“Os dominados são também dominados em seu cérebro”. Pierre Bourdieu
Por
intermédio de testemunhos, desdobra-se um fragmento do universo das
ciências sociais de uma época determinada, durante a qual os encontros fortuitos ou
sociologicamente prováveis tecem destinos cruzados. Anedotas, retratos de
grupos, relatos jocosos, travessuras colegiais, discussões epistemológicas
sobre o conteúdo e a forma refletem a atmosfera e os modos de trabalho de uma
geração de universitários do pós-guerra, alcançada pela guerra da Argélia. As
intervenções distribuem-se, em seguida, em torno de cinco temas, bem como em
torno de marcos da prática e da teoria de Pierre Bourdieu: reflexividade, lógicas da
prática, classificações, organização dos bens simbólicos e das formas de
dominação. Desses textos, para o que nos interessa, “não se extrai nenhuma
representação acabada, e o conjunto deixa intactas a parte do silêncio e a
complexidade inseparavelmente científica e política da obra e do homem,
restituídos apenas em filigrana, zonas de sombra invocando pesquisas futuras”.
Entre os cursos que Pierre Bourdieu proferiu durante os vinte anos que ocupou a
cátedra de sociologia do Collège de France, o volume: Sobre o Estado
(2014) contém “in extenso” o curso dedicado ao Estado, que se distribuiu em
três anos letivos entre 1989-1991. Neste período ele publicou vários textos
distintos dedicados à emergência do campo jurídico, ao funcionamento do campo
administrativo a partir de uma pesquisa sobre a política de habitação na
França, bem como à gênese e à estrutura do campo burocrático. Nosso interesse
nestas notas refere-se ao quase inesperado encontro de Bourdieu num programa de
sociologia do Estado, pois o conceito sociológico de Estado aparece apenas em
sua obra no início dos anos 1980, durante sua aula inaugural no Collège de
France.
No dia 16 de abril de 2002, em Paris, no anfiteatro lotado da École des Hautes Études en Sciences Sociales, no número 105 do Boulevard Raspail, um grupo de pesquisadores tomou a palavra diante de um público variado e atento, para evocar os rastros vivos deixados por um deles. Reunidos em torno de um nome e de uma obra, muitas gerações ficavam lado a lado ou frente a frente segundo as escansões da jornada, construindo uma corrente em torno de uma herança intelectual comum. Da tribuna, percebia-se a disposição da assistência, trespassada pela curiosidade de saber o que significaria falar de Pierre Bourdieu (1930-2002) a partir de então, mas também por aquela de reconhecer os rostos daqueles que estiveram ao seu lado. Como no teatro Ópera [infelizmente], a distribuição dos lugares não era aleatória, obedecia a uma hierarquia universitária: os estudantes, mais numerosos, apressavam-se para as galerias, enquanto os professores e pesquisadores sucediam-se na plateia e na tribuna, numa feliz mistura. No entanto, nenhum maestro, nenhum organizador improvisado, a não ser uma presença perceptível de Bourdieu, restituída por palavras e inflexões de voz. Mas a trama social desta obra conserva a organização da jornada, retomada no título, salvo o grupo das “grandes testemunhas”, nas acepções da expressão: Jean-Claude Passeron, Pierre Vidal-Naquet, Lucien Bianco, condiscípulos ou colegas de Pierre Bourdieu.
Mesmo quando suas pesquisas se referiam, desde a segunda metade dos anos 1960, ao que comparativamente na França é quase sempre associada ao Estado – a “ideologia dominante”, a “representação política”, a “eficácia da ação política”, as “ciências do governo” e, mais geralmente, os “modos de dominação”, as “estratégias de reprodução”, no âmbito de seus trabalhos sobre as estruturas e as funções do sistema de ensino -, ele não empregava a palavra senão nas suas acepções mais correntes do ponto de vista da análise comparada como as de “Estado-providência” ou “Estado-nação”, sem fazer do Estado a menor análise crítica. Melhor dizendo, as pesquisas que impulsionara, a partir dos anos 1970, no Centre de Sociologie de l`Education et de la Culture sobre a estrutura das classes dominantes – o patronato (1978), o episcopado (1982), a alta função pública e o sistema das grandes escolas-, ligavam-se às frações das classes superiores que tinham um papel estruturante e efetivo no campo de poder. Em 1982, o livro: “Ce que Parler Veut Dire” reuniu um conjunto de estudos sobre a eficácia simbólica dos discursos de autoridade, e notadamente o artigo: “Décrire et Prescrire: les Conditions de possibilites et eles limites de l`efficacité politique”. Mas nunca o Estado era assimilado ao campo político, cujo funcionamento era estudado sobre as pesquisas de opinião e sobre a representação política. A palavra “Estado” é usada em 1984, em Homo academicus, como “instância oficial”, per se legítima, isto é, como detentora do monopólio da violência simbólica legítima.
Em seguida, é plenamente assumida no próprio título de seu livro: La Noblesse d`État, publicado em 1989 para celebrar “de outra forma” o bicentenário da Revolução Francesa, bem como num conjunto de textos analisando a “ciência do Estado”, os “espíritos de Estado” ou a “magia do Estado” – locuções quando não se sabe que, depois de seus trabalhos sobre o campo do poder, utiliza o termo “Estado” para designar instituições e agentes sociais que são ao mesmo tempo, e inseparavelmente, produtores e produtos do Estado. Numa entrevista de 1988, ele declarou que as pesquisas que fazia desde “La Distintion” (1979) sobre os campos literário, artístico, universitário, intelectual, patronal, religioso, jurídico e burocrático resultavam da lógica normal de trabalho e, em especial, da “busca de compreensão do processo de gênese de um campo”. É também o caso do campo das instituições estatais: o Estado é um campo que ocupa uma posição tal na estrutura dos campos que ele condiciona em boa parte o funcionamento destes últimos. Bem mais, o Estado pode mesmo aparecer como o campo de excelência e até, segundo sua expressão, como um “metacampo” porque “o Estado é meta”, um campo no qual as lutas têm como objeto a determinação da posição que os diferentes campos devem legitimamente ocupar uns em relação aos outros.
A fim de elaborar um modelo genético de Estado, Bourdieu apoia-se em diversos trabalhos, mas considera essencialmente a definição que Max Weber dá ao Estado como monopólio da violência física legítima, mas estende sua ação a toda atividade simbólica, que ele coloca como princípio do funcionamento e da legitimidade das instituições dedicadas ao direito, aos fundamentos antropológicos da noção de interesse e de interesse “público que se outorga como lei oficial a obrigação do desinteresse”. A importância do Estado reside, na atenção própria sociológica que Bourdieu dava a todas as formas de dominação. Em cada campo, tanto em sua gênese como em seu funcionamento, o Estado está presente, e a teoria geral que ele projetava fazer com relação ao Estado exigia uma análise que lhe fosse especificamente dedicada. O Estado não se reduz a um aparelho de poder, nem a um lugar neutro de reabsorção dos conflitos: constitui a forma de crença coletiva que estrutura o conjunto da vida social nas sociedades fortemente diferenciadas. Um dos efeitos maiores de um “campo científico” é definir coisas que são interessantes em certo momento, que é preciso procurar e encontrar. O profano diz: por que ele atribui tamanha importância ao problema do Estado? Se lhe atribui certa importância é porque, fala-se disso nos jornais ou porque uma reforma está em andamento. E, evidente, muitos “semisociólogos”, aqueles que criam mais efeitos de esoterismo fictícios, são justamente os que só acham interessantes os problemas quando todo o mundo os acha interessantes.
Digo a vocês: - “Para mim não é um sociólogo”, vocês dirão: - “é um golpe de força arbitrário, um ato autoritário de censor que procura a distinção”. Então, afirma Pierre Bourdieu, dou a vocês critérios muito importantes. Um sociólogo profissional é alguém que acha interessantes os problemas que o campo científico constitui em determinado momento como interessantes e que às vezes coincidem com o que acham interessante, mas não necessariamente. O que é verdade em teoria quanto à problemática é também verdade quanto ao método. O profissional é alguém que se interroga sobre certos problemas ligados a uma “história cumulativa” e que se esforçam em resolvê-los com certos métodos, eles mesmos produzidos pela história cumulativa. Os profanos que julgam os trabalhos de profissionais se apressam em julgar os profissionais com critérios profanos para se legitimarem como pseudoprofissionais realmente profanos. O que é que os profanos consideram num trabalho científico, sobretudo nas ciências sociais? Quanto ao sociólogo, ele é submetido constantemente a um veredicto imediato, pois aquilo de que fala é importante espontaneamente para a maioria das pessoas. A maioria dos profanos, entre os quais os jornalistas, não têm sequer consciência de ser profanos na matéria; os melhores são os que sabem seus limites. Os profanos consideram os resultados. Reduzem um trabalho científico a teses. A tomadas de posição, que podem ser discutidas, que são objeto de opinião assim como os gostos e as cores, as quais todo mundo pode julgar com as armas ordinárias do discurso ordinário: toma-se posição sobre um trabalho científico como se toma posição sobre a Guerra do Golfo [Pérsico], em função da escala de opinião veiculada entre a esquerda/direita etc., ao passo que o que conta são as problemáticas e os métodos; no máximo, o resultado é secundário.
The Children Act tem como representação o drama de 2017 dirigido por Richard Eyre, produzido por Duncan Kenworthy, com roteiro escrito por Ian McEwan, baseado em seu romance de homônimo de 2014. É estrelado por Emma Thompson, Stanley Tucci e Fionn Whitehead. O filme teve sua estreia mundial no 42º Festival Internacional de Cinema de Toronto em 9 de setembro de 2017 e foi lançado no Reino Unido em 24 de agosto de 2018 pela Entertainment One e pela DirecTV Cinema em 16 de agosto de 2018 antes de estrear nos Estados Unidos em 14 de setembro de 2018, pela A24, é um estúdio de cinema norte-americano fundado em 20 de agosto de 2012 por Daniel Katz, David Fenkel e John Hodges. O estúdio firmou acordos magníficos com DirecTV Cinema e Amazon Prime no final de 2013, com alguns de seus filmes sendo distribuídos por essas plataformas de comunicação, e o nome foi encurtado para A24 em 2016. Sasha Lloyd se associa à empresa para lidar com a distribuição de filmes e séries e desenvolvimento de negócios no mercado internacional. Com a cooperação do Bank of America, J.P. Morgan & Co. e SunTrust Banks, aumentou sua linha de crédito de U$50 milhões para U$125 milhões por mês para custear suas operações. Em abril, a empresa adquiriu os direitos para Swiss Army Man, distribuindo o filme nos territórios e parcerias com distribuidores que haviam previamente adquirido os direitos do filme, algo inédito para a A24. Emma Thompson nasceu em Paddington, no Oeste de Londres.
É filha dos atores Eric Thompson e de Phyllida Law e
cresceu em West Hampstead, no Norte de Londres. Atualmente vive na mesma rua.
Emma também passou muito tempo na Escócia enquanto crescia em visitas aos avós
e tio que lá viviam. Em 1970, começou a
estudar na Camden School for Girls, uma escola exclusivamente feminina. Depois
de terminar o ensino secundário, ingressou na Newham College da Universidade de
Cambridge, onde estudou Inglês. Emma atribui a escolha deste curso à sua paixão
por palavras e literatura, muito influenciada pelo seu pai. Na universidade,
conheceu Martin Bergman, um ator que a introduziu no Footlights, um
grupo de comédia o qual Martin presidia e no qual conheceu Hugh Laurie, com
quem viria a ter uma curta relação, e Stephen Fry. Os dois tornaram-se seus
amigos de longa data. Stephen Fry afirmou que “não havia dúvida de que a Emma
ia longe. A nossa alcunha para ela era Emma, a talentosa”. Em 1980, Emma foi
escolhida para vice-presidente do Footlights e co-encenou a primeira revista
exclusivamente feminina do grupo: Woman`s Hour. No ano seguinte, o grupo
venceu o prêmio Perrier no Festival Fringe de Edimburgo pelo seu espetáculo de
comédia The Cellar Tapes. O pai de Emma morreu de uma hemorragia
cerebral em 1982, com 52 anos de idade. A atriz comentou que a sua morte “quebrou
[a família] aos pedaços” e “nem consigo descrever o quanto magoa não o ter aqui”.
Ela politicamente: “mas ao mesmo tempo, é possível que, se ele
ainda estivesse vivo, eu nunca tivesse o espaço ou a coragem para fazer o que
fiz até aqui... Recebi uma herança de espaço. E poder”.
Emma Thompson, nascida em Londres,
em 15 de abril de 1959 é uma atriz, roteirista e diretora britânica. Citada
como uma das melhores atrizes britânicas da sua geração, ela é reconhecida por
suas representações de mulheres reticentes em dramas de épocas e adaptações
literárias, frequentemente atuando personagens altivos ou matronais com um
senso de ironia. Nascida em Paddington, Londres, filha do ator britânico Eric
Thompson e da atriz escocesa Phyllida Law, Emma foi educada na Camden School
for Girls e Newnham College, University of Cambridge, onde ela tornou-se o
primeiro membro feminino da chamada trupe Footlights, o Cambridge University
Footlights Dramatic Club. Depois de aparecer em programas de comédia, ela
alcançou a fama em 1987 em duas séries de TV da BBC, Tutti Frutti e Fortunes
of War, ganhando o prêmio BAFTA de melhor atriz por seu trabalho em ambos.
Seu primeiro papel em filmes foi a antagônica Jeff Goldblum em 1989, na comédia
romântica The Tall Guy, e no começo da década de 1990 ela frequentemente
colaborou com Kenneth Branagh, ator e diretor, aparecendo juntos nos palcos em A
Midsummer Night`s Dream e King Lear e em filmes como Dead Again
(1991), Peter`s Friends (1992) e Much Ado About Nothing (1993). Da sua extensa carreira, destacam-se os filmes: Howard`s
End (1992), The Remains of the Day (1993), In the Name of the
Father (1993), Sense and Sensibility (1995), Love Actually
(2003), a saga Harry Potter (2004-2011), Nanny McPhee (2005), Saving
Mr. Banks (2013) e Beauty and the Beast (2017). Venceu
dois Óscares, o primeiro em 1993 na categoria de Melhor Atriz por Howard`s
End, e o segundo em 1996 na categoria de Melhor Argumento Adaptado por Sense
and Sensibility, recebeu nomeação para Melhor Atriz.
Em 1994 esteve em duas categorias: Melhor Atriz Secundária por In
the Name of the Father e Melhor Atriz por The Remains of the Day.
Dogma é um termo de origem grega que significa literalmente “o que se pensa é verdade”. Marx era notoriamente ateu. Com a emergência do pragmatismo no século XIX, ao longo da démarche da história, podemos verificar que crer ou não crer, é uma questão importantíssima para a pessoa do crente ou do descrente, e claro, menos importante para os grupos humanos que se formam e se transformam à luz de rituais e doutrinas. Na Antiguidade, entre letrados, o termo estava ligado ao que parecia ser uma crença ou convicção, um pensamento firme ou doutrina. Os dogmas têm estas características porque os católicos romanos confiam que um dogma é uma verdade que está contida, implícita ou explicitamente, na imutável revelação divina ou que tem com ela uma conexão necessária. Para que estas verdades se tornem em dogmas, elas precisam ser propostas pela Igreja Católica diretamente à sua fé e à sua doutrina, através de uma definição solene e infalível e do posterior ensinamento destas pelo magistério ordinário da Igreja. Para que tal proclamação ou clarificação solene aconteça, são necessárias duas condições: a) o sentido deve estar suficientemente manifestado como uma autêntica verdade revelada por Deus; b) a verdade ou doutrina em causa deve ser proposta e definida pela Igreja como uma verdade revelada e uma parte integrante reconhecida pela anuência da fé católica. Mas, os dogmas no âmbito da formação social da história da Igreja não quer dizer que tais verdades só tardiamente tenham sido reveladas, mas que se tornaram mais claras e úteis somente para a Igreja na sua progressão na fé.
Neste
aspecto filosófico e metodológico, Karl Marx, depois de Friedrich Hegel, é quem
melhor precisa, a ideia segundo a qual “não é a consciência dos homens que
determina o seu ser; é o seu ser social que, inversamente, determina a sua
consciência”. Assim como não se julga um indivíduo pela ideia que ele faz de si
próprio, não se poderá julgar uma tal época de transformação pela mesma
consciência de si; é preciso, pelo contrário, explicar esta consciência pelo
conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de
produção. Uma organização social nunca desaparece antes que se desenvolvam
todas as forças produtivas que ela é capaz de conter; nunca relações de
produção novas e superiores se lhe substituem antes que as condições materiais
de existência destas relações se produzam no próprio seio da velha sociedade. É
por isso que a humanidade só levanta os problemas que é capaz de resolver e
numa observação atenta, descobrir-se-á que o próprio problema só surgiu quando
as condições materiais para o resolver existiam ou estavam, ao menos em via de
aparecer. Narra que existe a “carne do mundo” e a “carne do corpo” e se
imbricam na relação de percepção mútua. - “A carne é fenômeno de espelho e o
espelho é extensão da minha relação com meu corpo”. É a possibilidade de corpo
e mundo terem carne que os faz reconhecíveis, e capazes
de percebendo o mundo, refletirmos sobre este e sobre nós mesmos.
Maurice
Merleau-Ponty foi, comparativamente ao lado de Jean-Paul Sartre, a figura mais
representativa do pensamento filosófico francês após a 2ª guerra mundial
(1939-1945), e que se celebrizou por uma de suas manifestações coletivas reconhecidas:
o existencialismo. Ele procura persuadir o leitor de que os conceitos
fundamentais da filosofia - sujeito e objeto, fato e essência, ser e nada,
consciência, imagem, coisa, palavra, já representam determinada interpretação
singular do mundo. Sua obra foi profundamente inspirada pelos trabalhos de
Edmund Husserl (1859-1938), considerado o “pai da fenomenologia”, apesar de
negar sua doutrina do conhecimento intencional, preferindo basear sua
construção teórica na maneira individual de se portar do corpo e na captação de
impressões dos sentidos. No exame
minucioso da percepção, Merleau-Ponty converte o processo fenomenológico em uma
modalidade existencial, resumindo no logos a estrutura do mundo. Segundo sua
concepção, a filosofia permite um novo aprendizado do olhar sobre o universo
que o envolve, um retorno ao âmago do objeto. A base do conhecimento está na
capacidade suscetível de perceber o que nos cerca, o que implica também o
processo sociológico de interpretação analítica de representação e dar significado ao que foi captado pelos sentidos, para
que se possam realizar as necessárias conexões entre os objetos perceptíveis, o
que torna possível vê-los como um todo. O trabalho parece ser uma categoria
muito simples. A ideia de trabalho nesta universalidade, como trabalho em
geral, é também das mais antigas na humanidade.
No
entanto, concebido do ponto de vista econômico produtivo nesta forma simples, o
trabalho é uma categoria tão moderna como as relações que esta abstração
simples engendra. Assim, apesar de historicamente a categoria mais simples
poder ter existido antes da mais concreta, pode pertencer, no seu completo
desenvolvimento, isto é, em compreensão e em extensão, precisamente a uma forma
de sociedade complexa, enquanto a categoria mais concreta se achava já
completamente desenvolvida numa forma de sociedade mais atrasada. Assim, a
abstração mais simples, que a economia política moderna coloca em primeiro
lugar e que exprime uma relação muito antiga e válida para todas as formas de
sociedade, só aparece, no entanto, sob esta forma abstrata como verdade prática
enquanto categoria da sociedade mais moderna. Isto é importante, na medida em
que para Marx, o todo, na forma em que aparece no espírito como
todo-de-pensamento, ou seja, analiticamente, é um produto do cérebro pensante,
que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível, que difere da
apropriação desse mundo pela arte, pela religião, pelo espírito prático,
antes como depois, o objeto real conserva a sua independência fora do espírito;
e isso na duração em que tiver uma atividade meramente especulativa, meramente
teórica. No emprego do método teórico é necessário que o objeto, a sociedade,
esteja presente no espírito como dado primeiro.
Algo que acena com a possibilidade de uma
significação das coisas, apesar de todos os paradoxos existenciais. Neste
sentido, ser é visto pelo outro como uma fração de mundo, a interação social
entre as consciências e a ligação dialética entre o senhor e o escravo no
sentido hegeliano. Contudo, as obras mais significativas de Merleau-Ponty são
as de natureza psicológica, para o que nos interessa, estão entre elas: A
Estrutura do Comportamento, de 1942, e Fenomenologia da Percepção,
de 1945. Na sua fase de inferência política elaborou uma série de outros
ensaios de teor marxista como: Humanismo e Terror, de 1947, uma apologia
do comunismo soviético de fins da década de 1940. Em 1955 ele passa por uma
modificação na sua weltanschauung sobre este regime, no ensaio: As
Aventuras da Dialética, de 1955, no qual o marxismo é visto
comparativamente mais como um método de análise do que representando uma práxis
revolucionária para se avançar politicamente sobre o debate da questão tópica
da verdade no âmbito histórico da fenomenologia. Ao distanciar-se de suas
primeiras obras e buscar a ontologia, Merleau-Ponty busca o “espírito selvagem”
e o “ser bruto”. Defendia que a percepção é mais importante que a definição,
pois a percepção valoriza as singularidades das coisas e dá significado aos
seus detalhes. Ele acreditava que a arte é uma totalidade tangível, na qual a
significação está ligada a todos os signos e detalhes que a manifestam. Sua
interrogação vem exprimir-se na nota de O Visível e o Invisível, e para ele: “o Ser é o que exige de nós criação para que dele
tenhamos experiência”.
Uma frase cujo prosseguimento reúne de forma emblemática arte e filosofia, pois a nota continua: “filosofia e arte, juntas, não são fabricações arbitrárias no universo da cultura, mas contato com o Ser justamente enquanto criações”. Por que criação? Porque entre a realidade dada como um fato, instituída, e a essência secreta que a sustenta por dentro há o momento instituinte, no qual o Ser vem a ser: para que o ser do visível venha à visibilidade, solicita o trabalho do pintor; para que o ser da linguagem venha à expressão, pede o trabalho do escritor; para que o ser do pensamento venha à inteligibilidade, exige o trabalho do pensador. Se esses trabalhos são criadores é justamente porque tateiam ao redor de uma intenção de exprimir alguma coisa para a qual não possuem modelo que lhes garanta o acesso ao Ser, pois é sua ação que abre a via de acesso para o contato pelo qual pode haver experiência do Ser. Que laço amarra num tecido único experiência, criação, origem e Ser? Que é Espírito Selvagem? É o espírito de práxis, que quer e pode alguma coisa, o sujeito que não diz em sua simplicidade “eu penso”, e sim “eu quero”, “eu posso”, mas que “não saberia como concretizar isto que ele quer e pode senão querendo e podendo”. Isto é, agindo, realizando uma experiência e sendo essa própria experiência na existência. O que torna possível a experiência criadora é a existência de uma falta ou de uma lacuna a serem preenchidas, sentidas pelo sujeito da ação como intenção de significar alguma coisa precisa e determinada eminentemente no campo da ação social.
A
miséria humana é inerente e faz parte da pessoa e que lhe é inseparável por
natureza. É o que é intrínseco, específico e que pode servir para caracterizar
algo ou alguém para o bem ou o mal. Retomemos
a questão do dogma na origem da ideologia. Em primeiro lugar a crítica
alemã até em seus mais novos esforços não abandonou o terreno da filosofia. Bem
longe de investigar seus pressupostos gerais-filosóficos, o conjunto de suas
perguntas inclusive cresceu sobre o chão de um único e determinado sistema
filosófico, o hegeliano. Não apenas em suas respostas, segundo Marx (2007), já
nas próprias perguntas jazia uma mistificação. Essa dependência de Hegel é o
motivo pelo qual nenhum desses novos críticos sequer tentou uma crítica abrangente
do sistema hegeliano, por mais que afirmem ter superado Hegel. Suas
polêmicas contra Hegel e as polêmicas de uns contra os outros limitam-se ao
fato de cada um deles extrair um lado do sistema hegeliano e voltar esse lado
contra o sistema inteiro quanto contra os lados extraídos e analisados pelos
outros. No começo eram extraídas categorias hegelianas puras e não
falsificadas, como substância e autoconsciência, essas categorias foram
profanadas por nomes mais mundanos, como gênero (Gattung), o Único
(Einzige), o homem etc. Toda crítica filosófica alemã de Strauß a
Stirner (cf. França, 2012) se limita à crítica das noções religiosas. Partiu-se
da religião real e da teologia factual.
O que seria consciência religiosa, noção religiosa, foi identificado de maneira diferente, consistindo no fato de subsumir também as noções metafísicas, políticas, jurídicas, morais e outras, que eram pretensamente dominantes, sob a esfera das noções religiosas ou teológicas; e da mesma forma esclarecer a consciência política, jurídica e moral como consciência religiosa ou teológica e o homem político, jurídico, moral em última instância representa “o homem”, com sentido religioso. O império da religião foi estabelecido na condição de pressuposto. Cada relação social reinante foi esclarecida como sendo uma relação da religião e transformada em culto, culto do direito, culto do Estado e assim por diante. Por todos os lugares o que havia era o dogma e a crença no dogma religioso. Os hegelianos antigos compreenderam tudo, contanto que tivesse sido atribuído a uma categoria lógica hegeliana. Criticaram tudo, ao lhe imputar noções religiosas ou esclarecê-lo como teológico. Concordam com os antigos hegelianos no que diz respeito à crença no império da religião, dos conceitos, do caráter universal no mundo vigente. Só que alguns combateram o império como se fosse uma usurpação que os outros festejavam legitimamente. Uma vez que nesses jovens hegelianos as noções, categorias sociais, pensamentos, conceitos e de maneira geral os produtos da consciência por eles mesmos autonomizada são tidos como autênticos grilhões dos homens, assim também se compreende que os jovens hegelianos só têm a lutar exclusivamente contra essas ilusões enquanto formação da consciência. Uma vez que, segundo sua fantasia, as relações entre os homens, todo o seu fazer e haver, seus grilhões e barreiras são produtos de sua consciência, assim, consequentemente, os jovens hegelianos estabelecem seu postulado moral de trocar sua consciência presente pela consciência humana, crítica ou egoísta, decerto, e através dessa condição poder eliminar suas barreiras.
Essa exigência de mudar a consciência acaba na exigência de interpretar o vigente de outra maneira, de reconhece-lo por meio de uma outra interpretação. Os jovens ideólogos hegelianos são, apesar de suas frases feitas pretensamente “abaladoras do mundo”, os maiores conservadores. Os mais jovens acharam a expressão certa para a sua atividade, quando afirmam que lutam apenas contra “frases feitas”. Eles esquecem que eles também não fazem mais do que simplesmente opor frases feitas a essas frases feitas, e que não combatem, de maneira nenhuma, o mundo real vigente ao combater apenas as frases feitas desse mundo. Os únicos resultados aos quais essa crítica filosófica pode chegar foram alguns esclarecimentos histórico-religiosos acerca do cristianismo; todas as suas demais afirmativas são apenas enfeites acrescidos de sua pretensão de ter fornecido descobertas de importância histórica mundial com os esclarecimentos insignificantes que ofereceram. A nenhum desses filósofos ocorreu a ideia de perguntar acerca da relação conjuntural realmente existente entre a filosofia alemã e a realidade alemã, da relação da crítica que fazem com seu próprio ambiente material. Ipso facto, Marx adverte-nos: os pressupostos com os quais começamos não são dogmas arbitrários, não são nem dogmas, são pressupostos reais, dos quis se pode abstrair apenas na imaginação. Eles são os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto as encontradas quanto as produzidas através de sua própria ação. Esses pressupostos são constatáveis através de um caminho extraordinário diariamente no cotidiano puramente empírico dos fatos históricos etc. O primeiro pressuposto de toda a história humana é, naturalmente, a existência de indivíduos humanos vivos.
O primeiro ato histórico desses indivíduos, através do qual se diferenciam dos animais, não é o fato de eles pensarem, mas sim o de eles começarem a produzir seus víveres. O primeiro fato situacional a ser constatado é, portanto, a organização corporal desses indivíduos e sua relação com o restante da natureza, resultante dessa mesma organização. Mas essas condições sociais implicam não apenas a organização original e naturalística dos homens, em particular as diferenças entre as raças, mas também o seu desenvolvimento ou seu não-desenvolvimento sucessivo até os dias de hoje. Toda a historiografia tem de começar a partir desses fundamentos naturais e sua modificação através da ação dos homens no decorrer da história. Pode-se diferenciar os homens dos animais através da consciência, através da religião, através do que se quiser. Eles começam a se diferenciar dos animais quando produzem seus víveres condicionado pela sua organização corporal. Ao passo que produzem seus víveres produzem indiretamente sua vida material. O modo através do qual os homens produzem seus víveres depende, em primeira mão, da própria constituição dos víveres encontrados na natureza e daqueles a serem produzidos. Esse modo da produção não deve ser observado apenas sob o ponto de vista que faz dele a reprodução da existência física dos indivíduos. Ele é, muito antes, uma forma determinada de expressar sua vida, uma forma de vida determinada do mesmo. Assim como os indivíduos expressam sua vida, assim eles também são. O que eles são, coincide com sua produção, com o que eles produzem, quanto como eles o produzem.
O que os indivíduos são, portanto, depende das condições materiais de sua produção. Essa produção passa a ocorrer apenas com o aumento da população. É ela que volta a pressupor um intercâmbio entre os indivíduos. A forma desse intercâmbio é mais uma vez condicionada pela produção. As relações entre diferentes nações dependem de como cada uma delas desenvolveu suas forças de produção, a divisão do trabalho e o intercâmbio interno. Essa sentença é reconhecida e aceita de maneira geral. A divisão do trabalho no interior de uma nova nação leva, no princípio, à divisão do trabalho industrial e comercial do trabalho agrícola, e com isso à divisão entre cidade e campo e à oposição entre o interesse de ambos. Ao mesmo tempo se desenvolvem sempre, através da divisão de trabalho no interior desses diferentes setores, diferentes seções entre os indivíduos atuando em conjunto de determinado trabalho. Os diferentes estágios de desenvolvimento da divisão de trabalho são, da mesma maneira, diferentes formas de propriedade; o estágio da divisão do trabalho em cada fase determina também as relações dos indivíduos uns com os outros no que diz respeito ao material, ao instrumento e ao processo de trabalho.
A produção das ideias, das representações, da consciência é, ao princípio, entrelaçada sem mediações com a atividade material e o intercâmbio material dos homens, a linguagem da vida real. A formação das ideias, o pensar, a circulação espiritual entre os homens ainda se apresentam nesse caso como emanação direta de seu comportamento material. Vale o mesmo para a produção espiritual, conforme esta se apresenta na linguagem da política, das leis, da moral, da religião, da metafísica etc. de um povo. Os homens são os produtores de suas representações, ideias e assim por diante, mas apenas os homens reais e ativos, conforme são condicionados através de um desenvolvimento determinado de suas forças de produção e pela circulação corresponde às mesmas, até chegar a suas formações mais diferentes. A consciência (Bewusstsein) não pode ser jamais algo diferente do que “o ser consciente” (bewusstes Sein), e o ser dos homens é um bom processo de vida real. Se em toda ideologia, os homens e suas relações aparecem invertidos como em uma câmara escura, este fenômeno provém igualmente de seu processo histórico de vida, assim como a inversão dos objetos ao se projetarem sobre a retina provém de seu processo diretamente físico. Daí a tese materialista: “bem ao contrário do que acontece com a filosofia alemã, que desce do céu para a terra, aqui se sobe da terra para o céu”. Isto porque, metodologicamente, diz Marx, “não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam, ou engendram mentalmente, tampouco do homem dito, pensado, imaginado ou engendrado mentalmente para daí chegar ao homem em carne e osso”; isto é, parte-se dos homens realmente ativos e de seu processo de vida real para daí chegar ao desenvolvimento do que Marx entende por “reflexos ideológicos e aos ecos desse processo de vida”. Também as formações nebulosas que se condensam no cérebro dos homens são sublimações necessárias de seu processo material de vida, processo empiricamente registrável e ligado a condições materiais.
A
moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia e as formas de
consciência que a elas possam corresponder não continuam mantendo, assim, por
mais tempo, a aparência de sua própria autonomia. Elas não têm história, elas
não têm um desenvolvimento próprio delas, mas os homens que desenvolvem sua
produção material e sua circulação material também, ao trocar esta realidade,
seu pensamento e os produtos de seu pensamento. A tese materialista de Marx é
apresentada na Ideologia Alemã: - Não é a consciência quem determina a
vida, mas a vida que determina a consciência. E retomada no prefácio do ensaio
de 1857, Contribuição à Crítica da Economia Política. – O conjunto
destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a
base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à
qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção
da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e
intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é
o ser social que, inversamente, determina a sua consciência. Já no primeiro ponto de vista, parte-se da
consciência como se esta fosse um indivíduo vivo; a partir do segundo ponto de
vista, que é o correspondente à vida real, parte-se do mesmo indivíduo real e
vivo e se considera a consciência como sendo somente sua consciência. Onde
termina a especulação na vida, começa a ciência, a representação da ação
prática de desenvolvimento dos homens. Frases feitas como produto da
consciência e o saber sobre o real, nem sempre ocupam um lugar na
existência.
O termo ideologia aparece pela primeira vez em 1801 no livro de Destutt de Tracy, Eléments d`ldéologie. Juntamente com o médico Pierre-Jean-Georges Cabanis, De Gérando e Volney, De Tracy pretendia elaborar uma ciência da gênese das ideias, tratando-as como fenômenos naturais que exprimem a relação do corpo humano enquanto organismo com o ambiente. Elabora uma teoria sobre as faculdades sensíveis, responsáveis pela formação de todas as nossas ideias: querer (vontade), julgar (razão), sentir (percepção) e recordar (memória). Nesses termos os ideólogos franceses eram antiteológicos, antimetafísicos e antimonárquicos. Pertenciam ao partido liberal e esperavam que o progresso das ciências experimentais, baseadas exclusivamente na observação, na análise e síntese dos dados observados, pudesse levar a uma nova pedagogia e a uma nova moral. Contra a educação religiosa e metafísica, que permite assegurar o poder político de um monarca, De Tracy propõe o ensino das ciências físicas e químicas para “formar um bom espírito”, isto é, um espírito capaz de observar, decompor e recompor os fatos, sem se perder em vazias especulações. Curiosamente o que Cabanis e outros pretendem construir são ciências morais dotadas de tanta certeza quanto naturais, capazes de trazer a felicidade coletiva e de acabar finalmente com os dogmas, desde que a moralidade não seja separada da fisiologia do corpo humano.
Nos
Elementos de Ideologia, na parte dedicada ao estudo da vontade, De Tracy
procura analisar os efeitos de nossas ações voluntárias e escreve, então, sobre
economia, na medida em que os efeitos das ações voluntárias concernem à nossa
aptidão para prover necessidades materiais. Procura saber como atuam, sobre o
indivíduo e sobre a massa, o trabalho e as diferentes formas da sociedade, isto
é, a família, a corporação. Suas considerações, na verdade, são glosas das
análises do economista francês Jean-Baptiste Say (1767-1832), a respeito da
troca, da produção social, do valor, da indústria, da distribuição do consumo e
das riquezas. No ensaio de Cabanis Influências do Moral sobre o Físico,
procura determinar a influência do cérebro sobre o resto do organismo, no
quadro puramente fisiológico. O ideólogo francês partilha do otimismo
naturalista e materialista do século XVIII, acreditando que a Natureza tem, em
si, as condições necessárias e suficientes para o progresso e que só graças a
ela nossas inclinações e nossa inteligência adquirem uma direção e um sentido.
Os ideólogos foram partidários de Napoleão e apoiaram o golpe de Estado de 18
Brumário, pois o julgava um liberal continuador dos ideais da Revolução
Francesa. Enquanto Cônsul, Napoleão nomeou vários dos ideólogos como senadores
ou tribunos. Todavia, logo se decepcionaram com Bonaparte, vendo nele o
restaurador do Antigo Regime. Opõe-se às leis referentes à segurança do Estado
e são por isso excluídos do Tribunado e sua Academia é fechada.
Os
decretos napoleônicos para a fundação da nova Universidade Francesa dão plenos
poderes aos inimigos dos ideólogos, que passam, então, para o partido da
oposição. O sentido pejorativo dos termos “ideologia” e “ideólogos” veio de uma
declaração de Napoleão que, num discurso ao Conselho de Estado em 1812,
declarou: “Todas as desgraças que afligem nossa bela França devem ser
atribuídas à ideologia, essa tenebrosa metafísica que, buscando com sutilezas
as causas primeiras, quer fundar sobre suas bases a legislação dos povos, em
vez de adaptar as leis ao conhecimento do coração humano e às lições da
história”. Bonaparte invertia a imagem que os ideólogos tinham de si mesmos:
eles, que se consideravam materialistas, realistas e antimetafísicos, foram
chamados de “tenebrosos metafísicos”, ignorantes do realismo político que
adapta as leis ao coração humano e às lições da história. O curioso, segundo
Marilena Chauí, no ensaio: O que é Ideologia (2017), é que se a acusação
de Bonaparte é infundada com relação aos ideólogos franceses, não o seria se se
dirigisse aos ideólogos alemães, criticados por Marx. Ou seja, a análise do
filósofo Marx conservará o significado napoleônico do termo: “o ideólogo é
aquele que inverte as relações entre as ideias e o real”. A ideologia,
que inicialmente designava uma ciência natural da aquisição, pelo homem, das
ideias calcadas sobre o próprio real, passa a designar, um
sistema de ideias condenadas a desconhecer sua relação real com o real
da inversão.
A definição dos dogmas não é contraditória com a crença católica de que a revelação divina é inalterável, definitiva e imutável desde a ascensão de Jesus. No começo dos anos 1870, Charles Taze Russell (1852-1916) e alguns amigos decidiram iniciar um estudo da Bíblia “com respeito à volta de Cristo, tentando obter esclarecimento bíblico sem a influência de qualquer grupo religioso existente na época”. Este foi o início da atualmente atividade das Testemunhas de Jeová. Aquele grupo passou a defender que a doutrina da Trindade não era bíblica, mas que somente Jeová é o Deus e Criador Todo-poderoso, que Jesus Cristo é a Sua primeira criação e o seu Filho unigênito e que o espírito santo não é uma pessoa, mas é a força ativa, invisível, de Deus. Também defendia que a alma não é imortal, mas mortal, sendo que a esperança dos mortos está na ressurreição, e que a punição pela maldade impenitente não seria um tormento eterno, mas o aniquilamento. Professavam que “um ensino básico da Bíblia é que Jesus deu a sua vida em resgate pela humanidade”. E que seriam remidos da terra 144 mil homens e mulheres, para serem coerdeiros de Cristo no reino celestial.
Acreditavam ainda que, religiosamente, por meio do resgate de Jesus, muitos outros, incluindo “os ressuscitados dentre os mortos, atingiriam a perfeição humana, com a perspectiva de vida eterna na Terra, sob o governo do Reino”. Charles Russell e seus associados afirmavam também que a presença de Cristo seria invisível, em espírito. Os Tempos dos Gentios, durante os quais a soberania de Deus não estava sendo expressa por meio de algum governo na Terra. O emprego de Reino dos Céus, no evangelho segundo São Mateus, certamente é devido à tendência, no judaísmo, de evitar o uso direto do nome de Deus. Segundo a Tradição Judaica, há três céus, sendo o primeiro, o firmamento onde encontram-se nuvens, o segundo o espaço, onde residem os astros, e o terceiro céu, onde residem Deus e seus Anjos. O Reino de Deus designa um governo ou domínio em que tem Deus por soberano ou governante. É um conceito fundamental nas três principais religiões abraâmicas existentes: o Judaísmo, o Islamismo e, mais notavelmente, o Cristianismo. Nesta última religião monoteísta, o Reino de Deus constitui o tema principal pregado por Jesus, através de parábolas. O Reino de Deus é frequentemente referido no Tanak, a coleção canônica dos textos hebraicos, que é a fonte do cânone do Antigo Testamento cristão. Este conceito está muito ligado à crença judaica de que Javé (Deus) iria restaurar a nação de Israel. Aliás, o Reino de Deus foi prometido por Javé ao Rei David de Israel. Também no Tanakh, Javé é apresentado como o verdadeiro Rei de Israel, sobretudo a partir da monarquia, quando são ungidos reis para governarem o povo em nome de Javé. Ipso facto, o Reino de Deus é mais reino material com características políticas, ou seja, um reino deste mundo, assemelhando-se a uma monarquia teocrática.
O
exílio na Babilônia foi um período de cerca de 50 anos, entre 586 a.C. e 538 a. C., em que parte da população judaica foi
deportada para a Babilônia. O evento teve um impacto profundo na cultura,
religião e identidade do povo hebreu. Porém, depois do Exílio na Babilônia,
o conceito de Reino de Deus foi espiritualizado, passando o culto de Javé a ser
predominantemente religioso e universal. Esta espiritualização deveu-se muito
ao esforço e trabalho de vários profetas judeus. Entre os teólogos cristãos
existem conceitos divergentes, mas não incompatíveis quanto ao que é
concretamente o Reino de Deus, que podemos sintetizar em dois pontos: um
governo real e/ou universal de Deus estabelecido no Céu e também na Terra
completamente renovada no fim dos tempos, no dia do Juízo final e com
existência eterna; uma condição interior de dimensão pessoal, de carácter
espiritual, moral, mental e psíquico/psicológico, existente em todos aqueles
que estão na graça de Deus e que seguem verdadeiramente a vontade de Deus e os
ensinamentos e exemplo de Jesus Cristo; pelo menos segundo a doutrina da Igreja
Católica, o Reino de Deus tem simultaneamente uma dimensão pessoal, de carácter
espiritual e moral, em cada homem; e uma dimensão universal que se manifestará
no fim dos tempos, no dia do Juízo Final, quando tudo se consumará e
estabelecerá uma nova Terra e um novo Céu, onde os justos vivem em Deus, com
Deus e junto de Deus.
Tal só irá acontecer quando o Reino, que já foi instaurado na Terra por Jesus, já estiver perfeito e suficientemente maduro. Os valores principais são a verdade, a justiça, a paz, a fraternidade, o perdão, a liberdade, a alegria e a dignidade da pessoa humana. Enquanto o evangelho segundo São Mateus se dirige aos judeus na maioria das vezes falando em Reino dos Céus, no evangelho segundo São Marcos e São Lucas falam sobre o Reino de Deus, expressão essa que tem o mesmo sentido daquela. O Reino de Deus, que foi inaugurado na terra por Cristo, está destinado a acolher todos os homens, mas foi primeiramente anunciado aos filhos de Israel. Este Reino foi já anunciado por João Batista, que exortou as pessoas a arrependerem, porque está próximo o Reino dos Céus (Mt 3,2). Mais tarde, Jesus de Nazaré, o prometido Messias e Salvador da humanidade, foi batizado e Ungido (Lc 3,21-22), começando assim o seu ministério, que se centrou necessariamente em torno do Reino de Deus. Ele instruiu os seus apóstolos a pregar que está próximo o Reino dos Céus. A Bíblia inteira gira em torno da vinda do Messias e do Reino do Deus, que é “uma grande realidade misteriosa, tem um grande sentido profético e missionário na vida da Igreja Cristã”. Jesus, através de parábolas, convida todas as pessoas a entrar no Reino de Deus, e tornar-se discípulos d`Ele, para conhecer os mistérios do Reino dos Céus (Mt 13,11). Segundo o Catecismo da Igreja Católica, Jesus e a presença do Reino neste mundo estão secretamente no coração das parábolas.
Para os que ficam “de fora” da relação (Mc 4,11), tudo permanece enigmático. Jesus exorta os seus discípulos a buscar, em primeiro lugar, o Reino de Deus e sua justiça (Mt 6,33). O Reino de Deus, que não terá fim e que já está “no meio de nós” (Lc 17, 21), é justiça, paz e alegria no Espírito Santo (Rm 14,17); é o fim último ao qual Deus nos chama; é obra do Espírito Santo; e é também um império eterno que jamais passará e…jamais será destruído (Dn 7,14). Todas as pessoas que querem pertencer precisam de converter-se, de realizar a vontade divina, de ter fé em Jesus e de acolher a sua palavra. De fato, Jesus convida todas pessoas à conversão, um pré-requisito para o acesso ao Reino, a renunciar o mal e o pecado, um grande obstáculo para o acesso ao Reino e a arrependerem os seus pecados e experimentarem o ilimitado perdão e misericórdia de Deus. Este apelo constitui a parte fundamental do anúncio do Reino de Deus: “Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Este apelo à conversão é especialmente para os não cristãos e os pecadores, pois Jesus afirma que não vim chamar justos, mas pecadores (Mc 2,17) e que Deus Pai sentirá imensa alegria no céu por um único pecador que se arrepende (Lc 15,7). Esta conversão e remissão dos pecados (Mt 26,28) foi possível pelo sacrifício de Jesus, Filho de Deus Pai, na cruz, e constitui a suprema prova do amor que Deus tem pelos homens.
Jesus
afirmou que não entrará no Reino todo o que não o receber com a mentalidade de
uma criança (Mc 10,15), quem não nascer de novo (Jo 3,3), aquele que não faz a
vontade de meu Pai que está nos céus (Mt 7,21) e os injustos (1Cor 6,9). Para
ter acesso ao Reino de Deus, é preciso passarmos por muitas tribulações (Act
14,22) e também cumprir a Lei de Deus, porque aquele que violar um só destes
menores mandamentos e ensinar os homens a fazerem o mesmo [vai] ser chamado o
menor no Reino dos Céus; aquele, porém, que os praticar e os ensinar, esse será
chamado grande no Reino dos Céus (Mt 5,17-19). As Bem-aventuranças, pregadas
por Jesus no Sermão da Montanha, são por isso um grande anúncio da vinda
do Reino de Deus através da palavra e ação de Jesus e também do carácter das
pessoas que pertencem ao princípio deste Reino. Jesus exorta as pessoas a
seguir este carácter exemplar, para poderem depois entrarem no Reino de Deus,
ou seja, para obterem a salvação e a vida eterna.
O
Sermão da Montanha tem como representação um discurso de Jesus Cristo
que pode ser lido no Evangelho de Mateus e no Evangelho de Lucas. Nestes
discursos, Jesus Cristo profere lições de conduta e moral, ditando os
princípios que normatizam e orientam a vida cristã. Estes discursos podem ser
considerados por isso como um resumo dos ensinamentos de Jesus a respeito do
Reino de Deus, do acesso ao Reino e da transformação que esse Reino produz. John
Robert Walmsley Stott (1921-2011), teólogo e escritor, diz que a essência do Sermão
da Montanha foi o apelo de Cristo aos seus seguidores para serem diferentes
de todos os demais. – “Não sejam iguais a eles”, disse Jesus (Mt 6.8). O reino
que Cristo proclamou deve ser uma contracultura, exibindo todo um conjunto de
valores e padrões distintos. Ele fala de justiça, influência, piedade,
confiança e ambição, e conclui com um desafio radical para que se escolha o
caminho Dele. pastor e teólogo anglicano britânico, conhecido como um dos
grandes nomes mundiais evangélicos. Foi um dos principais autores do pacto de
Lausana, em 1974. Em 2005, a revista Time considerou Stott uma das 100
pessoas mais influentes do mundo.
Então seria estabelecido no céu o Reino
de Deus. O Reino de Deus e o Reino dos Céus são expressões bíblicas que se
referem a um mesmo reino eterno, espiritual e invisível, onde Deus é o Rei: O
Reino de Deus é um reino espiritual, interior, invisível e intangível. É o
predomínio da vontade de Deus. O Reino dos Céus é o reino prometido a Davi, que
será estabelecido e regido por Jesus Cristo. É dispensacional, físico, visível,
exterior e político. O Reino de Deus e o Reino dos Céus são usados de forma
indistinta nos Evangelhos. O Reino de Deus já começou a ser estabelecido dentro
dos corações das pessoas e cresce com a obediência à Jesus. A Bíblia descreve o
Reino de Deus como um império eterno, que não terá fim, e que é justiça, paz e
alegria no Espírito Santo. A Bíblia compara o Reino de Deus a um tesouro
escondido, a um grão de mostarda e ao fermento que se põe na farinha. Ensinos básicos identificam as Testemunhas de Jeová.
Para
divulgar os ensinos bíblicos em que acreditava, em julho de 1879, Russell
começou a publicar em inglês a revista A Torre de Vigia de Sião e Arauto da
Presença de Cristo, reconhecida como A Sentinela — Anunciando o Reino de
Jeová. A revista afirma que seu objetivo é tornar conhecido o Reino de
Jeová Deus, a quem defende como o Criador do Universo e da humanidade. Proclama
que, em breve, Deus substituirá os governos atuais por um Reino que terá Jesus
Cristo como principal governante em seus primeiros 1000 anos de regência e que
fará da Terra um paraíso global. Os seus artigos centram-se essencialmente em
assuntos bíblicos e na divulgação da Bíblia. Os seus editores acreditam que são
politicamente neutros. Também considera o que acontece e a sua
relação com as chamadas Profecias Bíblicas. Possui seções com destaques
sobre livros da Bíblia e seções com perguntas sobre assuntos bíblicos. Até o
final de 2007, alguns artigos na revista eram impressos com parágrafos
numerados e perguntas em rodapé de página. A partir de janeiro de 2008, estes
artigos passaram a ser publicados numa edição de estudo mensal, análoga às
publicadas ininterruptamente até dezembro de 2007, intercalada com a edição
mensal para o público em geral.
A
seita das Testemunhas de Jeová foi fundada por Charles Taze Russell, em 1872.
Ele nasceu em 15 de fevereiro de 1852, e era filho de Joseph L. e Anna Eliza
Russell. Ele tinha grande dificuldade de aceitar a doutrina da condenação
eterna ao inferno e, em seus estudos, veio a anular não apenas a punição
eterna, mas também a Trindade, a deidade de Cristo e o Espírito Santo. Em 1870,
com a idade de 18 anos, Russell organizou uma classe bíblica em Pittsburgh. Em
1879, ele procurou popularizar as suas ideias e doutrinas aberrantes. Ele publicou
a revista The Herald of the Morning com seu fundador, N. H. Barbour e,
em 1884, Russell tomou o controle da publicação dando-lhe o novo nome de “A
Sentinela Anuncia o Reino de Jeová”, e fundou a “Zion`s Watch Tower Tract
Society”, agora reconhecida como Watch Tower Bible and Tract Society,
Sociedade Bíblica Torre de Vigia. A primeira edição da revista Sentinela tinha
somente 6.000 cópias por mês. Hoje o complexo publicitário das Testemunhas, no
Brooklyn, Nova York, imprime mais 100.000 livros e 800.000 cópias de duas
revistas -- diariamente! Russell alegava que a Bíblia só seria corretamente
entendida de acordo com as suas interpretações. Era um perigoso arranjo, já que
era ele quem controlava o que era escrito na revista Sentinela. Estes
artigos são a base para o estudo da Bíblia numa das reuniões congregacionais
semanais, nos Salões do Reino. Esta reunião, reconhecida disciplinarmente por “Estudo
de A Sentinela”, costuma ter uma duração de uma hora e é conduzida num
formato de perguntas levantadas pelo dirigente sendo as respostas dadas pela Assistência,
após a leitura de cada um dos parágrafos. A revista A Sentinela é publicada
em 413 idiomas e com uma tiragem média de 24.400.000 exemplares, segundo a
edição nº1 2023.
Bibliografia
Geral Consultada.
SALEM, Jean, “Marx et l’Atomisme Ancien: La Dissertation de 1841”. In: Annali Della Scuola Normale Superiore Di Pisa. Classe Di Lettere e Filosofia, vol. 25, n° 4, 1995; KEPEL, Gilles, La Revancha de Dios. Cristianos, Judíos y Musulmanes à la Reconquista del Mundo. Madrid: Alianza Editorial, 2005; MERLEAU-PONTY, Maurice, Fenomenologia da Percepção. 3ª edição. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2006; SILVA, Claudinei Aparecido de Freitas da, A Carnalidade da Reflexão: Ipseidade e Alteridade em Merleau-Ponty. Tese de Doutorado em Ciências Humanas. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2007; FEUERBACH, Ludwig, A Essência do Cristianismo. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2009; CHASIN, José, Marx: Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009; SILVA, Romero Júnior Venâncio, A Crítica da Religião em Marx: 1840-1846. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação Interinstitucional em Filosofia UFPE, UFPB, UFRN, 2010; LEITE, Fábio Carvalho, “Liberdade de crença e a objeção à transfusão de sangue por motivos religiosos”. In: Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, nº 41, pp. 43-74, jul./set. 2011; FRANÇA, Rodrigo Ornelas, Essencialismo e Modernidade: A Crítica de Max Stirner. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2012; GUIMARÃES, Neve Ione Ribeiro, O Sermão da Montanha na Visão do Filósofo Cristão Huberto Rohden. Tese de Doutorado em Ciências Humanas. Goiânia: Pontifícia Universidade Católica de Goiás, 2014; CHAUÍ, Marilena, O que é Ideologia. Rio de Janeiro: Editora Brasiliense, 2017; BOHSTROM, Philippe, “Before Herzl, There Was Pastor Russell: A Neglected Chapter of Zionism”. In: Haaretz, Jerusalém, 2018; STOTT, John, O cristão em uma sociedade não cristã. 1ª edição. São Paulo: Editor Thomas Nelson Brasil, 2019; VIVAS, Fernanda, “STF permite que Testemunhas de Jeová recusem transfusão de sangue em tratamentos médicos”. In: https://g1.globo.com/politica//2024/09/25/; MARTINS, Juliano Fábio, Perfil Epidemiológico de Doadores de Sangue Positivos para Marcadores Sorológicos Associados a Infecções Transmitidas por Transfusão. Dissertação Mestrado. Programa de Pós-graduação em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2024; entre outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário