado como monarquia romana ou período régio, é a expressão utilizada por convenção para definir o estado monárquico romano desde sua origem em 21 de abril de 753 a.C.) até a queda da realeza em 509 a.C. Começou com a queda da monarquia, tradicionalmente datada cerca de 509 a.C., e sua substituição pelo governo chefiado por dois cônsules, eleitos anualmente pelos cidadãos e aconselhados pelo senado. Uma complexa constituição gradualmente foi desenvolvida, centrada nos princípios de uma separação dos poderes e de freios e contrapesos. Exceto em tempos de terrível emergência nacional, ofícios públicos foram limitados por um ano, de modo que, em teoria ao menos, nenhum indivíduo exercesse poder absoluto sobre seus concidadãos. Era hierárquica. A evolução da constituição da República Romana foi pesadamente influenciada pela luta entre os patrícios, aristocratas proprietários de terra, que traçaram sua ancestralidade no início da história do Reino de Roma, e os plebeus, os cidadãos muito mais numerosos. Logo depois da fundação da república, o conflito levou à primeira das muitas secessões da plebe, na qual os plebeus se retiraram da cidade e se reuniram no monte sacro numa época de guerra, o que levou à criação do cargo de tribuno da plebe,  o que representou a primeira partilha de poder entre as ordem tradicionais romanas.

Historicamente as leis que deram aos patrícios direitos exclusivos de acesso aos mais altos ofícios foram revogadas e enfraquecidas, e as principais famílias plebeias tornaram-se membros plenos da aristocracia. Os líderes da república desenvolveram uma forte tradição e moralidade que exigia serviço público e patrocínio na paz e na guerra, tornando os sucessos políticos e militares indissociáveis. Durante os primeiros dois séculos de sua existência a república expandiu-se através de uma combinação de conquista e aliança, da Itália central para a península Itálica inteira. Pelo século seguinte, incluía o Norte da África, a Península Ibérica, Grécia, e o que é hoje o sul da França. Dois séculos após isso, em direção ao fim do século I a.C., incluía o resto da moderna França, e muito do Mediterrâneo Oriental. A República Romana, sem temor a erro, pode-se dizer que nunca foi totalmente restaurada, mas também pode-se afirmar, politicamente, que nunca foi formalmente abolida.

Por esta conjuntura política, apesar das restrições tradicionais e legais da república contra qualquer aquisição individual de poderes políticos permanentes, a política foi dominada por um pequeno número de líderes romanos, com suas alianças pontuadas por uma série de guerras civis. O vencedor de uma destas guerras civis, Otaviano (mais tarde reconhecido como Augusto) reformou a república como um principado, com ele mesmo como o “primeiro cidadão”. O senado continuou a sentar e debater. Magistrados anuais foram eleitos como antes, mas as decisões finais em assuntos de política, guerra, diplomacia e nomeações foram privilégios de Augusto através de seu manejo de um número de separados poderes simultaneamente. Um de seus muitos títulos foi Imperator do qual o título Imperador derivou, e é “o primeiro imperador romano”. Contudo, o termo res publica continuou a ser usado para referir-se ao aparato do Estado, assim a data exata da transição para o Império Romano é um assunto de interpretação. Historiadores variadamente propuseram a nomeação de Júlio César como ditador perpétuo em 44 a.C., a derrota de Marco Antônio na Batalha de Ácio em 31 a.C., e a concessão de poderes extraordinários para Otaviano sob o primeiro assentamento e sua adoção do título de Augusto em 27 a.C., como o evento que define o fim da república.

           Virginia Elena Raggi nasceu em Roma em 18 de junho de 1978. É advogada e política italiana. É a atual prefeita de Roma desde o ano de 2016. Filiada ao Movimento 5 Estrelas, foi eleita prefeita em 19 de junho de 2016, ganhando as eleições municipais, se tornando a  primeira prefeita de Roma, uma das cidades mais importantes da história da humanidade, exercendo uma influência ímpar no desenvolvimento da história e da cultura dos europeus durante milênios e na construção da Civilização Ocidental. Sua história abrange mais de 2500 anos, desde a sua fundação lendária em 753 a.C. Roma é uma das mais antigas cidades continuamente ocupadas na Europa e é conhecida como A Cidade Eterna, uma ideia expressa por poetas escritores da Roma Antiga. No mundo antigo, foi sucessivamente a capital do Reino de Roma, da República Romana e do Império Romano e é considerada um dos berços da civilização ocidental. Desde o século I, a cidade é a sede do papado e no século VIII a cidade tornou-se a capital dos Estados Pontifícios, que duraram até 1870. Em 1871, Roma se tornou a capital do Reino da Itália e em 1946 da República Italiana. A Constituição da República Romana é um nome normalmente utilizado por especialistas para se referir ao conjunto de regras e princípios, escritos ou não, que determinavam o que era permitido ou proibido dentro dos limites estabelecidos de soberania da antiga Roma republicana. Tal constituição era invocada para resolver disputas de competência entre diferentes poderes e instituições ou quando mudanças nas práticas políticas eram necessárias. Eles acreditavam que na eficácia da Constituição constituída pela acumulação da sabedoria de antepassados e não de legislação e não existia um texto legal unificado que codificasse a prática constitucional. 




           Precedentes (“mos maiorum”), isto é, costume ancestral, era reivindicado como argumento legal, a continuidade era normalmente desejável e os princípios republicanos eram tidos em larga medida como frutos da tradição. Esse sistema político era conhecido como “res publica”, expressão que, grosso modo, pode ser traduzida por “coisa pública”. O surgimento da República Romana é tradicionalmente situado no ano 510 a. C., quando o último rei romano teria sido expulso e o sistema monárquico teria sido substituído por magistrados nomeados anualmente. A partir de então, passou-se a eleger dois cônsules que deveriam permanecer no cargo por um ano e convocar eleições para seus sucessores. A ausência de documentação expressiva sobre este período torna difícil verificar a autenticidade desses relatos ou de fornecer detalhes mais expressivos sobre o processo político. É altamente provável que muitas das instituições republicanas já existissem no período monárquico, algo sugerido por Cícero no livro 2 da República. Relatos tardios referem-se aos primórdios da República como um período de disputa entre plebeus, a maioria da população e patrícios, uma minoria que teria controle dos principais cargos políticos. 
         Essas duas “castas” de cidadãos, dizem, teriam tido instituições exclusivas que se sobrepunham e conflitavam, algumas das quais teriam permanecido ativas até o período republicano tardio. Os principais magistrados romanos eram o ditador, o censor, o cônsul, o pretor, o edil, o questor e o tribuno da plebe. O ditador era superior a todos os outros cargos e era acompanhado por 24 lictores. Ele deveria ser escolhido pelos cônsules em situação emergencial por requisição do Senado e não poderia governar por mais de seis meses. O ditador possuía o “imperium”, isto é, a instância de poder de controlar homens dentro e fora de Roma e o auspício de consultar os deuses em nome da cidade. Dois cônsules eram eleitos em votações na assembleia das centúrias. Eram nomeados para atuar por um (01) ano apenas, mas poderiam ser reeleitos após um intervalo fixo em torno de dez anos. Possuíam o “imperium” de controlar homens dentro e fora de Roma, além do direito de realizar eleições de forma justa para magistrados. Neste sentido que um cidadão deveria ter ao menos 42 anos para ser eleito para o cargo de cônsul. Dois censores eram eleitos na assembleia das centúrias para servir por 18 meses. 

A função, normalmente cumprida por ex-cônsules, consistia em revisões de listas senatoriais e na exclusão de senadores indesejáveis (ou inclusão de senadores bem quistos). O censor também era responsável pela fiscalização da moral e dos costumes. Os questores e edis eram mais numerosos e tinham funções relativamente restritas. Ambos eram eleitos pela assembleia tribal, sendo os primeiros responsáveis pelo controle do tesouro, dos arquivos e das finanças, enquanto os segundos organizavam jogos anuais e fiscalizavam ruas e mercados, além de se responsabilizarem pelo suprimento de alimentos. O tribuno da plebe tinha poder de veto contra qualquer decisão de outro magistrado ou decreto senatorial. Ele poderia intervir pela proteção dos direitos de qualquer cidadão, exceto se essa ação contrariasse as intenções de um ditador. Eles também detinham o poder de propor leis para a assembleia tribal. Os pretores eram líderes políticos eleitos para comandar exércitos fora de Roma. Cumpriam um termo de um ano, e eram escolhidos pela assembleia das centúrias após a decisão de um cônsul. Esse cargo foi introduzido pela primeira vez no ano 366 a. C. e, na época de Lúcio Cornélio Sula, existiam pelo menos 8 pretores na República, apenas para citarmos tal exemplo.
A advogada Virgínia Raggi, de 37 anos, foi eleita prefeita de Roma, domingo (19/06), em uma vitória que representa um duro golpe para o governo do primeiro-ministro Matteo Renzi. Com 80% das urnas apuradas, a candidata do partido antissistema “Movimento 5 Estrelas” (M5S) aparece com 67% dos votos, bem à frente de Roberto Giachetti, apoiado pelo Partido Democrático (PD, centro-esquerda) de Renzi. No primeiro turno, Virgínia obteve 35% dos votos. O M5S foi fundado pelo humorista Beppe Grillo em 2009. Os resultados das eleições municipais deste domingo, realizadas em 126 cidades italianas, devem confirmar o avanço do M5S, movimento que se tornou, em 2013, o segundo maior partido da Itália, com 25% dos votos nas eleições legislativas. Seu discurso de denúncia sistemática da corrupção política continua a angariar adesões. - "Hoje é algo muito especial. Temos a sorte de ter alguém novo que poderá mudar as coisas. Todos os outros fracassaram. Espero que eles consigam", disse à AFP o aposentado Aldo, de 72 anos, que votou no M5S em Roma. A denúncia da corrupção foi a palavra de ordem da campanha de Virgínia Raggi. Ela não divulgou, porém, muitos detalhes de seu programa para reduzir a enorme dívida da cidade, em torno de 12 bilhões de euros. Tampouco antecipou nomes de sua futura equipe.        
            Essa última questão é essencial, já que o M5S não conta com políticos veteranos, o que já se notou em sua gestão das cidades onde governa, como Parma, ou Livorno. Nos últimos dias, a imprensa italiana criticou Virgínia por não ter declarado receitas provenientes de consultorias, o que a candidata nega. - "Não sabem mais como me atacar. Já esclareci. Está tudo declarado", afirmou ela. A reta final da campanha não contou com a presença de Renzi, que está na Rússia, nem com a de Grillo. Tampouco se ouviu a voz de Matteo Salvini, o líder da Liga Norte. Silvio Berlusconi, que tenta sem sucesso continuar sendo o líder da centro-direita na Itália, continua hospitalizado, após uma cirurgia de coração aberto. Essas eleições "deixarão uma marca na política italiana, uma marca de descontinuidade e uma possível ruptura do sistema", afirmou em um editorial, o diretor do jornal “La Repubblica”, Mario Calabresi. Com o M5S, “elegeram-se as caras novas e a simpatia, considerou-se a inexperiência como o maior valor. E se associou à esperança”, completou, comparando seus militantes com passageiros que assumem o controle de um avião em protesto pelos atrasos nos voos e pelos benefícios dos pilotos comparativamente em seu posto de trabalho.  Advogada de formação, Raggi foi oficializada candidata.  

              Ocorreu em uma votação online realizada no blog de Beppe Grillo - esse é o método usado pelo movimento para tomar decisões importantes. Inclusive, uma das principais acusações à agora prefeita eleita “é que ela seria um mero fantoche se assumisse a Prefeitura de Roma”. Raggi cresceu nos bairros de San Giovanni e Ottavia e é graduada em direito e jurisprudência pela Universidade de Roma Tre. Se especializou em direito autoral e propriedade intelectual e trabalhou por seis anos em um escritório de advocacia que fazia a defesa do ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi. No entanto, ela sempre rechaçou ter qualquer afinidade eletiva com o líder conservador. Eleita vereadora em 2013, dedicou-se aos temas de educação e meio-ambiente e, durante a campanha, prometeu instalar teleféricos na cidade e aumentar a taxação sobre ciganos. Além disso, garantiu que colocará as finanças da capital em ordem e afirmou ser contra a candidatura romana para receber as Olimpíadas de 2024.
              Depois voltou atrás e declarou que apenas gostaria que a população fosse consultada sobre o assunto. Outro tema polêmico que ela pode submeter ao povo é a construção do novo estádio da Roma, que terá capacidade para 60 mil pessoas e será erguido no bairro de Tor di Valle. Segundo os investigadores, Lanzalone, da Acea, entre janeiro e fevereiro de 2017 se ocupou do dossiê sobre a construção do estádio, atuando também como conselheiro para o M5S. Ele conduziu uma mediação com a empresa Eurnova, de Luca Parnasi, que comprou os terrenos no Tor di Valle para construir o estádio. A Área pertencia à sociedade Sais, da família Papalia. Com a mediação de Lanzalone, o projeto original do estádio foi modificado, com a redução das coberturas do estádio, além do cancelamento de obras de serviço e de duas torres. O projeto de construção do novo estádio da Roma, que terá capacidade para mais de 52 mil pessoas, foi aprovado pela Câmara em junho de 2017. A Procuradoria informou que a A.S. Roma não tem relação com o caso de dimensões políticas.
Bibliografia geral consultada.
ARANTES JÚNIOR, Edson, Regime de Memória Romano: Imagens do Herói Héracles nos Escritos de Luciano de Samósata (século II d. C.). Programa de Mestrado em História. Dissertação de Mestrado em Ciências Humanas. Goânia: Universidade Federal de Goiás, 2008; PIRES, Francisco Murari, “Machiavel et Thucydide: Le(s) Regard(s) de l’Histoire et les Figurations de l’Historien”. In: Action Politique et Histoire: Le Narrateur Homme d’Action. Sous la direction de Marie-Rose Guelfucci, CEA, 47 (2010): 271-289; ANTIQUEIRA, Moisés, O Império Romano de Aurélio Vítor. Tese de Doutorado. Departamento de História. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2012; MENNITTI, Danieli, As Mulheres Não Tão Silenciosas de Roma: Representações do Feminino em Plínio, o Jovem (62 a 116 d. C.). Dissertação de Mestrado. Faculdade de Ciências e Letras. Assis: Universidade Estadual Paulista, 2015;  Artigo: “Raggi é Declarada Prefeita de Roma e Toma Posse”. In: http://www.jb.com.br/internacional/2016/06/22; Artigo: “Roma Elege Primeira Prefeita Mulher de sua História”. In: http://noticias.r7/2016REAL, Luiza Andrade Wiggers, Sabinas Lucrécias e Tarperias: O Ritual do Casamento Ressignificado. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Literatura. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2016; Artigo: “Virginia Raggi, Primeira Mulher Prefeita de Roma”. In: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/18; Artigo: “Virginia Raggi, la Regia: Basta una  sua Frase per Bruciare 71 Milioni di Euro”. Disponível em: http://www.liberoquotidiano.it/24marzo2016; Artigo: Virginia Elena Raggi, alcaldesa en Roma. Disponível em:  http://www.heroinas.net/2016/06; COTOGNI, Isobel, “mayor Virginia Raggi calls for ban on any more migrants living in the city over fears of  ´social tensions`. Disponível em: https://www.thesun.co.uk/news/15/06/2017; entre outros.
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* Sociólogo (UFF), Cientista Político (UFRJ) e Doutor em Ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado do curso de Ciências Sociais. Centro de Humanidades. Fortaleza: Universidade Estadual do Ceará (UECE).

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Questão de Tempo – Tensão do Amor & Enamoramento Metafísico.

                                                                                                   Ubiracy de Souza Braga*

 “l`amore è come il fuoco, se soffi si riaccende” . Francesco Alberoni 

A organização do mundo é necessariamente essa com que deparamos, ou seriam possíveis outros mundos? Existe algum deus? Se existe, como podemos conhecê-lo? Existe algo como um espírito? Há uma diferença fundamental entre mente e matéria? Os seres humanos são dotados de almas imortais? São dotados de livre-arbítrio? Tudo está em permanente mudança, ou há coisas e relações que, a despeito de todas as mudanças aparentes, permanecem sempre idênticas? O que diferencia a metafísica das ciências particulares é que a metafísica, área da filosofia que estuda os fundamentos da realidade e do conhecimento, e que busca interpretar o mundo, considera o inteiro do ser enquanto as ciências particulares estudam apenas algumas partes específicas do ser. A metafísica distingue-se das ciências particulares por conta do objeto a respeito do qual está preocupada, o ser total, e por ser uma investigação a priori. Por isso, a diferença entre os métodos da metafísica e das ciências particulares decorre da diferença entre os objetos estudados. Assim, as categorias abstratas são expressas nas formas adequadas da subjetividade  que valem para as partes não podem ser estendidas ao inteiro.

Uma característica da compreensão moderna do mundo é a secularização. É um processo através do qual a religião perde a sua influência sobre as variadas esferas da vida social. Essa perda de influência repercute-se na diminuição do número de membros das religiões e de suas práticas. Na perda do prestígio das igrejas e organizações religiosas. Na influência na sociedade, na cultura, na diminuição das riquezas das instituições religiosas, e, last but not least, na desvalorização das crenças e dos valores a elas associados. A partir do século XIX, houve um progressivo declínio da influência das instituições religiosas tradicionais. Este declínio verificou-se tanto na prática dos fiéis, como na dificuldade crescente em recrutar clero para o desenvolvimento e manutenção da instituição. A maior parte dos estudos acadêmicos versou a tentativa de compreensão deste âmbito. A investigação já não se centra tanto nas causas e nas razões da secularização, mas nas possibilidades da relação social da modernidade com o religioso. Vale lembrar historicamente que, os movimentos sociais de corte religiosos que culminaram na grande reforma religiosa do século XVI tiveram início desde a Idade Média, através dos teólogos John Wycliffe (1328-1384) e Jan Huss (1369-1415). Esses movimentos sociais foram reprimidos, mas, na Inglaterra e Boêmia, Alemanha, os ideais reformistas preservaram em circunstâncias tanto históricas e sociais mormente em relação às tendências que romperam a revolta religiosa na Alemanha.

Metafísica é uma disciplina fundamental da filosofia que examina a natureza essencial da realidade, incluindo a relação existente entre mente e matéria, entre substância e atributo e entre potencialidade e atualidade. Os sistemas metafísicos, na sua forma clássica, tratam de problemas centrais da filosofia teórica: são tentativas de descrever os fundamentos, as condições, as leis, a estrutura básica, as causas ou princípios, bem como o sentido e a finalidade da realidade como um todo ou dos seres em geral. Um ramo central da metafísica é a ontologia, a investigação sobre as categorias básicas do ser e como elas se relacionam umas com as outras. Outro ramo central da metafísica é a cosmologia, o estudo da totalidade de todos os fenômenos no universo. Concretamente, isso significa que a metafísica clássica tem como representação a questão tópica do ser e se ocupa das “questões últimas” da filosofia, situando a seguinte questão: há um sentido último para a existência do mundo?


 No começo do século XVI, a Igreja passava por um período delicado. A venda de cargos eclesiásticos e de indulgências, assim como o enfraquecimento das influências papais pelo prestígio crescente dos soberanos europeus, que muitas vezes influenciavam diretamente nas decisões da Igreja, proporcionaram um ambiente social religioso e muito oportuno a um movimento reformista. A hipótese da viagem no tempo se refere ao conceito de mover-se para trás e/ou para frente através de pontos diferentes no tempo, em um modo análogo à mobilidade pelo espaço. Algumas interpretações de viagem no tempo sugerem a possibilidade de viajar através de realidades paralelas. A possibilidade real de uma viagem no tempo é, hoje em dia, praticamente nula do ponto de vista prático, devido ao fato de que as partes responsáveis pela descoberta de meios para se efetuar uma viagem temporal não terem conseguido ainda produzir a suposta tecnologia capaz de possibilitar (ou resistir) a viagem. No entanto a viagem no tempo é teoricamente possível, embora ainda não exista a tecnologia necessária para tal. 
O conceito é constantemente abordado na ficção-científica, sendo que o mais famoso autor de obras sobre o tema é Herbert George Wells, reconhecido como H. G. Wells (1866-1946), um escritor britânico e membro da Sociedade Fabiana. Nascido no distrito Borough da Grande Londres, na juventude foi aprendiz de negociante de panos, a sua experiência nesta ocupação, veio mais tarde a ser usada como material para o romance Kipps. Em 1883, tornou-se professor na Midhurst Grammar School, até ganhar uma bolsa na Escola Normal de Ciências em Londres, para estudar biologia com T. H. Huxley. Nos seus primeiros romances, descritos ao mesmo tempo como “romance científico”, inventou uma série de temas que foram posteriormente aprofundados por outros escritores de ficção científica, e que entraram na cultura popular em trabalhos como seu primeiro livro: A Máquina do Tempo (1895), publicada originalmente em capítulos na revista semanal Pearson`s MagazineO Homem Invisível (1897) e A Guerra dos Mundos (1897). Outros romances, de natureza realista, não fantástica, ou mágica, foram bem recebidos, sendo exemplos a sátira à publicidade edwardiana Tono-Bungay e Kipps. Visionário, chegou a discutir em obras do início do século XX questões sempre atuais, como a ameaça de guerra nuclear, o advento de Estado mundial e a ética na manipulação de animais. 
Desde muito cedo na sua carreira, Wells sentiu que devia haver uma maneira melhor de organizar a sociedade, e escreveu alguns romances utópicos. Começavam, em geral, com o mundo a caminhar inexoravelmente em direção a uma catástrofe, até que as pessoas se apercebiam da existência de uma maneira melhor para viver, ou através dos gases misteriosos de um cometa, que fariam com que as pessoas começassem subitamente a comportar-se racionalmente (Os Dias do Cometa), ou pela tomada do poder por um conselho mundial de cientistas, como em The Shape of Things to Come (1933), livro que Wells adaptou mais tarde para o filme de Alexander Korda, Daqui a Cem Anos (1936), onde descrevia, com demasiada exatidão, a guerra anunciada, com cidades a serem destruídas por bombardeamentos aéreos. Viagens no tempo geralmente são o que estamos acostumados de assistir nos filmes, hic et nunc, ainda mais quando está relacionado a questão do amor e enamoramento a um amor perdido. O que “Questão de Tempo” (“About Time”, 2013) nos apresenta não é necessariamente a noção de tempo pragmática como prega o “carpe diem”. Mas Richard Curtis contempla uma história surpreendente, viva que é mais do que a  representação do amor como base da família ou amizade. 
A relação sexual converte-se então num desejo de estar no corpo do outro, um viver e um ser vivido por ele numa fusão de corpos que se prolonga como ternura por suas fraquezas, suas ingenuidades, seus defeitos e imperfeições. Não importa mesmo quem seja essa pessoa, pois na paixão nasce uma força terrível que nos leva à fusão e nos torna insubstituíveis, únicos um para o outro. O ente amado se converte naquele que não pode ser senão ele - o absolutamente especial. E isso acontece mesmo contra a nossa vontade, e apesar de acreditarmos por algum tempo que podemos viver sem ele, e que podemos encontrar essa mesma felicidade em outra pessoa qualquer. Mas não ocorre bem assim. Basta uma breve separação para termos a certeza de que este amado é portador de algo inconfundível, algo que sempre nos faltou, que se revelou através dele e que sem ele não podemos encontrar de novo, enfim, que represente simbolicamente a diversidade e a unicidade de quem amamos. Os fatos sociais por si mesmos, só aparentemente nos demonstram que nossa sexualidade de manifesta de maneira comum, quotidiana e de maneira extraordinariamente, afetiva, descontínua. A sexualidade se transforma no meio pelo qual a vida explora as fronteiras do impossível, os horizontes do imaginário individual (sonho) e da natureza, mas o que é revelador, acidental ou não, é que estamos diante do estado nascente.
  Questão de Tempo é um filme tem como representação uma história oral e de vida, como as nossas intensificadas no dia a dia. Aos 21 anos, Tim Lake descobre que ele pode viajar no tempo. Após uma terrível noite de Ano Novo, seu pai narra que todos os homens de sua família sempre tiveram a possibilidade de viajar no tempo. Tim não pode mudar a história do mundo, mas pode mudar a sua história, tornando sua vida um lugar melhor para se viver. Como? Arranjando uma namorada. Parece fácil, mas aparentemente não é. Ao se mudar para Londres, Tim conhece Mary. Eles se apaixonam, mas um pequeno incidente de percurso em sua viagem ao tempo faz com que Tim não tenha conhecido Mary. Então eles se encontram pela primeira vez ciclicamente e, finalmente, após muitas viagens ao tempo, ele consegue conquistar seu coração. Tim usa seus poderes para criar o mais romântico pedido de casamento. Para salvar seu casamento dos piores discursos dos padrinhos. Para ajudar seu melhor amigo de um desastre profissional, e para conseguir levar sua mulher ao hospital para o nascimento de sua filha. Mas, o próprio tempo revela que o “retorno do reprimido” não pode salvá-lo das perdas que afeta toda sua família.  Portanto, não é mais a vontade na concepção de Arthur Schopenhauer atribuída aos deuses ou entidades como propósito e sentido das ações humanas. Ele acreditava no amor como meta na vida, mas não acreditava que ele tivesse algo a ver com a felicidade. Era apenas a vontade cega e irracional que todos os seres têm de se reproduzirem, dando assim continuidade à vida e, por conseguinte, ao sofrimento. A sensação de felicidade que o amor traz é apenas o interrompimento temporário do querer, a fuga de uma dor imposta pela vontade. Somente o sofrimento é positivo, pois se faz sentir com facilidade, enquanto que aquilo ao qual chamamos felicidade é negativo, pois é a mera interrupção momentânea da dor ou tédio, sendo estes últimos a condição inerente à existência.

Deste ponto de vista, não estamos longe de admitir que o lugar de análise em que o raciocínio sociológico constrói suas pressuposições é diferente do espaço lógico do raciocínio experimental. O espírito, dizia o magnífico filósofo Friedrich Hegel (1770-1831), não pode conhecer-se diretamente. É preciso que negue previamente, de certo modo, que saia de si e se torne “estranho a si mesmo”, exteriorizando-se e produzindo sucessivamente todas as formas do real – quadros do pensamento, natureza, história; e depois que reverta à origem, alcançando assim o conhecimento verdadeiro, a filosofia do espírito absoluto. Afastando-se de si, exteriorizando-se, para voltar depois a si mesma, a Ideia triunfa do que a limitava, afirmando-se na negação das suas negações sucessivas. Hegel definiu o princípio da realidade como uma Ideia lógica, fazendo do ser das coisas um ser puramente lógico e chegando assim a um panlogismo consequente que apresenta ainda, um elemento dinâmico-irracional, existente no domínio do que é próprio ao método dialético. O idealismo apresenta-se, para sermos breves, em duas formas: como idealismo subjetivo ou idealismo psicológico e como idealismo objetivo e lógico. Estas subjetividades culturais movimentam-se no âmbito de uma visão fundamental.

Essa diferença da essência e o exemplo, entre a imediatez e a mediação, quem faz não somos nós apenas, mas a encontramos na própria certeza sensível; e deve ser tomada na forma em que nela se encontra, e não como nós acabamos de determina-la. Na certeza sensível, um momento é oposto como o essente simples e imediato, ou como a essência: o objeto na sua humanidade. O outro momento, porém, é posto como o inessencial e o mediatizado, momento que nisso não é “em-si”, mas por meio do Outro: o Eu, um saber, que sabe o objeto só porque ele é; saber que pode ser ou não. Mas o objeto é o verdadeiro e a essência: ele é, tanto faz que seja conhecido ou não. Permanece mesmo não sendo conhecido - enquanto o saber não é, se o objeto não souber que pode ser, assim da singularidade de apreensão do objeto. O outro momento, porém, é posto como o inessencial e o mediatizado, momento que nisso não é “em-si”, na démarche da consciência, mas por meio de Outro: o Eu, um saber, que sabe o objeto só porque ele é; saber que pode ser ou não. Mas o objeto é o verdadeiro e a essência: ele é, tanto que seja conhecido ou não. Permanece mesmo não sendo conhecido - enquanto o saber não é, se o objeto não é. O objeto, portanto, deve ser examinado, para vermos se é de fato, na certeza sensível mesma, aquela essência que ela lhe atribui; e se esse seu conceito - de ser uma essência - corresponde de imediato como se encontra na certeza sensível.  

Quer dizer, não temos de refletir sobre o objeto, nem indagar o que possa ser em verdade; mas apenas através da ideia de formação em “considerá-lo como a certeza sensível o tem nela”. O tempo, como a unidade negativa do ser-fora-de-si, é igualmente um, sem mais nem menos, abstrato, ideal. O tempo é como o espaço uma pura forma de sensibilidade ou do intuir, é o sensível, mas, assim como a este espaço, também ao tempo não diz respeito a diferença de objetividade e de uma consciência subjetiva contra ela. Quando se aplicam estas determinações de espaço e tempo, então seria aquele a objetividade abstrata, do tempo, porém a subjetividade abstrata. O tempo é o mesmo princípio que o Eu=Eu da autoconsciência pura; mas é o mesmo princípio ou o simples conceito ainda em sua total exterioridade e abstração – como o mero vir-a-ser intuído, o puro ser-em-si como simplesmente um vir-fora-de-si. O tempo é contínuo como o espaço, pois ele é a negatividade abstrata e nela ainda não há nenhuma diferença real.

No tempo, diz-se, tudo surge e tudo passa e perece, se se abstrai de tudo, do recheio do tempo e do recheio do espaço, fica de resto o tempo vazio comparativamente como o espaço vazio – isto é, são então postas e representadas estas abstrações de exterioridade, como se elas fossem existentes por si. Mas não é o que no tempo surja e pereça tudo, porém o próprio tempo é este vir-a-ser, surgir e perecer, o abstrair essente. O real de análise é bem diverso do tempo, mas também essencialmente idêntico a ele. O real é limitado, e o outro para esta negação está fora dele, a determinidade é assim nele exterior a si, e daí a contradição de seu ser; a abstração opera nessa exterioridade de sua contradição e a inquietação da mesma é o próprio tempo. O finito é transitório e temporário, porque ele não é, como ocorre na representação do conceito nele mesmo, a negatividade total, mas em si, como sua essência universal, entretanto, diferentemente da mesma essência, é unilateral, e se relaciona à mesma essência como à sua potência. Mas tais conceitos na sua identidade conseguem livremente existente para si, Eu=Eu, é “em si” e “para si” a absoluta negatividade e liberdade. Por isso o tempo não é potência dele, nem ele está no tempo nem é algo temporal. Mas ele é muito mais a potência do tempo, como sendo este apenas esta negatividade como exterioridade. Só o natural, é, enquanto é finito, sujeito ao tempo; na constituição da ideia, o espírito que é eterno.  

 Quase sempre estamos em busca de satisfazer os nossos desejos, a essência da vida tinha como representação essencial a dor, pois a satisfação constante do que queremos esta atrelada a nossa concepção de felicidade, o que acaba por se tornar insustentável, nos fadando a frustrações. No filme o pai de Tim tem uma revelação para fazer, um segredo sobre os homens da família: eles são capazes de viajar no tempo. Há algumas regras, como não poder voltar a um passado que não se viveu nem avançar ao futuro. De resto, a coisa é simples; basta entrar num lugar fechado, um armário, por exemplo, fechar os olhos, cerrar os punhos e pensar no momento que se quer reviver. Tim, claro, não acredita no pai. Este tampouco achava que ele fosse crer nessa história de viagem no tempo. Todo o diálogo entre os dois é levado num tom de deboche da situação, sacada astuta de Curtis que sabe que é exatamente o que o espectador está pensando no momento. Achando-se ridículo, Tim entra em seu guarda-roupa, memoriza um momento metafisicamente no ato de pensar – a festa de réveillon ocorrida  dias antes em casa – e voilá, em segundos está revivendo o tempo. A cena, já vista anteriormente pelo espectador, é historicizada no sentido anterior à Marx, no plano abstrato da concepção de teoria e Tim aproveita a repetição para corrigir erros, que vão desde trivialidades como não derrubar uma mesa de bebidas a coisas mais sérias, como não ferir os puros sentimentos de uma garota.     
Essa sexualidade, segundo Alberoni (1986) está vinculada à inteligência e à fantasia, ao ardor, à paixão propriamente dita; enfim, está em estado de fusão com tudo isso ao nosso redor. Mas a sua natureza é de subverter, transformar, romper os laços exteriores. E Eros é uma força revolucionária, ainda restrita a duas pessoas. Por isso mesmo, não se pode direcionar a sexualidade extraordinária de acordo com o nosso desejo, visto que ela determina nossos ciclos vitais ou tentativas de mudança, e por essa razão é perigosa. Apesar de a sexualidade ser para nós uma aspiração permanente e uma fonte constante de nostalgia, temo medo dela. Para nos defendermos do medo de amar, usamos a mesma palavra para indicar o Eros e a sexualidade quotidiana, ou seja, o comer e o beber do sexo sobre o qual fazemos pesquisas demoscópicas para descobrirmos sempre as mesmas coisas que já sabemos, mas que nos tranquilizamos porque nos revelam que também os outros vivem os mesmos sofrimentos humanos diante de nosso quotidiano. No enamoramento, a pessoa mais simples e limitada vê-se obrigada, para se exprimir, a usar a linguagem da poesia, da sacralidade e do mito.  É assim, porque na sacralidade do mito também nasceram da experiência extraordinária que é o comum de diversos movimentos. O enamoramento desafia as instituições de seus fundamentos de valor. Sua natureza reside em não ser um simples desejo ou capricho pessoal, mas um portador de projetos e criador de instituições.     
Questão de Tempo é um drama de fantasia britânico escrito e dirigido por Richard Curtis com Domhnall Gleeson, Rachel McAdams e Bill Nighy nos papéis principais. Devido a habilidade do diretor/atores, logo de início já embarcamos em sua aprazível trama. No dia em que completa 21 anos de idade, Tim Lake (Domhnall Gleeson) descobre que consegue viajar no tempo. O seu pai (Bill Nighy), conta-lhe que todos os homens da família sempre tiveram essa capacidade. Ao saber disto, Tim decide regressar à noite de Passagem de Ano na qual a timidez o tinha impedido de beijar uma amiga e corrige essa situação. No verão seguinte, Charlotte (Margot Robbie), prima do namorado da irmã de Tim, vai passar o verão com a família. Tim sente-se imediatamente atraído por ela e, quando a sua estadia está prestes a terminar, decide confessar a sua paixão. A jovem diz-lhe que ele tomou essa decisão tarde demais e, por isso, Tim volta a viajar no tempo para um momento anterior. Desta vez, Charlotte diz-lhe que ele devia esperar até ao último dia e voltar a tentar. Tim apercebe-se de que ela não se sente atraída por ele e que não serão as viagens do tempo que o irão ajudar. Assim, vê-la partir com o coração partido. Mais tarde, Tim decide mudar-se para Londres para ser advogado. Muda-se para a casa de um conhecido, Harry, um dramaturgo em dificuldades financeiras. Meses depois de se mudar para Londres, um dos amigos de Tim vai visitá-lo e os dois vão jantar ao restaurante Dans le Noir, onde casualmente Tim conhece Mary (Rachel McAdams). Ambos parecem sentir-se atraídos um pelo outro e, deliciosamente quando saem do restaurante, Tim apaixona-se!                      
 Empregado e levando bem sua vida, Tim é convidado por um amigo a um inusitado barzinho curiosamente onde homens e mulheres se encontram no escuro. Sonhar com escuridão pode ser motivo de apreensão para muitos sonhadores que ainda não sabem o significado deste sonho, isso porque desde sempre ouvimos histórias míticas e lendas e casos fantásticos de coisas que ocorreram em meio a escuridão. Eles conversam com duas jovens, se divertem, mas ocorre que eles só as veem na saída do lugar. A presentificação, melhor dizendo decorrente de um ato pelo qual um objeto se torna presente sob a forma de imagem, como no caso do encontro com a bela  mulher que encantou Tim somente com as palavras o conquista também pela beleza, graça e harmonia. Ela se chama Mary e, aparentemente, achou Tim suficientemente interessante para deixar seu telefone com ele. O problema é que Tim se vê obrigado a voltar no tempo para ajudar Harry, que teve problemas com a estreia de sua peça. Tendo ido ao espetáculo não poderia estar no encontro, que ocorreram no mesmo horário. Quando volta ao presente, ocorrem desencontros, pois o papelzinho com o número de telefone sumiu. O que segue é a romântica tentativa de Tim reencontrar Mary, que agora não faz a menor ideia de quem ele seja na vida.

 
A nossa sexualidade urbana, cristã, pequeno-burguesa é composta de sentimentos e emoções. Através da linguagem corporal se comunicam socialmente sentimentos de afeto, carinho e ternura. O contato corporal não só ajuda a preparar o organismo para a relação coital, mas tem sentido em si mesmo, enquanto expressa cuidado, atenção e desejo de agradar a outra pessoa amada. Esses momentos de comunicação íntima precisam ser preparados na vida cotidiana através de relações sociais em que predominam a atenção, a disponibilidade, a compreensão e o serviço. Daí em diante muito acontecimentos envolvem o casal e as pessoas do entorno vão nos conquistando cada vez mais. É bem verdade que podemos pensar nas diversas coisas que o protagonista poderia fazer com tais poderes. Mas não é a consciência do próprio sujeito que neste sentido passa a atribuir significado ao espaço/tempo no qual está inserido. A vida ganha uma dimensão de responsabilidade para com a condução do destino da espécie humana, bem como com relação ao domínio da natureza em suas várias formas de manifestação.  O tempo que as separa equivale a várias gerações e ultrapassa a capacidade da memória individual (o sonho) e coletiva (os mitos, os ritos, os símbolos). As unidades de geração desenvolvem perspectivas, reações e posições políticas e afetivas diferentes em relação a um mesmo dado problema. O nascimento em um contexto social idêntico, mas em um período específico, faz surgirem diversidades nas ações de percepção dos sujeitos. Outra característica é a adoção de estilos de vida distintos pelos indivíduos, mesmo vivendo em um mesmo âmbito social. Em outras palavras: a unidade geracional constitui uma adesão mais concreta em relação àquela estabelecida pela conexão geracional.
 O ser humano cria instituições como a escola, a igreja e o Estado a partir das quais vai gerenciar a vida em sociedade e tais instituições passam a ter a legitimidade de sua atuação amparada em argumentos e motivos típicos racionalmente válidos. Paternidade é um conceito que vem do latim paternĭtas e que diz respeito à condição de ser pai. Isto significa que o homem que tenha tido um ou mais filhos acede à paternidade. É importante destacar que a paternidade transcende o biológico. A filiação pode acontecer através da adopção, convertendo a pessoa em pai do seu filho mesmo que este não seja seu descendente de sangue. Num sentido semelhante, o homem que doa sémen para que uma mulher se insemine não se transforma não se transforma no pai da futura criança. A paternidade, por outro lado, pode ser espiritual ou simbólica. No âmbito da religião, é considerado líder o guia de uma congregação como o “pai” dos fiéis. Neste sentido, o papa da Igreja católica apostólica romana tende a designar-se como Santo Pai. É na paternidade que se revela a profundidade do ser, é participando da criação que o homem se realiza por aderir à alegria do saber diante da realização.
 Mediante a paternidade, o homem tem a chance de preencher aquele anseio que, desde a infância, o incita a ter grandeza na vida. Contudo, desde Mannheim, sabemos que a paternidade não ocorre somente no processo geracional, mas em toda formação desse ser. A cada fase da criança, há uma nova oportunidade do pai se reinventar, na medida do possível para melhor a si próprio na condução da vida em sociedade. Oswald Spengler inscreve-se no historicismo alemão, como um dos integrantes destacados desta geração extraordinária de intelectuais alemães, ao lado de um Max Weber, Georg Simmel e Friedrich Meinecke. E Spengler é historicista em quase todos os pontos relevantes de sua obra. É refratário à ideia em sua época de utilizar os modelos oriundos das concepções ciências naturais para as concepções filosóficas das humanidades. Ressalta a necessidade do historiador, sociólogo, ou crítico de arte, compreender o objeto de pensamento, atitude fundamentalmente diferente do característico método dos cientistas. Portanto, entende que as consciências são produto do contexto histórico e social em que vivem e têm seus horizontes da imaginação social por eles limitados.
          O historicismo assume uma posição decididamente relativista. Neste sentido, todos os valores de uma cultura estão inexoravelmente ligados a esta cultura, não sendo necessariamente válidos para outra. Oswald Spengler, como elide com tudo em “L´Déclin de L´Occident” (1976), leva-o às últimas consequências e o faz de maneira explícita. Nada escapa à passagem do tempo e a mudança do espaço, vinculado a instituições como a moral, o Direito, a arte, e mesmo a física e as matemáticas e suas pretensões de validez universal. O filósofo sistemático, diz ele “comete um erro muito grave ao considerar seus resultados como duradouros. Esquece o fato de que todos os pensamentos vivem num mundo histórico e, por isso, partilham do destino geral da efemeridade”. E vaticina: “Não há verdades eternas. Cada filosofia é expressão de seu tempo, e só dele”. O que quer dizer o seguinte: não se aceita a legitimidade de uma decisão ou ação social com justificativas extrassensoriais que apelem para divindades ditas superiores, isto é, nas formas de hierarquia, entendidas tanto para alcançar o bem ou para alcançar o mal. A angústia e a esfera da política como sentimento primário do homem, e mesmo a conjuração do numinoso, de onde resulta que a religião é a primeira forma de saber e a ciência e a política, enquanto houver homens, a última.
 O filme expressa uma beleza contagiante, tratando de temas tão profundos quanto a beleza da vida, a necessidade de vermos cada instante como único e especial, o amor entre pai e filho, o amor romântico como alimento para a alma. A oposição entre sujeição e liberdade, cosmos e microcosmos ou existência e vigília. As superstições não mais como objetos, e sim como na representação de símbolos, como expressão de um temperamento ou índole interna de uma alma. A ciência mesma como um símbolo a mais e a não subordinação de uns a outros; a oposição entre verdades e fatos sociais; a história universal que não se converte em história da humanidade etc. Enfim, para Splenger o indivíduo histórico relevante é a cultura ocidental ou fáustica que emerge cerca do ano 900 depois de Cristo e que implica uma grande quebra de continuidade com as fases anteriores do pensamento sistemático, da matemática, da metafísica, da técnica, incluindo mudanças drásticas nas instituições de tempo, de espaço, de número etc. A importância desta tese apenas pode ser apreciada se tivermos em conta que essa morfologia da cultura que se transforma quase em um “templo”, e que por sua vez é o próprio céu que parecerá como inclinar-se sobre nós. Na representação do amor e da vida que temos uma das expressões vívidas da dicotomia em oposição assimétrica e complementaridade entre cultura e civilização. Ipso facto que nos impregna o pensamento durante décadas estabelecendo os termos de referência das mais importantes discussões da história da filosofia.  

Bibliografia geral consultada.

SPENGLER, Oswald, O Homem e a Técnica. Lisboa: Guimarães Editores, 1983; DUNHAM, Katherine, Vodu. Le Danze di Haiti. Milano: Editora Ubulibri, 1991; BACHOFEN, Johann Jakob, El Matriarcado: Una Investigación sobre la Ginecocracia en el Mundo Antiguo según su Naturaleza Religiosa y Jurídica. Madrid: Akal Ediciones, 1992; COLLIOT-THÉLÈNE, Catherine, Le Désenchantement de l`État: de Hegel à Max Weber. Paris: Minuit, 1992; AUJAC, Germaine, Claude Ptolémée: Astronome, Astrologue, Géographe: Connaissance et Représentation du Monde Habité. Paris: Comité des Travaux Historiques et Scientifiques, 1993; DOBBELAERE, Karel e DERSI, Chiara, “Tradizione, Secularizzazione e Individualizzazione: Un riesame di dati e modelli”. In: Religioni e Società,1994: pp. 4-28; THOMPSON, Edward Palmer, Tradición, Revuelta y Consciencia de Clase: Estudios sobre la Crisis de la Sociedad Preindustrial. Barcelona: Editorial Crítica, 1979; Idem, Costumes em Comum. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1998; BACHELARD, Gaston, A Água e os Sonhos. Ensaio sobre a Imaginação da Matéria. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1998; JUNG, Carl, Sincronicidade. 5ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1991; Idem, Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. 2ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2000; ENGELS, Friedrich, El Origen de la Familia, la Propriedad Privada y el Estado. Moscú: Editorial Progreso, 2000; LAGO, Gustavo de Carvalho Pinheiro, Conectividade: Um Estudo sobre o Amor Pós-Moderno. Dissertação de Mestrado. Instituto de Psicologia. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2009; ALBERONI, Francesco, Innamoramento e Amore. Roma: Garzanti Editore, 1979; Idem,  Lições de Amor: Duzentas Respostas sobre Amor, Sexo e Paixão. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2010; BUÑEL, Luís, Mi Último Suspiro. Barcelona: Edicíon Debolsillo, 2012; ORTIZ, Ana Cristina Vidal de Castro, Narrativas do Céu. A Presença da Astrologia nos Meios de Comunicação. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação Comunicação na Contemporaneidade. São Paulo: Faculdade Cásper Líbero, 2015; MONTEIRO, Daniel Lago, William Hazlitt, um Ensaísta ao Rés-do-chão: Ensaio e Crítica. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Teoria Literária e Literatura Comparada. Departamento de Letras. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2016; entre outros.