“O mundo é mágico. As pessoas não morrem, ficam encantadas”. Guimarães Rosa
As aptidões individuais organizadoras do nosso cérebro humano necessitam de condições socioculturais para se atualizarem, as quais necessitam das aptidões do espírito humano para se organizarem individual e socialmente. A cultura está nos espíritos, vive nos espíritos, os quais estão na cultura, vivem na cultura. Meu espírito conhece através da minha cultura, vivem na cultura. Meu espírito conhece através da minha cultura, mas, em certo sentido, a minha cultura conhece através do meu espírito. Assim, portanto, as instâncias produtoras do conhecimento se coproduzem umas às outras; há uma unidade recursiva complexa estabelecida entre produtores e produtos do conhecimento, ao mesmo tempo/espaço em que há relação hologramática entre cada uma das instâncias, cada uma contendo as outras e, nesse sentido, cada uma contendo “o todo enquanto todo”. Falar em complexidade é sociologicamente falar em relação social de interação simultaneamente complementar, concorrente, antagônica, recursiva e hologramática entre essas instâncias cogeradoras do reconhecimento humano. Mas não é apenas esse nível de complexidade sob condições determinada que permitem compreender a possível autonomia relativa do espírito – as faculdades intelectuais - e no sentido técnico do cérebro individual. Mas é somente assim mesmo que o espírito individual pode autonomizar-se em relação à sua determinação biológica. Recorrendo às suas fontes e recursos socioculturais.
E exatamente em relação à sua determinação cultural utilizando a sua aptidão bioantropológicas para organizar o conhecimento. O espírito individual pode alcançar a sua autonomia jogando com a dupla dependência que, ao mesmo tempo, o constrange, limita e alimenta. Pode jogar, pois há margem, entre hiatos, aberturas, defasagens. Entre o bioantropológico e o sociocultural, o ser individual e a sociedade. Assim, a possibilidade de autonomia do espírito individual está inscrita no princípio de seu conhecimento. E isso em nível de seu conhecimento cotidiano, quanto em nível de pensamento filosófico ou científico. A cultura fornece ao pensamento as suas condições sociais e materiais de formação, de concepção, de conceptualização. Portanto, ela impregna, modela e eventualmente governa os conhecimentos individuais. A cultura e, somente pela via da cultura, a sociedade está no interior do conhecimento. Edgar Morin sustenta a seguinte tese: O conhecimento está na cultura e a cultura está na representação do conhecimento. Um ato cognitivo per se é um elemento do complexo cultural coletivo que se atualiza em um ato cognitivo individual. As nossas percepções sociológicas do real (análise) ou mesmo concepções estão sob um determinado controle, não apenas de constantes fisiológicas e também psicológicas, mas níveis de variáveis culturais e históricas. A percepção da esfera social é submetida a novas categorizações, sociais tanto quanto as formas de conceptualizações, taxinomias, que influenciarão o reconhecimento e a identificação das cores, das formas, dos objetos. O conhecimento organiza-se em função técnica de paradigmas que selecionam, hierarquizam, rejeitam as ideias e as informações técnicas, bem como em função de significações mitológicas e de projeções imaginárias.
Assim se opera a “construção social da realidade”, ou antes, a “co-construção social da realidade”, visto que a realidade se constrói também a partir de dispositivos cerebrais, em que o real (imagem) se consubstancializa e se dissocia do irreal (fantasia), a weltanschauung, que se concretiza em verdade, em erro, na predestinação da mentira. Para conceber a sociologia do conhecimento, é necessário, conceber não só o enraizamento do conhecimento na sociedade e a interação social do conhecimento na sociedade. Mas no anel recursivo no qual o conhecimento é produto/produtor sociocultural que comporta uma dimensão própria cognitiva. Os homens de uma cultura, pelo seu modo de conhecimento, produzem a cultura que produz seu reconhecimento. A cultura gera os conhecimentos que regeneram a cultura. Ao considerar-se a que ponto o conhecimento é produzido por uma cultura, dependente de uma cultura, integrado a uma cultura, pode-se ter a impressão de que nada seria capaz de poder libertá-lo. Mas isso seria ignorar as potencialidades de autonomia no interior daquelas culturas dos espíritos individuais. Os indivíduos não são todos, e nem sempre, mesmo nas condições culturais mais fechadas, máquinas triviais obedecendo à ordem social e às injunções culturais. Isso seria ignorar que toda cultura está vitalmente aberta ao mundo exterior, de onde retira conhecimentos objetivos e que conhecimentos e ideias migram entre as culturas. Seria ignorar que aquisição de uma informação, a descoberta de um saber, a invenção de uma ideia, podem modificar e transformar uma sociedade, mudar o curso da história. O conhecimento está ligado, por todos os lados, à estrutura da cultura, à organização social, à práxis histórica.
A mergulhadora e ativista Ocean Ramsey se tornou conhecida mundialmente por nadar “sem proteção com tubarões”. No documentário, acompanhamos sua jornada em defesa desses animais, sua relação com o oceano e as polêmicas que envolvem sua atuação, marcada por belas imagens, ativismo ambiental e questionamentos éticos. Sempre ou quase sempre por toda parte, o conhecimento científico transita pelos espíritos individuais, que dispõem de autonomia potencial, a qual pode em certas condições sociais e políticas atualizarem-se e tornar-se um pensamento pessoal crítico. James Reed é um cineasta britânico reconhecido por documentários como Shark Whisperer (2025), Chimp Empire (2923), tem como representação uma série de televisão da Netflix sobre chimpanzés, narrada por Mahershala Ali. Chimp Empire acompanha a vida dos chimpanzés Ngogo, o maior grupo de chimpanzés reconhecido. A série explora a complexa dinâmica social da “comunidade de chimpanzés”, incluindo as relações entre machos e fêmeas, pais e filhos, e rivais. Também examina os desafios que os chimpanzés enfrentam, como a “competição por comida e território e a ameaça da caça ilegal”. Ambientado no Parque Nacional Kibale, em Uganda, ele acompanha a vida de grupos rivais de chimpanzés. O documentário foi lançado em 2023 e My Octopus Teacher, este último rendeu um Oscar em 2020. My Octopus Teacher é um documentário original da Netflix de 2020, dirigido por Pippa Ehrlich e James Reed. Ele documenta um ano passado pelo cineasta Craig Foster construindo um relacionamento com um polvo comum selvagem em uma floresta de algas marinhas da África do Sul.
O filme ganhou o prêmio de Melhor Documentário no 93º Oscar. Em 2018, Craig Foster começou a praticar mergulho livre em uma floresta fria de algas subaquáticas em um local remoto em False Bay, perto da Cidade do Cabo, África do Sul. O local era perto de Simon`s Town, na Península do Cabo, que está exposta à fria corrente de Benguela do Oceano Atlântico. Ocean Ramsey, nascida em 1987, é uma conservacionista e modelo americana de tubarões. Ela ganhou atenção da mídia internacional por mergulhar livremente com tubarões, incluindo grandes tubarões brancos, para aumentar a conscientização sobre a conservação dos tubarões e promover seu negócio. Ramsey mora no Havaí e mergulhou com 47 espécies de tubarões ao redor do mundo em 2019. Ramsey opera a One Ocean Diving, LLC, uma empresa sediada no Havaí que facilita mergulhos com vida marinha. Ela é o tema de um documentário da Netflix de 2025, o Shark Whisperer, que aborda tanto seu trabalho de conservação quanto a controvérsia em torno de sua abordagem. Enquanto filmavam tubarões-tigre em Oahu, Ramsey e uma equipe de filmagem encontraram uma fêmea de tubarão-branco de 6,1 metros de comprimento, mais tarde identificada como Deep Blue, ou Haole Girl. O encontro foi capturado pelo noivo de Ramsey, Juan Oliphant, e a filmagem recebeu atenção da mídia mundial. Embora ela tenha sido elogiada por aumentar a conscientização sobre as espécies, ela foi” criticada por suas ações na filmagem.” O biólogo marinho Michael Domeier, diretor fundador do Marine Conservation Science Institute, uma organização sem fins lucrativos, criticou Ramsey por aparecer no vídeo viral de interação com tubarões. David Shiffman, um biólogo de conservação marinha que estuda tubarões, disse ao The Washington Post: “Não acredito que por favor, não agarre o predador selvagem de 5,5 metros de comprimento seja algo que precisa ser dito explicitamente em voz alta, mas aqui estamos”. Ramsey e dezenas de indivíduos e organizações buscavam há muitos anos uma lei que proibisse a matança de tubarões. Após anos de debates o Projeto de Lei 553 da Câmara do Havaí foi aprovado em 2021, tornando o Havaí o primeiro estado a proibir a matança de tubarões.
A
divisão do trabalho social não é específica do nível de análise econômico:
podemos observar sua influência crescente nas regiões mais distintas da
sociedade. As funções políticas, administrativas, judiciárias especializam-se
cada vez mais. O mesmo ocorre com as funções artísticas e científicas no âmbito
das universidades. As especulações filosóficas da biologia nos demonstraram, na
divisão do trabalho, um fato social de uma tal generalidade que os economistas,
que foram os primeiros a mencioná-lo, não haviam podido suspeitar. Não é mais
uma instituição social que tem sua fonte na inteligência e na vontade dos
homens. Mas um fenômeno de biologia geral, cujas condições, ao que parece,
precisam ser buscadas nas propriedades essenciais da disciplina organizada. A
divisão do trabalho social passa a aparecer apenas como uma forma particular
desse processo geral, e as sociedades, conformando-se a essa lei, parecem ceder
a uma corrente de pensamento que nasceu bem antes delas e que arrasta no mesmo
sentido todo o mundo vivo. Semelhante fato não pode, evidentemente, produzir-se
sem afetar profundamente nossa constituição moral, pois o desenvolvimento do
homem se fará em dois sentidos de todo diferentes. Não é necessário demonstrar
a gravidade desse problema prático; qualquer que seja o juízo sobre a divisão
do trabalho, o mundo sabe que ela é e se torna cada vez mais uma das bases
fundamentais da ordem social tanto quanto política.
No
estudo da relação entre genealogia e poder, observava Michel Foucault que a
primeira característica do que ocorria de forma nebulosa dizia respeito ao
caráter local da crítica, uma espécie de produção teórica autônoma, não
centralizada, isto é, que não tem necessidade, para estabelecer sua validade,
da concordância de um sistema comum. Esta crítica local se efetuou através do
que se poderia chamar de “retorno do saber”. Em um caso como no outro, no saber
da erudição como naquele desqualificado, nestas duas formas de saber sepultado
ou dominado, se tratava na realidade de saber histórico da luta. Nos domínios
especializados da erudição como nos saberes desqualificados das pessoas jazia a
memória dos combates, exatamente aquela que até então havia sido subordinada.
Delineou-se o que se poderia chamar uma genealogia, ou, pesquisas genealógicas
múltiplas: a redescoberta exata das lutas e memória bruta dos combates. E esta
genealogia, como acoplamento do saber acadêmico e o saber das pessoas, só será
possível se for eliminada a tirania dos colegiados, com suas hierarquias e os
privilégios que permeia o discurso religioso/científico em
saberes regionais.
Trata-se de ativar saberes locais,
descontínuos, desqualificados, não legitimados, contra a instância teórica
unitária que pretenderia depurá-los, hierarquiza-los, ordená-los em nome de um
conhecimento verdadeiro, em nome dos direitos de uma concepção de ciência
detida por alguns. Trata-se da insurreição dos saberes não tanto contra os
conteúdos, os métodos e os conceitos de uma ciência, mas de uma insurreição dos
saberes antes de tudo contra os efeitos de poder centralizadores que estão
ligados à instituição e ao funcionamento de um discurso científico organizado
no interior da sociedade. Pouco importa que esta institucionalização do
discurso científico se realize em uma universidade ou, de modo mais geral, em
um aparelho político com todas as suas aferências, pois são os efeitos de poder
próprios a um discurso considerado como científico que a genealogia deve
combater, seja diante do processo de gentrificação do Centro Dragão do Mar de
Arte e Cultura, na cidade de Fortaleza, objeto de pesquisa de pós-doutoramento em curso em análise
comparada da degradação consciente do Centro Poliesportivo da Universidade Estadual do
Ceará. O cedntro está sendo inutilizado pela ignorância. Não se trata de estudos de caso, mas torna-los
capazes de oposição contra a coerção de um discurso teórico,
unitário, formal e científico. Poderíamos lançar o desafio: - “Tentem
colonizar-nos”. A burocracia moderna engendrou o intelectual específico nas
universidades, através das atividades regulares necessárias aos objetivos da
estrutura governada burocraticamente, que por sua vez são distribuídas de forma
fixa como deveres oficiais que contém uma orientação, mas podem mudar de forma
e sentido.
A autoridade de dar
ordens necessárias à execução desses deveres oficiais se distribui de forma
estável, sendo rigorosamente delimitada pelas normas relacionadas com os meios
de trabalho e de coerção, físicos, sacerdotais ou outros, que possam ser colocados
à disposição dos funcionários ou autoridades. O princípio da autoridade
hierárquica de cargo encontra-se em todas as organizações burocráticas. Não
importa, para o caráter da burocracia, que sua autoridade seja compreendida
como privada ou pública. É o que tenta demonstrar, de forma hilária, o escritor
gaúcho Luís Fernando Veríssimo em uma série de ensaios temáticos. Quando o
cargo está plenamente desenvolvido, a atividade oficial exige a plena
capacidade de trabalho do funcionário, a despeito do fato de ser rigorosamente
delimitado o tempo de permanência na repartição, que lhe é exigido. O
desempenho do cargo segue regras gerais, mais ou menos estáveis, mais ou menos
exaustivas, e que podem ser apreendidas. O conhecimento dessas regras
representa um aprendizado técnico especial, a que se submetem esses
funcionários. Envolve jurisprudência, ou administração pública e privada. A
redução do cargo a regras está profundamente arraigada à sua própria natureza.
A teoria da administração pública, sustenta que a autoridade para ordenar
certos assuntos através decretos não dá à repartição o direito de regular o
assunto através de normas expelidas em cada caso, mas na prática, converte-se
em relações através dos privilégios individuais e concessão de favores, que
domina de forma absoluta as relações entre indivíduos no âmbito do
patrimonialismo.
A ocupação de um cargo
é considerada uma profissionalização ou estágio, com a exigência de um
treinamento rígido, que demanda toda a capacidade de trabalho durante um longo
período de tempo e nos exames especiais que, em geral, são pré-requisitos para
o emprego. A posição de um funcionário tem a natureza de um dever, sendo a
lealdade dedicada a finalidades impessoais e funcionais. Sua posição social é
assegurada pelas normas que se referem à hierarquia ocupada. A posse de
diplomas educacionais está habitualmente ligada à qualificação técnica para o
cargo. O tipo puro sociológico de funcionário burocrático é nomeado por uma
autoridade superior. Mas uma autoridade eleita pelos governados não é como tal,
uma figura exclusivamente burocrática. A nomeação independe dos estatutos
legais, mas da forma pela qual funciona o sistema. Em todas as circunstâncias,
a designação de funcionários por meio de uma eleição entre os governados
modifica o rigor da subordinação hierárquica. O funcionário se prepara para uma
carreira por concurso público, o que não impede que ocorra por determinado
tempo a vigilância hierárquica para o cargo no serviço público. Foi esse tipo
específico de poder que Michel Foucault chamou de “disciplina” ou “poder
disciplinar”. E é justamente esse aspecto que explica o fato de que tem como
alvo o corpo humano, não para supliciá-lo, mutilá-lo, mas para aprimorá-lo,
adestra-lo. O que lhe interessa não é expulsar os homens da vida social,
impedir o exercício de suas atividades, e sim gerir a vida dos homens,
controla-los em suas ações para que seja possível e viável utilizá-los ao
máximo, aproveitando suas potencialidades e utilizando um sistema de
aperfeiçoamento gradual e contínuo de suas capacidades. É um objetivo ao mesmo
tempo econômico e político: aumento do efeito de seu trabalho, isto é, tornar
os homens força de trabalho dando-lhes uma utilidade econômica máxima;
diminuição de sua capacidade de revolta, de resistência, de luta, de
insurreição contra as ordens do poder, neutralização dos efeitos sociais de
contrapoder, isto é, tornar os homens dóceis politicamente.
Portanto, aumentar a
utilidade econômica e diminuir os inconvenientes, os perigos políticos;
aumentar a força econômica e diminuir expressivamente a sua força política.
Situemos as suas características básicas. Em primeiro lugar, a disciplina é um
tipo de organização do espaço. É uma técnica de distribuição dos indivíduos
através da inserção dos corpos em um espaço individualizado, classificatório,
combinatório. Isola em um espaço fechado, esquadrinhado, hierarquizado, capaz
de desempenhar funções diferentes segundo o objetivo específico que deles se
exige. Mas, como relações de poder disciplinar não necessitam de espaço fechado
para se realizar, é essa sua característica menos importante. Em segundo lugar,
e mais fundamentalmente, a disciplina é um controle do tempo. Isto é, ela
estabelece uma sujeição do corpo ao tempo, com o objetivo de produzir o máximo
de rapidez e o máximo de eficácia. Em terceiro lugar, a vigilância é um dos
seus principais instrumentos de controle. Não uma vigilância que
reconhecidamente se exerce de modo fragmentar e descontínuo; mas que é ou
precisa ser vista pelos indivíduos que a ela estão expostos como forma
contínua, perpétua, permanente; que não tenha limites, penetre nos lugares mais
recônditos, esteja presente em toda extensão do espaço. Olhar invisível que
permite impregnar quem é vigiado de tal modo que este adquira de si mesmo a
visão panóptica de quem o olha. A disciplina implica um registro contínuo de
conhecimento. O olhar que observa para controlar não é o mesmo que transfere as
informações para os pontos mais altos da hierarquia do poder? Seu objetivo
econômico e político é tornar o homem útil e dócil.
A grande importância
estratégica que as relações de poder disciplinar desempenham nas sociedades
modernas depois do século XIX, vem justamente do fato delas não serem
negativas. Mas positivas, quando tiramos desses termos qualquer juízo de valor
moral ou político e pensarmos unicamente na tecnologia empregada. É então, que,
segundo Foucault, surge uma das teses fundamentais da genealogia: “o poder é
produtor de individualidade”. O indivíduo é uma produção do poder e do saber.
Atuando sobre uma massa confusa, desordenada e desordeira, o esquadrinhamento
disciplinar faz nascer uma multiplicidade ordenada no seio da qual o indivíduo
emerge como alvo do poder. O nascimento da prisão em fins do século XVIII, não
representou uma massificação com relação ao modo como anteriormente se era
encarcerado. O nascimento do hospício não destruiu a especificidade da loucura.
É o hospício, ao contrário, que produz o louco como doente mental. Um
personagem individualizado a partir da instauração de relações disciplinares. E
antes da constituição das ciências humanas, no século XIX, a organização das
paróquias, a institucionalização do exame de consciência e da direção
espiritual e a reorganização do sacramento da confissão, que aparecem como
importantes dispositivos de individualização. Em suma, o poder disciplinar não
destrói o indivíduo; ao contrário, ele o fabrica. O indivíduo não é o outro do
poder, realidade exterior, que é por ele anulado; é um de seus mais importes
efeitos.
O objetivo é
neutralizar a ideia que faz da ciência um conhecimento em que o sujeito vence
as limitações reais ou imaginárias de suas condições particulares de existência
instalando-se na neutralidade objetiva do universal e da ideologia um
conhecimento em que o sujeito tem sua relação com a verdade perturbada,
obscurecida, velada pelas condições reais de existência. Todo conhecimento,
seja ele científico ou ideológico, só pode existir a partir de condições
políticas que são as condições para que se formem tanto o sujeito quanto os
domínios do saber. A investigação do saber não deve remeter a um sujeito de
conhecimento que seria a sua origem, mas a relações de poder que lhe
constituem. Não há saber neutro. Todo saber é político. E isso não porque cai
nas malhas do Estado, é apropriado por ele, que dele se serve como instrumento
de dominação, descaracterizando seu núcleo essencial. Mas porque todo saber tem
sua gênese em relações de poder. O fundamental da análise teórica é que saber e
poder se implicam mutuamente; não há relação de poder sem constituição de um
campo de saber, como também, reciprocamente, todo saber constitui novas
relações de poder.
Todo ponto de exercício
do poder é, ao mesmo tempo, um lugar de formação de saber. É assim que o
hospital não é apenas local de cura, mas também instrumento de produção,
acúmulo e transmissão de saber. Do mesmo modo que a escola está na origem da
pedagogia, a prisão da criminologia, o hospício da psiquiatria. Mas a relação
ainda é mais intrínseca: é o saber enquanto tal que se encontra dotado
estatutariamente, institucionalmente, de determinado poder. O saber funciona
dotado de poder. E enquanto é saber tem poder. A configuração do que Foucault
denomina de “intelectual específico” se desenvolveu na 2ª grande guerra (1939-1945),
e talvez o físico atômico tenha sido quem fez a articulação entre intelectual
universal e intelectual específico. É porque tinha uma relação direta e
localizada com a instituição e o saber científico que o físico atômico
intervinha; mas já que a ameaça atômica concernia todo o gênero humano e o
destino do mundo, seu discurso podia ser ao mesmo tempo o discurso do
universal. Sob a proteção deste protesto que dizia respeito a todos, o
cientista atômico desenvolveu uma posição específica na ordem do saber. E
admite Foucault, pela primeira vez o intelectual foi perseguido pelo poder
político, não mais em função do seu discurso geral, mas por causa do saber que
detinha: é neste nível que ele se constituía como um perigo político.
Mas o intelectual
específico deriva de uma figura muito pobre e diversa do “jurista-notável”. O
“cientista-perito”. O importante é que a verdade não existe fora do poder ou
sem poder. A verdade é deste mundo, produzida nele graças a múltiplas coerções
que produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de
verdade, seus tipos de discursos que faz funcionar como verdadeiros; os
mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros
dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os
procedimentos que são valorizados, sob nosso olhar, para a obtenção da verdade.
Quem está de fora do poder, mas tem a capacidade analítica de interpretar o
estatuto que delimita o seu campo de saber, percebe os efeitos de poder do que
funciona como verdadeiro. É preciso
repensar os problemas políticos dos intelectuais não mais em termos exclusivos
da relação entre ciência e ideologia, mas sem abandoná-la, tendo em vista que a
universidade pública é um domínio de casta, “a forma natural pela qual costumam
socializarem-se as comunidades étnicas que creem no parentesco de sangue com os
membros de comunidades exteriores e o relacionamento social. Essa situação de
casta é parte do fenômeno de povos párias e se encontra em todo o mundo” (cf.
Weber, 1982; pp. 449-470), a análise pode ser religada na medida em que a
questão da profissionalização do intelectual, da divisão entre trabalho manual
e intelectual, na esfera pública pode ser retomada. A verdade está
circularmente ligada a sistemas de poder que a produzem e apoiam, e a efeitos
de poder que ela induz e a reproduzem. Ipso facto, o problema político
essencial para o intelectual não é apenas criticar os conteúdos ideológicos que
privilegiam grupos no sistema educacional que estariam ligados à ciência ou
fazer com que sua prática científica seja acompanhada por métodos de inclusão
democráticos. O que está em jogo num sistema de castas, é se podemos constituir
uma nova arena política sobre a questão da verdade. Mas não se trata de
libertar a verdade do sistema de poder, mas de desvincular o poder da verdade
das formas com as quais ele legitima suas formas de saber. A genealogia exige a
minúcia do saber, evidenciando um grande número de materiais acumulados.
Vale lembrar, neste aspecto que a biomatemática é um ramo da biologia que emprega análises teóricas, modelos matemáticos e abstrações dos organismos vivos para investigar os princípios que governam a estrutura, desenvolvimento e comportamento dos sistemas, em oposição à biologia experimental que lida com a realização de experimentos para comprovar e validar as teorias científicas. O campo multidisciplinar é algumas vezes chamado, precisamente, de biologia matemática ou biomatemática para enfatizar o lado técnico-científico matemático, ou biologia teórica para enfatizar abstratamente o lado biológico. Ipso facto, deste ponto de vista a biologia teórica se concentra mais do que nunca no desenvolvimento programático de princípios teóricos per se para a biologia. Enquanto a biologia matemática se concentra no uso de técnicas matemáticas para estudar sistemas biológicos embora ambos sejam muitas vezes trocados. A biologia matemática visa a representação matemática e modelagem de processos biológicos, utilizando técnicas e procedimentos metodológicos da matemática aplicada. Pode ser útil tanto em pesquisas teóricas e práticas. Descrever sistemas de maneira quantitativa significa que seu comportamento pode ser melhor simulado e, podem ser previstas propriedades que podem não ser evidentes para o experimentador. Uma matéria sempre apresenta a tendência de manter o seu estado, de repouso ou de movimento, a não ser que uma força externa influencie. A massa é uma grandeza que indica a medida da inércia ou da resistência de um corpo de ter seu movimento acelerado, ou seja, a massa à quantidade de partículas existentes em uma matéria.
Isso requer modelos
matemáticos precisos. Devido à complexidade dos sistemas vivos, a biologia
teórica emprega vários campos de domínio de métodos da matemática, e tem
contribuído para o desenvolvimento de novas técnicas. A matemática foi usada na
biologia já no século XIII, quando Leonardo Fibonacci (1170-1250) usou a famosa
série de Fibonacci para descrever uma população crescente de coelhos. No século
XVIII, Daniel Bernoulli (1700-1782) aplicou a matemática para descrever o
efeito da varíola na população humana. O ensaio de Malthus de 1789 sobre o
crescimento da população humana foi baseado no conceito de crescimento
exponencial. Há aqui um debate memorável: Pierre François Verhulst (1804-1849)
formulou o modelo de crescimento logístico em 1836. Fritz Müller (1822-1897)
descreveu os benefícios evolucionários do que é chamado mimetismo Müllerian em
1879, em uma conta notável sendo o primeiro uso de argumento matemático em
ecologia evolutiva para mostrar o quão poderoso o efeito da seleção natural
seria, a menos que se inclui Malthus s` discussão dos efeitos do crescimento
populacional que influenciaram Charles Robert Darwin (1809-1882) e Thomas
Malthus (1766-1834) argumentam que tal crescimento seria exponencial, enquanto
os recursos só poderiam crescer aritmeticamente. O termo biologia teórica foi usado pela primeira vez por Johannes Reinke em 1901. Um texto fundador é On
Growth and Form (1917) por D`Arcy Thompson, e outros especialistas incluem Ronald Fisher, Hans Leo Przibram, Nicolas Rashevsky e Vito Volterra.
A Terra é o terceiro
planeta mais próximo do Sol, o mais denso e o quinto maior dos oito planetas do
Sistema Solar. É também o maior dos quatro planetas telúricos. É por vezes
designada como Mundo ou Planeta Azul. Lar de milhões de espécies de seres vivos,
incluindo os seres humanos, a Terra é o único corpo celeste onde é reconhecida
a existência de vida. O planeta formou-se há 4,56 bilhões de anos, e a vida
surgiu na sua superfície depois de um bilhão de anos. Desde então, a biosfera
terrestre alterou de forma significativa a atmosfera e fatores abióticos do
planeta, permitindo a proliferação de organismos aeróbicos, como a formação da
camada de ozônio, que em conjunto com seu campo magnético, bloqueia radiação
solar prejudicial, permitindo a vida no planeta. A sua superfície exterior é
dividida em segmentos rígidos, chamados placas tectônicas, que migram sobre a
superfície terrestre ao longo de milhões de anos. Aproximadamente 71% da
superfície é coberta por oceanos de água salgada, com o restante consistindo de
continentes e ilhas, contendo lagos e corpos de água que contribuem para a
hidrosfera. Os polos geográficos encontram-se majoritariamente cobertos por
mantos de gelo ou por banquisas. O interior abstrato da Terra permanece ativo e
relativamente sólido: um núcleo externo líquido que gera um campo magnético, e
um núcleo interno sólido, composto, sobretudo por ferro. A Terra interage com
objetos em movimento no espaço, em particular com o Sol e a Lua. Orbita o Sol
uma vez por cada 366,26 rotações sobre o próprio eixo, o que equivale a 365,26
dias solares ou representa um (01) ano sideral.
O eixo de rotação da
Terra possui uma inclinação de 23,4° em relação à perpendicular ao seu plano
orbital, reproduzindo variações sazonais na superfície do planeta, com período
igual a um ano tropical, ou, 365,24 dias solares. Um fato social é questão sociológica
ainda mais necessária porque se utiliza essa qualificação sem muita precisão.
Ela e empregada correntemente para designar socialmente as relações que se dão originariamente
no interior de uma sociedade, por menos que apresentem, com uma certa
generalidade, algum interesse social. Todo indivíduo come, bebe, dorme,
raciocina, e a sociedade tem todo o interesse em que essas funções se exerçam
regularmente. O sistema de signos de que me sirvo para exprimir meu pensamento,
o sistema de moedas que emprego para pagar minhas dívidas, os instrumentos de
crédito que utilizo em minhas relações comerciais, as práticas observadas em
minha profissão, etc., funcionam independentemente do uso que faço deles. Que
se tomem um a um todos os membros de que é composta a sociedade; o que procede
poderá ser repetido a propósito de cada um deles, ou seja, maneiras de agir, de
pensar e de sentir que apresentam essa notável propriedade de existirem fora
das consciências individuais. Mas não são apenas exteriores ao indivíduo, como
também são dotados de uma “força imperativa” e coercitiva em virtude da qual se
impõe a ele, quer ele queira, quer não. Em se tratando de máximas puramente
morais, a consciência pública reprime todo ato que as ofenda através da
vigilância que exerce sobre a conduta dos cidadãos. A coerção social, mesmo
sendo de forma indireta, continua sendo uma técnica ou estratégia de submissão
eficaz.
Trata-se de uma ordem
de fatos que apresentam características muito especiais: consistem em maneiras
de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de
um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele. Por conseguinte,
eles não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, já que consistem em
representações e em ações, nem com os fenômenos psíquicos, os quais só tem
existência na consciência individual e através dela. Estes fatos constituem,
portanto, uma espécie nova, e é a eles que deve ser dada e reservada a
qualificação de sociais. Essa qualificação lhes convém; pois é claro que, não
tendo o indivíduo por substrato, eles não podem ter outro senão a sociedade,
seja a sociedade política em seu conjunto, seja um dos grupos parciais que ela
encerra: confissões religiosas, escolas políticas, literárias, corporações
profissionais, etc. Por outro lado, é a eles só que ela convém; pois a palavra
social só tem sentido definido com a condição de designar unicamente fenômenos
que não se incluem em nenhuma das categorias de fatos já constituídos e
denominados. Eles representam o domínio próprio da sociologia. Mas só há fato
social onde há organização delineada, normalizada e estritamente definida. O
hábito coletivo não existe apenas em estado de imanência nos atos sucessivos
que ele determina, mas se exprime de uma vez por todas, por um privilégio cujo
exemplo não encontramos no reino biológico, numa fórmula que se repete de boca
em boca pela educação, que se fixa através da escrita.
Tais são as origens e a
natureza das regras jurídicas, morais, dos aforismos e dos ditos populares, dos
artigos de fé em que as seitas religiosas ou políticas condensam em crenças,
dos códigos de gosto que as escolas literárias estabelecem, etc. Nenhuma dessas
maneiras de agir ou de pensar se acha por inteiro nas aplicações que os
particulares fazem delas, já que eles podem inclusive existir sem serem
atualmente aplicadas. Há certas correntes de opinião que nos impelem, com
desigual intensidade, conforme os tempos e os lugares, uma ao casamento, por
exemplo, outra, ao suicídio, ou a uma natalidade mais ou menos acentuada. As
circunstâncias individuais (o sonho) e coletivas (os mitos, os ritos, os
símbolos) que podem ter alguma participação social na produção do fenômeno,
neutralizam-se mutuamente e não contribuem para em princípio poder
determina-lo. O que esse fato exprime é um certo estado de alma coletiva. Um
fato social se reconhece, segundo Durkheim (1999), pelo poder de coerção que
exerce ou é capaz de exercer sobre os indivíduos; e a presença desse poder se
reconhece, por sua vez, seja pela resistência que o fato opõe a toda tentativa
individual de faze-lhe violência. De fato, a coerção é fácil de constatar
quando se traduz exteriormente por alguma reação direta da sociedade, como é o
caso em relação ao direito, à moral, às crenças, aos costumes, inclusive às
modas. Mas, quando, é apenas indireta, como a que exerce uma organização
econômica, ela nem sempre se deixa perceber tão bem. A generalidade combinada
com a objetividade pode então, ser mais fáceis de esclarecer. Essa segunda
definição não é senão outra forma da primeira; pois, se uma maneira de se conduzir,
que existe exteriormente às consciências individuais, se generaliza, ela só
pode fazê-lo impondo-se.
A sociologia não pode
desinteressar-se do que diz respeito ao substrato da vida social coletiva. Mas
o número e a natureza das partes elementares de que se compõe a sociedade, a
maneira como elas estão dispostas, o grau de coalescência a que chegaram, a distribuição
estatística da população pela superfície do território, o número e a natureza
das vias de comunicação, a forma das habitações, etc. não parecem capazes, num primeiro exame, de
se reduzir sociologicamente aos modos de agir, de sentir ou de pensar. Ipso facto, no plano abstrato da teoria, a
sociologia não confunde a prática dos rituais com seu sentido. Ipso facto
a palavra função é empregada de duas maneiras bastante diferentes. Ora designa
um sistema de movimentos vitais, fazendo-se abstração das suas consequências,
ora exprime a relação de correspondência que existe entre esses movimentos e
algumas necessidades sociais. Perguntar-se qual é a função da divisão do
trabalho é, portanto, a que necessidade ela corresponde; quando tivermos
“resolvido” essa questão, poderemos ver se essa necessidade é da mesma natureza
que aquelas a que correspondem outras regras de conduta cujo caráter moral não
é discutido. De todos os elementos da civilização, a ciência é o único que, em
certas condições, apresenta um caráter moral. De fato, as sociedades tendem
mais a considerar um dever para o indivíduo desenvolver sua inteligência,
assimilando as verdades científicas que são estabelecidas.
Não é impossível entrever de onde
vem esse privilégio especial da ciência. Ela nada mais é do que a consciência,
desde Hegel, Marx, Lukács, elevada a seu mais alto ponto de clareza. Quanto
mais obscura uma consciência, lembrava Durkheim, mais refratária à mudança,
porque não vê o que é necessário mudar, nem em que sentido é preciso mudar. Ao
contrário, uma consciência esclarecida sente, compreende e sabe de antemão a
maneira de se adaptar a essa mudança. Eis por que é necessário que a
inteligência guiada pela ciência, com consciência, adquira importância maior no
curso da vida social e coletiva. Mas a ciência, do ponto de vista da divisão
do trabalho social, de acordo com Durkheim (2015), que todo mundo é assim
chamado a possuir não merece ser designada por esse nome. Não é a ciência, é no
máximo sua parte comum e mais geral. Ela se reduz a um pequeno número de
conhecimentos indispensáveis, que só são exigidos de todos, aparentemente por
estarem ao alcance de todos. A ciência propriamente dita supera infinitamente
esse nível vulgar. Ela não compreende apenas o que é vergonhoso ignorar, mas
tudo o que é possível saber. Ela não supõe apenas, nos círculos que a cultivam,
essas faculdades médias que quase todos os homens possuem, mas disposições
especiais. Por conseguinte, não sendo acessível senão a uma elite social, não é
obrigatória; é uma coisa útil e bela, mas não é necessária a ponto de a
sociedade reclamá-la imperativamente. É vantajoso estar munido dela; nada há de
imoral em adquiri-la. É um campo de ação aberto à iniciativa das massas, mas em
que ninguém é obrigado a entrar.
Costuma-se qualificar
de moral tudo o que tem alguma nobreza e algum preço, tudo o que é objeto de
aspirações um tanto elevadas, e é graças a essa excessiva abrangência da
palavra que se fez a civilização entrar na moralidade. O domínio do ético está
longe de ser tão indeterminado. Ele compreende todas as regras de ação que se
impõem imperativamente à conduta e a que está vinculada uma sanção, mas não vai
além disso em qualquer instância. Contudo, o conceito de “civilização”
refere-se a uma grande variedade de ocorrência de fatos: ao nível de
tecnologia, ao tipo de maneiras, ao desenvolvimento dos conhecimentos
científicos, às ideias religiosas e aos costumes. Pode se referir ao de tipo de
habitações ou à maneira como homens e mulheres vivem juntos, à forma de punição
determinada pelo sistema judiciário, ou educacional de vigilância e punição,
explicado por Michel Foucault, e satisfatoriamente ao modo como são preparados
os diversos tipos de alimentação como compreendemos com Claude Lévi-Strauss.
Daí ser sempre difícil sumariar em algumas palavras tudo o que se pode
descrever como civilização. Ela se resume culturalmente em tudo que a sociedade
ocidental dos últimos dois ou três séculos julga “superior”, para descrever o
que lhe constitui o caráter especial e aquilo que se orgulha: o nível de sua
tecnologia, a natureza de suas maneiras, o desenvolvimento de sua cultura
científica ou cosmovisão. Sociologicamente representa um conjunto ordenado de
valores, crenças, impressões, sentimentos e concepções de natureza intuitiva,
anteriores à reflexão, a respeito da época ou do mundo em que se vive.
Em outros termos, é a orientação cognitiva fundamental de um indivíduo, de uma coletividade ou de toda uma sociedade, num dado espaço-tempo e cultura, a respeito de tudo o que existe: sua gênese, sua natureza, suas propriedades. Uma visão de mundo pode incluir a filosofia natural, postulados fundamentais, existenciais e normativos, ou temas, valores, emoções e ética. A cosmovisão ou visão do mundo continua a ser um conceito complexo e confuso em qualquer cultura, sendo usado de forma muito diferente por cientistas sociais. No entanto, as crenças centrais da visão mundial são muitas vezes profundamente enraizadas e raramente são refletidas pelos indivíduos e coletividades, e são trazidas à superfície apenas em momentos e formas de crise de fé, de algum modo ocorrentes. Por exemplo, visão de mundo da causalidade como unidirecional, cíclica ou espiral gera um quadro abstrato do mundo que reflete esses sistemas de causalidade. Uma visão unilateral da causalidade está presente em algumas visões de mundo monoteísticas com um começo e um fim e uma única grande força com um único fim, exatametne no cristianismo e no islamismo, enquanto que uma visão de mundo cíclica da causalidade está presente na tradição religiosa que é, portanto, cíclica e sazonal e na qual os eventos e experiências repetem-se em padrões sistemáticos: zoroastrismo, mitraísmo e hinduísmo.
Ramsey opera a One Ocean Diving, LLC, uma empresa sediada no Havaí que facilita mergulhos com vida marinha. Ela é o tema de um documentário da Netflix de 2025, o Shark Whisperer, que aborda tanto seu trabalho de conservação quanto a controvérsia em torno de sua abordagem. Essas visões não apenas subjazem as tradições religiosas, mas outros aspectos do pensamento como a história, teorias políticas e econômicas, e sistemas como a democracia, autoritarismo, anarquismo, capitalismo, socialismo e comunismo. Nada há na civilização que apresente esse critério de moralidade, ela é moralmente indiferente. Se a divisão do trabalho não tivesse outro papel além de tornar a civilização possível, ela participaria da mesma neutralidade moral. Foi por não se ter geralmente atribuído à divisão do trabalho outra função, segundo Émile Durkheim, que as teorias propostas são a tal ponto inconsistentes. Isto é, supondo-se que exista uma “zona neutra” na moral, é impossível que a divisão social do trabalho dela faça parte. Se ela não é boa, é ruim; se não é moral, é uma decadência moral. Se ela não serve para outra coisa, cai-se em insolúveis antinomias, porque as vantagens econômicas que ela apresenta são compensadas por inconvenientes morais, e como é impossível subtrair uma dentre duas quantidades heterogêneas e incomparáveis, não se poderia dizer qual das duas leva a melhor sobre a outra, nem, por conseguinte, tomar partido. Invocar-se-á o primado da moral para condenar radicalmente a divisão do trabalho.
Mas não apenas essa última ratio é sempre um “golpe de Estado científico”, como a evidente necessidade de especialização torna tal posição impossível de ser sustentada. Se a divisão do trabalho não cumpre outro papel, ela não só não tem caráter moral, como não se percebe que razão possa ter. A civilização não tem valor intrínseco e absoluto; o que lhe dá seu preço é o fato de corresponder a certas formas de divisão do trabalho. Ipso facto, o mais relevante, do ponto de vista sociológico, é o fato de que a experimentação tecnológica normalmente anda lado a lado, desde muito cedo, com experiências relacionadas à organização social. O mais notável efeito da divisão do trabalho não é aumentar o rendimento das funções divididas, como insistem os “burocratas da cultura” a que se referia José Arthur Giannotti, em seus aparelhos de Estado, mas torna-las solidárias. Seu papel social, em todos esses casos, não é simplesmente embelezar ou melhorar sociedades existentes, mas tonar possíveis sociedades que, sem elas, não existiriam. Façam a divisão do trabalho sexual regredir além de certo ponto, socialmente e a questão conjugal desaparece, deixando subsistir relações sexuais eminentemente efêmeras; mesmo se os sexos não fossem separados, toda uma forma da vida social sequer teria nascido.
É possível que a
utilidade de uso econômica da divisão do trabalho tenha algo a ver com esse
resultado, mas, em todo caso, ele supera infinitamente a esfera dos interesses
puramente econômicos, pois consiste no estabelecimento de uma ordem social e
moral sui generis. Se, com frequência, fez-se as relações sociais a que dá
nascimento a divisão do trabalho consistirem apenas na troca, foi por se ter
desconhecido o que a troca implica e o que dela resulta. Ela supõe que dois
seres dependem mutuamente um do outro, por serem ambos incompletos, e apenas
traduz exteriormente essa dependência mútua. Nada mais é que a expressão
superficial de um estado interno e mais profundo. Precisamente por ser
constante, esse estado suscita todo um mecanismo comunicativo de imagens que
funciona como uma continuidade que a troca não possui. É por isso que
apreciamos a companhia daquele que ela representa, porque a presença do objeto
que ela exprime, fazendo-a passar ao estado de percepção atual, lhe dá maior
relevo. Ao contrário, sofremos com todas as circunstâncias que, como a
distância ou a morte, podem ter por efeito impedir seu retorno ou diminuir sua
vivacidade. Por mais curta que seja a análise, basta para demonstrar que esse
mecanismo não é idêntico comparativamente ao que serve dos sentimentos de
simpatia, cuja fonte é a semelhança.
Sem dúvida, só pode
haver solidariedade entre outrem e nós se a imagem desse outrem se une à nossa.
Mas quando a união resulta da semelhança das duas imagens, ela consiste numa
aglutinação. As duas representações tornam-se solidárias porque, sendo
indistintas, no todo ou em parte, se confundem e se tornam uma só coisa, e só
são solidárias na medida em que se confundem. Ao contrário, no caso da divisão
do trabalho, estão fora uma da outra e só são ligadas por serem distintas.
Portanto, os sentimentos não poderiam ser os mesmos nos dois casos, nem as
relações sociais que deles derivam. Não temos apenas que procurar se, nessas
espécies de sociedades, existe uma solidariedade social proveniente da divisão
do trabalho. É uma verdade evidente, pois a divisão do trabalho é muito
desenvolvida nelas e produz a solidariedade. Mas é preciso determinar,
sobretudo, em que medida a solidariedade que ela produz contribui para a
integração geral da sociedade, pois somente então saberemos até que ponto essa
solidariedade é necessária, se é um fator essencial da coesão social, ou então,
ao contrário, se nada é mais é do que uma condição acessória e secundária. Para
responder a essa questão é preciso comparar esse vínculo social aos outros,
seja com o grupo tomado coletivamente, a fim de medir a parte que lhe cabe no
efeito total, sendo para isso indispensável começar por classificar as
diferentes espécies de solidariedade social.
Bibliografia Geral Consultada.
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