domingo, 5 de outubro de 2025

Encantadora de Tubarões, Disciplina, & Espetacularização da Cultura.

                                                   O mundo é mágico. As pessoas não morrem, ficam encantadas”. Guimarães Rosa                                

As aptidões individuais organizadoras do nosso cérebro humano necessitam de condições socioculturais para se atualizarem, as quais necessitam das aptidões do espírito humano para se organizarem individual e socialmente. A cultura está nos espíritos, vive nos espíritos, os quais estão na cultura, vivem na cultura. Meu espírito conhece através da minha cultura, vivem na cultura. Meu espírito conhece através da minha cultura, mas, em certo sentido, a minha cultura conhece através do meu espírito. Assim, portanto, as instâncias produtoras do conhecimento se coproduzem umas às outras; há uma unidade recursiva complexa estabelecida entre produtores e produtos do conhecimento, ao mesmo tempo/espaço em que há relação hologramática entre cada uma das instâncias, cada uma contendo as outras e, nesse sentido, cada uma contendo “o todo enquanto todo”. Falar em complexidade é sociologicamente falar em relação social de interação simultaneamente complementar, concorrente, antagônica, recursiva e hologramática entre essas instâncias cogeradoras do reconhecimento humano. Mas não é apenas esse nível de complexidade sob condições determinada que permitem compreender a possível autonomia relativa do espírito – as faculdades intelectuais - e no sentido técnico do cérebro individual. Mas é somente assim mesmo que o espírito individual pode autonomizar-se em relação à sua determinação biológica. Recorrendo às suas fontes e recursos socioculturais.

E exatamente em relação à sua determinação cultural utilizando a sua aptidão bioantropológicas para organizar o conhecimento. O espírito individual pode alcançar a sua autonomia jogando com a dupla dependência que, ao mesmo tempo, o constrange, limita e alimenta. Pode jogar, pois há margem, entre hiatos, aberturas, defasagens. Entre o bioantropológico e o sociocultural, o ser individual e a sociedade. Assim, a possibilidade de autonomia do espírito individual está inscrita no princípio de seu conhecimento. E isso em nível de seu conhecimento cotidiano, quanto em nível de pensamento filosófico ou científico. A cultura fornece ao pensamento as suas condições sociais e materiais de formação, de concepção, de conceptualização. Portanto, ela impregna, modela e eventualmente governa os conhecimentos individuais. A cultura e, somente pela via da cultura, a sociedade está no interior do conhecimento. Edgar Morin sustenta a seguinte tese: O conhecimento está na cultura e a cultura está na representação do conhecimento. Um ato cognitivo per se é um elemento do complexo cultural coletivo que se atualiza em um ato cognitivo individual. As nossas percepções sociológicas do real (análise) ou mesmo concepções estão sob um determinado controle, não apenas de constantes fisiológicas e também psicológicas, mas níveis de variáveis culturais e históricas. A percepção da esfera social é submetida a novas categorizações, sociais tanto quanto as formas de conceptualizações, taxinomias, que influenciarão o reconhecimento e a identificação das cores, das formas, dos objetos. O conhecimento organiza-se em função técnica de paradigmas que selecionam, hierarquizam, rejeitam as ideias e as informações técnicas, bem como em função de significações mitológicas e de projeções imaginárias. 

Assim se opera a “construção social da realidade”, ou antes, a “co-construção social da realidade”, visto que a realidade se constrói também a partir de dispositivos cerebrais, em que o real (imagem) se consubstancializa e se dissocia do irreal (fantasia), a weltanschauung, que se concretiza em verdade, em erro, na predestinação da mentira. Para conceber a sociologia do conhecimento, é necessário, conceber não só o enraizamento do conhecimento na sociedade e a interação social do conhecimento na sociedade. Mas no anel recursivo no qual o conhecimento é produto/produtor sociocultural que comporta uma dimensão própria cognitiva. Os homens de uma cultura, pelo seu modo de conhecimento, produzem a cultura que produz seu reconhecimento. A cultura gera os conhecimentos que regeneram a cultura. Ao considerar-se a que ponto o conhecimento é produzido por uma cultura, dependente de uma cultura, integrado a uma cultura, pode-se ter a impressão de que nada seria capaz de poder libertá-lo. Mas isso seria ignorar as potencialidades de autonomia no interior daquelas culturas dos espíritos individuais. Os indivíduos não são todos, e nem sempre, mesmo nas condições culturais mais fechadas, máquinas triviais obedecendo à ordem social e às injunções culturais. Isso seria ignorar que toda cultura está vitalmente aberta ao mundo exterior, de onde retira conhecimentos objetivos e que conhecimentos e ideias migram entre as culturas. Seria ignorar que aquisição de uma informação, a descoberta de um saber, a invenção de uma ideia, podem modificar e transformar uma sociedade, mudar o curso da história. O conhecimento está ligado, por todos os lados, à estrutura da cultura, à organização social, à práxis histórica.  

A mergulhadora e ativista Ocean Ramsey se tornou conhecida mundialmente por nadar “sem proteção com tubarões”. No documentário, acompanhamos sua jornada em defesa desses animais, sua relação com o oceano e as polêmicas que envolvem sua atuação, marcada por belas imagens, ativismo ambiental e questionamentos éticos. Sempre ou quase sempre por toda parte, o conhecimento científico transita pelos espíritos individuais, que dispõem de autonomia potencial, a qual pode em certas condições sociais e políticas atualizarem-se e tornar-se um pensamento pessoal crítico. James Reed é um cineasta britânico reconhecido por documentários como Shark Whisperer (2025), Chimp Empire (2923), tem como representação uma série de televisão da Netflix sobre chimpanzés, narrada por Mahershala Ali. Chimp Empire acompanha a vida dos chimpanzés Ngogo, o maior grupo de chimpanzés reconhecido. A série explora a complexa dinâmica social da “comunidade de chimpanzés”, incluindo as relações entre machos e fêmeas, pais e filhos, e rivais. Também examina os desafios que os chimpanzés enfrentam, como a “competição por comida e território e a ameaça da caça ilegal”. Ambientado no Parque Nacional Kibale, em Uganda, ele acompanha a vida de grupos rivais de chimpanzés. O documentário foi lançado em 2023 e My Octopus Teacher, este último rendeu um Oscar em 2020. My Octopus Teacher é um documentário original da Netflix de 2020, dirigido por Pippa Ehrlich e James Reed. Ele documenta um ano passado pelo cineasta Craig Foster construindo um relacionamento com um polvo comum selvagem em uma floresta de algas marinhas da África do Sul. 

O filme ganhou o prêmio de Melhor Documentário no 93º Oscar. Em 2018, Craig Foster começou a praticar mergulho livre em uma floresta fria de algas subaquáticas em um local remoto em False Bay, perto da Cidade do Cabo, África do Sul. O local era perto de Simon`s Town, na Península do Cabo, que está exposta à fria corrente de Benguela do Oceano Atlântico. Ocean Ramsey, nascida em 1987, é uma conservacionista e modelo americana de tubarões. Ela ganhou atenção da mídia internacional por mergulhar livremente com tubarões, incluindo grandes tubarões brancos, para aumentar a conscientização sobre a conservação dos tubarões e promover seu negócio. Ramsey mora no Havaí e mergulhou com 47 espécies de tubarões ao redor do mundo em 2019. Ramsey opera a One Ocean Diving, LLC, uma empresa sediada no Havaí que facilita mergulhos com vida marinha. Ela é o tema de um documentário da Netflix de 2025, o Shark Whisperer, que aborda tanto seu trabalho de conservação quanto a controvérsia em torno de sua abordagem. Enquanto filmavam tubarões-tigre em Oahu, Ramsey e uma equipe de filmagem encontraram uma fêmea de tubarão-branco de 6,1 metros de comprimento, mais tarde identificada como Deep Blue, ou Haole Girl. O encontro foi capturado pelo noivo de Ramsey, Juan Oliphant, e a filmagem recebeu atenção da mídia mundial. Embora ela tenha sido elogiada por aumentar a conscientização sobre as espécies, ela foi” criticada por suas ações na filmagem.” O biólogo marinho Michael Domeier, diretor fundador do Marine Conservation Science Institute, uma organização sem fins lucrativos, criticou Ramsey por aparecer no vídeo viral de interação com tubarões. David Shiffman, um biólogo de conservação marinha que estuda tubarões, disse ao The Washington Post: “Não acredito que por favor, não agarre o predador selvagem de 5,5 metros de comprimento seja algo que precisa ser dito explicitamente em voz alta, mas aqui estamos”. Ramsey e dezenas de indivíduos e organizações buscavam há muitos anos uma lei que proibisse a matança de tubarões. Após anos de debates o Projeto de Lei 553 da Câmara do Havaí foi aprovado em 2021, tornando o Havaí o primeiro estado a proibir a matança de tubarões.

            A divisão do trabalho social não é específica do nível de análise econômico: podemos observar sua influência crescente nas regiões mais distintas da sociedade. As funções políticas, administrativas, judiciárias especializam-se cada vez mais. O mesmo ocorre com as funções artísticas e científicas no âmbito das universidades. As especulações filosóficas da biologia nos demonstraram, na divisão do trabalho, um fato social de uma tal generalidade que os economistas, que foram os primeiros a mencioná-lo, não haviam podido suspeitar. Não é mais uma instituição social que tem sua fonte na inteligência e na vontade dos homens. Mas um fenômeno de biologia geral, cujas condições, ao que parece, precisam ser buscadas nas propriedades essenciais da disciplina organizada. A divisão do trabalho social passa a aparecer apenas como uma forma particular desse processo geral, e as sociedades, conformando-se a essa lei, parecem ceder a uma corrente de pensamento que nasceu bem antes delas e que arrasta no mesmo sentido todo o mundo vivo. Semelhante fato não pode, evidentemente, produzir-se sem afetar profundamente nossa constituição moral, pois o desenvolvimento do homem se fará em dois sentidos de todo diferentes. Não é necessário demonstrar a gravidade desse problema prático; qualquer que seja o juízo sobre a divisão do trabalho, o mundo sabe que ela é e se torna cada vez mais uma das bases fundamentais da ordem social tanto quanto política.

  

            No estudo da relação entre genealogia e poder, observava Michel Foucault que a primeira característica do que ocorria de forma nebulosa dizia respeito ao caráter local da crítica, uma espécie de produção teórica autônoma, não centralizada, isto é, que não tem necessidade, para estabelecer sua validade, da concordância de um sistema comum. Esta crítica local se efetuou através do que se poderia chamar de “retorno do saber”. Em um caso como no outro, no saber da erudição como naquele desqualificado, nestas duas formas de saber sepultado ou dominado, se tratava na realidade de saber histórico da luta. Nos domínios especializados da erudição como nos saberes desqualificados das pessoas jazia a memória dos combates, exatamente aquela que até então havia sido subordinada. Delineou-se o que se poderia chamar uma genealogia, ou, pesquisas genealógicas múltiplas: a redescoberta exata das lutas e memória bruta dos combates. E esta genealogia, como acoplamento do saber acadêmico e o saber das pessoas, só será possível se for eliminada a tirania dos colegiados, com suas hierarquias e os privilégios que permeia o discurso religioso/científico em saberes regionais.   

            Trata-se de ativar saberes locais, descontínuos, desqualificados, não legitimados, contra a instância teórica unitária que pretenderia depurá-los, hierarquiza-los, ordená-los em nome de um conhecimento verdadeiro, em nome dos direitos de uma concepção de ciência detida por alguns. Trata-se da insurreição dos saberes não tanto contra os conteúdos, os métodos e os conceitos de uma ciência, mas de uma insurreição dos saberes antes de tudo contra os efeitos de poder centralizadores que estão ligados à instituição e ao funcionamento de um discurso científico organizado no interior da sociedade. Pouco importa que esta institucionalização do discurso científico se realize em uma universidade ou, de modo mais geral, em um aparelho político com todas as suas aferências, pois são os efeitos de poder próprios a um discurso considerado como científico que a genealogia deve combater, seja diante do processo de gentrificação do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, na cidade de Fortaleza, objeto de pesquisa de pós-doutoramento em curso em análise comparada da degradação consciente do Centro Poliesportivo da Universidade Estadual do Ceará. O cedntro está sendo inutilizado pela ignorância. Não se trata de estudos de caso, mas torna-los capazes de oposição contra a coerção de um discurso teórico, unitário, formal e científico. Poderíamos lançar o desafio: - “Tentem colonizar-nos”. A burocracia moderna engendrou o intelectual específico nas universidades, através das atividades regulares necessárias aos objetivos da estrutura governada burocraticamente, que por sua vez são distribuídas de forma fixa como deveres oficiais que contém uma orientação, mas podem mudar de forma e sentido.

A autoridade de dar ordens necessárias à execução desses deveres oficiais se distribui de forma estável, sendo rigorosamente delimitada pelas normas relacionadas com os meios de trabalho e de coerção, físicos, sacerdotais ou outros, que possam ser colocados à disposição dos funcionários ou autoridades. O princípio da autoridade hierárquica de cargo encontra-se em todas as organizações burocráticas. Não importa, para o caráter da burocracia, que sua autoridade seja compreendida como privada ou pública. É o que tenta demonstrar, de forma hilária, o escritor gaúcho Luís Fernando Veríssimo em uma série de ensaios temáticos. Quando o cargo está plenamente desenvolvido, a atividade oficial exige a plena capacidade de trabalho do funcionário, a despeito do fato de ser rigorosamente delimitado o tempo de permanência na repartição, que lhe é exigido. O desempenho do cargo segue regras gerais, mais ou menos estáveis, mais ou menos exaustivas, e que podem ser apreendidas. O conhecimento dessas regras representa um aprendizado técnico especial, a que se submetem esses funcionários. Envolve jurisprudência, ou administração pública e privada. A redução do cargo a regras está profundamente arraigada à sua própria natureza. A teoria da administração pública, sustenta que a autoridade para ordenar certos assuntos através decretos não dá à repartição o direito de regular o assunto através de normas expelidas em cada caso, mas na prática, converte-se em relações através dos privilégios individuais e concessão de favores, que domina de forma absoluta as relações entre indivíduos no âmbito do patrimonialismo.

A ocupação de um cargo é considerada uma profissionalização ou estágio, com a exigência de um treinamento rígido, que demanda toda a capacidade de trabalho durante um longo período de tempo e nos exames especiais que, em geral, são pré-requisitos para o emprego. A posição de um funcionário tem a natureza de um dever, sendo a lealdade dedicada a finalidades impessoais e funcionais. Sua posição social é assegurada pelas normas que se referem à hierarquia ocupada. A posse de diplomas educacionais está habitualmente ligada à qualificação técnica para o cargo. O tipo puro sociológico de funcionário burocrático é nomeado por uma autoridade superior. Mas uma autoridade eleita pelos governados não é como tal, uma figura exclusivamente burocrática. A nomeação independe dos estatutos legais, mas da forma pela qual funciona o sistema. Em todas as circunstâncias, a designação de funcionários por meio de uma eleição entre os governados modifica o rigor da subordinação hierárquica. O funcionário se prepara para uma carreira por concurso público, o que não impede que ocorra por determinado tempo a vigilância hierárquica para o cargo no serviço público. Foi esse tipo específico de poder que Michel Foucault chamou de “disciplina” ou “poder disciplinar”. E é justamente esse aspecto que explica o fato de que tem como alvo o corpo humano, não para supliciá-lo, mutilá-lo, mas para aprimorá-lo, adestra-lo. O que lhe interessa não é expulsar os homens da vida social, impedir o exercício de suas atividades, e sim gerir a vida dos homens, controla-los em suas ações para que seja possível e viável utilizá-los ao máximo, aproveitando suas potencialidades e utilizando um sistema de aperfeiçoamento gradual e contínuo de suas capacidades. É um objetivo ao mesmo tempo econômico e político: aumento do efeito de seu trabalho, isto é, tornar os homens força de trabalho dando-lhes uma utilidade econômica máxima; diminuição de sua capacidade de revolta, de resistência, de luta, de insurreição contra as ordens do poder, neutralização dos efeitos sociais de contrapoder, isto é, tornar os homens dóceis politicamente.

Portanto, aumentar a utilidade econômica e diminuir os inconvenientes, os perigos políticos; aumentar a força econômica e diminuir expressivamente a sua força política. Situemos as suas características básicas. Em primeiro lugar, a disciplina é um tipo de organização do espaço. É uma técnica de distribuição dos indivíduos através da inserção dos corpos em um espaço individualizado, classificatório, combinatório. Isola em um espaço fechado, esquadrinhado, hierarquizado, capaz de desempenhar funções diferentes segundo o objetivo específico que deles se exige. Mas, como relações de poder disciplinar não necessitam de espaço fechado para se realizar, é essa sua característica menos importante. Em segundo lugar, e mais fundamentalmente, a disciplina é um controle do tempo. Isto é, ela estabelece uma sujeição do corpo ao tempo, com o objetivo de produzir o máximo de rapidez e o máximo de eficácia. Em terceiro lugar, a vigilância é um dos seus principais instrumentos de controle. Não uma vigilância que reconhecidamente se exerce de modo fragmentar e descontínuo; mas que é ou precisa ser vista pelos indivíduos que a ela estão expostos como forma contínua, perpétua, permanente; que não tenha limites, penetre nos lugares mais recônditos, esteja presente em toda extensão do espaço. Olhar invisível que permite impregnar quem é vigiado de tal modo que este adquira de si mesmo a visão panóptica de quem o olha. A disciplina implica um registro contínuo de conhecimento. O olhar que observa para controlar não é o mesmo que transfere as informações para os pontos mais altos da hierarquia do poder? Seu objetivo econômico e político é tornar o homem útil e dócil.

A grande importância estratégica que as relações de poder disciplinar desempenham nas sociedades modernas depois do século XIX, vem justamente do fato delas não serem negativas. Mas positivas, quando tiramos desses termos qualquer juízo de valor moral ou político e pensarmos unicamente na tecnologia empregada. É então, que, segundo Foucault, surge uma das teses fundamentais da genealogia: “o poder é produtor de individualidade”. O indivíduo é uma produção do poder e do saber. Atuando sobre uma massa confusa, desordenada e desordeira, o esquadrinhamento disciplinar faz nascer uma multiplicidade ordenada no seio da qual o indivíduo emerge como alvo do poder. O nascimento da prisão em fins do século XVIII, não representou uma massificação com relação ao modo como anteriormente se era encarcerado. O nascimento do hospício não destruiu a especificidade da loucura. É o hospício, ao contrário, que produz o louco como doente mental. Um personagem individualizado a partir da instauração de relações disciplinares. E antes da constituição das ciências humanas, no século XIX, a organização das paróquias, a institucionalização do exame de consciência e da direção espiritual e a reorganização do sacramento da confissão, que aparecem como importantes dispositivos de individualização. Em suma, o poder disciplinar não destrói o indivíduo; ao contrário, ele o fabrica. O indivíduo não é o outro do poder, realidade exterior, que é por ele anulado; é um de seus mais importes efeitos.

O objetivo é neutralizar a ideia que faz da ciência um conhecimento em que o sujeito vence as limitações reais ou imaginárias de suas condições particulares de existência instalando-se na neutralidade objetiva do universal e da ideologia um conhecimento em que o sujeito tem sua relação com a verdade perturbada, obscurecida, velada pelas condições reais de existência. Todo conhecimento, seja ele científico ou ideológico, só pode existir a partir de condições políticas que são as condições para que se formem tanto o sujeito quanto os domínios do saber. A investigação do saber não deve remeter a um sujeito de conhecimento que seria a sua origem, mas a relações de poder que lhe constituem. Não há saber neutro. Todo saber é político. E isso não porque cai nas malhas do Estado, é apropriado por ele, que dele se serve como instrumento de dominação, descaracterizando seu núcleo essencial. Mas porque todo saber tem sua gênese em relações de poder. O fundamental da análise teórica é que saber e poder se implicam mutuamente; não há relação de poder sem constituição de um campo de saber, como também, reciprocamente, todo saber constitui novas relações de poder. 

Todo ponto de exercício do poder é, ao mesmo tempo, um lugar de formação de saber. É assim que o hospital não é apenas local de cura, mas também instrumento de produção, acúmulo e transmissão de saber. Do mesmo modo que a escola está na origem da pedagogia, a prisão da criminologia, o hospício da psiquiatria. Mas a relação ainda é mais intrínseca: é o saber enquanto tal que se encontra dotado estatutariamente, institucionalmente, de determinado poder. O saber funciona dotado de poder. E enquanto é saber tem poder. A configuração do que Foucault denomina de “intelectual específico” se desenvolveu na 2ª grande guerra (1939-1945), e talvez o físico atômico tenha sido quem fez a articulação entre intelectual universal e intelectual específico. É porque tinha uma relação direta e localizada com a instituição e o saber científico que o físico atômico intervinha; mas já que a ameaça atômica concernia todo o gênero humano e o destino do mundo, seu discurso podia ser ao mesmo tempo o discurso do universal. Sob a proteção deste protesto que dizia respeito a todos, o cientista atômico desenvolveu uma posição específica na ordem do saber. E admite Foucault, pela primeira vez o intelectual foi perseguido pelo poder político, não mais em função do seu discurso geral, mas por causa do saber que detinha: é neste nível que ele se constituía como um perigo político.

Mas o intelectual específico deriva de uma figura muito pobre e diversa do “jurista-notável”. O “cientista-perito”. O importante é que a verdade não existe fora do poder ou sem poder. A verdade é deste mundo, produzida nele graças a múltiplas coerções que produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, seus tipos de discursos que faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados, sob nosso olhar, para a obtenção da verdade. Quem está de fora do poder, mas tem a capacidade analítica de interpretar o estatuto que delimita o seu campo de saber, percebe os efeitos de poder do que funciona como verdadeiro.  É preciso repensar os problemas políticos dos intelectuais não mais em termos exclusivos da relação entre ciência e ideologia, mas sem abandoná-la, tendo em vista que a universidade pública é um domínio de casta, “a forma natural pela qual costumam socializarem-se as comunidades étnicas que creem no parentesco de sangue com os membros de comunidades exteriores e o relacionamento social. Essa situação de casta é parte do fenômeno de povos párias e se encontra em todo o mundo” (cf. Weber, 1982; pp. 449-470), a análise pode ser religada na medida em que a questão da profissionalização do intelectual, da divisão entre trabalho manual e intelectual, na esfera pública pode ser retomada. A verdade está circularmente ligada a sistemas de poder que a produzem e apoiam, e a efeitos de poder que ela induz e a reproduzem. Ipso facto, o problema político essencial para o intelectual não é apenas criticar os conteúdos ideológicos que privilegiam grupos no sistema educacional que estariam ligados à ciência ou fazer com que sua prática científica seja acompanhada por métodos de inclusão democráticos. O que está em jogo num sistema de castas, é se podemos constituir uma nova arena política sobre a questão da verdade. Mas não se trata de libertar a verdade do sistema de poder, mas de desvincular o poder da verdade das formas com as quais ele legitima suas formas de saber. A genealogia exige a minúcia do saber, evidenciando um grande número de materiais acumulados.

  

       Vale lembrar, neste aspecto que a biomatemática é um ramo da biologia que emprega análises teóricas, modelos matemáticos e abstrações dos organismos vivos para investigar os princípios que governam a estrutura, desenvolvimento e comportamento dos sistemas, em oposição à biologia experimental que lida com a realização de experimentos para comprovar e validar as teorias científicas. O campo multidisciplinar é algumas vezes chamado, precisamente, de biologia matemática ou biomatemática para enfatizar o lado técnico-científico matemático, ou biologia teórica para enfatizar abstratamente o lado biológico. Ipso facto, deste ponto de vista a biologia teórica se concentra mais do que nunca no desenvolvimento programático de princípios teóricos per se para a biologia. Enquanto a biologia matemática se concentra no uso de técnicas matemáticas para estudar sistemas biológicos embora ambos sejam muitas vezes trocados. A biologia matemática visa a representação matemática e modelagem de processos biológicos, utilizando técnicas e procedimentos metodológicos da matemática aplicada. Pode ser útil tanto em pesquisas teóricas e práticas. Descrever sistemas de maneira quantitativa significa que seu comportamento pode ser melhor simulado e, podem ser previstas propriedades que podem não ser evidentes para o experimentador. Uma matéria sempre apresenta a tendência de manter o seu estado, de repouso ou de movimento, a não ser que uma força externa influencie. A massa é uma grandeza que indica a medida da inércia ou da resistência de um corpo de ter seu movimento acelerado, ou seja, a massa à quantidade de partículas existentes em uma matéria. 

Isso requer modelos matemáticos precisos. Devido à complexidade dos sistemas vivos, a biologia teórica emprega vários campos de domínio de métodos da matemática, e tem contribuído para o desenvolvimento de novas técnicas. A matemática foi usada na biologia já no século XIII, quando Leonardo Fibonacci (1170-1250) usou a famosa série de Fibonacci para descrever uma população crescente de coelhos. No século XVIII, Daniel Bernoulli (1700-1782) aplicou a matemática para descrever o efeito da varíola na população humana. O ensaio de Malthus de 1789 sobre o crescimento da população humana foi baseado no conceito de crescimento exponencial. Há aqui um debate memorável: Pierre François Verhulst (1804-1849) formulou o modelo de crescimento logístico em 1836. Fritz Müller (1822-1897) descreveu os benefícios evolucionários do que é chamado mimetismo Müllerian em 1879, em uma conta notável sendo o primeiro uso de argumento matemático em ecologia evolutiva para mostrar o quão poderoso o efeito da seleção natural seria, a menos que se inclui Malthus s` discussão dos efeitos do crescimento populacional que influenciaram Charles Robert Darwin (1809-1882) e Thomas Malthus (1766-1834) argumentam que tal crescimento seria exponencial, enquanto os recursos só poderiam crescer aritmeticamente. O termo biologia teórica ​​foi usado pela primeira vez por Johannes Reinke em 1901. Um texto fundador é On Growth and Form (1917) por D`Arcy Thompson, e outros especialistas incluem Ronald Fisher, Hans Leo Przibram, Nicolas Rashevsky e Vito Volterra.

A Terra é o terceiro planeta mais próximo do Sol, o mais denso e o quinto maior dos oito planetas do Sistema Solar. É também o maior dos quatro planetas telúricos. É por vezes designada como Mundo ou Planeta Azul. Lar de milhões de espécies de seres vivos, incluindo os seres humanos, a Terra é o único corpo celeste onde é reconhecida a existência de vida. O planeta formou-se há 4,56 bilhões de anos, e a vida surgiu na sua superfície depois de um bilhão de anos. Desde então, a biosfera terrestre alterou de forma significativa a atmosfera e fatores abióticos do planeta, permitindo a proliferação de organismos aeróbicos, como a formação da camada de ozônio, que em conjunto com seu campo magnético, bloqueia radiação solar prejudicial, permitindo a vida no planeta. A sua superfície exterior é dividida em segmentos rígidos, chamados placas tectônicas, que migram sobre a superfície terrestre ao longo de milhões de anos. Aproximadamente 71% da superfície é coberta por oceanos de água salgada, com o restante consistindo de continentes e ilhas, contendo lagos e corpos de água que contribuem para a hidrosfera. Os polos geográficos encontram-se majoritariamente cobertos por mantos de gelo ou por banquisas. O interior abstrato da Terra permanece ativo e relativamente sólido: um núcleo externo líquido que gera um campo magnético, e um núcleo interno sólido, composto, sobretudo por ferro. A Terra interage com objetos em movimento no espaço, em particular com o Sol e a Lua. Orbita o Sol uma vez por cada 366,26 rotações sobre o próprio eixo, o que equivale a 365,26 dias solares ou representa um (01) ano sideral.

O eixo de rotação da Terra possui uma inclinação de 23,4° em relação à perpendicular ao seu plano orbital, reproduzindo variações sazonais na superfície do planeta, com período igual a um ano tropical, ou, 365,24 dias solares. Um fato social é questão sociológica ainda mais necessária porque se utiliza essa qualificação sem muita precisão. Ela e empregada correntemente para designar socialmente as relações que se dão originariamente no interior de uma sociedade, por menos que apresentem, com uma certa generalidade, algum interesse social. Todo indivíduo come, bebe, dorme, raciocina, e a sociedade tem todo o interesse em que essas funções se exerçam regularmente. O sistema de signos de que me sirvo para exprimir meu pensamento, o sistema de moedas que emprego para pagar minhas dívidas, os instrumentos de crédito que utilizo em minhas relações comerciais, as práticas observadas em minha profissão, etc., funcionam independentemente do uso que faço deles. Que se tomem um a um todos os membros de que é composta a sociedade; o que procede poderá ser repetido a propósito de cada um deles, ou seja, maneiras de agir, de pensar e de sentir que apresentam essa notável propriedade de existirem fora das consciências individuais. Mas não são apenas exteriores ao indivíduo, como também são dotados de uma “força imperativa” e coercitiva em virtude da qual se impõe a ele, quer ele queira, quer não. Em se tratando de máximas puramente morais, a consciência pública reprime todo ato que as ofenda através da vigilância que exerce sobre a conduta dos cidadãos. A coerção social, mesmo sendo de forma indireta, continua sendo uma técnica ou estratégia de submissão eficaz.

Trata-se de uma ordem de fatos que apresentam características muito especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele. Por conseguinte, eles não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, já que consistem em representações e em ações, nem com os fenômenos psíquicos, os quais só tem existência na consciência individual e através dela. Estes fatos constituem, portanto, uma espécie nova, e é a eles que deve ser dada e reservada a qualificação de sociais. Essa qualificação lhes convém; pois é claro que, não tendo o indivíduo por substrato, eles não podem ter outro senão a sociedade, seja a sociedade política em seu conjunto, seja um dos grupos parciais que ela encerra: confissões religiosas, escolas políticas, literárias, corporações profissionais, etc. Por outro lado, é a eles só que ela convém; pois a palavra social só tem sentido definido com a condição de designar unicamente fenômenos que não se incluem em nenhuma das categorias de fatos já constituídos e denominados. Eles representam o domínio próprio da sociologia. Mas só há fato social onde há organização delineada, normalizada e estritamente definida. O hábito coletivo não existe apenas em estado de imanência nos atos sucessivos que ele determina, mas se exprime de uma vez por todas, por um privilégio cujo exemplo não encontramos no reino biológico, numa fórmula que se repete de boca em boca pela educação, que se fixa através da escrita.

Tais são as origens e a natureza das regras jurídicas, morais, dos aforismos e dos ditos populares, dos artigos de fé em que as seitas religiosas ou políticas condensam em crenças, dos códigos de gosto que as escolas literárias estabelecem, etc. Nenhuma dessas maneiras de agir ou de pensar se acha por inteiro nas aplicações que os particulares fazem delas, já que eles podem inclusive existir sem serem atualmente aplicadas. Há certas correntes de opinião que nos impelem, com desigual intensidade, conforme os tempos e os lugares, uma ao casamento, por exemplo, outra, ao suicídio, ou a uma natalidade mais ou menos acentuada. As circunstâncias individuais (o sonho) e coletivas (os mitos, os ritos, os símbolos) que podem ter alguma participação social na produção do fenômeno, neutralizam-se mutuamente e não contribuem para em princípio poder determina-lo. O que esse fato exprime é um certo estado de alma coletiva. Um fato social se reconhece, segundo Durkheim (1999), pelo poder de coerção que exerce ou é capaz de exercer sobre os indivíduos; e a presença desse poder se reconhece, por sua vez, seja pela resistência que o fato opõe a toda tentativa individual de faze-lhe violência. De fato, a coerção é fácil de constatar quando se traduz exteriormente por alguma reação direta da sociedade, como é o caso em relação ao direito, à moral, às crenças, aos costumes, inclusive às modas. Mas, quando, é apenas indireta, como a que exerce uma organização econômica, ela nem sempre se deixa perceber tão bem. A generalidade combinada com a objetividade pode então, ser mais fáceis de esclarecer. Essa segunda definição não é senão outra forma da primeira; pois, se uma maneira de se conduzir, que existe exteriormente às consciências individuais, se generaliza, ela só pode fazê-lo impondo-se.

A sociologia não pode desinteressar-se do que diz respeito ao substrato da vida social coletiva. Mas o número e a natureza das partes elementares de que se compõe a sociedade, a maneira como elas estão dispostas, o grau de coalescência a que chegaram, a distribuição estatística da população pela superfície do território, o número e a natureza das vias de comunicação, a forma das habitações, etc.  não parecem capazes, num primeiro exame, de se reduzir sociologicamente aos modos de agir, de sentir ou de pensar.  Ipso facto, no plano abstrato da teoria, a sociologia não confunde a prática dos rituais com seu sentido. Ipso facto a palavra função é empregada de duas maneiras bastante diferentes. Ora designa um sistema de movimentos vitais, fazendo-se abstração das suas consequências, ora exprime a relação de correspondência que existe entre esses movimentos e algumas necessidades sociais. Perguntar-se qual é a função da divisão do trabalho é, portanto, a que necessidade ela corresponde; quando tivermos “resolvido” essa questão, poderemos ver se essa necessidade é da mesma natureza que aquelas a que correspondem outras regras de conduta cujo caráter moral não é discutido. De todos os elementos da civilização, a ciência é o único que, em certas condições, apresenta um caráter moral. De fato, as sociedades tendem mais a considerar um dever para o indivíduo desenvolver sua inteligência, assimilando as verdades científicas que são estabelecidas.

           

           Não é impossível entrever de onde vem esse privilégio especial da ciência. Ela nada mais é do que a consciência, desde Hegel, Marx, Lukács, elevada a seu mais alto ponto de clareza. Quanto mais obscura uma consciência, lembrava Durkheim, mais refratária à mudança, porque não vê o que é necessário mudar, nem em que sentido é preciso mudar. Ao contrário, uma consciência esclarecida sente, compreende e sabe de antemão a maneira de se adaptar a essa mudança. Eis por que é necessário que a inteligência guiada pela ciência, com consciência, adquira importância maior no curso da vida social e coletiva.   Mas a ciência, do ponto de vista da divisão do trabalho social, de acordo com Durkheim (2015), que todo mundo é assim chamado a possuir não merece ser designada por esse nome. Não é a ciência, é no máximo sua parte comum e mais geral. Ela se reduz a um pequeno número de conhecimentos indispensáveis, que só são exigidos de todos, aparentemente por estarem ao alcance de todos. A ciência propriamente dita supera infinitamente esse nível vulgar. Ela não compreende apenas o que é vergonhoso ignorar, mas tudo o que é possível saber. Ela não supõe apenas, nos círculos que a cultivam, essas faculdades médias que quase todos os homens possuem, mas disposições especiais. Por conseguinte, não sendo acessível senão a uma elite social, não é obrigatória; é uma coisa útil e bela, mas não é necessária a ponto de a sociedade reclamá-la imperativamente. É vantajoso estar munido dela; nada há de imoral em adquiri-la. É um campo de ação aberto à iniciativa das massas, mas em que ninguém é obrigado a entrar.

Costuma-se qualificar de moral tudo o que tem alguma nobreza e algum preço, tudo o que é objeto de aspirações um tanto elevadas, e é graças a essa excessiva abrangência da palavra que se fez a civilização entrar na moralidade. O domínio do ético está longe de ser tão indeterminado. Ele compreende todas as regras de ação que se impõem imperativamente à conduta e a que está vinculada uma sanção, mas não vai além disso em qualquer instância. Contudo, o conceito de “civilização” refere-se a uma grande variedade de ocorrência de fatos: ao nível de tecnologia, ao tipo de maneiras, ao desenvolvimento dos conhecimentos científicos, às ideias religiosas e aos costumes. Pode se referir ao de tipo de habitações ou à maneira como homens e mulheres vivem juntos, à forma de punição determinada pelo sistema judiciário, ou educacional de vigilância e punição, explicado por Michel Foucault, e satisfatoriamente ao modo como são preparados os diversos tipos de alimentação como compreendemos com Claude Lévi-Strauss. Daí ser sempre difícil sumariar em algumas palavras tudo o que se pode descrever como civilização. Ela se resume culturalmente em tudo que a sociedade ocidental dos últimos dois ou três séculos julga “superior”, para descrever o que lhe constitui o caráter especial e aquilo que se orgulha: o nível de sua tecnologia, a natureza de suas maneiras, o desenvolvimento de sua cultura científica ou cosmovisão. Sociologicamente representa um conjunto ordenado de valores, crenças, impressões, sentimentos e concepções de natureza intuitiva, anteriores à reflexão, a respeito da época ou do mundo em que se vive.

Em outros termos, é a orientação cognitiva fundamental de um indivíduo, de uma coletividade ou de toda uma sociedade, num dado espaço-tempo e cultura, a respeito de tudo o que existe: sua gênese, sua natureza, suas propriedades. Uma visão de mundo pode incluir a filosofia natural, postulados fundamentais, existenciais e normativos, ou temas, valores, emoções e ética. A cosmovisão ou visão do mundo continua a ser um conceito complexo e confuso em qualquer cultura, sendo usado de forma muito diferente por cientistas sociais.  No entanto, as crenças centrais da visão mundial são muitas vezes profundamente enraizadas e raramente são refletidas pelos indivíduos e coletividades, e são trazidas à superfície apenas em momentos e formas de crise de fé, de algum modo ocorrentes. Por exemplo, visão de mundo da causalidade como unidirecional, cíclica ou espiral gera um quadro abstrato do mundo que reflete esses sistemas de causalidade. Uma visão unilateral da causalidade está presente em algumas visões de mundo monoteísticas com um começo e um fim e uma única grande força com um único fim, exatametne no cristianismo e no islamismo, enquanto que uma visão de mundo cíclica da causalidade está presente na tradição religiosa que é, portanto, cíclica e sazonal e na qual os eventos e experiências repetem-se em padrões sistemáticos: zoroastrismo, mitraísmo e hinduísmo.

Ramsey opera a One Ocean Diving, LLC, uma empresa sediada no Havaí que facilita mergulhos com vida marinha. Ela é o tema de um documentário da Netflix de 2025, o Shark Whisperer, que aborda tanto seu trabalho de conservação quanto a controvérsia em torno de sua abordagem. Essas visões não apenas subjazem as tradições religiosas, mas outros aspectos do pensamento como a história, teorias políticas e econômicas, e sistemas como a democracia, autoritarismo, anarquismo, capitalismo, socialismo e comunismo. Nada há na civilização que apresente esse critério de moralidade, ela é moralmente indiferente. Se a divisão do trabalho não tivesse outro papel além de tornar a civilização possível, ela participaria da mesma neutralidade moral. Foi por não se ter geralmente atribuído à divisão do trabalho outra função, segundo Émile Durkheim, que as teorias propostas são a tal ponto inconsistentes. Isto é, supondo-se que exista uma “zona neutra” na moral, é impossível que a divisão social do trabalho dela faça parte. Se ela não é boa, é ruim; se não é moral, é uma decadência moral. Se ela não serve para outra coisa, cai-se em insolúveis antinomias, porque as vantagens econômicas que ela apresenta são compensadas por inconvenientes morais, e como é impossível subtrair uma dentre duas quantidades heterogêneas e incomparáveis, não se poderia dizer qual das duas leva a melhor sobre a outra, nem, por conseguinte, tomar partido. Invocar-se-á o primado da moral para condenar radicalmente a divisão do trabalho. 

Mas não apenas essa última ratio é sempre um “golpe de Estado científico”, como a evidente necessidade de especialização torna tal posição impossível de ser sustentada. Se a divisão do trabalho não cumpre outro papel, ela não só não tem caráter moral, como não se percebe que razão possa ter.  A civilização não tem valor intrínseco e absoluto; o que lhe dá seu preço é o fato de corresponder a certas formas de divisão do trabalho.  Ipso facto, o mais relevante, do ponto de vista sociológico, é o fato de que a experimentação tecnológica normalmente anda lado a lado, desde muito cedo, com experiências relacionadas à organização social. O mais notável efeito da divisão do trabalho não é aumentar o rendimento das funções divididas, como insistem os “burocratas da cultura” a que se referia José Arthur Giannotti, em seus aparelhos de Estado, mas torna-las solidárias. Seu papel social, em todos esses casos, não é simplesmente embelezar ou melhorar sociedades existentes, mas tonar possíveis sociedades que, sem elas, não existiriam. Façam a divisão do trabalho sexual regredir além de certo ponto, socialmente e a questão conjugal desaparece, deixando subsistir relações sexuais eminentemente efêmeras; mesmo se os sexos não fossem separados, toda uma forma da vida social sequer teria nascido.

É possível que a utilidade de uso econômica da divisão do trabalho tenha algo a ver com esse resultado, mas, em todo caso, ele supera infinitamente a esfera dos interesses puramente econômicos, pois consiste no estabelecimento de uma ordem social e moral sui generis. Se, com frequência, fez-se as relações sociais a que dá nascimento a divisão do trabalho consistirem apenas na troca, foi por se ter desconhecido o que a troca implica e o que dela resulta. Ela supõe que dois seres dependem mutuamente um do outro, por serem ambos incompletos, e apenas traduz exteriormente essa dependência mútua. Nada mais é que a expressão superficial de um estado interno e mais profundo. Precisamente por ser constante, esse estado suscita todo um mecanismo comunicativo de imagens que funciona como uma continuidade que a troca não possui. É por isso que apreciamos a companhia daquele que ela representa, porque a presença do objeto que ela exprime, fazendo-a passar ao estado de percepção atual, lhe dá maior relevo. Ao contrário, sofremos com todas as circunstâncias que, como a distância ou a morte, podem ter por efeito impedir seu retorno ou diminuir sua vivacidade. Por mais curta que seja a análise, basta para demonstrar que esse mecanismo não é idêntico comparativamente ao que serve dos sentimentos de simpatia, cuja fonte é a semelhança.

Sem dúvida, só pode haver solidariedade entre outrem e nós se a imagem desse outrem se une à nossa. Mas quando a união resulta da semelhança das duas imagens, ela consiste numa aglutinação. As duas representações tornam-se solidárias porque, sendo indistintas, no todo ou em parte, se confundem e se tornam uma só coisa, e só são solidárias na medida em que se confundem. Ao contrário, no caso da divisão do trabalho, estão fora uma da outra e só são ligadas por serem distintas. Portanto, os sentimentos não poderiam ser os mesmos nos dois casos, nem as relações sociais que deles derivam. Não temos apenas que procurar se, nessas espécies de sociedades, existe uma solidariedade social proveniente da divisão do trabalho. É uma verdade evidente, pois a divisão do trabalho é muito desenvolvida nelas e produz a solidariedade. Mas é preciso determinar, sobretudo, em que medida a solidariedade que ela produz contribui para a integração geral da sociedade, pois somente então saberemos até que ponto essa solidariedade é necessária, se é um fator essencial da coesão social, ou então, ao contrário, se nada é mais é do que uma condição acessória e secundária. Para responder a essa questão é preciso comparar esse vínculo social aos outros, seja com o grupo tomado coletivamente, a fim de medir a parte que lhe cabe no efeito total, sendo para isso indispensável começar por classificar as diferentes espécies de solidariedade social.

Bibliografia Geral Consultada.

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