“A cólera prejudica o sossego da vida e a saúde do corpo, ofusca o julgamento e cega a razão. Denis Diderot
A esfera da política é a da relação
amigo-inimigo. Nesse sentido, a origem e de aplicação da política é o antagonismo
nas relações sociais e sua função se liga à atividade de associar e defender os
amigos e de desagregar e combater os inimigos. Há conflitos entre as pessoas e
entre os grupos sociais, entre esses conflitos, há alguns notáveis pela
intensidade que são os conflitos políticos. As relações entre os grupos
instigadas por esses conflitos, agregando os grupos internamente ou os confrontando
entre si, são as relações políticas. Em Dell’Arte della guerra (“A Arte
da Guerra”), Maquiavel descreve sua estratégia militar (e política) de dividir
para conquistar. O conflito mais amplo, entre grupos consubstanciados em
Estados é a guerra, nesse sentido tida como “a continuação da política por
outros meios”, no dizer de Clausewitz. A crise política sem fim e sem
precedentes sugere algumas reflexões sobre o problema da ética na política.
Nenhuma profissão é mais nobre do que a política porque quem a exerce assume
responsabilidades só compatíveis com grandes qualidades morais e de competência.
A atividade política só se justifica se o político tiver espírito republicano,
ou, se as suas ações, além de buscarem a conquista do poder, forem dirigidas
para o bem público, que não é fácil definir, mas que é preciso sempre buscar.
Um bem público que variará de acordo com a ideologia ou os valores de
cada político, mas o qual se espera que ele busque com prudência e coragem.
O que poderia ser mais objetivo do que o funcionamento da ideologia? Embora se constitua uma surpresa para muitos, a verdade é que em nossa cultura liberal-conservadora, quer a percebamos ou não, o sistema ideológico socialmente estabelecido e dominante funciona de modo a representar ou desvirtuar suas próprias regras sociais de seletividade, preconceito, discriminação e distorção sistemática como as noções sobre normalidade, objetividade do conhecimento e a maldita imparcialidade científica presente comumente nas instituições públicas e nas universidades. Compreensivelmente, a ideologia dominante tem uma grande vantagem na determinação do que pode ser considerado um critério legítimo de avaliação do conflito, já que controlam efetivamente as instituições culturais e políticas da sociedade, o sistema tem dois pesos e duas medidas, movidos pela ideologia e viciosamente tendencioso, é evidente em toda parte: mesmo entre aqueles que se orgulham em dizer que representam a nossa (sua) qualidade de vida capaz de medir as condições de sociais e políticas de um ser humano representando as condições que contribuem para o bem físico e espiritual dos indivíduos em sociedade. Nas últimas décadas, os intelectuais se intimidaram em admitir a essência de classe em suas teorias e posturas ideológicas. Na verdade, a ideologia não é ilusão nem superstição religiosa de indivíduos mal-orientados, mas uma forma específica de consciência social, materialmente ancorada e sustentada. Como tal, não pode ser superada exclusivamente nas sociedades de classes.
Sua persistência se deve ao fato histórico-social ser constituída objetivamente e constantemente reconstituída como consciência prática inevitável das sociedades de classe, relacionada com a articulação de conjuntos de valores e estratégias rivais que tentam controlar o metabolismo social em todos os seus principais aspectos. Mas que se entrelaçam conflituosamente e se manifestam no plano da consciência, na grande diversidade de discursos ideológicos relativamente autônomos, que exercem influência sobre os processos materiais mais tangíveis. O metabolismo social é um dado utilizado para a compreensão dos processos sociais e se nesse dado momento houve a existência de sustentabilidade. Esse conflito tampouco será resolvido no domínio legislativo da “razão teórica” isolada, independentemente do nome da moda sociológica que lhe seja dado. É por isso que o estruturalmente mais importante conflito – cujo objetivo é manter ou, ao contrário, negar o modo dominante de controle sobre o metabolismo social dentro dos limites das relações de produção estabelecidas em que os homens se tornam conscientes desse conflito e o resolvem pela luta. Em outras palavras, as diferentes formas ideológicas de consciência social têm implicações práticas de longo alcance. Em todas as suas variedades como na arte e na literatura, assim como na filosofia e na teoria social, independentemente de sua vinculação sociopolítica a posições mormente progressistas ou conservadoras.
É esta orientação
prática que define também o tipo socialmente de racionalidade apropriado ao
discurso ideológico e inscreve, por assim dizer, a questão da racionalidade
ideológica como inseparável do reconhecimento das limitações objetivas dentro
das quais são formuladas as estratégias alternativas a favor ou contra a
reprodução de determinada ordem social. Não é questão de conformidade ou não
conformidade a algum conjunto de regras predeterminado de normas lógicas. As
ideologias são determinadas pela época em dois sentidos. A orientação
conflituosa das várias formas de consciência social prática permanecer a
característica mais proeminente dessas formas de consciência, na medida em que
as sociedades forem divididas em classes. Em outras palavras, a consciência
social prática de tais sociedades não podem deixar de ser ideológica – isto é,
idêntica à ideologia – em virtude do caráter insuperavelmente antagônico de
suas estruturas sociais. Segundo, na medida em que o caráter específico do
conflito social fundamental, que deixa sua marca indelével nas ideologias
conflitantes em diferentes períodos históricos, surge do caráter historicamente
mutável – e não em curto prazo – das práticas produtivas e distributivas da
sociedade e da necessidade correspondente de se questionar radicalmente a
continuidade da imposição das relações socioeconômicas e políticas que,
anteriormente viáveis, tornam-se cada vez menos eficazes no curso do
desenvolvimento histórico.
Desse modo, os limites de tal questionamento social são determinados pela época, colocando em primeiro plano as novas formas de desafio ideológico em íntima ligação com o surgimento de meios de satisfação das exigências fundamentais sociais. Sem se reconhecer a determinação das ideologias como a consciência prática das sociedades de classe, a estrutura interna permanece completamente ininteligível. É neste sentido, sociologicamente, que devemos diferenciar três posições ideológicas fundamentalmente distintas, com sérias consequências para os tipos de conhecimento compatíveis com cada uma delas. A primeira apoia a ordem estabelecida com uma atitude acrítica, adotando e exaltando a forma vigente do sistema dominante – por mais que seja problemático e repleto de contradições – como o horizonte absoluto da própria vida social. A segunda, exemplificada por pensadores radicais como J.-J. Rousseau, revela acertadamente as irracionalidades da forma específica de uma anacrônica sociedade de classes que ela rejeita a partir de um ponto de vista. Mas sua crítica é viciada pelas próprias contradições de sua própria posição social – igualmente determinada pela classe, ainda que seja historicamente evoluída. E a terceira, contrapondo-se às duas posições sociais anteriores, questiona a viabilidade histórica da própria sociedade de classe, propondo, como objetivo central de sua intervenção prática consciente, a superação de todas as formas de antagonismo de classe. Apenas o terceiro tipo de ideologia pode tentar superar as restrições associadas com o conhecimento prático dentro do horizonte da consciência social dividida, sob as condições da sociedade dividida em classes.
Entretanto, a questão prática, permanece a mesma. Mas sugere a maneira adequada como “resolver pela luta” o conflito fundamental relativo ao direito estrutural de controlar o “metabolismo social” como um todo. O quadro das discussões teóricas, de acordo com a história social e política não pode ser determinado significativamente por meio de escolhas arbitrárias. E nenhuma profissão é mais importante na vida em sua dimensão global, porque o político pode ter uma má influência sobre a vida das pessoas maior do que a de qualquer outra profissão. A ética da política não pode ser diferente da ética da vida pessoal. E além de observar os princípios gerais, como não matar ou não roubar, o político deve mostrar ao povo que o elegeu sua capacidade de defender o bem comum, e o bem estar de toda a sociedade, sem se preocupar com o simples exercício do poder. Além de não distinguir, de qualquer forma, os demais membros da sociedade, deve ser capaz de mostrar a esses membros que assume a responsabilidade pela consecução deste objetivo. Exerce assim, o que se convencionou chamar da “ética da responsabilidade. E a ética da responsabilidade leva em consideração as consequências das decisões que o político adota. Em muitas ocasiões, o político pode ser colocado frente a dilemas morais para tomar decisões. Mas, o político ciente, de sua obrigação com a ética da responsabilidade, sabe que não deve subverter seus valores e, muito menos aqueles que apresentou para seus eleitores.
As motivações que ordenam os símbolos não apenas já não formam longas cadeias de razões, mas nem sequer cadeias. A explicação linear do tipo de dedução lógica ou narrativa introspectiva não basta para o estudo das motivações simbólicas. A classificação dos grandes símbolos da imaginação em categorias motivacionais distintas apresenta, com efeito, pelo próprio fato da não linearidade e do semantismo das imagens, grandes dificuldades. Metodologicamente, se se parte dos objetos bem definidos pelos quadros da lógica dos utensílios, como faziam as clássicas “chaves dos sonhos”, segundo as estruturas antropológicas do imaginário, cai-se rapidamente, pela massificação das motivações, numa inextricável confusão. Parecem-nos mais sérias as tentativas para repartir os símbolos segundo os grandes centros de interesse de um pensamento, certamente perceptivo, mas ainda completamente impregnado de atitudes assimiladoras nas quais os acontecimentos perceptivos não passam de pretextos para os devaneios imaginários. Tais são as formas sociais de classificações mais profundas de analistas das motivações do simbolismo religioso ou da imaginação dialética de modo geral literária. No prolongamento dos esquemas explicativos, arquétipos e simples símbolos modernos podem-se considerar o mito. Lembramos, todavia, que não estamos tomando este termo na concepção restrita que lhe dão os etnólogos, que fazem dele apenas o reverso representativo de um ato ritual. Entendemos por mito, “um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas, sistema dinâmico que, sob o impulso de um esquema, tende a compor-se na narrativa”.
O mito é já um esboço de racionalização, dado que utiliza o fio do discurso, no qual os símbolos se resolvem em palavras e os arquétipos em ideias. O mito explicita um esquema ou um grupo de esquemas. Do mesmo modo que o arquétipo promovia a ideia e que o símbolo engendrava o nome, podemos dizer que o mito promove a doutrina religiosa, o sistema filosófico ou, como bem observou Bréhier, a narrativa histórica e lendária. O método de convergência evidencia o mesmo isomorfismo na constelação e no mito. Enfim, para sermos breves, este isomorfismo dos esquemas, arquétipos e símbolos no seio dos sistemas míticos ou de constelações estáticas pode levar-nos a verificar a existência de protocolos normativos das representações imaginárias, bem definidos e relativamente estáveis, agrupados em torno dos esquemas originais e que antropologicamente a literatura refere-se como estruturas. O Julgamento tem como representação social um filme de drama de 2010 dirigido por Gary Wheeler e estrelado por Matthew Modine. É baseado no romance homônimo de Robert Whitlow e foi lançado em 10 de setembro de 2010, arrecadando US$ 19.753 nas bilheterias. Pete Thomason (Randy Wayne), respondendo por um assassinato de primeiro grau, sob pena de morte. Nada pode prevenir Mac das reviravoltas impressionantes do julgamento decorrente, à medida que o determinado advogado luta por justiça e busca um caminho para sua própria redenção. Após a terrível morte de sua esposa e, dois filhos, o suicídio parece ser a única saída para um advogado da pequena cidade de Kent, “Mac” McClain, até ele atuar num caso de pena de morte que começa a transformar a sua vida e a daqueles ao seu redor para sempre. Atores principais: Robert Foster, Matthew Modine, Larry Bagby.
É um cineasta, produtor e diretor norte-americano radicado na Carolina do Norte. Fundou a Level Path Productions em 2004 e, posteriormente, trabalhou em diversos filmes, como “A Lista”, de 2007, e “Coração de Natal”, de 2011. Em 2014, ingressou na INSP Films. Nas últimas duas décadas, Wheeler trabalhou em diversos filmes, como roteirista, produtor e diretor. Isso incluiu a direção de diversos filmes natalinos, só para citarmos alguns, como “O Coração do Natal” (2011), “Natal nas Montanhas Fumegantes” (2015) e “Natal na Cordilheira” (2020). Nos últimos anos, trabalhou em filmes de ação/faroeste, incluindo a direção de “Far Haven”, de 2023. Atualmente, ele está trabalhando na série “Blue Ridge”, da qual é showrunner, o principal responsável criativo e produtivo de uma série de televisão, supervisionando todos os aspetos do programa, desde a escrita criativa do roteiro e o desenvolvimento da história até a gestão do orçamento, filmagens e edição, garantindo a coerência geral da produção. Esta função social, comum nos Estados Unidos e Canadá, é geralmente ocupada pelo criador da série, que atua criativamente no projeto e coordena o trabalho de diferentes equipes e diretores. O conceito ainda é relativamente recente, com o termo sendo mais usado em cursos de formação e alguns projetos. Vale lembrar que o papel de autor-produtor de telenovelas pode ser visto como função semelhante. Matthew Avery Modine, nascido em Loma Linda, em 22 de março de 1959 é um ator norte-americano. Nascido em uma família mórmon, Matthew é o mais jovem de sete irmãos. Depois de assistir um documentário sobre o filme Oliver! (1968), um musical dirigido por Carol Reed e com roteiro livremente baseado no romance Oliver Twist de Charles Dickens, decidiu que queria tornar-se ator. Mudou-se para Nova Iorque em 1979, local em que conheceu sua esposa Cari. Casaram no ano seguinte e têm um casal de filhos.
Seus principais filmes são, respectivamente: Private School (1983); The Hotel New Hampshire (1984), com Jodie Foster, Birdy (1984), de Alan Parker e com Nicolas Cage; Mrs. Soffel (1984), de Gillian Armstrong, com Diane Keaton e Mel Gibson; Full Metal Jacket (1987), de Stanley Kubrick; Married to the Mob (1988), Gross Anatomy - Futuros Médicos (1989) - Matthew Modine, Daphne Zuniga, Christine Lahti, Todd Field, John Scott Clough, Alice Carter, Robert Desiderio, Zakes Mokae, Clyde Kusatsu, John Petlock, de Jonathan Demme e com Michelle Pfeiffer; Memphis Belle (1990), de Michael Caton-Jones e com Eric Stoltz; Pacific Heights (1990), de John Schlesinger e com Melanie Griffith; Equinox (1992), de Alan Rudolph; Short Cuts (1993), de Robert Altman com grande elenco; Cutthroat Island (1995), onde protagonizou com Geena Davis; Fluke, como Tom, e Fluke (1995); The Blackout (1997), de Abel Ferrara; Any Given Sunday (1999), de Oliver Stone e com Al Pacino, e The Garden of Eden (2008). Foi membro do júri do Festival Sundance de Cinema em 1994. Em 2016, Matthew interpretou o Dr. Martin Brenner na série de televisão Stranger Things, sendo um dos antagonistas da trama e seu papel mais famoso atualmente. É uma série de televisão via streaming dos gêneros pari passu ficção científica, terror, suspense e o chamado “drama adolescente”, criada, escrita e dirigida pelos irmãos Matt e Ross Duffer para a plataforma Netflix. Além disso, os irmãos Duffer, Shawn Levy e Dan Cohen são também os produtores executivos.
A série apresenta em
seu elenco os nomes de Winona Ryder, David Harbour, Finn Wolfhard, Millie Bobby
Brown, Gaten Matarazzo, Caleb McLaughlin, Noah Schnapp, Natalia Dyer, Charlie
Heaton, Joe Keery, Cara Buono e Matthew Modine, enquanto Sadie Sink, Dacre Montgomery,
Sean Astin, Paul Reiser, Maya Hawke, Priah Ferguson e Brett Gelman foram
incluídos no elenco em temporadas posteriores. A primeira temporada da série
estreou em 15 de julho de 2016, e se passa na cidade fictícia de Hawkins,
Estados Unidos, durante a década de 1980, quando um menino de doze anos chamado
Will Byers desaparece misteriosamente. Pouco depois, Onze, uma garota
aparentemente fugitiva com poderes telecinéticos, conhece Mike, Dustin e
Lucas, amigos de Will, e os ajuda na busca por Will. A segunda temporada
estreou em 27 de outubro de 2017 e se passa um ano após os eventos da primeira
temporada. É abordado as tentativas dos personagens de retornar à normalidade e
das consequências que persistem desde o ano anterior, onde Will fica com sequelas
do mundo invertido. A terceira temporada estreou em 4 de julho de 2019 e é
ambientada no verão norte-americano de 1985, onde os personagens precisam lidar
com o início da adolescência e de novos eventos sobrenaturais após a abertura
de um shopping na cidade e a chegada de uma perigosa equipe russa que planeja
abrir o portal do mundo invertido. Em 30 de setembro de 2019, a Netflix renovou
a série para uma quarta temporada, posteriormente a Netflix confirmou a estreia
da quarta temporada, dividida em 2 volumes, que estrearam em 27 de maio 2022 e
1° de julho de 2022.
Também foi confirmado que a quinta temporada será a última da série. No dia 31 de maio de 2025 a Netflix publicou as datas de lançamento da quinta e última temporada da série, que será dividida em 3 volumes. Os irmãos Duffer desenvolveram a premissa da série em meados de 2015, e no roteiro original, o projeto se chamaria Montauk, e seria ambientado na cidade de mesmo nome localizada em Nova Iorque, abordando as teorias da conspiração envolvendo os experimentos secretos do governo americano em uma base militar na cidade no início da década de 1980. Após a definição do roteiro, os irmãos Duffer incluíram várias referências aos elementos culturais daquela década, como filmes de ficção científica, terror sobrenatural e ação e aventura, bem como videogames, animes e música, além de inúmeras referências a obras de Steven Spielberg, John Carpenter e Stephen King, considerados as grandes inspirações dos irmãos Duffer para a realização do projeto. Eles também se inspiraram em estranhos experimentos que aconteceram durante a chamada Guerra Fria, um período de intensa rivalidade político-ideológica e tensões entre os Estados Unidos e a União Soviética, que durou de 1947 a 1991, e em “teorias da conspiração” do mundo real envolvendo experimentos secretos do governo. Após seu lançamento, Stranger Things recebeu aclamação do público e da crítica especializada, que elogiaram a caracterização, ritmo, atmosfera, atuações, trilha sonora, direção, roteiro e homenagens a filmes do gênero da década de 1980. Devido sua popularidade, a série acabou gerando alguns produtos, como livros, brinquedos, videogames e histórias em quadrinhos. A série também recebeu vários prêmios e extraordinárias indicações em torno de premiações globalizadas, tais como: Emmy Awards, Globo de Ouro, British Academy Television Award, entre outros
A importância estratégica que as relações de poder disciplinar desempenham nas sociedades modernas depois do século XIX, vem justamente do fato delas não serem negativas. Mas positivas, quando tiramos desses termos qualquer juízo de valor moral ou político e pensarmos unicamente na tecnologia empregada. É então, que, segundo Foucault, surge uma das teses fundamentais da genealogia: “o poder é produtor de individualidade”. O indivíduo é uma produção do poder e do saber. Atuando sobre uma “massa” confusa, desordenada e desordeira, o esquadrinhamento disciplinar faz nascer uma multiplicidade ordenada no seio da qual o indivíduo emerge como alvo do poder. O nascimento da prisão historicamente em fins do século XVIII, não representou uma massificação social com relação ao modo como anteriormente se era encarcerado. O nascimento do hospício não destruiu a especificidade da loucura. É o hospício, ao contrário, que produz o louco como doente mental. Um personagem individualizado a partir da instauração de relações disciplinares. E antes da constituição das ciências humanas, no século XIX, a organização das paróquias, a institucionalização do exame de consciência e da direção espiritual e a reorganização do sacramento da confissão, que aparecem como importantes dispositivos de individualização. Em suma, o poder disciplinar não destrói o indivíduo; ao contrário, ele o fabrica. O indivíduo não é o outro do poder, realidade exterior, que é por ele anulado; é um de seus mais importes efeitos. O objetivo é neutralizar a ideia que faz da ciência um conhecimento em que o sujeito vence as limitações reais ou imaginárias de suas condições particulares de existência instalando-se na neutralidade objetiva do universal e da ideologia um conhecimento em que o sujeito tem sua relação com a verdade perturbada, obscurecida, velada pelas condições reais de existência. Todo conhecimento, seja ele científico ou ideológico, só pode existir a partir de condições políticas que são as condições para que se formem tanto o sujeito quanto os domínios do saber.
A investigação do saber não deve remeter a um sujeito de conhecimento que seria a sua origem, mas a relações de poder que lhe constituem. Não há saber neutro. Todo saber é político. E isso não porque cai nas malhas do Estado, é apropriado por ele, que dele se serve como instrumento de dominação, descaracterizando seu núcleo essencial. Mas porque todo saber tem sua gênese em relações de poder. O fundamental da análise teórica é que saber e poder se implicam mutuamente; não há relação de poder sem constituição de um campo de saber, como também, reciprocamente, todo saber constitui novas relações de poder. Todo ponto de exercício do poder é, ao mesmo tempo, um lugar de formação de saber. É assim que o hospital não é apenas local de cura, mas também instrumento de produção, acúmulo e transmissão de saber. Do mesmo modo que a escola está na origem da pedagogia, a prisão da criminologia, o hospício da psiquiatria. Mas a relação ainda é mais intrínseca: é o saber enquanto tal que se encontra dotado estatutariamente, institucionalmente, de determinado poder. O saber funciona dotado de poder. E enquanto é saber tem poder. A configuração do que Foucault denomina de “intelectual específico” se desenvolveu na 2ª grande guerra (1939-1945), e talvez o físico atômico tenha sido quem fez a articulação entre intelectual universal e intelectual específico. É porque tinha uma relação direta e localizada com a instituição e o saber científico que o físico atômico intervinha; mas já que a ameaça atômica concernia todo o gênero humano e o destino do mundo, seu discurso podia ser ao mesmo tempo o discurso do universal. Sob a proteção deste protesto que dizia respeito a todos, o cientista atômico desenvolveu uma posição específica na ordem do saber. E admite Foucault, pela primeira vez o intelectual foi perseguido pelo poder político, não mais em função do seu discurso geral, mas por causa do saber que detinha: é neste nível que ele se constituía como um perigo político. Mas o intelectual específico deriva de uma figura muito pobre e diversa do “jurista-notável”. O “cientista-perito”.
O importante é que a verdade não existe fora do poder ou sem poder. A verdade é deste mundo, produzida nele graças a múltiplas coerções que produz efeitos regulamentados de poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, seus tipos de discursos que faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados, sob nosso olhar, para a obtenção da verdade. Quem está de fora do poder, mas tem a capacidade analítica de interpretar o estatuto que delimita o seu campo de saber, percebe os efeitos de poder do que funciona como verdadeiro. É preciso repensar os problemas políticos dos intelectuais não mais em termos exclusivos da relação entre ciência e ideologia, mas sem abandoná-la, tendo em vista que a universidade pública é um domínio de casta, “a forma natural pela qual costumam socializarem-se as comunidades étnicas que creem no parentesco de sangue com os membros de comunidades exteriores e o relacionamento social. Essa situação de casta é parte do fenômeno de povos párias e se encontra em todo o mundo” (cf. Weber, 1982; pp. 449-470), a análise pode ser religada na medida em que a questão da profissionalização do intelectual, da divisão entre trabalho manual e intelectual, na esfera pública pode ser retomada. A verdade está circularmente ligada a sistemas de poder que a produzem e apoiam, e a efeitos de poder que ela induz e a reproduzem. Ipso facto, o problema político essencial para o intelectual não é apenas criticar os conteúdos ideológicos que privilegiam grupos no sistema educacional que estariam ligados à ciência ou fazer com que sua prática científica seja acompanhada por métodos de inclusão democráticos. Mas não se trata de libertar a verdade do sistema de poder, mas de desvincular o poder da verdade das formas com as quais ele legitima suas formas de saber. A genealogia exige a minúcia do saber, evidenciando um grande número de materiais acumulados.
O termo julgamento, em primeiro lugar, geralmente se refere a uma avaliação que considera uma série de fatores ou provas para a formação de uma decisão embasada. Esse termo possui diversas acepções, como a concepção psicológica, que é usada em referência à qualidade das capacidades cognitivas e adjudicação de particulares, normalmente chamado sabedoria ou discernimento, como por exemplo, um julgamento de uma exposição como miss, gado, cavalo, cães, etc.; a religiosa, que é utilizada no conceito de salvação para se referir ao julgamento decisivo de Deus na causa com recompensa ou punição para cada ser humano; e por fim, a mais reconhecida, jurídica, que geralmente se refere a uma decisão justificada proferida pelo juiz. O termo julgamento na acepção jurídica pode se referir a diversos atos, por exemplo, o processo cognitivo realizado pelo juiz ao ponderar sobre os argumentos levantados pelas partes. Neste sentido, funcionaria como sinônimo de interpretação, ou seja, uma operação mental que fixa sentido às normas jurídicas. Processo cognitivo realizado pelas partes: ao entrar com uma demanda, as partes geralmente devem fundamentar suas pretensões com argumentos jurídicos, realizando para tal um processo cognitivo/abstrato de seleção de argumentos. Neste caso, uma pessoa deverá ponderar entre os fatos que levantará para explicar o caso ao juiz, e os argumentos de direito, baseados na lei, que darão apoio à sua pretensão, realizando assim um julgamento de valor para realizado esta seleção. Decisão proferida pelo magistrado após ponderação dos argumentos das partes: sinônimo de sentença, a decisão judicial também é um julgamento na acepção jurídica, pois leva o magistrado a valorar os fatos e o direito e posicionar-se a respeito do caso concreto.
Os juízes, embora estejam vinculados a uma norma hierárquica que lhes concede competência para proferir decisões, devem, na maioria dos ordenamentos, fundamentar suas decisões, mostrando à parte o raciocínio utilizado para chegar à uma conclusão. A argumentação jurídica geralmente é uma fusão de fatos do mundo real, que são trazidos pelas partes, com normas jurídicas, que comprovam o poder do magistrado de interpretação das leis. O julgamento seria assim uma forma de validação da norma jurídica, ou seja, quando o juiz aplica a norma, estaria validando e dando eficácia a ela. A pena de morte, em segundo lugar, é legal nos Estados Unidos da América, atualmente usada por 29 estados, o governo federal e os militares. Sua existência pode ser rastreada desde o início das colônias americanas. Os Estados Unidos são a única nação ocidental desenvolvida que aplica a pena de morte regularmente. É um dos 54 países em todo o mundo a aplicá-lo e foi o primeiro a desenvolver a injeção letal como método de execução, que já foi adotado por outros cinco países. As Filipinas aboliram as execuções e a Guatemala o fez por ofensas civis, deixando os Estados Unidos como um dos quatro países que na atualidade ainda usam esse método junto com China, Tailândia e Vietnã. Não houve execuções nos Estados Unidos entre 1967 e 1977. Em 1972, a Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou os estatutos da pena de morte em Furman v. Georgia, reduzindo todas as sentenças de morte pendentes no momento em prisão perpétua. Posteriormente, a maioria dos estados aprovou novos estatutos de pena de morte, e o tribunal afirmou a legalidade da pena de morte no caso de 1976 Gregg v. Georgia. Desde então, mais de 7.800 réus foram condenados à morte; destes, mais de 1.500 foram executados. Um total de 165 condenados à morte na Era Moderna foram exonerados antes de serem executados. Em 1° de abril de 2018, 2.743 ainda estão no corredor da morte.
Historicamente em vez de abandonar a pena de morte, 37 estados promulgaram novos estatutos de pena de morte que tentaram abordar as preocupações de Byron White e Potter Stewart em Furman. Alguns estados responderam promulgando estatutos obrigatórios de pena de morte que prescreviam uma sentença de morte para qualquer pessoa condenada por certas formas de assassinato. White sugerira que esse esquema atenderia às suas preocupações constitucionais em sua opinião de Furman. Outros estados adotaram procedimentos de julgamento e sentença “bifurcados”, com várias limitações processuais na capacidade do júri de pronunciar uma sentença de morte destinada a limitar a discrição do jurado. Em 2 de julho de 1976, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu Gregg v. Georgia por 7 a 2 e manteve o procedimento na Geórgia no qual o julgamento de crimes capitais foi bifurcado em fases de inocência e sentença de culpa. No primeiro processo, o júri decide a culpa do réu; se o réu for inocente ou não for condenado por assassinato em primeiro grau, a pena de morte não será aplicada. Na segunda audiência, o júri determina se existem certos fatores agravantes estatutários, se existem fatores atenuantes e, em muitas jurisdições, pesa os fatores agravantes e atenuantes na avaliação da penalidade máxima, morte ou prisão perpétua, com ou sem liberdade condicional. No mesmo dia, em Woodson v. North Carolina e Roberts v. Louisiana, o tribunal anulou por 5 a 4 estatutos, fornecendo uma condenação de morte obrigatória. As execuções foram retomadas exatamente em 17 de janeiro de 1977, quando Gary Gilmore foi executado por um pelotão de fuzilamento em Utah.
A pena de morte por certos crimes ainda é possível para os membros da Guarda Nacional dos Estados Unidos no Título 32 do Código de Justiça Militar do Novo México (NMSA 20-12), e por crimes capitais cometidos antes da revogação do estatuto de pena de morte no Novo México. A legislatura de Nebraska também aprovou uma revogação em 2015, mas uma campanha de referendo reuniu assinaturas suficientes para suspendê-la. A pena de morte foi restabelecida por votação popular em 8 de novembro de 2016. No mesmo dia, o eleitorado da Califórnia derrotou uma proposta de revogação da pena de morte e adotou outra iniciativa para acelerar seu processo de apelação. Em 11 de outubro de 2018, o estado de Washington se tornou o 20º estado a abolir a pena de morte quando a Suprema Corte de Washington considerou a pena de morte inconstitucional com base no viés racial. Nova Hampshire se tornou o 21º estado a abolir a pena de morte em 30 de maio de 2019, quando o Senado de Nova Hampshire anulou o veto do governador Chris Sununu por 16 a 8. Desde Furman, 11 estados organizaram votos populares sobre a pena de morte por meio do processo de iniciativa e referendo. Todos resultaram em uma votação para restabelecê-lo, rejeitar sua abolição, expandir seu campo de aplicação, especificar na constituição estadual que não é inconstitucional ou acelerar o processo de apelação em casos capitais. 21 estados, além do Distrito de Columbia e Porto Rico, aboliram a pena de morte para todos os crimes. Michigan se tornou o primeiro território de língua inglesa do mundo a abolir a pena de morte em 1847. Embora a traição permanecesse um crime punível com a pena de morte em Michigan, apesar da abolição de 1847, ninguém jamais foi executado sob essa lei, e a Convenção Constitucional de Michigan de 1962 codificou que a pena de morte foi abolida.
Longe de ser uma categoria de semelhança, tal origem permite ordenar, para coloca-las a parte, todas as marcas diferentes. O genealogista parte em busca do começo, esta marca quase apagada que não saberia enganar um olho, por pouco histórico que seja; a análise da proveniência permite dissocia o Eu e fazer pulular lugares e recantos de sua síntese vazia, entre acontecimentos aparentemente perdidos. A proveniência permite também reencontrar sob o aspecto único de um caráter ou de um conceito a proliferação dos acontecimentos através dos quais eles se formaram. Metodologicamente a genealogia não pretende recuar no tempo para restabelecer uma grande continuidade para além da dispersão do esquecimento; sua tarefa não é a de mostrar que o passado ainda está lá, bem vivo no presente, animando-o ainda em segredo, depois de ter imposto a todos os obstáculos do percurso uma forma delineada desde o início. Seguir o filão complexo da proveniência é, ao contrário, manter o que se passou na dispersão que lhe é própria: é demarcar os acidentes, os ínfimos desvios, os erros, as falhas na apreciação, os maus cálculos que deram nascimento ao que existe e tem valor para nós; é descobrir que na raiz daquilo que nós conhecemos e daquilo que nós somos – não existem a verdade e o ser, mas a exterioridade do acidente. Na universidade como na esfera da sociedade, basta o que ficou da gestão passada para compreendermos o presente. Na vã política em geral e particularmente na gestão acadêmica o passado nos condena. A cena pública da verdade é sempre a mesma em que repetem indefinidamente os dominadores e os dominados. Homens dominam outros homens e é assim que nasce a diferença de valores; classes dominam classes e é assim que nasce a ideia de liberdade, homens se apoderam de coisas das quais eles têm necessidade para viver, eles lhes impõem uma duração que elas não têm, ou eles as assimilam pela força – e é o nascimento da lógica.
Nem a relação de dominação é mais uma relação, nem o lugar onde ela se exerce é um lugar. E é por isto precisamente que em cada momento da história a dominação se fixa em um ritual; ela impõe obrigações e direitos; ela constitui cuidadosos procedimentos. Ela estabelece marcas, grava lembranças e até nos corpos; ela se torna responsável pelas dívidas. Universo de regras que não é destinado a adoçar, mas ao contrário a satisfazer a violência. A regra é o prazer calculado da obstinação, é o sangue prometido. Ela permite reativar sem cessar o jogo da dominação; ela põe em cena uma violência meticulosamente repetida. A humanidade não progride lenta de combate em combate, ela instala cada uma de suas violências em um sistema de regras, e prossegue assim num processo ad infinitum de dominação em dominação. É justamente a regra que permite que seja feita a violência a violência e que uma outra dominação possa dobrar aqueles que dominam. Em si mesmas as regras são vazias, violentas, não finalizadas; elas são feitas para servir a isto ou aquilo; elas podem ser burladas ao sabor da vontade de uns e outros. O grande jogo da história será, segundo a analítica do poder de Michel Foucault, de quem se apoderar das regras, de quem tomar o lugar daqueles que as utilizam, de quem se disfarçar para perverte-las, utilizá-las ao inverso, socialemnte falando, e volta-las contra aqueles que as tinham imposto; de quem, se introduzindo no aparelho complexo, o fizer funcionar de tal modo que os dominadores encontrar-se-ão dominados por suas próprias regras. As diferenças emergenciais que se podem demarcar não são figuras sucessivas de uma mesma significação.
São efeitos de substituição, reposição e deslocamento, conquistas
disfarçadas, inversões sistemáticas. Se interpretar eras colocar lentamente em
foco uma significação oculta na origem, apenas a metafísica poderia interpretar
o devir da humanidade. Mas se interpretar é se apoderar por violência ou
sub-repção, de um sistema de regras que não tem em si significado essencial, e
lhe impor uma direção, dobrá-lo a uma nova vontade, fazê-lo entrar noutro jogo
e submetê-lo a novas regras, então o devir da humanidade é uma série de
interpretações. E a genealogia dever ser a sua história: história das morais,
dos ideais metafísicos de uma universidade de verdade, dos conceitos
metafísicos, história do conceito de liberdade ou da vida ascética, como
emergências de interpretações diferentes. Trata-se de fazê-las aparecer como
acontecimentos reais no teatro dos procedimentos. Não queremos perder de vista
que a disciplina é, antes de tudo, a análise do espaço. É a individualização
pelo espaço, a inserção dos corpos em um espaço individualizado,
classificatório, combinatório. A disciplina exerce seu controle, não sobre o
resultado de uma ação, mas sobre seu desenvolvimento. No século XVII, nas
oficinas de tipo corporativo, o que se exigia do companheiro ou do mestre era
que fabricasse um produto com determinadas qualidades. A maneira de fabricá-lo
dependia da transmissão de geração em geração. Do mesmo modo, se ensinava o soldado
a lutar, a ser mais forte do que o adversário na luta individual da batalha. A partir do século XVIII, se desenvolve uma
arte do corpo humano. Observa-se de que maneira os gestos são feitos, qual o
mais eficaz, rápido e melhor ajustado.
Nas oficinas aparece o
famoso e sinistro personagem do contramestre, destinado não só a observar se o
trabalho foi feito, mas como é feito, como pode ser mais rapidamente realizado
e com gestos melhor adaptados. O famoso Regulamento da Infantaria
Prussiana, que assegurou as vitórias de Frederico da Prússia, consiste em
mecanismos de gestão disciplinar dos corpos. A disciplina é uma
técnica de poder que implica uma vigilância perpétua e constante dos
indivíduos. Não basta olhá-los às vezes ou ver se o que o que fizeram é
conforme à regra. É preciso vigiá-los durante todo o tempo da atividade e
submetê-los a uma perpétua “pirâmide de olhares”. Mas a disciplina implica um
registro contínuo. Anotação do indivíduo e transferência da informação de baixo
para cima, de modo que, no cume da pirâmide disciplinar escape a esse saber. No
sistema clássico o exercício do poder era confuso, global e descontínuo, do
soberano sobre grupos constituídos por famílias, cidades, paróquias, isto é,
por unidades globais, e não um poder contínuo atuando sobre o indivíduo. A
disciplina é o conjunto de técnicas pelas quais os sistemas de poder vão ter
por alvo e resultado os indivíduos em sua singularidade. O exame desde
a sua origem é a vigilância permanente, classificatória, que
permite distribuir os indivíduos, julgá-los, medi-los, localizá-los e, por
conseguinte, utilizá-los ao máximo. Através do exame, a individualidade
torna-se um elemento de uso pertinente para o exercício do poder.
A invenção dessa nova anatomia política não deve ser entendida como descoberta súbita. Mas como uma multiplicidade de processos muitas vezes mínimos, de origens diferentes, de localizações esparsas, que se recordam, se repetem, ou se imitam, apoiam-se uns sobre os outros, distinguem-se segundo seu campo de aplicação, entram em convergência e esboçam aos poucos a fachada de um presunçoso método geral. Não se trata de fazer aqui a história das diversas instituições disciplinares no que podem ter cada uma de singular: 1) ambas, neste caso, são instituições públicas comp\raticamente gerenciadas por uma casta com utilidade de uso no poder (cf. Weber, 1982; Dumont, 1992); 2) Existe uma série de exemplos de algumas das técnicas essenciais empregadas que, de uma a outra, se generalizaram mais facilmente. Pequenas astúcias dotadas de um grande poder de difusão, arranjos sutis, de aparência inocente, mas profundamente suspeitos, são dispositivos que obedecem a economias inconfessáveis, ou que procuram coerções sem grandeza (assédio moral), são eles, entretanto que levaram à mutação do regime punitivo contemporâneo; 3) Descrevê-los metodicamente, nominalmente, implicará a demora sobre o detalhe da corrupção do pensamento e a atenção às minúcias: sob as mínimas figuras, procurar não um sentido, mas uma precaução; recoloca-las não apenas na solidariedade de um funcionamento, mas na coerência de uma tática; 4) Astúcias, não tanto de grande razão que trabalha até durante o sono, no sentido freudiano, e dá coerência ao insignificante quando da atenta malevolência que de tudo alimenta. A disciplina é uma anatomia política do detalhe. O que nos interessa do ponto de vista da prática é a racionalização utilitária do detalhe na contabilidade moral e no controle político. A regra das localizações funcionais vai pouco a pouco codificar um espaço que a arquitetura deixava livre e pronto para vários usos.
Lugares determinados se definem para satisfazer não só à necessidade de vigiar, de romper as comunicações perigosas, mas também de criar um espaço útil. Temos assim, um dispositivo que asfixia e quadricula; tem que realizar uma apropriação sobre toda essa mobilidade e esse formigar humano, decompondo a confusão da ilegalidade e do mal. Essa gente, através do impedimento de elementos intercambiáveis, conquistados a duras penas, quer através da vigilância e punição, da prevaricação e do ressentimento acadêmico, quer individualizar corpos por uma localização que não os implanta, mas os distribui e os faz circular numa série de relações. O sucesso do poder disciplinar se deve sem dúvida ao uso de instrumentos simples: o olhar hierárquico, a sanção normalizadora e a sua combinação num procedimento que lhe é específico. A vigilância se torna um operador decisivo, na medida em que é ao mesmo tempo uma peça interna no aparelho de produção e uma engrenagem especial do poder disciplinar. A arte de punir, no regime de poder disciplinar, não visa nem a expiação, nem mesmo exatamente a repressão. Põe em funcionamento cinco operações bem distintas: relacionar os atos, os desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto, que é ao mesmo tempo campos de comparação, espaço de diferenciação e princípio de uma regra a seguir. Diferenciar os indivíduos em relação uns aos outros e em função dessa regra de conjunto – que se deve fazer funcionar como base mínima, como média a respeitar ou como o ótimo de que se deve chegar perto. Medir em termos quantitativos e hierarquizar em termos de valor as capacidades, o nível, a natureza humana dos indivíduos. Fazer funcionar, através dessa medida valorizadora negativamente, a coação de uma conformidade a realizar. E por último, traçar o limite que definirá a diferença em relação a todas as diferenças, a fronteira externa do “anormal”. A penalidade que atravessa todos os pontos e controla todos os instantes das instituições disciplinares compara, diferencia, hierarquiza, homogeneíza, exclui. Em uma palavra, ela normaliza.
Bibliografia Geral Consultada.
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1989; MEYER, Marlyse, As Surpresas do Amor: A Convenção no Teatro de
Marivaux. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1992; FEBVRE,
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Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1992; DURAND, Gilbert, As
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São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997; DWORKIN, Ronald, O Império do
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Martins Fontes, 2009; MARTINS, Carlos Benedito, “A Contemporaneidade de Erving
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Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia e Metodologia das Ciências.
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de Filosofia. PPGFIL-UFPB. Vol. 15, n° 1 (2024), pp. 97-109; entre outros.
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