“Se chorei ou se sorri. O importante é que emoções eu vivi”. Roberto Carlos
Amizades fazem com que as pessoas consigam administrar um tipo de vida, ter projetos como indivíduo, atuar e cumprir seu destino na sociedade”, diz o antropólogo Mauro Koury, professor da Universidade Federal da Paraíba e coordenador do Grem. Amizade aqui é entendida como a duradoura, a sólida, ressalva que se faz ainda mais necessária por causa da banalização da palavra - o brasileiro chama de amigo o garçom, flanelinha e até o desconhecido a quem pede uma informação na rua. Mas as amizades longas são as que contam. – “Amizade que acaba é porque nunca começou. Se não for algo que sai do pragmático, do imediato, não é verdadeiro”, diz o filósofo e colunista da Folha Mario Sergio Cortella. Historicamente esse “ciclo longo” de relacionamento, segundo o antropólogo José Guilherme Magnani, do Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo, não tem como base o trabalho ou lealdades específicas. A disponibilidade de trocas a longo prazo é o que sustenta as parcerias no decorrer do tempo, diz o antropólogo. O que faz surgir aquela amizade “para sempre” está além das explicações da razão. “Não é optativo. Todos tropeçam em pessoas com quem teriam esse tipo de relacionamento, mas podem reconhecê-las ou não naquele momento”, diz o psicanalista Armando Colognese Jr., supervisor de formação em psicanálise do Instituto Sedes Sapientae. Embora não se conheça por completo a química da amizade, Colognese acredita que ela não acontece, per se na forma duradoura e produtiva, com pessoas iguais entre si. “A amizade requer aquele raro ponto médio entre semelhança e diferença”, escreveu o filósofo Ralph Waldo Emerson (1803-1882).
O que é emoção? Como estudá-la? Essas questões se desdobram em várias outras: Emoção é um fenômeno sociológico? As emoções são socioculturais ou biologicamente determinadas? Ou, as emoções são inatas e universais ou são culturalmente específicas? Qual a influência do social sobre a forma de sentir e de expressar as emoções? Ou, qual e como os sentimentos influenciam os comportamento e atitudes dos indivíduos? As tensões conceituais e metodológicas entre proposições envolvem questões sociológicas fundamentais, cuja origem remota aos debates travados entre os pragmatistas William James, John Dewey e George Herbert Mead. Os referencias teóricos da disciplina central se aplicam ao estudo das emoções ou são necessários conceitos específicos? É possível estabelecer relações entre emoções e macro estrutura? As respostas a essas questões dizem respeito à definição do conceito sociológico. Seus adeptos propõem uma sociologia das emoções que deve procurar as causas sociais, psicológicas, fisiológicas das emoções para explicá-las. Devem utilizar-se do método social que seja capaz de prever as emoções empíricas relevantes e de formular leis gerais aplicáveis ao estudo do homem urbano. O depoimento de Iara Biderman (2004), sobre o sociólogo Mauro Koury é emocionante: - Amizades, paixões, ternura: temas que, à primeira vista, parecem ser de interesse apenas da vida privada, assunto particular, já atraem pesquisadores de várias ciências, das humanas às médicas. No Brasil, em João Pessoa, o Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia da Emoção (Grem), especialização ainda pouco conhecida, estuda os mecanismos que sustentam fenômenos considerados subjetivos como as amizades e o modo como estas moldam a sociedade e são moldadas por ela. – “Ao ser amigo, eu deixo de ser singular, tenho regras, mesmo que implícitas, de conduta, de comportamento, de afeto.
Outra característica que diferencia as amizades de longa data é a possibilidade de confronto sem ruptura. “Se você me importa, eu me incomodo com você. Incomoda-me se você está certo, errado, o que você fala e até a forma de você se vestir”, diz Cortella. Amigo é quem pode falar aquilo que não gostamos de ouvir. O administrador de bufê Walter Pires Jr., 46, viveu essa situação com a fonoaudióloga Gláucia Domingues, 45, sua amiga há mais de 30 anos. Pires conta que, certa vez, disse à Gláucia que discordava do caminho que ela estava tomando no campo sentimental. A resistência da fonoaudióloga a ouvir os conselhos do amigo o levou a encerrar o assunto, mas não sem antes avisar: “Tudo bem, mas não peça mais a minha ajuda”. Pires acredita que essa frase tenha feito “cair a ficha” e, passado o tempo regulamentar de cicatrização de mágoas, a amizade voltou a ser o que era. A possibilidade de superar mágoas também é pressuposto e resultado de amizades duradouras, diz Colognese. Requer maturidade, é óbvio, e também uma das maiores virtudes do ser humano, segundo o psicanalista, que é a capacidade de reconhecer os próprios limites e saber onde procurar o que falta -e a amizade é um espaço privilegiado para essa busca. As amizades longas são mais raras porque, mesmo que surgidas num golpe do acaso, dão muito mais trabalho. “Amigo pede dinheiro emprestado, bebe, dá um trabalhão, mas você sabe que um dia estará carregando a alça do caixão dele e chorando sua partida sem saber bem o motivo”, diz Cortella. É um esforço mais de compreensão e aceitação do diferente do que de convivência física. - “Nem é preciso encontrar-se sistematicamente, há um pressuposto de que a amizade exista”, diz o antropólogo Mangnani. Na amizade sólida, o tempo socialmente necessário é uma contingência. Não afasta, apenas adia. Ao lado da afinidade e do respeito, a criação de certos rituais reaviva o pacto de confiança ou lealdade que, para Koury, é elemento fundamental da amizade longa. Em certas sociedades, como as indígenas, comparativamente, os rituais são muito mais precisos, com regras predeterminadas. Os rituais cotidianos são criados aleatoriamente.
Há mais de dois séculos a ideia de que a verdade era produzida, e não descoberta começou a tomar conta do imaginário individual (o sonho) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos) europeu. O precedente estabelecido pelos românticos conferiu a seu pleito uma plausibilidade inicial. O papel efetivo de romances, poemas, peças teatrais, quadros, estátuas e prédios no movimento social dos últimos 150 anos deu-lhe uma plausibilidade ainda maior, obtendo legitimidade, já que lembrava Max weber, “as ideias adquirem força na história”. Alguns filósofos inclinaram-se ao Iluminismo e continuaram a se identificar com a ciência. Eles veem a antiga luta entre a ciência e a religião, a razão e a irracionalidade, como um processo em andamento que assumiu a forma de luta entre a razão e todas as mediações intraculturais que pensam na verdade constituída e não encontrada. Filósofos consideram que a ciência é a atividade paradigmática e insistem que a ciência natural descobre a verdade, ao invés de cria-la. Encaram a expressão “criar a verdade” como meramente metafórica e totalmente enganosa. Pensam na política e na arte como esferas sociais em que a ideia de “verdade” fica deslocada. Outros filósofos, percebendo que o mundo descrito pelas ciências físicas não ensina nenhuma lição moral e não oferece conforto espiritual, concluíram que a ciência não passa de uma serva da tecnologia. Esses filósofos alinham-se com o utopista político e com o artista inovador.
Os
primeiros contrastam a “realidade científica concreta” com o “subjetivo” ou o
“metafórico”, os segundos veem a ciência como mais uma das atividades humanas,
e não como o lugar em que os seres humanos deparam com uma realidade não humana
“concreta”. De acordo com essa visão, os grandes cientistas inventam descrições
do mundo que são úteis para o objetivo de prever e controlar o que acontece,
assim como os poetas e os pensadores políticos inventam outras descrições do
mundo para outros fins. Não há sentido algum, porém, em que qualquer dessas
descrições seja uma representação exata de como é o mundo em si. Esses
filósofos consideram inútil a própria ideia dessa representação, consignando
uma verdade de categoria fenomênica, como uma descrição do espírito ainda não
plenamente cônscio de sua natureza espiritual (dialética) e, elevar ao tipo de
verdade oferecida pelo poeta e pelo revolucionário político. O idealismo
alemão, porém, representou uma solução de compromisso pouco duradoura e
insatisfatória. É que Immanuel Kant (1724-1804) e Georg Hegel (1770-1831) fizeram apenas concessões
parciais em seu repúdio à ideia de que a verdade está “dada”. Dispusera-se a
ver o mundo da ciência empírica como um mundo “fabricado” – a ver a matéria
como algo construído pela mente, ou como feita de uma mente insuficientemente
cônscia de seu próprio caráter mental -, mas persistiram em ver a mente, o
espírito, as profundezas do eu como dotados de uma natureza intrínseca – uma
natureza que se poderia conhecer por uma espécie de superciência não empírica,
chamada de filosofia. Isso significava que apenas metade da verdade – a metade
científica inferior – era produzida. A verdade superior, a verdade sobre a
mente, seara da filosofia, ainda era uma questão in statu nascendi de descoberta, não de criação.
Sobre
a questão específica a respeito das chamadas Afinidade eletivas, lembra Michael
Löwy que são raros os pesquisadores especializados em sociologia das religiões
que, ao comentar os diversos escritos de Weber sobre o tema hic et nunc, em
particular A Ética Protestante, não constataram a utilização conceitual através
do termo “afinidade eletiva”. Isto porque, estranhamente, esse termo suscitou
poucos estudos, discussões ou debates e menos ainda uma análise mais
sistemática de seu significado metodológico. Existe o ensaio de Richard Howe
(1978) que contém informações úteis sobre as origens do termo, mas a definição
que ele propõe considerando a “afinidade eletiva”, como uma ideia no sentido de
emprego kantiano não é muito pertinente. Além disso, na interpretação
Löwyniana, o referido autor não distingue a “afinidade interna” da conceitual
afinidade eletiva, o que elimina o papel decisivo da eleição. Enfim, ele parece
querer reduzir a Wahlverwandtschaft a uma “afinidade entre palavras”, em função
da “interseção de significados”, o que limita seu considerável alcance. No
ensaio de J. J. R. Thomas (1985) depois de uma discussão não sem interesse,
chega a uma conclusão decepcionante: - “Tentando evitar o conceito de
ideologia, considerado por ele grosseiramente materialista, Weber criou um
conceito que não leva a lugar algum”. A contribuição social é a do escritor e
ensaista espanhol José María González Garcia que dedicou às afinidades eletivas exatamente um capítulo de seu livro entre os ilustres pensadores na sociologia Max Weber e literatura Johann Wolfgang von Goethe (1992).
A Wahlverwandtschaft tem história, muito anterior aos
escritos sobre religião de Max Weber. Foi na alquimia medieval que o termo
“afinidade” começou a ser usado para explicar a atração e fusão dos corpos.
Segundo Alberto Magno (1193/1206-1280), se o enxofre se une aos metais, é por
causa da afinidade que ele tem com esses corpos: “propter affinitarem naturae
metalla adurit”. Encontramos essa temática nos alquimistas dos séculos
seguintes. Por exemplo, em seu livro Elementa Chimiane (1724), Hermannus
Boerhaave (1668-1738) explica que “particulae solventes et solutae se
affinitate suae naturae colligunt in corpora homogênea”. A afinidade é
uma força em virtude da qual duas substâncias “procuram-se, unem-se e
encontram-se” numa espécie de casamento, de bodas químicas, antes procedendo do
amor que do ódio, “magis ex amore quam ex dio”. O termo attractio electiva
aparece pela primeira vez nos escritos do químico sueco Torbern Olof Bergman.
Seu livro, De attractionjibus electivis (Upsalla, 1775), foi traduzido
para o francês com o título de Traité des affinités chimiques ou Attractions
électives (1788). Na tradução alemã (Frankfurt, Tabor, 1782-1790), o termo
“atração eletiva” foi exatamente traduzido por Wahlverwandtschaft, afinidade
eletiva. Foi dessa versão alemã do livro oitocentista de Bergman que Goethe
tirou o título de seu romance Wahlverwandtschaft (1809), no qual ele
menciona um livro de química estudado “há cerca de dez anos” por um de seus
personagens. O termo se torna uma extraordinária metáfora para designar o
movimento passional pelo qual um homem e uma mulher são atraídos um para o
outro – correndo o risco de se separarem de seus antigos companheiros – a
partir da afinidade íntima entre suas almas.
Essa
transposição de Wolfgang Goethe faz do conceito químico para a o terreno social
da espiritualidade e do amor foi facilitada pelo fato de que, em vários
alquimistas, como a Síndrome de Boerhaave, por exemplo, o termo já era
fortemente carregado de metáforas sentimentais e eróticas. Para Goethe, existe
afinidade eletiva quando dois seres ou elementos “procuram-se um ao outro,
atraem-se, apropriam-se um do outros e, em seguida ressurgem dessa união íntima
numa forma renovada me imprevista”. A semelhança com a fórmula de Boerhaave –
dois elementos “procuram-se, unem -se e encontram-se” – é impressionante, e não
excluímos que Goethe conhecesse e tenha se inspirado na obra do alquimista
holandês. Com o romance de Goethe, o termo ganhou direito de cidadania na cultura
alemã como designação de um tipo de ligação particular entre duas almas. Foi na
Alemanha que ele passou por sua terceira metamorfose: a transmutação, por obra
desse grande alquimista da ciência social chamado Max Weber, em conceito de
representação puramente de encarnação sociológico. Da acepção antiga, ele conserva as conotações
de escolha recíproca, atração e combinação, mas a dimensão da novidade parece
desaparecer. O conceito ocupa um lugar importante em A Ética Protestante,
precisamente por levar a cabo a análise da relação complexa e sutil entre essas
duas formas. Para a análise livre de julgamentos de valor de Max Weber,
trata-se de superar a abordagem tradicional em termos de causalidade e, assim,
evitar o debate sobre a primazia do “material” ou “espiritual”. São especificados ao mesmo tempo, na medida
do possível, o modo e a direção segundo as quais, em consequência de tais
afinidades eletivas, o movimento religioso agiu sobre o epíteto da
cultura material.
A
afinidade eletiva é talvez um meio objetivo para uma busca causal “num segundo momento”,
mas isso não significa que ela própria seja uma relação causal. As formulações
de Max Weber são suficientemente flexíveis para podemos admitir diferentes
leituras de interpretação. Neste ano, Mills mencionou, numa carta a um amigo,
que os manuscritos incluíam “uma [versão] completamente reescrita e, acredito
de primeira linha, de um ensaio inédito Sobre o Artesanato Intelectual” (“On
Intellectual Craftsmanship”). A primeira versão do texto foi escrita em abril
de 1952, segundo anotação de Mills no manuscrito, e distribuída para uso em
sala de aula em 1955. O texto completo foi publicado em Society, vol.17,
n° 2, janeiro 1980, pp.63-70. O texto acabou sendo publicado como apêndice de The
Sociological Imagination e tornou-se a parte mais universalmente conhecida
e elogiada do livro. Metodologicamente é em torno da ideia de “artesanato
intelectual” que a coletânea de textos de C. Wright Mills foi organizada. Além
do famoso Apêndice, foram reunidos quatro outros textos curtos,
representando um meio de trabalho que
nos ajudam a melhor a compreensão sociológica dessa ideia: um trecho de White
Collar que explica a utilidade de uso pragmaticamente do tipo ideal
weberiano do artesanato, algo que tornou-se um anacronismo na experiência
moderna do trabalho descrito no capítulo 2; uma palestra, inédita em português,
realizada por Mills numa convenção para designers, na qual defende o teor
abstrato do modelo artesanal como um valor central para seres humanos não
alienados, disposto no capítulo 3; a seção inicialmente do ensaio: A Imaginação Sociológica,
na qual apresenta aquilo que ela pode nos oferecer, ao esclarecer a inter-relação
entre biografia e história no capítulo 4; e, por representar um texto sobre a posição do
intelectual e de seu ofício diante das questões públicas no capítulo 5.
C. Wright Mills faz, em “Sobre o artesanato intelectual”, um relato pessoal, dirigido aos que se iniciam ou dissociam nas Ciências Sociais, de como procede em seu ofício. A imagem de um “ofício” e a associação com as ideias de “artesanato” e “oficina” contrapõe-se à divisão do trabalho do cientista social como alguém que testa hipóteses construídas a partir de leis gerais e aplicadas através de métodos controláveis. No trabalho do cientista social não haveria fórmulas, leis, receitas, e sim méthodos, no sentido originalmente grego da palavra: via, caminho, rota para se chegar a um fim. O “artesão intelectual” de que trata Mills deve ser visto como um “tipo ideal”, no sentido weberiano do termo – algo que não é encontrado em forma “pura” na realidade social, mas que, construído pelo pesquisador a partir do exagero de algumas propriedades de determinado fenômeno, nos ajuda a compreendê-lo. Nesse sentido, ver o trabalho de pesquisa como um ofício ressalta a importância da dimensão existencial na formação do pesquisador na sociedade contemporânea. Isso não quer dizer que se devam explicar os resultados do trabalho a partir da biografia, como ocorre em tolas reuniões científicas; não estamos falando de fenômenos psicanalíticos ou coisas do gênero. Como Mills tende a enfatizar a indissociabilidadepragmaticamente para o “artesão intelectual”, entre sua vida humanamente possível e seu trabalho - ideia próxima à que um autor brilhante como Georg Simmel chamaria de “autocultivo” através da prática de seu ofício.
Enquanto
um bricoleur, o artesão intelectual está atento para combinações não-previstas
de elementos, evitando normas de procedimento rígidas que levem a um
“fetichismo do método e da técnica”: - Estimule a reabilitação do artesão
intelectual despretensioso, e tente se tornar você mesmo tal artesão. Deixe que
cada homem seja seu próprio metodologista; deixe que cada homem seja seu
próprio teorizador; deixe que teoria e método se tornem parte da prática de um
ofício. A manutenção de um arquivo como o proposto por Mills - tarefa que ele
realizava com lápis e papel, mas que hoje pode igualmente ser realizada com um
computador – gera o hábito da autorreflexão sistemática, através da qual o
cientista social aprende como manter seu mundo interior desperto, relacionando
aquilo que está fazendo intelectualmente e o que está experimentando como
pessoa. Como disse Gláucio Soares (1991), “arquivos deste tipo são,
essencialmente, uma conversa íntima e solitária”. Wright Mills procura seguir
sua própria exortação de que a apresentação do trabalho do sociólogo deve ser
realizada em linguagem a mais clara e simples possível, evitando ao máximo o
jargão e o hermetismo – “para superar a prosa acadêmica, temos de superar
primeiro a pose acadêmica”. No Apêndice: Sobre o Artesanato Intelectual,
dá exemplos metodológicos concretos a seus leitores do que defende, a partir de
sua prática teórica, em particular com a pesquisa que levou à redação de volumosa pesquisa trocando em miúdos as razões d`A Elite do
Poder.
Como
um mestre-artesão que procura passar aos aprendizes de seu ofício aquilo que
aprendeu ao longo de seu caminho. O conhecimento é uma escolha tanto de um modo
de vida quanto de uma carreira; quer o saiba ou não, o trabalhador intelectual,
não sendo um idiota burocrata, forma-se a si próprio à medida que trabalha para
o aperfeiçoamento do ofício artesanal; para realizar suas próprias
potencialidades, e quaisquer oportunidades que surjam em seu caminho ele
constrói um caráter que tem como núcleo as qualidades do bom trabalhador. Isto
significa que deve aprender a usar sua experiência de vida pari passu em seu
trabalho intelectual: examiná-la e interpretá-la continuamente. Neste sentido,
o artesanato é o centro de você mesmo, e você está pessoalmente envolvido em
cada produto intelectual em que possa trabalhar. Dizer que você pode “ter
experiência” significa que seu passado influencia e afeta seu presente, e que
ele define sua capacidade de experiência futura. Como sociólogo, é preciso
controlar a ação orientada, recíproca e complexa, apreender o que pratica e
classificá-lo. Somente dessa maneira pode esperar usá-lo para guiar e testar
sua reflexão e criar condições e possibilidades de moldar a si mesmo como um magnífico
artesão intelectual. Mas como tudo na vida reside a questão: fazê-lo? Deve
organizar um arquivo temático, o que é subentendido na maneira do dizer:
mantenha um diário. Muitos escritores (as) notáveis e evidentemente criativos
mantêm seus diários. É um processo disciplinar, indicando as condições teóricas
e práticas, além das possibilidades formadas pela necessidade de autorreflexão
crítica e global em que o sociólogo vive seu próprio
drama socialmente.
Richard
Rorty precisa sua tese de distinção entre a afirmação de que o mundo está dado
e a de que a verdade dada, equivale a dizer, com bom senso, que a maioria das
coisas no espaço e no tempo, é efeito de causas que não incluem os estados
mentais humanos. Dizer que a verdade não está dada é dizer que, onde não há
frases, não há verdade. E que as frases são componentes das línguas humanas, e
que as línguas humanas são criações humanas. Só as descrições podem ser
“verdadeiras” ou “falsas” - sem o auxílio das atividades descritivas dos seres
humanos - não pode sê-lo. Em filosofia e lógica, a contingência enquanto
representação da realidade é o modo de ser daquilo que não é necessário nem
impossível. É bem verdade que a liberdade no pensamento tem somente o puro
pensamento por sua verdade; e verdade sem a implementação da vida. Por isso,
para lembrarmos de Hegel, é ainda só o conceito da liberdade, não a própria
liberdade viva. Com efeito, para ela a essência é só o pensar em geral, a forma
coo tal, que afastando-se da independência das coisas retornou a si mesma. Mas
porque a individualidade, como individualidade atuante, deveria representar-se
como viva; ou, como individualidade pensante, captar o mundo vivo como um
“sistema de pensamento”; teria de encontrar-se no pensamento mesmo, para aquela
expansão do agir, um conteúdo do que é bom, e para essa expansão do agir, um
conteúdo do que é bom, e para essa expansão do pensamento, um conteúdo do que é
verdadeiro. Com isso não haveria, absolutamente nenhum outro ingrediente,
naquilo que é para a consciência, a não ser o conceito que é a essência. O
conceito enquanto abstração, separando-se da multiplicidade variada das coisas,
não tem conteúdo em si mesmo, exceto na história da ciência e da filosofia com um conteúdo que lhe é dado.
A consciência, quando pensa o conteúdo, o destrói como um ser alheio; mas o conceito é conceito determinado e justamente essa determinidade é o alheio que o conceito possui nele. Esta unidade do existente, o que existe, e do que é em si é o essencial da evolução. É um conceito especulativo, esta unidade do diferente, do gérmen e do desenvolvido. Ambas estas coisas são duas e, no entanto, uma. É um conceito da razão. Por isso só todas as outras determinações são inteligíveis, mas o entendimento abstrato não pode conceber isto. O entendimento fica nas diferenças, só pode compreender abstrações, não o concreto, nem o conceito. Resumindo, teremos uma única vida a qual está oculta. Mas depois entra na existência e separadamente, na multiplicidade das determinações, e que com graus distintos, são necessárias. E juntas de novo, constituem um sistema. Essa representação é uma imagem da história da filosofia. O primeiro momento era o em si da realização, e em si do gérmen etc. O segundo é a existência, aquilo que resulta. Assim, o terceiro é a identidade de ambos, mais precisamente agora o fruto da evolução, o resultado de todo este movimento. E a isto que a fenomenologia de Friedrich Hegel chama “o ser por si”. É o “por si” do homem, do espírito mesmo. Somente o espírito chega a ser verdadeiro por si, idêntico consigo. O que o espírito produz, seu objeto de pensamento, é ele mesmo. Ele é um desembocar em seu Outro. É um desprendimento, um desdobrar-se, e ao mesmo tempo, um desafogo.
Friedrich
Hegel que parte da análise da consciência comum, não podia situar como
princípio primeiro uma dúvida universal que só é própria da reflexão
filosófica. Por isso mesmo ele segue o caminho aberto pela consciência e a
história detalhada de sua formação. Ou seja, a Fenomenologia vem a ser uma
história concreta da consciência, sua saída da caverna e sua ascensão à
Ciência. Daí a analogia que em Hegel existe de forma coincidente entre a
história da filosofia e a história do desenvolvimento do pensamento, mas este
desenvolvimento é necessário, como força irresistível que se manifesta
lentamente através dos filósofos, que são instrumentos de sua manifestação.
Assim, preocupa-se apenas em definir os sistemas, sem discutir as
peculiaridades e opiniões dos diferentes filósofos. Na determinação do sistema,
o que o preocupa é a categoria fundamental que determina o todo complexo do
sistema, e o assinalamento das diferentes etapas, bem como as vinculasses
destas etapas que conduzem à síntese do espírito absoluto. Para compreender o
sistema é necessário começar pela representação, que ainda não sendo totalmente
exata permite, no entender de sua obra a seleção de afirmações e preenchimento
do sistema abstrato de interpretação do método dialético, para poder alcançar a
transformação da representação numa noção clara e exata. A passagem da
representação abstrata e o conceito através do acúmulo de
determinações.
Aquilo que por movimento dialético separa e distingue perenemente a identidade e a diferença, sujeito e objeto, finito e infinito, é a alma vivente de todas as coisas, a Ideia Absoluta que é a força geradora, a vida e o espírito eterno. Mas a Ideia Absoluta seria uma existência abstrata se a noção de que procede não fosse mais que uma unidade abstrata, e não o que é em realidade, isto é, a noção que, por um giro negativo sobre si mesma, revestiu-se novamente de forma subjetiva. Metodologicamente a determinação mais simples e primeira que o espírito pode estabelecer é o Eu, a faculdade de poder abstrair todas as coisas, até sua própria vida. Chama-se idealidade precisamente esta supressão da exterioridade. Entretanto, o espírito não se detém na apropriação, transformação e dissolução da matéria em sua universalidade, mas, enquanto consciência religiosa, por sua faculdade representativa, penetra e se eleva através da aparência dos seres até esse poder divino, uno, infinito, que conjunta e anima interiormente todas as coisas, enquanto pensamento filosófico, como princípio universal, a ideia eterna que as engendra e nelas se manifesta. Isto quer dizer que o espírito finito se encontra inicialmente numa união imediata com a natureza, a seguir em oposição com esta e finalmente em identidade com esta, porque suprimiu a oposição e voltou a si mesmo e, consequentemente, o espírito finito é a ideia, mas ideia que girou sobre si mesma e que existe por si em sua própria realidade. A Ideia absoluta que para realizar-se colocou como oposta a si, à natureza, produz-se através dela como espírito, que através da supressão de sua exterioridade entre inicialmente em relação simples com a natureza, e, depois, ao encontrar a si mesma nela, torna-se consciência de si, espírito que conhece a si mesmo, suprimindo a distinção entre sujeito e objeto, chegando assim a Ideia a ser por si e em si, tornando-se unidade perfeita de suas diferenças, sua absoluta verdade.
Com
o surgimento do espírito através da natureza abre-se a história da humanidade e
a história humana é o processo que medeia entre isto e a realização do espírito
consciente de si. A filosofia hegeliana centra sua atenção sobre esse processo
e as contribuições mais expressivas de Hegel ocorrem precisamente nesta esfera,
do espírito. Melhor dizendo, à existência na consciência, no espírito chama-se
saber, conceito pensante. O espírito é também isto: trazer à existência, isto
é, à consciência. Como consciência em geral tenho eu um objeto; uma vez que eu
existo e ele está na minha frente. Mas enquanto o Eu é o objeto de pensar, é o
espírito precisamente isto: produzir-se, sair fora de si, saber o que ele é.
Nisto consiste a grande diferença: o homem sabe o que ele é. Logo, em primeiro
lugar, ele é real. Sem isto, a razão, a liberdade não são nada. O homem é
essencialmente razão. O homem, a criança, o culto e o inculto, é razão. Ou
melhor, a possibilidade para isto, para ser razão, existe em cada um, é dada a
cada um. A razão não ajuda em nada a criança, o inculto. É somente uma
possibilidade, embora não seja uma possibilidade vazia, mas possibilidade real
e que se move em si. Assim, por exemplo, dizemos que o homem é racional, e
distinguimos muito bem o homem que nasceu somente e aquele cuja razão educada
está diante de nós. Isto pode ser expresso também assim: o que é em si, tem que
se converter em objeto para o homem, chegar à consciência; assim chega para ele
e para si mesmo. A história para Hegel, é o desenvolvimento do Espírito no
tempo, assim como a Natureza é o desenvolvimento da ideia no espaço. Deste modo
o homem se duplica. Uma vez, ele é razão, é pensar, mas em si: outra, ele
pensa, converte este ser, seu em si, em objeto do pensar. Assim o próprio
pensar é objeto, logo objeto de si mesmo, então o homem é por si. A
racionalidade produz o racional, o pensar produz os pensamentos. O que o ser em
si é se manifesta no ser por si. Todo conhecer, todo aprender, toda visão, toda
ciência, inclusive toda atividade humana, não possui nenhum outro interesse
além do aquilo que filosoficamente é em si, no interior, podendo manifestar-se
desde si mesmo, produzir-se, transformar-se objetivamente. A diferença descobre a diferença na história do mundo.
Os
homens são todos racionais. O formal desta racionalidade é que o homem
seja livre. Esta é a sua natureza. Isto pertence à essência do homem: a
liberdade. O europeu sabe de si, afirma Hegel, é objeto de si mesmo. A
determinação que ele conhece é a liberdade. Ele se conhece a si mesmo como
livre. O homem considera a liberdade como sua substância. Se os homens falam
mal de conhecer é porque não sabem o que fazem. Conhecer-se, converter-se a si
mesmo no objeto (do conhecer próprio) e o fazem relativamente poucos. Mas o
homem é livre somente se sabe que o é. Pode-se também em geral falar mal do
saber, como se quiser. Mas somente este saber libera o homem. O conhecer-se é
no espírito a existência. Portanto isto é o segundo, esta é a única diferença
da existência (Existenz) a diferença do separável. O Eu é livre em si, mas
também por si mesmo é livre e eu sou livre somente enquanto existo como livre.
A terceira determinação é que o que existe em si, e o que existe por si são
somente uma e mesma coisa. Isto quer dizer precisamente evolução. O em si que
já não fosse em si seria outra coisa. Por conseguinte, haveria ali uma
variação, mudança. Na mudança existe algo que chega a ser outra coisa. Na
evolução, em essência, podemos também sem dúvida falar da mudança, mas esta
mudança deve ser tal que o outro, o que resulta, é ainda idêntico ao primeiro,
de maneira que o simples, o ser em si não seja negado. Para Hegel a
evolução não somente faz aparecer o interior originário, exterioriza o concreto
contido em si, e este concreto chega a ser por si através dela,
impulsiona-se a si mesmo a este ser por si.
O
espírito abstrato assim adquire o poder concreto da realização. O concreto é em
si diferente, mas logo só em si, pela aptidão, pela potência, pela
possibilidade. O diferente está posto ainda em unidade, ainda não como
diferente. É em si distinto e, contudo, simples. É em si mesmo contraditório.
Posto que é através desta contradição impulsionado da aptidão, deste este
interior à qualidade, à diversidade; logo cancela a unidade e com isto faz
justiça às diferenças. Também a unidade das diferenças ainda não postas como diferentes
é impulsionada para a dissolução de si mesma. O distinto (ou diferente) vem
assim a ser atualmente, na existência. Porém do mesmo modo que se faz justiça à
unidade, pois o diferente que é posto como tal é anulado novamente. Tem que
regressar à unidade; porque a unidade do diferente consiste em que o diferente
seja um. E somente por este movimento é a unidade verdadeiramente concreta. É
algo concreto, algo distinto. Entretanto contido na unidade, no em si
primitivo. O gérmen se desenvolve assim, não muda. Se o gérmen fosse
mudado desgastado, triturado, não poderia evoluir historicamente na vida das
sociedades. Na alma, enquanto determinada como indivíduo, as diferenças estão
enquanto mudanças que se dão no indivíduo, que é o sujeito uno que nelas
persiste e enquanto momentos do seu desenvolvimento.
No
que toca mais precisamente a um dos lados da educação, melhor dizendo, à
disciplina, não se há de permitir ao adolescente abandonar-se a seu próprio
bel-prazer; ele deve obedecer para aprender a mandar. A obediência é o começo
de toda a sabedoria; pois, por ela, a vontade que ainda não conhece o
verdadeiro, o objetivo, e não faz deles o seu fim, pelo que ainda não é
verdadeiramente autônoma e livre, mas, antes, uma vontade despreparada, faz que
em si vigore a vontade racional que lhe vem de fora, e que pouco a pouco esta
se torne a sua vontade. O capricho deve ser quebrado pela disciplina; por ela
deve ser aniquilado esse gérmen do mal. No começo, a passagem de sua vida ideal
à sociedade civil pode parecer ao jovem como uma dolorosa passagem à vida de filisteu.
Até então preocupado apenas com objetos universais, e trabalhando só para si
mesmo, o jovem que se torna homem deve, ao entrar na vida prática, ser ativo
para os outros e ocupar-se com singularidades, pois concretamente se se deve
agir, tem-se de avançar em direção ao singular. Nessa conservadora produção do
mundo consiste no trabalho do homem. Pois, fora de dúvida, de um lado dizer que
o homem só produz o que já existe. É necessário que um progresso
individual seja efetuado. Mas o progredir no mundo só pode ocorrer e só
se faz notar em uma grande soma de coisas produzidas.
É
a característica preservada e atribuída ao ente cuja existência é não
necessária, mas, ao mesmo tempo, não impossível - isto é, a sua realidade não
pode ser demonstrada nem negada em termos abstratos definitivos. Dizer que são
contingentes as proposições, e neste sentido que não contém um entendimento
necessariamente verdadeiras nem necessariamente falsas é uma boutade. Há quatro
classes de proposições, algumas das quais se sobrepõem: proposições
necessariamente verdadeiras ou tautologias, que devem ser verdadeiras, não
importam quais são ou poderiam ser as circunstâncias. Geralmente o que se
entende por proposição necessária é a proposição “necessariamente verdadeira”.
Proposições necessariamente falsas ou contradições, que devem ser falsas, não
importam quais são ou poderiam ser as circunstâncias. Proposições contingentes,
que não são necessariamente verdadeiras nem necessariamente falsas. Proposições
possíveis, que são verdadeiras ou poderiam ter sido verdadeiras em certas
circunstâncias. Enfim, todas as proposições necessariamente verdadeiras e todas
as proposições contingentes também são proposições possíveis. As ideias
movem-se, mudam de lugar, ganham força na história, apesar das formidáveis
determinações internas e externas globais. O conhecimento transforma-se,
progride, regride. Crenças e teorias renascem; outras, antigas, morrem.
A
primeira condição de uma dialógica cultural é a pluralidade e diversidade de
pontos de vista. Essa diversidade cultural é potencial e está em toda parte.
Toda sociedade comporta indivíduos genética, intelectual, psicológica e
afetivamente muito diverso, apto, portanto, a outros pontos de vista
cognitivamente muito variados. São, justamente, essas diversidades de pontos de
vista culturais e políticos que inibem e a normalização reprime. Do mesmo modo,
as condições sociais ou acontecimentos aptos a enfraquecerem o imprinting,
segundo Edgar Morin (2008), e a normalização permitirão às diferenças
individuais exprimirem-se no domínio cognitivo. Essas condições aparecem nas
sociedades que permitem o encontro, a comunicação e o debate de ideias. A
dialógica cultural supõe o comércio, constituído de trocas múltiplas de informações,
ideias, opiniões, teorias; o comércio das ideias é tanto mais estimulado quanto
mais se realizar com ideias de outras culturas do passado. O intercâmbio das
ideias sociais produz o enfraquecimento dos dogmatismos e intolerâncias
sociais e religiosas, o que resulta no próprio crescimento. Comporta a
competição humana, a concorrência, o antagonismo, o conflito, moral e político,
entre ideias, concepções e visões de mundo. A trivialização do conhecimento não
faz dele apenas um produto, faz também dele um produto qualquer.
Mas
as ideias podem tornar-se ideológicas na medida em que sua estrutura socialmente
obedece às estruturas socioprofissionais, sua produção integra-se entre os
outros processos de produção e a cultura torna-se cognoscível a partir das
categorias econômicas do capital e do mercado globalizado. Mas nem a
informação, nem a teoria, nem o pensamento abstrato, nem a cultura são produtos
triviais, ainda que mais pelo fato de serem, ao mesmo tempo, produtos sociais e
produtores e, mesmo comportando hologramaticamente a dimensão
socioeconômica, não poderiam ser reduzidas a isso. A redução trivializante não
teme exercer-se como sujeito sobre o conhecimento científico. Este nível
abstrato como qualquer outro é apropriado pelo pensamento, como a religião e
através da ciência, com suas relações de força e monopólios, suas lutas e
estratégias, seus interesses e seus ganhos. Mas, por seu lado, os estudos de
etnografias dos laboratórios, estes que parecem ter dinamismo, demonstram-nos
como se estabelecem essas mediações dos pesquisadores, em função de posições,
ou status, as lutas e a utilização de alguns truques diabólicos pelo
reconhecimento per se, pelo prestígio ou pela glória, com as negociações
necessárias ao estabelecimento de uma prova, os ritos de passagem na pesquisa e
na universidade. A motivação primeira do cientista é a notoriedade. Mas não se
pode reduzir o interesse científico ao econômico, a vontade de pesquisar ao
desejo de prestígio, a sede de conhecimento à sede de poder, em alguns casos
terrenos quase. A sociologia não pode ser considerada uma concepção que
exclui o indivíduo ou que, no máximo, o tolera. É uma concepção humanista, mas
que deve implicá-lo e explicitá-lo.
Além
da própria historiografia, o conhecimento a história tem sido uma tarefa ímpar
de todas as ciências sociais. A sociologia, a economia política, a ciência
política, a antropologia, a psicologia, trabalham com questões políticas,
econômicas, sociais, culturais, religiosas, militares, demográficas e outras,
que correspondem a ações, relações, processo e estruturas tomados em algum
nível da historicidade. Mesmo as correntes de pensamento orientadas no sentido
de formalizar as interpretações, em temos de indução quantitativa ou construção
de modelos, mesmo nesses casos onde a pesquisa produz alguma explicação nova,
reavalia ou reafirma explicações vigentes, sobre os modos e os tempos da
história. Também há aqueles que formalizam e fetichizam as categorias dialéticas
de pensamento, perdendo de vista o fluxo real das ações, relações, processos e
estruturas que expressam movimentos e as modificações das gentes, grupos,
classes e nações. Uns e outros constroem mitos. Em todos os casos, no entanto,
a história aparece de alguma forma, como história real ou invenção, drama ou
epopeia, elegia ou profecia. A multiplicidade de ciências e teorias relativas
ao nível social, tem dado origem a distintas interpretações, como faz Maro Koury,
como se escreve ou produz a história. São distintas e heterogêneas a histórias
do capitalismo que aparecem nas análises de Ricardo, Marx, Tocqueville,
Durkheim, Weber, Keynes, Parsons, Hobsbawm e outros.
Não
só na sociologia, mas no conjunto das ciências socais, encontram-se as mais
diversas explicações sobre como e por que se dá a mudança, a evolução, o
progresso, o desenvolvimento, a modernização, a crise, a recessão, o golpe de
classe, a reforma, a revolução. Para explicar as transformações sociais, em
sentido amplo, o sociólogo, antropólogo, economista, politólogo, psicólogo,
historiador e outros têm buscado causas, condições, tendências, fatores,
indicadores, variáveis, e assim por diante. Ao analisar as condições de
formação, funcionamento, reprodução, generalização, mudança e crise do
capitalismo globalizado, os cientistas sociais têm proposto explicações que nem
sempre se excluem. Em certos casos, umas implicam outras, ou as englobam. Em
primeiro lugar, uma interpretação que se generalizou bastante, desde os arquétipos
comparados da Revolução Industrial, estabelece que o progresso social e econômico
é o resultado da “criatividade empresarial”. Isto é, toda mudança, inovação ou
modernização econômica substantiva tende a consumar a capacidade de criação e
liderança de empresários imaginosos, inventivos ou mesmo lúdicos, capazes de
articular e dinamizar os fatores da produção preexistentes e novos. Essa
interpretação tem os seus principais enunciados nos escritos de economistas
clássicos, seus discípulos e continuadores no século XIX e XX. Os valores
relacionados aos self-made man ao tycoon, quer dizer, a uma agência de
licenciamento de marcas ou a um subgênero de jogos de simulação de negócios, ao
capitão de indústria, ao pioneiro, à identidade entre propriedade privada,
livre empresa e sociedade aberta, ligam-se à tese de que a criatividade é a
base do progresso capitalista.
A
segunda interpretação, reconhecida como “teoria das elites”, está relacionada
com a anterior. Recebeu contribuições de Vilfredo Pareto e Gaetano Mosca. E tem
sido retomada, em diferentes linguagens, por outros cientistas sociais e
escritores, como James Burnham, Samuel P. Huntington, Clark Keer, David E.
Apter, John Kenneth Galbraith e outros. É uma corrente de pensamento que propõe
o funcionamento da sociedade e a mudança social em termos de elites
empresariais, gerenciais, militares, intelectuais e outras. Desde o término da
2ª guerra mundial (1939-1945), essa teoria tem sido a base de programas
organizados pelo imperialismo norte-americano, no treinamento de quadros de
intelectuais, tecnocratas, militares, gerenciais, empresariais e outros, para
soluções golpistas ou não em países dependentes e coloniais. Em terceiro lugar,
há a intepretação que atribui importância especial à divisão social do
trabalho. Toma-se o meio de trabalho como o processo social, de âmbito
estrutural, que comanda o funcionamento, as combinações e as transformações das
elações sociais e instituições, em níveis econômico, político e outros. Adam
Smith e Émile Durkheim são autores importantes nessa corrente de pensamento.
Boa parte do pensamento liberal apoia-se nessa ideia. A divisão internacional
do trabalho foi apresentada durante o século XIX e até a década de 1930, como a
base da prosperidade econômica e social das pessoas, de grupos sociais e das
nações. As teorias sobre a democracia liberal, o pluralismo democrático e a
cidadania apoiam-se na ideia de que a divisão social do trabalho, em sentido
amplo, é o processo estrutural, mas que historicamente é o que fundamenta e
dinamiza a melhor expressão e articulação de pessoas e grupamentos sociais,
atividades sociais e instituições políticas e econômicas de setores produtivos
e países com a internacionalização da cultura.
A
quarta intepretação considera que o fundamento último da mudança, progresso ou
desenvolvimento econômico e social é a “tecnologia”. O progresso técnico
comandaria as possibilidades de articulação e dinamização dos fatores
produtivos principalmente capital e força de trabalho. As possibilidades de
poupança e investimento, bem como desenvolvimento e diferenciação dos sistemas
econômico e social estriam na dependência das inovações e aplicações da
tecnologia, inovações essas originadas das ciências da natureza e da sociedade.
Essa interpretação tem várias formulações. Todas, no entanto, apoiam-se na
ideia de que ciência, tecnologia e desenvolvimento, ou pesquisa e
desenvolvimento em geral relacionam-se positivamente. A quinta interpretação
confere papel especial ao Estado. Depois da crise da concepção liberal do poder
político-econômico e da história, generalizou-se cada vez mais a intepretação
que vê na ação estatal a base da organização e mudanças de relações e
organizações econômicas e sociais. É claro que esta ideia já está presente,
implícita ou explícita, no pensamento científico e filosófico dos séculos XVIII
e XIX. Ela aparece em escritos extraordinários na nhistória do pensamento ocidental através de Hegel, Marx, Engels e Lenin,
além de Keynes, Myrdal, Baran e outros. Depois da criação do regime socialista
em vários países, por um lado, e da crise econômica mundial iniciada em outubro
de 1929, por outro, os governos capitalistas, dominantes e dependentes,
passaram a intervir de forma cada vez mais ampla, autoritária e profunda na economia.
A
sexta e última interpretação, last but not least, busca as razões dos
movimentos e transformações sociais, político-econômicas e culturais nas
relações e contradições de classes. De acordo com essa intepretação, as forças
produtivas, a atuação estatal e outros aspectos político-econômicos, sociais e
culturais são articulados e desarticulados em conformidade com os movimento e
desenvolvimentos das relações e contradições das classes sociais: burguesia,
classe média, campesinato, proletariado e suas subdivisões estruturais e de
ocasião. Dentre os autores que se situam nessa orientação, ou contribuíram para
o seu desenvolvimento, destacam-se Marx, Engels, Lenin, Bukharin, Trotsky,
Lukács, Gramsci e Mao-Tsé-tung, além de José Carlos Mariátegui, Maurice Dobb,
Paul A. Baran, Paul M. Sweezy, Frantz Fannon e alguns outros. Essa
interpretação se funda na análise do processo de trabalho produtivo, processo
esse que produz a mercadoria, a mais-valia de que o burguês se apropria e a
alienação econômica e política do trabalhador. O principal conteúdo e resultado
desse processo produtivo, ou dessas relações de produção, é o antagonismo entre
o operário e o burguês. O golpe de Estado, a greve e a revolução social produzem-se
neste contexto. Essa interpretação engloba relações, processos e estruturas
básicos e intermediários da sociedade contemporânea. Enfim, cada uma dessas
interpretações implica uma forma peculiar de compreender as relações entre
biografia e história, conjuntura e estrutura, sincronia e diacronia, ou entre
as ações, as relações, os processos e estruturas sociais, em seus perfis e movimentos.
Outras interpretações situam-se neste contexto problemático, paradoxal. São
interpretações sobre as condições e possibilidades de produção da história, em
forma cômica ou trágica, dramática ou épica.
No que toca mais precisamente a um dos lados
da educação, melhor dizendo, à disciplina, não se há de permitir ao adolescente
abandonar-se a seu próprio bel-prazer; ele deve obedecer para aprender a
mandar. A obediência é o começo de toda a sabedoria; pois, por ela, a vontade
que ainda não conhece o verdadeiro, o objetivo, e não faz deles o seu fim, pelo
que ainda não é verdadeiramente autônoma e livre, mas, antes, uma vontade
despreparada, faz que em si vigore a vontade racional que lhe vem de fora, e
que pouco a pouco esta se torne a sua vontade. O capricho deve ser quebrado
pela disciplina; por ela deve ser aniquilado esse gérmen do mal. No começo, a
passagem de sua vida ideal à sociedade civil pode parecer ao jovem como uma dolorosa
passagem à vida de filisteu. Até então preocupado apenas com objetos
universais, e trabalhando só para si mesmo, o jovem que se torna homem deve, ao
entrar na vida prática, ser ativo para os outros e ocupar-se com
singularidades, pois concretamente se se deve agir, tem-se de avançar em
direção ao singular. Nessa conservadora produção e desenvolvimento do mundo consiste
no trabalho do homem. Podemos, pois, de um lado dizer que o homem só produz o
que já existe, isto é, realmente. É necessário que um progresso individual seja
efetuado. Mas o progredir no mundo só ocorrer nas massas, e só se faz notar em
uma grande soma de coisas produzidas. Ipso facto, a consciência moral
não pode renunciar à felicidade. E nem descartar de seu fim absoluto esse
momento da humanidade. O fim, como representação sociologicamente de um
resultado, enunciado como puro dever, implica essencialmente nele que contém
essa consciência singular. A convicção individual, e o saber adquirido na
relação interpretativa entre tempo e espaço a seu respeito, pois constituem um momento absoluto dessa
moralidade.
Esse
momento no fim que se tornou objetivo, no dever cumprido, é a consciência
singular que se intui como efetivada; ou seja, é o gozo. O gozo, por isso,
reside no conceito da moralidade; de certo, não imediatamente, da moralidade
considerada como disposição, mas só no conceito de sua efetivação. O fim como o
todo, expresso com a consciência de seus momentos, consiste, pois, em que o
dever cumprido seja tanto pura ação moral, quanto individualidade realizada; e
que a natureza, como lado da singularidade, em contato com o fim abstrato, seja
um com o fim. Aquele fim total, que a harmonia constitui, contém em si a
efetividade mesma. Ao mesmo tempo, é o pensamento da efetividade. A harmonia da
moralidade e da natureza, ou harmonia da moralidade e da felicidade – pois a
natureza só é tomada em consideração enquanto a consciência experimenta a
unidade com ela, é pensada como algo necessariamente essente, ou seja, é
postulada. Com efeito, no trabalho, nessa condição humana, exigir significa que
se pensa algo essente que ainda não é efetivo: uma necessidade não do conceito
como conceito, mas do ser. A necessidade ao mesmo tempo, essencial, a relação
através do conceito. O ser exigido não pertence assim ao representar da
consciência contingente, senão que reside no conceito da moralidade mesma, cujo
verdadeiro conteúdo é a unidade da consciência pura e consciência singular. À essa última compete que essa unidade seja
para ela como uma efetividade; o que no conteúdo do fim é felicidade, mas, na
sua forma, é ser-aí em geral. Este ser-aí exigido, ou a unidade
articulada dos dois, não é por isso um desejo, ou – considerado como fim – não
é um fim cuja obtenção seria ainda incerta, mas é uma exigência da razão; ou
seja, é imediata certeza e pressuposição da razão mesma.
Nesse
conflito entre a razão e a sensibilidade, a essência para a razão, é que o
conflito sociologicamente se resolva; e que emerja, como resultado, a unidade
dos dois – que não é a unidade originária em que ambos estão em um indivíduo
só, mas uma unidade que procede da conhecida oposição dos dois. Tal unidade
somente é a moralidade efetiva porque nela está contida a oposição pela qual o
Si é consciência – ou só agora é efetivo; e de fato, é Si e ao mesmo tempo,
universal. Ou seja, está aí expressa aquela mediação que, como vimos, é
essencial à moralidade. Como, comparativamente entre os dois momentos da
oposição, a sensibilidade é simplesmente o ser-outro ou o negativo – e ao
contrário, o puro pensar do dever é a essência da qual nada se pode abandonar –
parece que a unidade resultante só pode efetuar-se mediante o suprassumir da
sensibilidade. Como ela mesma é um momento desse vir-a-ser – o momento da
efetividade – assim há que contentar-se por enquanto, no que respeita à
unidade, com a expressão de que “a sensibilidade é conforme à moralidade”. A
consciência mesma tem de efetuar essa harmonia, e de fazer sempre progressos na
moralidade. Mas a perfeição dessa harmonia tem de ser remetida ao infinito,
pois se ela efetivamente ocorresse, a consciência moral se suprimiria. A
perfeição, portanto, não há que a atingir efetivamente, mas só há que a pensar
como uma tarefa absoluta, isto é, como uma tal que permanece tarefa,
pura e simplesmente. No entanto há que pensar, ao mesmo tempo simular, o
conteúdo dessa tarefa como um conteúdo que simplesmente deva ser, e que não
permaneça apenas tarefa; quer se represente, ou não, a consciência totalmente
abolida. Pela consideração de que a moralidade consumada encerra uma
contradição, se lesaria a santidade da essencialidade moral no sentido
antropológico, e o dever absoluto pareceria como algo inefetivo.
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