quarta-feira, 1 de julho de 2020

José Olympio - Livreiro Notável & Percepção Profissional Globalizada.


Ubiracy de Souza Braga

O grande tema dele como Editor era o Brasil”. Antônio Carlos Villaça
     

        Antonio Carlos Villaça (1928-2005) foi escritor, jornalista, conferencista e tradutor, reconhecido como um dos mais importantes memorialistas em sua área no Brasil. Recebeu em 2001, pelo conjunto de sua obra, o Prêmio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras. Antonio Carlos Villaça nasceu no Rio de Janeiro em 31 de agosto de 1928, filho de Joaquim Ortigão Villaça e Dora Rocha Villaça. Cursou o primário e ginásio no Colégio Tijuca Uruguai, na rua Conde de Bonfim, e o clássico no Instituto Lafayette (1937-1946). Cursou dois anos de Direito (1947-1948) na Pontifícia Universidade Católica, ainda na Rua São Clemente, antes da elevação das Faculdades Católicas à categoria de Universidade. Aos dezesseis anos, em abril de 1945, estreou como autor com o ensaio: Perfil de um Estadista da República, sobre o Barão do Rio Branco, que valeu a Medalha Rio Branco do Ministério das Relações Exteriores (1946). Tentou a vida monástica no Mosteiro de São Bento, no Rio de Janeiro, em 1949, mas no ano seguinte sem motivo saiu de lá. No mosteiro leria mais livros de espiritualidade beneditina, patrística e de história do monaquismo. Acabou indo para o Convento dos Dominicanos em São Paulo, no bairro de Perdizes onde conviveu um ano (1951-1952). Cursou um ano de Filosofia no Seminário do Rio Comprido (1953). 

Em 1954 lançou-se na vida literária no Rio, colaborando em vários órgãos da imprensa, entres o Diário de Notícias, Correio da Manhã, Tribuna da Imprensa, O Jornal e Jornal do Brasil. Neste último, manteve uma coluna diária sobre assuntos religiosos de 1958 a 1961. Conferencista, viajou pelo Brasil todo, de Rio Branco a Porto Alegre. Viajou pelos Estados Unidos e Canadá em 1957. – “Eu estava muito leve, muito moço, andava muito por aquilo tudo. Queria conhecer, queria ver gente, queria ler, queria ir a cinema, ir a teatro, estava muito disponível, muito livre”. Visitou Jacques Maritain, em Princeton, e Thomas Merton, na Abadia Trapista de Gethsemani. Em 1966 foi para a Europa onde viveu um ano, sobretudo em Paris. Em 1967, de volta ao Rio, foi morar no Hotel Bela Vista, em Santa Teresa. – “Fui para uns dias apenas. Acabei passando dezessete anos e meses. Sempre no mesmo quarto, terceiro andar”. Foi membro do Conselho Estadual de Cultura do Rio de Janeiro de 1975 a 1983.

Em 13 de maio de 1976 tomou posse no PEN Clube do Brasil, sucedendo Murilo Mendes. A 10 de agosto de 1977 tomou posse na Academia Fluminense de Letras. Em 1979 tornou-se vice-presidente do Pen Clube do Brasil, e a partir de junho de 1984 passou a morar num quarto na sede do clube, na Praia do Flamengo, que em seu livro Degustação denominou “o mirante do Flamengo”, por causa da vista, e onde permaneceria até pouco antes de falecer: - “E me debruço na varanda e olho o mar. Vejo Niterói, ao longe. Vejo a brancura de Icaraí. [...] Vejo a ponte Rio-Niterói”. Em 1981 recebeu o prêmio Estácio de Sá. Em 1982 visitou Portugal a convite de instituições portuguesas e tornou-se membro da Academia Brasileira de Arte. Em 1983 recebeu a Ordem das Palmas Acadêmicas da França. Cultivou também a literatura infantil em A descoberta do morro (1984). Em 21 de novembro de 1984 tomou posse como membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Em 1989 proferiu a conferência inaugural da Academia Brasileira de Filosofia, da qual foi membro fundador e secretário-geral.

A proibição de Portugal para a impressão no Brasil foi o fator político que fez com que os manuscritos originais brasileiros passassem a ser publicados na Europa ou a permanecer na forma de manuscritos. Em 1792, havia apenas duas livrarias no Rio de Janeiro, e possivelmente uma era de Paul Martin, natural de Tours e o primeiro livreiro carioca. Seu filho, Paulo Martim Filho, manteve a livraria funcionando até 1823. Os livros oferecidos eram, geralmente, de medicina ou religião, tendo em vista o processo civilizatório e a maior parte dos livros que chegavam ao Brasil era contrabandeada. A profissão de editor era vista como um “clube de cavalheiros”, um ofício nobre, diferente e superior ao dos trabalhos corporativos de tipógrafos e livreiros. Sem dúvida, a necessidade de conhecer melhor o mercado global, de entender o ofício do editor e, particularmente, as singularidades que constituem a edição de livros é uma das razões da lentidão. Outra seria a possibilidade de participar de um espaço aberto de discussão, reflexão e interlocução, não tão restrito e escasso no dia-a-dia do trabalho editorial. Até meados da década de 1770, o escravo descia na Praia do Peixe, Praça XV de Novembro, e eram negociados na Rua Direita, no centro da província do Rio de Janeiro, à vista de todos. 

            Antes do início dos assentamentos no Morro do Castelo, as bases da cidade fundada em termos por Estácio de Sá, era uma aldeia no Morro Cara de Cão, ao lado do majestoso Pão de Açúcar. Por decisão de Mem de Sá, a cidade que nasceria de pedra e telha teria como novo local de assentamento o Morro do Castelo, e um forte seria erguido. O caminho que viria a ser a Rua Direita era extensão do que viria a ser a extinta Rua da Misericórdia que chegava ao Largo da Misericórdia, que ainda existe, no local onde era o sopé do Morro do Castelo. Era do Largo da Misericórdia, o primeiro Largo do Rio de Janeiro, da subida para o morro, através da Ladeira da Misericórdia. Dela, ainda existe um trecho que foi mantido. Em 1774, uma nova legislação, estabeleceu a transferência desse mercado negreiro para a região do Valongo, por iniciativa do segundo Marquês de Lavradio, dom Luís de Almeida Portugal Soares de Alarcão d Eça e Melo Silva Mascarenhas, vice-rei do Brasil, alarmado com “o terrível costume de tão logo os pretos desembarcarem no porto vindo da costa africana, entrarem na cidade através das principais vias públicas, não apenas carregados de inúmeras doenças, mas nus”. 
         O mercado negreiro foi transferido, mas não havia o ancoradouro. A alternativa foi desembarcar os escravos na alfândega e enviá-los de bote ao Valongo, de onde saltariam diretamente na praia. O comércio de livros no Brasil principalmente na cidade do Rio de Janeiro teve em folhetos, panfletos, almanaques e jornais importantes recursos de venda, desde as primeiras décadas do século XIX. Com um número significativo de livreiros franceses, as estratégias de venda já experimentadas com sucesso na Europa também ocorreram no Brasil. O papel dinamizador desses livreiros no Rio de Janeiro, no início do século, serviu para intensificar o comércio transatlântico da matéria-prima: o papel. Vinham se estabelecer comercialmente, alguns mantendo conexões e negócios com seus antigos sócios ou parentes. Não podiam sustentar os negócios exclusivamente com a venda de livros, mas posteriormente foram muito bem-sucedidos, com progressos significativos. No caso brasileiro, chegaram a ser ponto de referência entre letrados a partir da segunda metade do século. Chamados de “tratantes de livros” estabeleceram-se no Rio de Janeiro por volta de 1808. Sofriam o controle tanto político como comercial de instituições e autoridades, mas anunciavam seus produtos nos jornais, com toda a variedade de mercadorias a que tinham acesso através das importações do produto.

             
           A denominação de tratantes em livros, mais comum nas primeiras décadas do século, vinha sendo substituída pouco a pouco por livreiros. Suas lojas já deixavam de acumular funções e abandonavam a venda de unguentos, e de secos e molhados, incorporando às montras objetos de papelaria em geral. A profissionalização de livreiros e impressores no Brasil não foi um processo lento. A Europa, sobretudo a França, tinha um papel competitivo indiscutível, e o custo da produção levou muitos agentes do mercado editorial brasileiro a imprimir seus livros em Paris. O mercado se mostrou atrativo, tanto pela novidade que representava, como pelas brechas legais que permitia o consumo de livros em francês, mesmo aqueles mais vulneráveis à censura na Europa. A incorporação de tecnologias na navegação das naus portuguesas nas conquistas ultramarinas e a facilidade de trocas comerciais a partir da assinatura da convenção postal entre diversos países, inclusive o Brasil, foram fatores sociais relevantes para baratear os meios de comercialização e dar ao livro francês um destaque universal. Baptiste-Louis Garnier, um dos mais importantes livreiros e editores franceses no Brasil chegaram ao Rio de Janeiro em 1844. Era o mais moço dentre quatro irmãos que já haviam se estabelecido em Paris desde o início da década.    
           José Olympio Pereira Filho (1902-1990) foi o maior Editor e Livreiro brasileiro. Foi o fundador da editora que leva seu nome, a Livraria José Olympio Editora, no Rio de Janeiro, em 1931. O segundo de 9 irmãos, Olympio nasceu em 10 de dezembro de 1902, na cidade de Batatais no estado de São Paulo. Em 1918, foi para a cidade de São Paulo, com o objetivo de estudar Direito, mas conseguiu um emprego na Casa Garraux, na seção de livros de propriedade de Charles Hildebrand. O chefe da seção de livros era Jacinto Silva. O emprego consistia em abrir caixas de livros novos, limpar a poeira das estantes, e não lhe sobrava tempo para estudar, como pretendia. Posteriormente passou a ajudante de balconista, e a tomar gosto pelos livros.  A década de 1920 marcou os últimos dias de resplendor da Casa Garraux, que era frequentada por homens ilustres, de políticos a escritores, como Menotti Del Picchia, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Plínio Salgado e Cassiano Ricardo. Jacinto Silva deixou a Garraux em 1920, para abrir a própria empresa, a Casa Editora O Livro. Quando Hildebrand faleceu, em 1926, o Fausto Bressone assumiu-a e colocou Olympio como gerente da seção dos livros.

A Casa Garraux foi uma notável livraria do século XIX fundada por Anatole Louis Garraux juntamente com seus sócios Guelfe de Lailhacar e Raphael Suarèz. Funcionou durante as décadas de 1860 e 1930. Anatole Louis Garraux nasceu em Paris, imigrou ao Brasil em 1850 com 17 anos e começou a trabalhar na Livraria Garnier, no Rio de Janeiro. Em 1858 muda-se para São Paulo, onde abre seu próprio estabelecimento, a Livraria Acadêmica, em sociedade com Guelfe de Lailhacar e Raphael Suarèz. Esta livraria que futuramente seria conhecida como Casa Garraux, localizava-se inicialmente no Largo da Sé, próximo à Rua da Imperatriz. Em 1872, foi inaugurada a nova sede da Livraria Académica de A. L. Garraux à rua do Rosário, atual XV de Novembro em elegante prédio com fachadas de mármore. Após 1876, a livraria é transferida para os proprietários, Henri Michel, seu cunhado e a Willy Fischer, ou William Fernand Gustave Fischer, seu genro casado com a filha Henriette Aspasie Julie Garraux, mantendo a livraria ainda entre a família. Em meados de 1890, Anatole retornou à França, vindo a falecer em 1904 em Paris. A livraria finalizou suas atividades por ocasião em 1930. No final da década de 1920, José Olympio começou a se interessar por livros raros, no sentido merceológico tornnado-se expert no assunto nas sociedades contemporâneas; autores e colecionadores o consultavam quando queriam comprar livros. Com a morte de Alfredo Pujol, colecionador de livros raros, em 1930, Olympio fez oferta para a família e comprou o acervo particular de Pujol, que enriquecera sua coleção com livros trazidos em suas viagens pela Europa. 

A livraria comercializava artigos finos importados direcionada à alta sociedade paulistana e intelectuais. Entre estes artigos finos estavam papéis para cartas, penas, lápis e outros objetos de escritório, além de exemplares avulsos da Illustration e do Monde Illustré. Foi também a Casa Garraux que apresentou o “envelope” à sociedade paulistana, antes disso, do ponto de vista técnico-metodológico as cartas “eram escritas em folhas duplas e a segunda folha era utilizada cobrir a correspondência”. Além de livros e artigos de papelaria, também comercializava uma gama ampla de outros artigos de luxo franceses como bengalas, binóculos, bolsas, caixas para joias, para costura, espelhos, quadros, jarras de cristal, de porcelana e jardineiras. Também oferecia uma infinidade de ornamentos como globos celestes, terrestres, mapas geográficos, tinteiros, penas de ouro e de madrepérola, entre outros. Em 1880, o edifício possuía apenas dois andares e o terceiro foi adicionado em 1896, pela prancheta de Giulio Micheli. Em sua fachada ricamente ornamentada, encontram-se duas esculturas em ferro fundido, dos alemães Johannes Fust e Johannes Gutenberg, personagens do século XV ligados à invenção da imprensa. Estas esculturas também raras vieram da Fundição Val d´Osne de Paris, registradas sob os números 325 e 323, prancha 596 da lista de catálogo de 1892.

Alfredo Gustavo Pujol (1865-1930) foi um advogado, jornalista, crítico literário, político e orador brasileiro. Filho do educador e tradutor francês Hippolyte Gustave Pujol e da campineira Maria José de Castro. Formou-se na Faculdade de Direito de São Paulo e desde jovem abraçou a causa republicana. Foi deputado estadual de 1898 a 1900, de 1901 a 1903, de 1907 a 1909 e de 1910 a 1912. Foi também deputado federal e secretário de governo do presidente de São Paulo Bernardino de Campos. Participou de várias polêmicas intelectuais em seu tempo, entre elas a respeito do livro A Carne, de Júlio Ribeiro. Foi homenageado em 1916 com o nome de importante rua no bairro de Santana, São Paulo. Escreveu em jornais de São Paulo, como o Diário Mercantil e O Estado de S. Paulo, de Campinas e do Rio de Janeiro. Era membro da Academia Paulista de Letras e Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. A cidade de São Paulo passava por um processo de modernização e urbanização com a expansão da cafeicultura e encontrava-se nesta época envolta por instalações de setores econômicos modernos, como bancos, comércio de importação e exportação, empresas de serviços públicos, transportes marítimos, entre outros. Emergia assim uma aristocracia cada vez mais alinhada aos padrões de vida urbanos, sedenta por atividades culturais e novidades europeias. É neste contexto que se explica a necessidade de um comércio livreiro na capital. A forte repercussão dos ideais da Revolução Francesa, do Iluminismo e autores franceses era notada no domínio dos livros oriundos da França no mercado latino-americano assim como “era um símbolo do homem culto da época”. Deste gosto burguês, a presença dos franceses no comércio de livros é representada não somente por Garraux, em São Paulo, mas também por Garnier, no Rio de Janeiro.

          O bibliófilo e político José Carlos de Macedo Soares foi um dos financiadores para a compra desse acervo. Com a morte de outro colecionador, Estevão de Almeida, do qual também adquiriu o acervo, Olympio se estabeleceu, aos 28 anos de idade, na Rua da Quitanda, 19A - São Paulo. Fundou, assim, a Casa José Olympio Livraria e Editora, em 1931. Em 1934, a Livraria muda-se para o Rio de Janeiro, então centro intelectual do Brasil. Em 1935, Olympio se casa com Vera Pacheco Jordão, com quem teve 2 filhos, Vera Maria Teixeira e Geraldo Jordão Pereira. Nos anos 1940-50, tornou-se o maior editor do país, publicando 2 mil títulos, com 5 mil edições, que nos anos 1980 atingem 30 milhões de livros de 900 autores nacionais e 500 estrangeiros. José Olympio recebeu o título de Cidadão Emérito de Batatais, em 1968, tendo ainda colaborado para a criação da Faculdade de Educação Física da cidade. O seu nome foi também dado à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras local, que integra o complexo educacional das Faculdades Claretianas de Batatais. Morreu serenamente, em sua mesa de almoço. Em 1990, quando morreu, não era mais proprietário da Editora que leva seu nome.  
               A virtude da política, “a audácia disciplinada”, segundo De Masi (2003: 151) e o equilíbrio das criações clássicas podem derivar tão-somente de uma condição de equilibrado bem-estar e de cultura sem alienação. Quando os grupos estão livres do poder da opressão; quando os cargos são independentes do berço e baseados na competência e no sorteio; quando todo cidadão tem direitos civis e deveres iguais ao participar das assembleias citadinas; quando o tempo dedicado à gestão da coisa pública é retribuído como qualquer outro emprego responsável; quando o welfare garante a redistribuição do excedente aos pobres; quando o Estado garante aos seus cidadãos teatros, templos, escolas, praças, chafarizes e obras de arte; quando a agricultura, a indústria e o comércio são colocados no mesmo plano e potencializam-se reciprocamente; quando os melhores talentos e os maiores investimentos são dedicados à beleza e à verdade, aí então pode-se concluir, justamente, que a democracia é completa e funcional. Atenas fez tudo isso, e mais, pois os seus frutos continuam como matriz ocidental sendo surpreendentes. A filosofia, a matemática, a teoria musical, as ciências naturais e a medicina – finalmente desvinculada da questão antropocêntrica da religião e da magia – a ética, a política, a história, a geografia, a psicologia, a anatomia, a botânica, a zoologia, a física e a biologia fizeram mais progressos teóricos, abstratos, nesses 100 anos do que nos milhares de séculos precedentes. Quanto às artes, da arquitetura, à música, da escultura à pintura e à poesia, conhecemos o tamanho da dívida que a humanidade conserva em relação à Grécia.
            A supremacia do trabalho não admite discussões. Caso se trabalhe, e só caso se trabalhe, tem-se direito ao salário, ao respeito social e à segurança de uma assistência médica, assim como de uma aposentadoria. O trabalho é uma categoria libertadora, gratificante, honrosa e santificadora. Quem conhece um ofício e tem vontade de trabalhar não ficará nunca sozinho, nem escravo, nem triste, nem ficará à mercê de tentações ou dos usuários, ganhará o paraíso na terra e um lugar no paraíso celeste. O trabalho é a realização de uma criação por meios da obra do homem, é dever social, expiação, legítimo orgulho, autorrealização, fonte socialmente apreciável de ganho. O trabalho nos faz humanos, cidadãos, sociáveis, produtores e consumidores; nos legitima a desejar e a obter. Quando falamos de trabalho entendemos toda a atividade remunerada, seja ela manual, física, intelectual, autônoma ou dependente. Uma atividade que, quanto mais onívora e veloz, mais é apreciada, se exercida pelo homem, ela exige a precedência absoluta sobre qualquer outra atividade: o amor, a família, a distração, o lazer, as práticas religiosas, a formação e a saúde. Um bom trabalhador irá se vangloriar de não ter 1 minuto de trégua ou 1 só dia de férias, de ficar no escritório horas, de levar trabalho para casa, e ser localizável e disponível 24 horas, durante o santo dia do ano.
           Na sociedade pós-industrial, uma instituição, um grupo ou um indivíduo é tão criativo quanto mais futuro ele consegue projetar na política, na economia, na ciência e na arte. É preciso, portanto, esclarecer como ocorre essa projeção. A descoberta é limitada por alguns vínculos: o mundo material a ser descoberto é circunscrito pela sua própria natureza; todo e cada problema natural admite uma única solução excelente e um só procedimento eficiente para alcança-la. Pode haver assimetria entre os homens e o tempo deles. Nem todos tiveram a sorte de Stendhal ou de Proust: espelhos fiéis da época que os produziu, sincronizados emocional e racionalmente com os fatos acerca do que escreviam. Outros, como Bacon ou Beethoven, foram precursores de ideias e de técnicas; às vezes uma infelicidade para si, mas uma fortuna para os seus póstumos. Outros ainda, mesmo que com sucesso, às vezes até com gênio, prolongaram da medida um estilo de vida, ou paradigmas intelectuais que já haviam atingido a plenitude antes mesmo de seus nascimentos. Assimetrias desse gênero podem se verificar sobretudo nas fases históricas de alternância entre civilizações, quando não progride uma única ciência ou uma única forma de arte. Mas desloca-se a própria interseção entre as artes ou as ciências, fazendo com que o homem realize um salto dialético de qualidade.        
          Esta passagem vem rememorar o extraordinário Conto de Escola, de Machado de Assis. Fora ambientado em 1840. Narra questões ligadas à beleza das ruas cariocas onde Machado iria brincar inicialmente posto diante da dúvida: hesitava entre o morro de São Diogo e o campo de Sant Ana, onde posteriormente seriam edificados os prédios da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e quase defronte o majestoso prédio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), “que não era esse parque atual, construção de gentleman, mas num espaço rústico, mais ou menos infinito, alastrado de lavadeiras, capim e burros soltos. Morro ou campo? Tal era o problema. De repente disse comigo mesmo que o melhor era a escola. E guiei para a escola. Aqui vai a razão. Na semana anterior tinha feito dois suetos, e, descoberto o caso, recebi o pagamento das mãos de meu pai, que me deu uma sova de vara  de marmeleiro. As sovas de meu pai doíam por muito tempo. Era um velho empregado do arsenal de guerra, ríspido e intolerante. Sonhava para mim uma grande posição comercial, e tinha ânsia de me ver com os elementos mercantis, ler, escrever e contar, para me meter de caixeiro. Citava-me nomes de capitalistas que tinham começado no balcão. 
           Foi a lembrança do castigo que o levou naquela manhã para o colégio. - Não era um menino de virtudes. Estava arrependido de ter vindo. - Agora que ficava preso, ardia por andar lá fora, e recapitulava o campo e o morro, pensava nos outros meninos vadios, o Chico Telha, o Américo, o Carlos das escadinhas, a fina flor do bairro e do gênero humano. Para cúmulo de desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do Morro do Livramento, no subúrbio carioca, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que boiava no ar, uma coisa de soberba. E eu na escola, sentado de pernas unidas, com livro de leitura e a gramática nos joelhos. Fui um bobo em vir – disse ao Raimundo. Não diga isso. Olhei para ele; estava mais pálido. Então lembrou-me outra vez que queria pedir-me alguma coisa, e perguntei-lhe o que era. Raimundo estremeceu de novo, e, rápido, disse-me que esperasse um pouco, era uma coisa particular. - Seu Pilar... – murmurou ele daí a alguns minutos. - Que é?  - Você. - Você que? Na verdade o mestre fitava-nos. Como era mais severo para o filho, buscava-o com os olhos, para trazê-lo mais aperreado.
            Mas nós também éramos finos; metemos o nariz no livro, e continuamos a ler. Afinal cansou e tomou as folhas do dia, três ou quatro, que ele lia devagar, mastigando as ideias e as paixões. Não esqueçam que estávamos então no fim da Regência, e que era grande a agitação pública. Policarpo tinha decerto algum partido, mas nunca pude averiguar esse ponto. O pior que ele podia ter para nós era a palmatória. E essa lá estava, pendurada no portal da janela, à direita, com os seus cinco olhos do diabo. Era só levantar a mão, pendurá-la e brandi-la, com a força do costume, que não era pouca. E daí, pode ser que alguma vez as paixões políticas dominassem nele a ponto de poupar-nos uma ou outra correção. Naquele dia, ao menos, pareceu-me que lia as folhas com muito interesse; levantava os olhos de quando em quando, ou tomava uma pitada, mas tornava logo aos jornais, e lia a valer. No fim de algum tempo, dez ou doze minutos – Raimundo meteu a mão no bolso das calças e olhou para mim. Sabe o que tenho aqui? – Não. Uma pratinha que mamãe me deu. Hoje? – Não, no outro dia, quando fiz anos. Pratinha de verdade? De verdade. Tirou-a vagarosamente, e mostrou-me.    
            Era uma moeda do tempo do rei, cuido que doze vinténs ou dois tostões não me lembram; mas era uma moeda, e tão moeda que me fez pular o sangue no coração. Raimundo revolveu em mim o olhar pálido; depois me perguntou se a queria para mim. Respondi-lhe que estava caçoando, mas ele jurou que não. – Mas então você fica sem ela? – Mamãe depois me arranja outra. Ela tem muitas que vovô lhe deixou, numa caixinha; algumas são de ouro. Você quer esta? Minha resposta foi estender-lhe a mão disfarçadamente, depois de olhar para a mesa do mestre. Raimundo recuou a mão dele e deu à boca um gesto amarelo, que queria sorrir. Em seguida propôs-me um negócio, uma troca de serviços; ele me daria a moeda, eu lhe explicaria um ponto da lição de sintaxe. Não conseguia reter nada do livro, e estava com medo do pai. E concluía a proposta esfregando a pratinha nos joelhos... Tive uma sensação esquisita.      
Não é que eu possuísse da virtude uma ideia antes própria do homem; não é também que não fosse fácil em empregar uma ou outra mentira de criança. Sabíamos ambos enganar ao mestre. A novidade estava nos termos da proposta, na troca da lição e dinheiro, compra franca, positiva, toma lá, dá cá; tal foi a causa da sensação. Fiquei a olhar para ele, à toa, sem poder dizer nada. Compreende-se que o ponto da lição era difícil, e que o Raimundo, não tendo aprendido, recorria a um meio que lhe pareceu útil para escapar ao castigo do pai. Se me tem pedido a coisa por favor, alcançá-la-ia do mesmo modo, como de outras vezes; mas parece que era a lembrança das outras vezes, o medo de achar a minha vontade frouxa ou cansada, e não aprender como queria – e pode ser mesmo que em alguma ocasião lhe tivesse ensinado mal -, parece que foi a causa da proposta. O pobre-diabo contava com o favor – mas queria assegurar-lhe a eficácia, e daí recorreu à moeda que a mãe lhe dera e que el não como relíquia ou brinquedo; pegou dela e veio esfrega-la nos joelhos, à minha vista, como tentação.
            - Oh! Seu pilar bradou o mestre com voz de trovão. Estremeci como se acordasse de um sonho, e levantei-me às pressas. Dei com o mestre, olhando para mim, cara fechada, jornais dispersos, e ao pé da mesa, em pé, o Curvelo. Pareceu-me adivinhar tudo. – Venha cá! – bradou o mestre. Fui e parei diante dele. Ele enterrou-me pela consciência dentro um par de olhos pontudos; depois chamou o filho. Toda escola tinha parado; ninguém mais lia, ninguém fazia um só movimento. Eu, conquanto não tirasse os olhos do mestre, sentia no ar curiosidade e o pavor de todos. – Então o senhor recebe dinheiro para ensinar as lições aos outros? – disse-me o Policarpo. – Eu... – Dê cá a moeda que este seu colega lhe deu! – clamou. Perdão, seu mestre... solucei eu. – Não há perdão! Dê cá a mão! Dê cá! Vamos! Sem-vergonha! Dê cá a mão. Mas, seu mestre. – Olhe que é pior! Estendi-lhe a mão direita, depois a esquerda, e fui recebendo os bolos uns por cima dos outros, até completar doze, que me deixaram as palmas vermelhas  e inchadas. Chegou a vez do filho, e foi a mesma coisa; não lhe poupou nada, dois, quatro, oito, doze bolos. Acabou, pregou-nos outro sermão.
            Veio a hora de sair, e saímos; ele foi adiante, apressado, e eu não queria brigar ali mesmo, na rua do Costa, perto do colégio; havia de ser na rua Larga de São Joaquim. Quando, porém, cheguei à esquina, já o não vi; provavelmente escondera-se em algum corredor ou loja; entrei numa botica, espiei em outras casas, perguntei por ele a algumas pessoas, ninguém me deu notícia. De atarde faltou à escola. Em casa não contei nada, é claro, mas para explicar as mãos inchadas, menti a minha mãe, disse-lhe que não tinha sabido a lição. Dormi nessa noite, mandando ao diabo os dois meninos, tanto o da denúncia como o da moeda. E sonhei com a moeda; sonhei que, ao tornar á escola, no dia seguinte, dera com ela na rua, e a apanhara, sem medo nem escrúpulos... De manhã, acordei cedo. A ideia de ir procurar a moeda fez-me vestir depressa. O dia estava esplêndido, um dia de maio, sol magnífico, ar brando, sem contar as calças novas que minha mãe me deu, por sinal que eram amarelas. Tudo isso, e a pratinha... Saí de casa, como se fosse trepar ao trono de Jerusalém. Piquei o passo para que ninguém chegasse antes de mim à escola; ainda assim não andei tão depressa que amarrotasse as calças. Não fui à escola, acompanhei os fuzileiros, depois enfiei pela Saúde, e acabei a manhã na praia da Gamboa. Voltei para casa com as calça enxovalhadas, sem pratinha no bolso nem ressentimento na alma. E, contudo, a pratinha era bonita e foram eles, Raimundo e Curvelo, que me deram o primeiro conhecimento, um da corrupção, outro da delação. 
            Historicamente a nova constituição portuguesa, adotada em 15-16 de fevereiro de 1821, abolira a censura prévia, e logo surgiu no Brasil uma avalanche de publicações sobre política. Foi extinto, igualmente, o monopólio da impressão pela imprensa do governo recentemente instalado. Em 1821, foi permitida a inauguração da Nova Officina Typographica, de propriedade particular, seguida pela Typographia de Moreira e Garcez, na cidade do Rio de Janeiro. Nas vésperas da Independência do Brasil, já existiam na cidade sete estabelecimentos tipográficos. Manuel Joaquim da Silva Porto, poeta e livreiro, que introduzira no Brasil a Phedra, de Racine, e que fora tipógrafo da Imprensa Régia (cf. Camargo, 1993) iniciara sua Officina de Silva Porto e Companhia., ao lado de Felizardo Joaquim da Silva Moraes, tornando-se o primeiro livreiro da cidade a ter tipografia própria. A ausência de uma imprensa própria, obviamente limitava o desenvolvimento político e cultural, pois os livros e periódicos importantes atingiam apenas uma pequena parcela do Rio de Janeiro de seu tempo. Contudo, a Impressão Régia não se limitou à divulgação de atos oficiais, e sua existência abriu caminho para numerosas edições, para o surgimento de outras editoras e tipografias, e para a criação de um mercado de livros (cf. Sora, 2010) antes que antes dela inexistiam.
           Na Independência, em 1822, o Brasil tinha provavelmente uma população entre 4,5 e 4,8 milhões e cerca de um terço era escrava. Em 1850, a população brasileira era em torno de 7,5 milhões, com os escravos respondendo ainda por cerca de 30% do total. O recenseamento de 1872 revelaria em torno de 10,1 milhões de habitantes, com a população escrava excedendo 1,5 milhão. O recenseamento de 1890 situou a população brasileira em 14,3 milhões. Três anos antes, em 1886/87, às vésperas da Abolição da Escravidão, ainda existiam pouco mais de 700 mil escravos. Informações reconhecidamente precárias, referentes a 1819, demonstram a região Nordeste como a região mais populosa, com 47% da população total estimada, seguida da região cafeeira ou sudeste com cerca de 40%. O Sul teria pouco mais de 5%, enquanto comparativamente o Norte (talvez) 4% e o Centro Oeste 3%. Em 1872, dados censitários demonstram o Nordeste com os quase mesmos 46,6%, as quatro províncias cafeeiras e a Corte com 40,7%, o Sul com 7,3% e o Norte e o Centro-Oeste com respectivamente 3,3% e 2,2% da população total. Em 1890, a historiografia admite que se consolidasse a perda relativa do Nordeste para 41,9%, participação já excedida pela da região cafeeira com 42,6%. Destacou-se o “salto” quantitativo da população do Sul para 10%, enquanto as participações do Norte e do Centro-oeste se mantiveram praticamente inalteradas (cf. IBGE, 1990).
       A única obra significativa de referência específica sobre a Impressão Régia, que existia era o trabalho de Alfredo do Valle Cabral, publicado nos Anais da Biblioteca Nacional, em 1881. É um clássico, mas contém falhas e incorreções, e o velho sonho de Rubens Borba de Moraes foi de completa-lo. Suprindo-lhe as lacunas e descrevendo os títulos que lhe faltavam, cuja existência só foi revelada pelas exaustivas pesquisas realizadas por ele e Ana Maria de Almeida Camargo. Esse sonho foi transformado em realidade com a edição promovida pela Vitae, Editora da Universidade de São Paulo e pela Livraria Kosmos. Rubens Borba de Moraes foi um dos maiores conhecedores de livros no Brasil, introdutor da biblioteconomia entre nós e ao livro dedicou boa parte de sua vida. Fez parte do grupo que organizou a Semana de Arte Moderna (1922), fundou a Klaxon, e participou com Mário de Andrade e Paulo Duarte, da Fundação do Departamento da Cultura da Prefeitura do estado de São Paulo deu dimensão ao quadro cultural. Sua Bibliografia Brasiliana, descrevendo livros raros de 1504 a 1900, é um monumento de erudição, e fonte indispensável sobre o assunto. Estudou a Impressão Régia durante boa parte de sua vida. É justo que esta edição se constitua numa homenagem bem merecida a Rubens Borba de Moraes.
            Mário Raul de Morais Andrade nasceu em São Paulo, em 1893. Fez os seus primeiros estudos em sua cidade natal, formando-se em piano em 1917 pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Ainda em 1917 estreou na vida literária com o volume de versos na linha parnasiana Há uma gota de sangue em cada poema. Tornou-se crítico de arte em vários jornais e revistas paulistas. Em 1922, foi um dos organizadores da Semana de Arte Moderna. Naquele mesmo ano escreveu Paulicéia Desvairada, um dos principais livros do modernismo. Foi o primeiro a usar sistematicamente o verso livre no Brasil. De 1922 a 1945, tornou-se a figura mais completa e representativa das letras brasileiras. Musicista dirigiu seus estudos para pesquisas de nacionalização da música brasileira. De 1928 a 1929 realizou várias viagens de pesquisas para o interior do país. Dedicou-se às críticas analíticas e às pesquisas folclóricas, principalmente musicais. Em 1928 escreveu, Ensaio sobre música brasileira e a rapsódia Macunaíma, herói sem caráter. 
           Em 1935, fundou, juntamente com Paulo Duarte, o Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, órgão que exerceria larga influência na democratização da cultura e do qual foi o primeiro diretor. No ano seguinte, de forma arguta Mário de Andrade e Paulo Duarte elaboraram um projeto de Lei que dispunha sobre a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Em 1937, criou a Sociedade de Etnografia e Folclore de São Paulo; criou também os primeiros parques infantis e a discoteca pública de São Paulo. Organizou o Congresso de Língua Nacional Cantada, que fixou a pronúncia padrão, ou, melhor dizendo, normalizada usada no teatro dramático e no canto. Transferiu-se para o Rio de Janeiro em 1938, para dirigir o Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal e ocupar a cátedra de história e filosofia da arte. Em 1942, junto com outros intelectuais contrários ao regime ditatorial golpista do Estado Novo (1937-1945), fundou a Associação Brasileira de Escritores (ABRE), entidade que lutou pela redemocratização do país. De sua vasta obra, merecem destaque, A escrava que não é Isaura (1925), Amar, verbo intransitivo, (1927), Cultura musical (1936), Pequena história da música (1942) e O movimento modernista (1942). Temos assim em seu ersatz a consagração do livro no caldeamento da arte e do processo de trabalho e comunicação, que teria como resultado dialético o significado da Sétima Arte e sua particularidade na indústria cultural.
          No primeiro caso a inscrição de Isaura na literatura e na poesia representando um texto que jamais poderá se desculpar, jamais se explicar. Em sua continuidade, a inscrição do desejo, na figura inconsciente do pai, que ocorrerá 50 anos depois na realização do filme: Lições de Amor (1975), com a atriz Lilian Lemmertz, morta prematuramente aos 48 anos. Lilian formou-se professora de Literatura em Porto Alegre. O teatro ocorreu-lhe por um acaso, e foi Antônio Abujamra, seu colega de um curso de inglês e amigo da família, que a convenceu a trabalhar na peça À Margem da Vida, que estava sendo montada pelo Teatro Universitário da capital gaúcha. Seu coroamento ocorre através da permanente necessidade da música como coadjuvante da arte cinematográfica, representando a Época de Ouro, da música popular que será irradiada, entre 1930 e 1945, inclusive na política, formadora do tripé artístico (ou do artista no século XX), com lugar praticado e garantido comparativamente a Era do Rádio nas gravadoras e a internacionalização do trabalho (e da voz) do artista e cantor na base: gravadoras, emissoras de rádio, nascimento da televisão em preto e branco, do cinema mudo, do cinema falado, do cinema em coresUm filme mudo é uma película que não possui a trilha sonora de acompanhamento que corresponde diretamente às imagens capturadas e exibidas mecanicamente, sendo esta lacuna substituída normalmente por músicas ou rudimentares efeitos sonoros executados no momento da exibição. A ideia de combinar filmes com sons gravados é quase tão antiga quanto a origem do próprio cinema. Antes do fim dos 1920, os filmes eram mudos em sua maior parte, devido à inexistência de tecnologia para transformar a comunicação possível.
As condições para um levantamento estatístico dos títulos produzidos pela Impressão Régia do Rio de Janeiro nos seus primeiros anos de funcionamento (1808-1822), contam com limitações correspondentes ao período iniciado com as atividades técnicas tipográficas regulares, em caráter excepcional e efêmero, dos trabalhos realizados por Antônio Isidoro da Fonseca, mas também por aqueles estabelecidos nos Anais da Imprensa Nacional, de 1881, assim como de atualizar a clássica e rara bibliografia elaborada por Alfredo do Valle Cabral, com mais de um século de existência. Ipso facto, as condições para um levantamento dos títulos produzidos pela Impressão Régia do Rio de Janeiro contam hoje com limitações que Cabral não conheceu. O arquivo da Imprensa Nacional foi destruído por um incêndio, em 1911, e as coleções da própria Biblioteca Nacional,  com um acervo dividido em: Cartografia, Iconografia, Manuscritos, Música e Arquivos Sonoros, Obras Gerais, Obras Raras, Periódicos, Obras de Referência e Coleções. apresentam-se desfalcadas de inúmeros documentos que ali foram então consultados. De qualquer modo, o interesse específico dos bibliófilos pelas obras da Impressão Régia, diretamente proporcional, ao valor que o tempo e a raridade, como um diamante lhes confere, resultaram na presença obrigatória nas principais bibliotecas brasileiras.

            Metodologicamente quanto aos verbetes, são numerados sequencialmente para facilitar o trabalho posterior de indexação. Incidem sobre cada um dos livros, folhetos ou folhas avulsas, com a particularidade de individualizar os segmentos dos itens monográficos que foram publicados parceladamente. Assim é que os tomos, partes, números e suplementos de tais livros impressos, configuram entradas diferenciadas, fragmentando, a título de descrição, sua unidade intelectual. O procedimento é pouco comum, mas está assentado no propósito de trata-los uniformemente a distribuição de verbetes na ordem típica cronológica. São inúmeros, com efeito, as obras cujas partes, embora com idêntico enunciado, não puderam sair do mesmo ano; outras, independentemente da data em que foram editadas, apresentam enunciados diferentes que alteram, de modo necessário, seu ponto de acesso dentro da ordenação alfabética que preside a disposição seletiva anual dos documentos. Há ainda dentre as reedições e sua contribuição entre as obras múltiplas que, a intervalos não definidos previamente, procuram atualizar informações específicas de interesse social.
Comparativamente ocorrem como nas listas de navios, os regimentos de preços de medicamentos, as efemérides náuticas, as relações aduaneiras de despachos, as folhinhas, almanaques e calendários eclesiásticos, as coletâneas factícias de legislação, as listas de prêmios lotéricos do generoso Real Teatro de São João e os balanços e balancetes.  Pelo palco do João Caetano, aliás, têm sido encenados os mais variados gêneros de espetáculos, desde dramas, recitais, balés, óperas, tragédias, vaudevilles, farsas, entre outros. Em 25 de junho de 1885 e em 6 de janeiro de 1886, atuaram, no João Caetano, as duas maiores atrizes do século XIX: Eleonora Duse e Sarah Bernhardt, considerada em termos populares sua maior rival; procurou definir as linhas de seu desempenho, isto é, a relação sociológica com as personagens; deu ênfase ao problema da imaginação do repertório, ressaltando o papel de Duse ao impor na Europa e nas Américas a dramaturgia de Ibsen, já que não prosperou a tentativa equivocada de divulgar o compatriota e amante Cabriolo D'Annunzio. Foi no João Caetano que ocorreram montagens de musicais, como My Fair Lady (1962), com Bibi Ferreira e Paulo Autran, Hello, Dolly! com Paulo Fortes (1965). A manutenção de verbetes individualizados para os fascículos é legítima, e não é por outra razão: a extrema raridade de determinadas peças faz com que assumam seu valor estético diferenciado em relação às que lhes servem de complemento.
Bibliografia geral consultada.

DUMONT, Louis, Essais sur l’individualisme. Paris: Éditions du Seuil, 1985; LUHMANN, Niklas, “L’Opinione Pubblica”. In: Stato di Diritto e Sistema Sociale. Napoli: Guida Editori, 1978; Idem, “Remarques Préliminaries en Vue d’une Théorie des Systèmes Sociaux”. In: Critique, nº 413; 1981; Idem, Sociedad y Sistema: La Ambición de la Teoria. Barcelona: Ediciones Paidós, 1990; COHN, Gabriel, “Introdução”. In: Max Weber (coleção Grandes Cientistas Sociais). São Paulo: Editora Ática, 1991, pp. 7-34; CAMARGO, Ana Maria de Almeida; MORAES, Rubens Borba de, Bibliografia da Imprensa Régia do Rio de Janeiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Editora Kosmos, 1993, Vol. I-II; BESSONE, Tania Maria, Palácio de Destinos Cruzados: Bibliotecas, Homens e Livros. Rio de Janeiro (1870-1920). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999; VILLAÇA, Antônio Carlos, José Olympio, o Descobridor de Escritores. São Paulo: Editora Thex, 2001; BRAGANÇA, Aníbal, “Uma Introdução à História Editorial Brasileira – Cultura”. In: Revista de História e Teoria das Ideias, XIV, pp. 57-83, 2002; GINZBURG, Carlo; CASTELNUOVO, Enrico; PONI, Carlo, “O Nome e o Como: Troca Desigual e Mercado Historiográfico”. In: A Micro-História e Outros Ensaios. Lisboa: Difel; Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1991; pp. 169-202; DE MASI, Domenico, Criatividade e Grupos Criativos. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2003; PAIXÃO, Fernando, “José Olympio: Um Editor de Risco”. In: Estud. av. Vol. 22 n° 64. São Paulo, dezembro de 2008; PEREIRA, José Mário, Olympio, o Editor e sua Casa. Rio de Janeiro: Editor Sextante, 2008; SORÁ, Gustavo, Brasilianas: José Olympio e a Gênese do Mercado Editorial Brasileiro. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010; SCHETTINO, Thais Sena, O Livreiro e Lida com o (Re) conhecimento: Um Estudo sobre Identidade Profissional. Tese de Doutorado em Sociologia. Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011; FRANZINI, Fábio, “Da Rua do Ouvidor à Rua São Clemente: Encontros e Desencontros com José Olympio”. In: Fontes, n° 3/2015-2, pp. 1-13; RAMOS, Alexandre Pinheiro, “Intelectuais, Livros e Política: Schmidt Editor e José Olympio Editora na divulgação do Integralismo”. In: Topoi. Rio de Janeiro, vol. 16, n° 31, pp. 641-666, jul./dez. 2015; GOTLIB, Nádia Batella (Org.), 25 Contos de Machado de Assis. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019; PIRES, Alexandre, Studium. Universidade, Ciências Sociais e Inovação Intelectual. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2020;  entre outros.

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