“O dinheiro não é apenas um dos objetos da paixão de enriquecer”. Karl Marx
Karl Marx foi o terceiro de nove filhos, de família de origem judaica de classe média da cidade de Tréveris, durante o domínio no Reino da Prússia. Sua mãe, Henriette Pressburg (1788–1863), era judia holandesa e seu pai, Heinrich Marx (nascido Herschel Levi; 1777–1838), um advogado e conselheiro de Justiça. Herschel, descendente de uma família de rabinos, converteu-se ao “cristianismo luterano” (cf. Santos, 2009) em função das restrições politicas à presença de membros de etnia judaica no serviço público, quando Marx ainda tinha 6 anos de idade. Seus irmãos eram Sophie (1816–1886), Hermann (1819–1842), Henriette (1820–1845), Louise (1821–1893), Emilie (1824–1888 — adotada por seus pais), Caroline (1824–1847) e Eduard (1826–1837). Em 1830, Marx iniciou seus estudos no Liceu Friedrich Wilhelm, em Tréveris, ano em que eclodiram revoluções ocidentais em diversos países europeus. Em 1835, Marx, com 17 anos de idade, se prepara para deixar Trier e ingressar na universidade, num ensaio sobre a escolha de uma carreira, conclui: - O principal guia que deve nos orientar na escolha de uma profissão é o bem-estar da humanidade e o nosso próprio aperfeiçoamento. Se ele trabalha só para si mesmo, pode vir a ser um erudito famoso, um grande sábio, um excelente poeta, mas jamais será um homem perfeito, um grande homem de verdade. Se escolhemos a posição na vida em que possamos trabalhar principalmente pela humanidade, nenhum fardo nos há de derrubar, pois serão sacrifícios pelo benefício de todos; de modo que não sentiremos uma “alegria mesquinha”, limitada e egoísta, mas nossa felicidade será a de milhões, nossas proezas viverão em silêncio, mas eternamente atuantes, e sobre nossas cinzas serão derramadas fervorosas lágrimas de pessoas nobres.
Ingressou na Universidade de Bonn para estudar Direito, transferindo-se no ano seguinte para a Universidade de Berlim, onde o filósofo Friedrich Hegel (1770-1831), cuja obra exerceu grande influência sobre Marx, foi professor e reitor. Em Berlim, Marx ingressou no chamado Clube dos Doutores, que era liderado ipso facto pelo hegeliano de esquerda Bruno Bauer (1809-1882). Ali perdeu aparentemente o interesse pelo Direito e se voltou para a Filosofia, tendo participado ativamente do movimento dos hegelianos de esquerda ou Jovens Hegelianos. Seu pai morreu naquele ano. Era o grupo de estudantes e jovens professores na Universidade Humboldt de Berlim após a morte de Hegel ocorrida em 1831. Os jovens hegelianos foram opositores ao popular grupo hegelianos de direita os quais detinham as cátedras do Departamento e outras posições de prestígio na universidade e no governo. Os hegelianos de direita acreditavam que as séries de evoluções dialéticas históricas tinham sido completadas, e que a sociedade da Prússia, como ela existia, era a culminação de todo o desenvolvimento social para a época, com um extenso sistema de serviços civis, boas universidades, industrialização, e alta empregabilidade. Os jovens hegelianos acreditavam que ainda haveria mudanças dialéticas mais extensas para acontecer, e que a sociedade da Prússia da época estava longe da perfeição e ainda continha focos de pobreza, governo censura tinha lugar, e os não luteranos sofriam com a perniciosa discriminação religiosa. Os jovens hegelianos interpretavam o aparato estatal como, em última análise, um clamor por legitimidade baseada em doutrinas religiosas; o luteranismo na Prússia contemporânea, mas generalizaram a teoria para ser aplicável ao Estado, por qualquer estrutura social, forma ou poder de religião. Todas as leis foram finalmente baseadas nas doutrinas bíblicas.
Como tal, o plano deles para sabotar o que eles concebiam como o aparato do Estado corrupto e despótico, era atacar a base filosófica da religião. No processo, eles se tornaram os primeiros estudantes bíblicos objetivos e não religiosos desde Espinoza em seu Tratado Teológico-Político. Em 1841, aos vinte e três anos de idade, obteve o título de doutor em Filosofia com a tese intitulada: Diferença da Filosofia da Natureza em Demócrito e Epicuro. Impedido de seguir uma carreira acadêmica, tornou-se, em 1842, redator-chefe da Gazeta Renana (Rheinische Zeitung), um jornal da província de Colônia. Conheceu Friedrich Engels naquele mesmo ano, durante visitação deste à redação. É um jornal alemão do século XIX que ficou famoso por ser editado por Karl Marx. O jornal foi fundado em 1° de janeiro de 1842 com um editorial reformista pró-democracia, provendo uma saída para a classe média e intelectuais da região do Reno, que cada vez mais se opunham ao autoritarismo Prussiano. Max Stirner publicou O Falso Princípio de Nossa Educação em abril, e Marx escreveu para o jornal pela primeira vez em 5 de maio. Seu artigo contra a censura do governo prussiano, publicado com o crédito “por um renano” foi amplamente louvado pela comunidade progressista. Ele seguiu com mais artigos sobre o assunto até o final de maio, produzindo uma série de seis artigos sobre a liberdade de imprensa. A resposta positiva a essa série serviu para aumentar a circulação e influência do periódico. Em outubro de 1842, Marx foi nomeado editor-chefe. Em 16 de novembro, Engels visitou o escritório do jornal em caminho à Inglaterra, encontrando Marx e realizando o que iria se tornar um período de colaboração, respeito, admiração e de amizade, que duraria até a morte de Marx.
Da
Inglaterra, Friedrich Engels enviou uma série de artigos para serem publicados na Gazeta
Renana, narrando as condições da classe operária; estes seriam mais tarde
coletados e publicados em seu influente livro e clássico da literatura operária: A Situação da Classe
Trabalhadora na Inglaterra (1845). Sob orientação de Marx, com adicional
influência de Engels, o jornal começou a tomar um cunho mais radical,
abertamente se opondo às políticas do governo com crescente estridência. Um
artigo de Marx discutindo criticamente a relação entre o governo prussiano e a
Igreja Católica Romana foi censurado e não foi publicado; muitos outros artigos se opondo às políticas do governo tiveram permissão para serem
publicados, mas sob intenso escrutínio estatal. Ao início de 1843, Marx
promovia análises “perigosamente” radicais pelo jornal, crescentemente
deixando transparecer pontos de vista socialistas e comunistas e quase que
abertamente chamando à revolução para a substituição da monarquia prussiana por
uma democracia. Ao passo que em 17 de março o governo prussiano forçou que Marx
abrisse mão do cargo de Editor, e o jornal foi fechado em 31 de março. Com a
criação em Paris do jornal Anais Franco-Alemães (Deutsch-Französische
Jahrbücher), Marx fez tentativa de continuar publicando na mesma linha de
crítica ao autoritarismo prussiano. Os Anais tiveram uma única
edição, em fevereiro de 1844. Ainda visando continuar no meio jornalístico pela
causa socialista, Marx fundou a Nova Gazeta Renana (Neue Rheinische
Zeitung) em 1848.
Em 1843, a Gazeta Renana foi fechada após uma série de análises críticas ao governo prussiano. Tendo perdido o seu emprego de redator-chefe, Marx mudou-se para Paris. Lá assumiu a direção da publicação Deutsch-Französische Jahrbücher e foi apresentado a diversas sociedades secretas de socialistas. Antes ainda da sua mudança para Paris, Marx casou-se, no dia 19 de junho de 1843, com Jenny von Westphalen, a filha de um barão da Prússia com a qual mantinha noivado desde o início dos seus estudos universitários, quer dizer, um noivado que foi mantido em sigilo durante oito anos, pois as famílias Marx e Westphalen não concordavam com a união. Do casamento de Marx com Jenny von Westphalen (1814-1881), nasceram sete filhos, mas devido às más condições urbanas que foram forçados a viver em Londres, apenas três sobreviveram à idade adulta. Ao que consta, Franziska, Edgar e Guido morreram na infância, pelas péssimas condições sanitárias e materiais a que a família estava submetida, duas das filhas de Marx cometeram suicídio: Eleanor, 15 anos após a morte de Marx, aos 43 anos de idade, após descobrir que seu companheiro havia se casado secretamente com uma atriz bem mais jovem, mas há quem suspeite que ele, na verdade, assassinou-a; e Laura, 28 anos após a morte de Marx, aos 66 anos, junto com o seu marido, Paul Lafargue, por não querer viver na velhice. Marx também teve um filho, Frederick Demuth (1851–1929), nascido de sua relação amorosa com a militante socialista e empregada da família Marx, Helena Demuth (1820-1890). Solicitado por Marx, o amigo e colaborador Engels assumiu a paternidade da criança, e pagando uma pensão, entregou-o a uma família de um bairro proletário de Londres.
No tratamento pessoal, o filósofo marxista Leandro Konder ressalta: Marx foi produto de seu tempo: “Antes de poder contestar a sociedade capitalista Marx pertencia a ela, estava espiritualmente mais enraizado no solo da sua cultura do que admitiria, e que diante dos padrões da Inglaterra vitoriana mostrou: traços típicos das limitações de seu tempo”. Como moças aristocráticas, suas filhas tinham aulas de piano, canto e desenho, mesmo que não tivessem desenvoltura para tais atividades artísticas. Também em 1843, Marx conheceu a Liga dos Justos que posteriormente, de fato engajada, tornar-se-ia Liga dos Comunistas. Em 1844, Friedrich Engels visitou Marx em Paris por alguns dias. A amizade e o trabalho teórico conjunto entre ambos, que se iniciou nesse período, só seria interrompido com a morte de Marx em 1883. Na mesma época, Marx também se encontrou com Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), com quem teve discussões polêmicas e muitas divergências. E conheceu rapidamente Mikhail Bakunin (1814-1876), então refugiado do czarismo russo e militante socialista. No seu período de exílio em Paris, Marx intensificou os seus estudos sobre economia política clássica, os extraordinários socialistas utópicos franceses e a história espetacular da França, produzindo reflexões que resultaram nos extraordinários ensaios Manuscritos de Paris, mais reconhecidos como Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. De acordo com o amigo F. Engels, foi nesse período histórico que Marx aderiu às ideias socialistas.
De
Paris, Marx ajudou a editar uma publicação de pequena circulação chamada Vorwärts!
(em português: Adiante!) era um jornal quinzenal publicado em Paris de
janeiro a dezembro de 1844. O jornal era visto como “o mais radical” na Europa
contemporânea que contestava o regime político alemão daquela conjuntura. Por
conta disto, Marx foi expulso da França em 1845 a pedido do governo prussiano.
Migrou então para Bruxelas, para onde Engels também viajou. Entre outros
escritos, a dupla redigiu na Bélgica o Manifesto Comunista. Em 1848,
Marx foi expulso de Bruxelas pelo governo liberal conservador belga. Junto com Engels, mudou-se
para Colônia, onde fundam o jornal Nova Gazeta Renana. Após ataques às autoridades
publicados no jornal, Marx foi expulso de Colônia em 1849. Até 1848, Marx viveu
confortavelmente com a renda oriunda de seus trabalhos, seu salário e presentes
de amigos e aliados na esfera política e científica, além da herança legada por
seu pai. Entretanto, em 1849 Marx e sua família enfrentaram grave crise
financeira; após superarem dificuldades conseguiram chegar a Paris, mas o
governo francês autoritário proibiu-os de fixar residência em seu território.
Graças, a uma campanha de arrecadação de donativos promovida por Ferdinand
Lassalle (1825-1864) na Alemanha, Marx e família conseguem migrar para Londres,
onde fixaram residência definitiva. Trabalhou como correspondente em Londres
para o New York Tribune onde declarou seu apoio público ao governo de Abraham
Lincoln (1809-1865) durante a Guerra da Secessão.
A
história social da escravidão (ou escravatura) nos Estados Unidos da América
inicia-se no século XVII, quando práticas escravistas similares aos utilizados
pelos espanhóis e portugueses em colônias na América Latina, e termina em 1863,
com a Proclamação de Emancipação de Abraham Lincoln, realizada durante a Guerra
Civil Americana. Na origem da guerra tem-se, grosso modo, a escravidão e a
origem de dois modelos econômicos opostos, mas não-antagônicos. O norte em
expansão econômica graças à industrialização, à proteção ao mercado interno e à
mão-de-obra livre e assalariada, e o Sul numa economia baseada na plantação e
no escravismo. Durante a maioria do século XVII e parte do século XVIII,
escravos do sexo masculino eram em maior número que escravas do sexo feminino,
fazendo com que os dois grupos tivessem experiências distintas nas colônias.
Vivendo e trabalhando em uma ampla variedade de circunstâncias e regiões,
homens e mulheres afro-americanos tiveram experiências singulares no processo
de escravidão. A grande hostilidade norte-americana em relação ao ex-escravo e
sua condição de trabalhador livre já pode ser percebida nas leis das colônias e
estados do norte e do sul dos Estados Unidos desde o século XVIII. Nenhum
estado do Sul, e apenas alguns do Norte, permitia o voto de homens livres no
século XIX. A maioria dos estados do Norte e do Sul proibia liberto(a)s de se
casarem com branco(a)s e dissolvia qualquer tipo de organização negra que
porventura surgisse.
Além disso, todos os estados adotaram a regra de um quarto de sangue se um dos avós fosse negro ou mulato, a pessoa seria mulata, e todos os mulatos eram tratados da mesma forma que os negros. Homens livres não podiam testemunhar em processos judiciais envolvendo brancos. Eram punidos por atacar brancos, e em diversos tipos de crimes eram tratados como escravos e podiam ser chicoteados. Como os escravos a pena capital pelo estupro de mulher branca e não o contrário. A partir de 1700 e 1740, um número estimado de 43.000 escravos foi levado para a Virgínia e, à exceção de 4.000, que foram sequestrados diretamente da África. Pesquisas sugerem que o número de mulheres e homens transportados neste período foi semelhante, incluindo um elevado número de filhos. Como a maioria dos escravos provinham da África Ocidental, suas culturas eram centrais historicamente desde meados ao fim do século XVIII da escravidão na Virgínia. Valores africanos foram predominantes e as culturas das mulheres da África Ocidental tinham fortes representações. Algumas representações culturais predominantes formavam os poderosos laços entre mãe e filho e as mulheres na comunidade feminina. Entre o grupo étnico Ibo da Nigéria, em particular, que incluía entre um terço e metade dos escravos no início do século XVIII, a autoridade feminina (a omu) administrava sobre uma ampla variedade de questões étnica e sociais importantes para as mulheres, em particular, e para a comunidade como um todo. O descobrimento da primitiva gens do direito materno, como etapa anterior à gens de direito paterno dos povos ditos civilizados, tem, para a história primitiva, a mesma importância que a teoria da evolução de Charles Darwin para a biologia e a teoria da mais-valia, por Karl Marx, para a concepção crítica de economia política.
O
grupo étnico lbo representava pessoas trazidas para a Chesapeake, que
pode se referir a várias localidades nos Estados Unidos da América, porém, em
geral, os africanos vieram traficados de uma variada gama de culturas. Todos
vieram de comunidades onde as mulheres eram fortes, e foram introduzidas
sociedade patriarcal, violentamente racista e exploradora; homens brancos
normalmente caracterizavam todas as mulheres negras como uma erotização sexual,
visando justificar seu abuso sexual e miscigenação. O caráter capitalista da
plantation escravista do Sul, análogo aos estados do Norte, era em certa medida
uma contradição, mas em última instância, de oposição assimétrica no sentido
formal marxista interno ao sistema econômico. Em sua complementaridade uma economia
escravista tende a inibir o desenvolvimento econômico de uma sociedade
capitalista, tal como apontado, neste caso por Max Weber. Além disso, o retorno
dos lucros de volta à produção, no caso de Marx, presente no norte
industrializado, não ocorria da mesma forma nos estados do Sul, que tinha uma
acentuada tendência a um consumo intenso, daí o binômio: produção-consumo.
Norte e Sul diferem-se na medida em que o primeiro possui do ponto de vista da
qualificação do trabalho, um progresso econômico qualitativo com o
retorno dos lucros à produção, e o Sul, ao dirigir seus lucros em escravos e
terras, possui um progresso econômico quantitativo, levando em conta a
questão no âmbito da economia sobre a produtividade da mão-de-obra escrava.
Na
Inglaterra imperialista, Engels era filho de um proeminente industrial têxtil,
fabricante de algodão, que também era um convicto pietista, da área de Barmen,
na Renânia. Barmen era um dos principais
centros do pietismo na Alemanha, e Engels teve uma criação estritamente
pietista. Historicamente, a doutrina da predestinação é também o ponto de
partida do movimento ascético conhecido como pietismo. Na medida em que o
movimento permaneceu dentro da igreja reformada, é quase impossível traçar a
linha entre os calvinistas pietistas e os não-pietistas. Quase todos os
principais representantes do puritanismo são às vezes classificados como
pietistas. A ocorrência de revivências ascéticas dentro da igreja Reformada, em
especial na Holanda, foi regularmente acompanhada por uma regeneração da
doutrina da predestinação temporariamente esquecida, ou não estritamente
conservada. Daí, não ser costumeiro na Inglaterra a ênfase na praxis
pietatis que o uso do termo pietismo perde em intensidade. Ateu e hegeliano
em 1839 foram parar na Universidade de Berlim e na direção dos debates da
juventude hegeliana em 1841, em seguida passando a frequentar os círculos de Marx, de quem rapidamente se tornou amigo em 1844, mas que viu
no seu dia a dia de trabalho ao que levava o alto nível de desenvolvimento
capitalista: luxo ostentoso e lucros cada vez mais avultados, por um lado, e
exploração cada vez mais intensa, por outro.
Os contrastes sociais de Manchester elucidavam o olhar crítico de Engels. Mas, ao mesmo tempo, a estadia na Inglaterra possibilitou-lhe fazer outra descoberta: o proletariado não era só uma classe que sofre, mas também uma classe em luta, combatente. Engels acompanha com atenção o desenrolar do movimento cartista e entra em contato com muitos dos seus dirigentes. Os primeiros artigos escritos na Inglaterra, e que foram publicados historicamente na Gazela Renana, criticamente evidenciam o processo de formação das convicções socialistas do bravo pensador. O cartismo sociologicamente caracteriza-se como um movimento social inglês que se iniciou na década de 1830 do século XIX. Inicialmente fundou-se na luta pela inclusão política da classe operária representada pela London Working Men`s Association foi uma organização fundada em Londres em 1836. Uma das fundações do Cartismo, defendendo o sufrágio universal masculino, distritos eleitorais igualmente povoados, a abolição das qualificações de propriedade para os deputados, parlamentos anuais, o pagamento dos deputados e o estabelecimento do voto secreto. Os fundadores foram William Lovett, Francis Place e Henry Hetherington. Eles apelaram aos trabalhadores qualificados em vez da massa de operários fabris não qualificados. Eles estavam associados ao socialismo owenista e ao movimento pela educação geral. Teve como principal base a carta escrita pelos radicais William Lovett (1800-1877) e Feargus O`Connor (1794-1855) intitulada Carta do Povo, e enviada aos cuidados do Parlamento Inglês. Inicialmente as exigências não foram aceitas pelo Parlamento e um movimento rebelde teve início, através de comícios, abaixo-assinados e manifestações.
Gradualmente as propostas da carta foram sendo incorporadas e o movimento foi se enfraquecendo até sua desintegração. É preciso ter em mente, no entanto, que o programa democrático radical do Cartismo não foi aceito pelos governantes e, num certo sentido, pode-se dizer que ele foi politicamente derrotado. Apesar disso, os cartistas conseguiram mudanças efetivas, como a primeira lei de proteção ao trabalho infantil (1833), a lei de imprensa (1836), a reforma do Código Penal (1837), a regulamentação do trabalho feminino e infantil, a lei de supressão dos direitos sobre os cereais, a lei permitindo as associações políticas e a lei da jornada de trabalho de 10 horas. No final de 1860 as reivindicações pleiteadas pelo cartismo acabariam sendo incorporadas à legislação trabalhista inglesa. Em 1865, quando Marx e Engels estavam em disputa contra o sucessor de Ferdinand Lassalle, John Baptist von Schweitzer (1833-1875), Engels advertiu Marx de que os correligionários de Schweitzer diziam: “O que deseja aquele Engels, o que ele tem feito todos esses anos, como pode falar em nosso nome e nos dizer o que devemos fazer, quando o sujeito se estabelece em Manchester e explora os trabalhadores” etc. As reações previstas por Engels parecem pouco prováveis, já que envolviam os seguidores de Lassalle, que, com seus robes de seda vermelha, sua dúbia relação com uma condessa e as frequentes viagens aos balneários da Suíça não era exatamente a imagem de probidade proletária. Muito ao contrário, esses traços refletiam o sentimento de culpa de Engels em virtude de seu envolvimento com um capitalismo que ele odiava e desejava aniquilar. Um dos grandes sacrifícios que Engels fez por Marx, aceitando tomar parte no negócio têxtil de sua família, foi renunciar à consciência limpa quanto à sua forma de ganhar a vida. Um aspecto enfatizado em estudos recentes sobre a burguesia alemã do século XIX – não esquecendo a notória dificuldade em se encontrar uma tradução para a expressão alemã Bürgertum, diz respeito à influência das convenções culturais na formação daquele grupo. Tais convenções incluíam o compromisso com a dedicação e o esforço permanente, além de uma vida familiar pautada pelo decoro e provida dos mais avançados instrumentos da cultura. O respeito a essas convenções caracterizou a vida de Marx, e algumas vezes de um modo diferente.
Curiosamente a concepção de vida e teorética de Marx per se tem sido objeto de ridículas análises no Brasil. Este é o caso primus inter pares do artigo de Fernando Duarte, intitulado: “A Vida Íntima de Karl Marx” (2017) onde afirma o seguinte: - “Embora não tenha fundado formalmente uma religião ou existam registros de milagres e afins, Marx foi catapultado ao posto de Messias em cujo nome se lutaram guerras e se construíram impérios num espaço de tempo bem menor que o usado pelo cristianismo – e os inevitáveis deslizes do pai do comunismo não estão disponíveis facilmente. Para os guardiões da antiga União Soviética, homem e regime se confundiam. Passados 131 anos de sua morte, Marx permanece uma figura mitológica. Se o desmoronamento dos regimes socialistas da Europa Oriental causou abalos em sua reputação, o filósofo que misturava pensamento e ação e criou o conceito de ditadura do proletariado tampouco foi esquecido: em 2005, quase 20 anos depois da queda do Muro de Berlim, foi ele quem venceu uma enquete da BBC para eleger o maior filósofo de todos os tempos. Isso mesmo, no Reino Unido, em que o Partido Trabalhista precisou “varrer” o viés socialista de seus estatutos e de suas políticas para retomar o poder com Tony Blair, em 1997, o criador do comunismo ainda conserva sua popularidade. Na década passada, Marx já tinha levado safanões em sua auréola vermelha. Na primeira biografia de destaque publicada após o fim da Guerra Fria, o jornalista britânico Francis Wheen expôs um Karl Marx que estava bem longe da figura magnânima imortalizada em estátuas e estandartes em Moscou, Pequim ou Havana. Ele foi apresentado como bêbado, parasita e adúltero, e o pior de tudo ignorando as análises jornalísticas entre 1853-54 no New York Tribune, posteriormente vertidas em dois volumes em português. Francis Wheen não é intelectual marxologista ou acadêmico, mas um escritor e jornalista “Colunista do Ano” por suas contribuições analíticas ao The Guardian. Ele também é autor de uma biografia reconhecidamente aclamada pelos leitores de Karl Marx, que foi traduzida para vinte idiomas.
Mary
Burns foi uma irlandesa, analfabeta, operária da fábrica têxtil Ermen &
Engels, em Manchester, Inglaterra, de que a família de Friedrich Engels era
sócia. Foi ela quem o conduziu pelos cortiços de Manchester onde viviam
miseravelmente os trabalhadores irlandeses e onde ele, provavelmente nunca
conseguiria entrar, dada a hostilidade dos trabalhadores aos patrões e aos não
imigrantes irlandeses. Foi ela quem, ao longo da vida e na condição de classe,
revelou-lhe com os detalhes da mentalidade e do modo de vida dos operários, a
miséria material e moral de sua vida cotidiana. Era o ano de 1843. A exploração
da produção social da Irlanda e da mão de obra irlandesa era a base da riqueza
inglesa. O nacional sim tinha a ver com o económico e, naturalmente, com o
político. O Friedrich chegou a descobrir ao lado da Mary que aquela estranha
ideia das nações tinha a ver até com o pessoal. Ela introduziu-o nos ambientes
populares e mostrou-lhe as condições de vida dos operários irlandeses,
confrontando-as com os salários e trabalhos mais dignos dos ingleses. Engels
publicaria no ano a seguir o seu ensaio sobre a situação da classe trabalhadora
na Inglaterra. A participação de Mary Burns na vida intelectual de Friedrich
Engels foi decisiva para a elaboração do seu livro sobre “A Condição da Classe
Trabalhadora na Inglaterra”. Seria neste contexto que em 1845 aos 25 anos Engels publicaria sua primeira obra teórica e histórica de fôlego, quando
Engels viveu em Bruxelas e Paris, dedicando-se ao estudo e à militância.
O livro é basicamente o resultado das observações de Engels a partir de sua vivência direta como gerente da “Ermen & Engels” em Manchester. A observação direta envolve a pesquisa das condições de vida, de habitação, de higiene, as formas de contratação, a resistência e luta dos operários fabris e agrícolas, bem como as formas como o Estado e especificamente o Direito e os juízes de paz se somam em defesa dos interesses dos capitalistas. Mesmo aos 25 anos e sendo filho de industrial, Engels, ele próprio um capitalista, já aqui se opõe diametralmente à sua classe: descreve a burguesia inglesa como a mais avarenta do mundo e o faz com números e documentos oficiais. Trata-se, pois, de uma pesquisa considerada de fôlego que tem como ponto de partida a revolução industrial na Inglaterra, a introdução de novas tecnologias na produção que alteraram radicalmente os meios de produção, a organização e disposição do trabalho e foram conformando a proletarização das massas. A máquina de fiar e novos arranjos que envolvem o uso do vapor e do ferro na produção destroem as antigas manufaturas de tipo medievais, implicam na extinção da figura do artesão e do mestre – há a concentração do trabalho na fábrica e o trabalho dá-se de forma assalariada e contratual. Só tardiamente, em 1893, é que surgiu partido socialista, historicamente o Independent Labour Party, que, em 1900, na esfera política fundiu-se com as Trade Unions, os sindicatos, formando o atual Partido Trabalhista, ou simplesmente Labour Party.
Nele, quase sempre predominou a moderação sobre os arroubos revolucionários. Em geral, orientaram-se pelos socialistas “fabianos”, um grupo de intelectuais excêntricos, entre os quais o teatrólogo Bernard Shaw e o casal Webb, Sidney e Beatrice, que pregavam um “socialismo evolutivo”, baseado no convencimento (“permeation”) e não na revolução. Foi deles a iniciativa de fundar a London School of Economics, a principal instituição geradora dos cérebros responsável por fornecer os quadros intelectuais e técnicos que ajudaram a transformar a Grã-Bretanha, ao longo do século XX, até então uma de uma sociedade aristocrática, extremamente hierarquizada, na moderna sociedade democrática que se tem hoje. Gradativamente, tal política, baseada no coletivismo, na planificação econômica centralizada e no distributivismo tributário, consolidou-se como a afirmação do chamado “socialismo burocrático” na Grã-Bretanha. Como de fato ocorreu ela alimentou reações hostis do sindicalismo e do partido trabalhista. Curiosamente de posições ideológicas díspares: foi contra o mundo gerado por tal programa que Orwell, um socialista desiludido que publicou em 1948 a sua sufocante anti-utopia “1984”, descrição “do dia-a-dia num Estado totalitário governado pelo Grande Irmão, que tudo vê e que tudo provê”, e, contra quem F. Hayek, um dos patronos do neoliberalismo, bem antes de todos, lançou o The roots of serfdom, ainda em 1944, que viu no Welfare State, um freio à prosperidade empresarial e ameaça às liberdades.
Desde
que apeados do poder em 1951, os trabalhistas que haviam perdido o fôlego, como
se houvessem aplicado o programa inteiro de uma vez só. Nas outras
oportunidades que formaram um gabinete de Harold Wilson: 1964-70; 1974-6, e James
Callaghan: 1976-9, limitaram-se a clamar por mais impostos e mais gastos, além
de serem coniventes com uma anarquia sindical e um alucinado grevismo que tomou
conta do país e fez com que os “politicamente indiferentes” passassem a votar
nos seus opositores: os conservadores de Tatcher, que se mantiveram por 18 anos
no governo. Mary Burns sabia, pela experiência da nação sem Estado, que uma
democracia encabeçada pela classe trabalhadora acentuaria ainda mais as
diferenças nacionais porque, se bem corrigiria os abusos autoritários dos
governos supremacistas, ao tempo estimularia os elementos nacionais próprios e,
portanto, de interesse comum como a língua, os costumes, as artes, que são
protagonistas da vida das pessoas de qualquer nação. É notória a mudança de
opinião de Marx a respeito da situação colonial da Irlanda. Informado por
Engels durante décadas, só em 1867 concluiu que as relações económicas entre a
Inglaterra e a Irlanda tinham uma forte componente de supremacia nacional que
era preciso desfazer para atingir a soberania da classe trabalhadora. Marx
escreve esta hipótese numa carta ao seu amigo: Ou confederação ou, se isso não
for efetivo, separação definitiva.
Por
desgraça, Mary Burns finara em 1863, ano da publicação dos nossos Cantares
Galegos, e por isso não sentiu a alegria desta mudança propiciada por ela
com o seu trabalho na fábrica e ativismo. Solteira, por negar-se a cumprir os
costumes idiotizados religioso-burgueses. Sem filhos, por dedicar-se a
melhorar as condições sociais das gerações futuras. Sem textos escritos, talvez
por não ter aprendido como outros operários a escrever. Mas intensamente amada,
como poucas mulheres por um nobre comunista, pelo seu marido e a virada de rumo
do pensamento dialético socialista e comunista que viria atravessar um
século. Mary Burns foi durante vinte
anos companheira, confidente e professora do seu namorado Friedrich Engels. Ele,
chefe na fábrica de algodão e amante confesso, nunca conseguiu convencê-la para
ela deixar de trabalhar. Operária, ativista, provavelmente oradora, com certeza
conspiradora, amante e revolucionária, mostrou-lhe o caminho da democracia
através da compreensão das realidades nacionais, mais além da ideologia
totalitária dos estados em formação. A irmã Lizzy presenciou por ela a mudança
de Marx e acompanhou Engels depois da morte da Mary, até à sua própria morte em
1878, dando um exemplo de ancestral união por sororato em que a irmã mais nova
releva a finada em todas as suas funções políticas, sociais e familiares. No
último dia da vida de Lizzy Burns, ela formalizou o casamento com Engels
reconhecendo assim a ligação, não aceite pela sociedade, entre o “rico
proprietário e as proletárias Burns num exercício único de ativismo contra as
convenções burguesas de seu tempo”.
Por fortuna, no sentido maquiavélico, graças às irmãs Burns, Marx e Engels revisaram esse tema aparentemente sem importância social que, ao fim e ao cabo, desembocou mais tarde na Independência da Irlanda. Passados 100 anos a Irlanda aderiu à União Europeia, em 1973, ao abrigo de um tratado redigido em várias línguas, incluindo o irlandês e o inglês. Desde então, os seus dois nomes foram oficiais na UE. O irlandês tornou-se língua oficial de trabalho da União Europeia em 1° de janeiro de 2007. Ambos os nomes são agora usados em documentos ou na identificação dos membros que representam o Estado irlandês. Isto não muda o nome da Irlanda na legislação da União Europeia. Nas últimas três décadas as ações do grupo separatista Exército Republicano Irlandês, mais conhecido por sua sigla em inglês, Irish Republican Army (IRA), representa um conjunto de diversos grupos paramilitares irlandeses que, nos séculos XX e XXI, lutaram contra a influência Britânica na ilha da Irlanda e dos grupos paramilitares “protestantes” intensificaram suas ações e foi responsável por vários atentados na Irlanda do Norte, principalmente na capital, Belfast. A ascensão do Partido Trabalhista ao poder em 1997, a criação do Euro e a “nova ordem” criaram condições de negociação política, tendo de um lado a Inglaterra uma nova preocupação, em fortalecer-se dentro da Europa e a própria elite irlandesa católica, em aproveitar as novas condições de desenvolvimento. A suspensão dos atentados por ambos os lados foi fundamental para que as negociações pudessem existir, criando condições para a pacificação da região. O IRA não era grupo sectário e afirmava ser aberto, mas a maioria dos membros eram católicos e poucos protestantes servindo como “membro ativo”.
O historiador Peter Hart escreveu, nos seus estudos sobre os membros do IRA, que apenas três protestantes serviram como “ativos” no movimento entre 1919 e 1921. Dos 917 membros do IRA condenados pelos britânicos durante a Guerra de Independência da Irlanda, apenas um era protestante. Embora a maioria esmagadora dos membros do IRA fossem católicos, havia de fato outras minorias que eles chamavam de “pagãos”, como ateus e católicos não praticantes. A maioria dos soldados do IRA eram irlandeses natos, mas havia também pessoas nascidas em outras regiões do Reino Unido. Na Irlanda do Norte, a principal função do IRA, durante o The Troubles, era defender a comunidade católica da violência sectária. Por esta razão, Peadar O'Donnell, um líder de esquerda do IRA que se opunha ao nacionalismo católico predominante dentro da organização, disse depreciativamente que “nós não temos um batalhão do IRA em Belfast, nós temos um batalhão de católicos armados”. A partir de 1969, a violência sectária na Irlanda do Norte foi se acentuando, com o IRA perpetrando ataques contra alvos protestantes e, principalmente, defendendo a minoria católica por lá. Esta minoria, que costumava ser maioria em todo o território irlandês, passou a encarar o catolicismo como símbolo de resistência contra a agressão britânica e como elemento comum para a reunificação da Irlanda. Em 28 de julho de 2005, o IRA anuncia o fim da “luta armada” e a entrega de armas. O processo de entrega de armas terminou em 26 de setembro de 2005. Todo o processo de desmantelo do armamento foi orientado pelo chefe da Comissão Internacional de Desarmamento, o general canadense John de Chastelain. Porém, grupos de dissidentes que não aceitavam a resolução pacífica da questão política continuam tentando realizar atentados terroristas, sem sucesso.
Enfim,
em meados da década de 1950, estava em voga a crítica conservadora que via na
academia a “ausência de Deus”, e, na imprensa, a “falta de cabeça”, ideias que
se uniam à defesa da família e do trabalho das mulheres como as chamadas “donas
de casa”, por mais politizado que fosse o seu papel social. Teve início uma “cruzada
moral” contra a homossexualidade e a favor de uma imagem recém-concebida da
família tradicional. Enquanto isso, o Macarthismo persistia: mesquinho,
vulgar e desequilibrado. A ascensão de McCarthy, a loucura das suas teorias
da conspiração e a quantidade de seus seguidores impressionavam muitos
observadores, que ali viam sintomas de uma doença que atingia o coração da
política americana. O cenário deixava George Kennan com uma dúvida: “Me parecia
que um sistema político e uma opinião pública que eram tão facilmente
desorientados por esse tipo de postura em uma época, não seriam menos
vulneráveis a ideias parecidas em outro momento”. O que tornou tantos tão
vulneráveis a uma visão de mundo tão absurda assim? A tecnologia que tornou
possível dividir os cidadãos por “sexo, estado civil, educação, residência,
faixa etária, local de nascimento, emprego, renda e uma dúzia de outras
classificações” tornaria possível classificar consumidores.
Mas
em 1951, quando Mauchly e Eckert anunciaram o computador tudo isso ainda estava
no futuro, e a imprensa não se animou. Em uma matéria de um parágrafo no final
da página 25, o New York Times apenas registrou o “gênio matemático de dois
metros e meio de altura”, como se não fosse nada além de um golpe, como Elektro,
o robô gigante que estreou no momento em que os trabalhadores norte-americanos
estavam cada vez mais incomodados com a automação, no mesmo ano em que os
leitores tiveram contato socialmente com A Nova Classe Média (White Collar),
livro do sociólogo C. Wright Mills (1916-1962) que vaticinava o destino dos
trabalhadores, cercados por telefones e ditafones , interfones e mimeógrafos,
em escritórios com iluminação fluorescente e ar-condicionado em arranha-céus de
aço e vidro ou em escritórios suburbanos. Wright Mills
dizia que o trabalho de escritório dependente das máquinas havia criado uma
classe de trabalhadores alienados, e que o novo escritório, mesmo com
todos os seus acessórios, não era melhor do que as antigas fábricas de tijolo e
vapor. “Vendo os grandes ambientes dos escritórios, com fileiras de mesa
idênticas”, escreveu Mills, “lembramos a descrição que Herman Melville fez de
uma fábrica do século XIX: Em fileiras de balcões vazios se alinhavam garotas
inexpressivas, com pastas vazias em suas mãos vazias, todas dobrando papéis em
branco”. Ele descrevia uma fábrica da Nova Inglaterra em 1855; Mills
um escritório um século depois. Richard Nixon (1913-1994) conseguiu a nomeação à vice-presidência
pelo Partido Republicano, mas, semanas depois, teve que ir à tv para
garanti-la.
Após a convenção, a imprensa revelou que Nixon tinha 18 mil dólares, em um caixa dois, como vimos noutro lugar. Os conselheiros de Eisenhower pediram que ele dispensasse Nixon, e pediram a Nixon que deixasse a candidatura. Nixon enfrentando o possível fim de sua carreira política, decidiu apresentar seus argumentos ao público. Ele trabalhou nisso, escrevendo o discurso de sua vida. Em 23 de setembro de 1952, sentado em uma mesa de pinho, com sua esposa observando em uma poltrona de chita, que parecia ser seu próprio refúgio, mas que, na verdade, era um palco construído em um estúdio da NBC em Los Angeles, ele fez uma interpretação notável, emanando dor e vitimização. A cena alcançou a maior audiência de televisão já registrada. Nixon disse que pretendia fazer algo sem precedentes na política americana. Ele forneceria um relatório financeiro completo, uma contabilidade de “tudo o que ganhei, tudo o que gastei e tudo o que devo”. Quase chegando à casa mínima dos centavos, ele listou sua renda modesta, seus empréstimos, e sua riqueza. Ele não tinha ações nem títulos, mas tinha um Oldsmobile de dois anos, hipotecas, dívidas com bancos, e até mesmo uma dívida com seus pais, que ele pagava todos os meses com juros. Sim ele aceitou presentes para um fundo de campanha. Entretanto, Nixon havia conseguido outra coisa, mais importante e duradoura. Desde os tempos de Warring Harding e Herbert Hoover, o Partido Republicano era o partido dos empresários, membros de country clubs e acionistas de empresas. O Partido Democrata era o partido do homem simples, desde o self-made man de Andrew Jackson, passando pelo fazendeiro de William Jennings Bryan, até o “homem esquecido” de Franklin D. Roosevelt. Mas Nixon, com esse discurso, reverteu esse balanço. Isso foi o que deixou os liberais tão irritados: eles não eram mais o partido do povo. O discurso populista havia se voltado para a direita.
Enfim,
como consta no volumoso ensaio de Gareth Stedman Jones, Karl Marx – Grandeza
e Ilusão (2017: 727-728), a história dos arquivos Marx e Engels e de sua
publicação no século XX não deixa de ser tortuosa. Por ocasião da morte de Marx
em 1883, seus papéis foram legados a Engels, que por sua vez os
transmitiu para as filhas de Marx – primeiro para Eleanor, até a sua morte em
1898, depois para Laura Lafargue, até a sua morte em 1910. Em 1895, Engels
legou seus próprios documentos ao Partido Social Democrata Alemão (SPD), com
August Bebel e Eduard Bernstein atuando como depositários. Depois de 1910, o
volume de documentos de Marx foi acrescido aos de Engels e depositado nos
arquivos do Partido Social-Democrata em Berlim. A ideia de publicar os
trabalhos de Marx (e possivelmente os de Engels) foi discutida numa reunião de
austro-marxistas em 1910. A proposta malogrou. Mas após a Revolução Russa a
ideia foi assumida por David Riazanov em Moscou em 1920, e ele ganhou permissão
para copiar os papéis em Berlim. Planejou então a publicação original da Historisch-Kritische
Gesamtausgabe (MEGA), uma edição de 42 volumes a ser publicada em Frankfurt
e Berlim. Doze volumes foram publicados entre 1927 e 1941, mas a colaboração
entre o SPD e Moscou havia terminado em 1928, depois que o comunismo soviético
entrou numa fase de ultraesquerda. A tomada do poder nazista e a escalada do
terror stalinista na década de 1930 resultaram na execução de Riazanov e no
encerramento do projeto.
Os
papéis de Marx e Engels forma levados para a Holanda, e durante a Segunda
Guerra Mundial, para a Inglaterra. Haviam sido vendidos para uma companhia de
seguros holandesa, que os doou ao Instituto Internacional de História Social
(IISH) em Amsterdam. Depois da morte de Stalin em 1956, um interesse renovado
na continuação do projeto MEGA foi manifestado pelos Institutos de
Marxismo-Leninismo (Institut Marksizma-Leninzma) de Moscou e Berlim. A
colaboração com o Instituto de Amsterdam era necessária, uma vez que dois
terços do material de arquivo eram mantidos naquela cidade, e o restante em
Moscou. Mas isso era impossível, já que o Partido Comunista insistia em ter o
controle político do projeto. Não obstante, acabou surgindo efetivamente uma
forma de cooperação mais modesta e extraoficial e, entre 1972 e 1991, dela
resultaram 36 volumes. Apesar desse início pouco promissor, grande parte do
saber que acompanhava a publicação desses volumes era de alta qualidade e
adquiriu status de autoridade. Mas a publicação de cada volume continuava a ser
concebida pelo arcabouço marxista-leninista. Isso significa que toda a série
anterior aos anos 1990 deve ser trata com cautela. Não só havia omissões
politicamente inspiradas, mas em algumas instâncias importantes – os Manuscritos
Econômico-filosóficos ou a Ideologia Alemã – os volumes publicados
sofriam de distorção na organização, na intenção e no status dos textos.
A
Marx-Engels-Werke (MEW) foi publicada em 43 volumes em Berlim entre 1956
e 1990, com intenção de atingir uma gama de leitores mais ampla. Da mesma
forma, as Karl Marx and Friedrich Engels Collected Works (MECW),
publicadas em Moscou, Londres e Nova York ente 1975 e 2005 em cinquenta
volumes, eram dirigidas a um público leigo. Mas uma vez que essas edições
também foram publicadas sob controle editorial do Partido comunista, sua
confiabilidade é tão limitada quanto a da MEGA. Seguindo-se à queda do Muro de Berlim
e ao fechamento dos Institutos de Marxismo-Leninismo em Berlim em 1990, a
continuidade da publicação foi confiada à recém-estabelecida Internationale
Marx-Engels Stiftung em Amsterdam. Por algum tempo, o futuro do projeto
permaneceu em dúvida devido à falta de verba. Mas, a partir de 1993, grupos
apoiados pelo Instituto de Amsterdam, pela Karl-Marx-Haus em Trier e pelo Conselho
Europeu de Pesquisa encarregados da produção de volumes específicos. Na própria
Alemanha, como resultada de uma decisão do chanceler alemão Helmut Kohl, o
apoio financeiro à produção da MEGA foi provido sob os auspícios da
Berlim-Brandenburgische Akademie der Wissenschaften, uma sociedade científica
com sede em Berlim. A conclusão do projeto está prevista para 2025, um século
depois de ter sido concebido. Dos 114 volumes planejados, 62 foram produzidos
até a presente data.
Bibliografia
Geral Consultada.
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