Ubiracy de Souza Braga
“Oh! não se vendeu, não! - Ele era escravo. Do jugo português. - quis a vingança”. José Bonifácio
Domingos Fernandes Calabar (1609-1635) foi um senhor de engenho nascido na Capitania de Pernambuco ou Nova Lusitânia, uma das subdivisões prósperas do território brasileiro no período colonial. Em primeiro lugar, sua Carta de Foral serviu de modelo aos forais das demais capitanias do Brasil. Em segundo lugar, expansiva, abrangeu os territórios dos atuais estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Alagoas e a parte ocidental da Bahia, fazendo, deste modo, fronteira com as imensas terras de Goiás e Minas Gerais. O extremo noroeste de Minas era a parte final da Comarca com o majestoso Rio de São Francisco. A Capitania de Pernambuco avançava um pouco mais adentro do território mineiro do que a atual Bahia. No início da colonização do Brasil, as únicas capitanias que prosperaram foram as de Pernambuco e de São Vicente, graças à monocultura canavieira. São Vicente prosperou somente por efêmeras décadas do século XVI. Pernambuco tornou-se a mais rica possessão portuguesa, em área que corresponde ao estado de Alagoas. Aliou-se aos holandeses que invadiram o Nordeste. Calabar, comparativamente a Benedict Arnold, para os norte-americanos, é o maior traidor da história brasileira. Por quê?
Em 1580, Portugal passou para o domínio espanhol. A Holanda era aliada dos lusitanos, mas, ao contrário, grande inimiga dos espanhóis. Estes, dada a intensidade do comércio lusitano com os holandeses, estabelecem uma trégua que vigorou até 1621, quando retomam os embates. Com a fundação da Geoctroyerd Westindische Companie, na Holanda, os neerlandeses invadiram a Bahia. O Governador da Capitania de Pernambuco, Matias de Albuquerque, foi nomeado Governador-Geral, enviando reforços para a guerrilha em Salvador; porém os holandeses só seriam dali expulsos no ano seguinte, 1625, com a chegada de uma poderosa armada luso-espanhola composta por navios procedentes de Portugal, da Espanha e de Pernambuco. Os neerlandeses continuaram atacando naus ibéricas e, de posse dos recursos obtidos no saque à frota da prata, armaram nova expedição, desta vez contra a mais rica de todas as possessões portuguesas, Pernambuco. Com uma extraordinária esquadra de 67 navios, a maior já vista na colônia, iniciaram o ataque a Olinda e Recife a 13 de fevereiro de 1630.
A resistência, liderada por Matias de Albuquerque, concentrou-se no Arraial do Bom Jesus, nos arredores do Recife. Através de táticas indígenas de campanha de guerrilhas, confinou o invasor às fortificações no parco perímetro urbano. As companhias de emboscada formadas de dez a quarenta homens, com mobilidade atacavam de surpresa os neerlandeses, se retiravam em velocidade, reagrupando-se para combates. Para tais emboscadas contribuíra Domingos Fernandes Calabar, profundo conhecedor do território, composto de baías, manguezais, rios e praias, aos quais os invasores neerlandeses estavam aparentemente acostumados, em virtude do caráter marinho similar de seu país. No interior, havia matas que este povo costeiro não se adaptara. Comerciante e contrabandista, Calabar percorria aqueles caminhos, e com o auxílio viram-se os neerlandeses forçados a abandonar Olinda, que incendiaram, concentrando-se em Recife. Segundo o historiador Southey (1965) “foi o primeiro pernambucano que desertou para os neerlandeses, e se a estes fosse dado dentre todos fazer seleção de um, não teriam escolhido outro, tão ativo, sagaz, empreendedor e desesperado era ele, nem havia quem melhor conhecesse o país e a costa”.
A diversificação da produção agrícola nessas duas capitanias as protegeu, em larga medida, das recorrentes epidemias de fome do período colonial; cortou, por completo, sua dependência de abastecimento externo; e possibilitou mesmo a venda, no caso de Pernambuco, de parte de sua produção de alimentos a Itamaracá e à Bahia. A opulência pernambucana parecia decorrer, como sugere Gabriel Soares de Sousa em 1587, do fato de ser a capitania tão poderosa que há nela mais de cem homens que têm de mil até cinco mil cruzados de renda, e alguns de oito, dez mil cruzados. Desta terra saíram muitos homens ricos para estes reinos que foram a ela muito pobres. Por volta do início do século XVII, Pernambuco era a maior e mais rica área de produção de açúcar do mundo, sendo a causa condicionante da segunda das Invasões holandesas do Brasil. Essa riqueza, fonte de desigualdade de renda entre ricos e pobres, somada à grande concentração de terras, fez de Pernambuco palco de diversos conflitos de terras, como o que existiu entre os senhores de terra e de engenho pernambucanos de Olinda e os comerciantes portugueses do Recife, chamados de forma pejorativa de mascates.
A vantagem mudara de lado e os holandeses passam a conquistar mais e mais territórios. O almirante Jan Cornelisz Lichthart e Hendrick Lonck agora tendo ao seu lado o conhecimento de que necessitavam, conquistaram as vilas de Goiana e de Igaraçu, a ilha de Itamaracá e até o Forte do rio Formoso. Seu auxílio foi tão precioso que até o Forte dos Três Reis Magos, no Rio Grande do Norte, caiu sob o domínio dos invasores holandeses que, com participação direta de Calabar destroem o engenho do Ferreiro Torto. Seu domínio estendia-se do Rio Grande ao Recife. Além de Calabar, aderem à proposta cristãos-novos, negros, índios, mulatos. Cuthbert Pudsey, mercenário ao serviço holandês, descreve Calabar com admiração: - Nunca encontramos um homem tão adaptado a nossos propósitos, pois tomava um pequeno navio e aterrava-nos em território inimigo à noite, onde pilhávamos os habitantes, e quanto mais dano ele podia ocasionar a seus patrícios, maior era sua alegria.
Desnecessário dizer que “Calabar, O Elogio da Traição” fora escolhida sob a inspiração da obra “Encomium Moriae”, reconhecida como “Elogio da Loucura”, escrita por Erasmo de Rotterdam. O ensaio do pensador holandês criticava a corrupção presente na igreja Católica, pondo-se ao obscurantismo e à intolerância. De modo semelhante Chico Buarque e Ruy Guerra (1980), articulando a dialética à história colonial utilizam-se de dois princípios inconciliáveis: elogio e traição. No palco da história, emerge outro personagem, Mathias de Albuquerque em um acampamento militar. O governador e comandante supremo da resistência portuguesa dita uma carta ao escrivão que atentamente, em 1635, no Arraial do Bom Jesus e o destinatário é o major Domingos Fernandes Calabar. A mensagem solicita o retorno do soldado para o front lusitano, com a promessa de perdão pela deserção e devolução de suas honras e bens. A convocação de Calabar era justificada não só por seus valiosos préstimos militares, mas segundo Martins (2008: 24 e ss.) quando lutou ao lado de Albuquerque, mas principalmente na época em que pugnou contra o próprio comandante. Ipso facto, atraí-lo de volta para o serviço d`El Rey seria estrategicamente fundamental para os propósitos de Mathias, o exemplo de Calabar parecia ser extremamente negativo.
Com lotação esgotada para a estreia, no dia 8 de novembro de 1973, e mais quatro sessões já vendidas, a peça “Calabar: o elogio da traição”, de Ruy Guerra e Chico Buarque, não pôde abrir as cortinas. Naquela noite, o Teatro João Caetano, sede do espetáculo, tornou-se palco de um dos maiores crimes contra a liberdade de expressão da história do teatro brasileiro. Por determinação do general de brigada Antônio Bandeira, então diretor-geral da Polícia Federal, o espetáculo, produzido por Fernando Torres (1927-2008) ao custo de três milhões de cruzeiros, foi interditado - e assim ficou por sete anos. Depois de dois meses de ensaios sob o comando do diretor Fernando Peixoto (1937-2012) e a direção musical de Dori Caymmi, uma trupe de 48 atores, entre eles Betty Faria, viu o sonho de encenar um musical brasileiro se desmanchar. Esse sonho perdido alimentava a montagem que já vinha em andamento, para celebrar em 2013, os 40 anos do espetáculo, com direção do próprio Ruy Guerra.
Intérprete de Ana de Amsterdam, Betty Faria era um dos rostos principais de uma trupe formada por Hélio Ari, Antônio Ganzarolli, Lutero Luiz, Odilon Wagner, Flávio São-Tiago e Anselmo Vasconcelos. A orquestração era comandada por Edu Lobo. E entre os músicos estava o pianista Tenório Jr., que desapareceu em 1976, na Argentina (sob a ditadura). - Numa noite, 48 pessoas ficaram desempregadas - lembra Betty. - Ensaiamos em Ipanema, onde hoje é a Casa de Cultura Laura Alvim, numa animação plena. Aí, na véspera, o veto chegou. Foi ridículo. Até 13 de novembro de 1973, o elenco ensaiou, com a esperança de que os advogados da produção pudessem reverter a decisão da Censura. Mas o esforço foi em vão. - Confesso que, quando a interdição veio, não estávamos no ponto, musicalmente - admite Dori Caymmi. - Eu tinha invertido o ritmo da música Ana de Amsterdam, Betty Faria era um dos rostos principais de uma trupe formada por Hélio Ari, Antônio Ganzarolli, Lutero Luiz, Odilon Wagner, Flávio São-Tiago e Anselmo Vasconcelos. A orquestração era comandada por Edu Lobo. E entre os músicos estava o pianista Tenório Jr., que desapareceu em 1976, na Argentina sob a ditadura militar. O Golpe de Estado na Argentina foi engendrado pela direita e derrubou a presidente Isabel Perón em 24 de março de 1976. Em seu lugar, instalou-se uma junta militar, chefiada pelo general Jorge Rafael Videla, pelo almirante Emilio Eduardo Massera e pelo brigadeiro Orlando Ramón Agosti.
- Numa noite, 48 pessoas ficaram desempregadas - lembra Betty Faria. - Ensaiamos em Ipanema, onde hoje é a Casa de Cultura Laura Alvim, numa animação plena. Aí, na véspera, o veto chegou. Foi ridículo. Até 13 de novembro de 1973, o elenco ensaiou, com a esperança de que os advogados da produção pudessem reverter a decisão da Censura. Mas o esforço foi em vão. - Confesso que, quando a interdição veio, não estávamos no ponto, musicalmente - admite Dori Caymmi. - Eu tinha invertido o ritmo da música “Ana de Amsterdam” e tinha medo de atrapalhar a Betty. Mesmo assim, as músicas que fizemos ficaram célebres. Caymmi se refere a canções que, no próprio ano de 1973, foram gravadas no disco “Chico canta”, como “Tatuagem”, “Tira as mãos de mim” e “Fado tropical”, que, no LP, inclui versos declamados com a voz do próprio Guerra. - Originalmente, o disco se chamava “Chico canta Calabar”, mas os censores vetaram pelas iniciais, CCC, que poderiam fazer alusão a Comando de Caça aos Comunistas. O nome Calabar foi proibido de ser mencionado, pois segundo eles, evocava traição. E, quando gravamos o disco, a palavra “sífilis” teve que sair de “Fado tropical”. No disco original, em vez de “sífilis” ouvia-se um chiado, algo como “shishsishs” - conta Guerra, nascido em Moçambique, há mais de 80 anos.
As ideologias são determinadas pela época em dois sentidos. Primeiro, enquanto a orientação conflituosa das várias formas de consciência social prática permanecer a característica mais proeminente dessas formas de consciência, na medida em que as sociedades forem divididas em classes. Em outras palavras, a consciência social prática de tais sociedades não podem deixar de ser ideológica - isto é, idêntica à ideologia - em virtude do caráter insuperavelmente antagônico de suas estruturas sociais. Segundo, na medida em que o caráter específico do conflito social fundamental, que deixa sua marca indelével nas ideologias conflitantes em diferentes períodos históricos, surge do caráter historicamente mutável - e não em curto prazo - das práticas produtivas e distributivas da sociedade e da necessidade correspondente de se questionar radicalmente a continuidade da imposição das relações socioeconômicas e políticas que, anteriormente viáveis, tornam-se cada vez menos eficazes no curso do desenvolvimento histórico. Dese modo, os limites de tal questionamento são determinados pela época, colocando em primeiro plano as novas formas de desafio ideológico em íntima ligação com o surgimento de meios mais avançados de satisfação das exigências fundamentais sociais.
O lugar mais seguro para ser religioso, com liberdade de crença é justamente em sociedades democráticas, laicas e livres. O imaginário individual (o sonho) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos) dessas sociedades garante sua liberdade de crer no que desejar. Em ter o amigo imaginário que quiser, sem ser incomodado ou perseguido por outras crenças. Basta compreender o conceito de respeito às religiões e liberdade de crença, pois são conceitos originados pelo laicismo, pelo ateísmo, pelo humanismo, mas não pela religião. Pensemos nas fogueiras, nas cruzadas, no que ainda sofrem os crentes em países religiosos, por não seguirem a religião de Estado, para compreender a dimensão do valor nestas sociedades. Note bem: o conservadorismo é um fenômeno universal para toda a espécie humana. Mas analiticamente é também um novo produto das condições históricas e sociais desta época, no que podemos dizer que há dois tipos de conservadorismo. Aquele arquétipo que é mais ou menos universal, e outro definitivamente moderno que é resultado de circunstâncias históricas e sociais particulares e que se ancora em suas tradições, forma e estrutura próprias e particulares. Poderíamos chamar o primeiro arquétipo de “conservadorismo natural” e o segundo de “conservadorismo moderno”, se a palavra “natural” não estivesse já carregada, desde Marx, de diversos significados e matizes desde o debate eurocêntrico da década de 1960 a respeito no âmbito da filosofia existencialista, como de resto nas ciências sociais.
Os judeus, disse uma vez Léon Poliakov, são franceses que, ao invés de não irem mais à igreja, não vão mais à sinagoga. Na tradução humorística de Hagadah, essa piada designava crenças no passado que deixaram de organizar práticas. As convicções políticas parecem, hoje, seguir o mesmo caminho. Alguém seria socialista por que foi, sem ir às manifestações, sem reunião, sem palavra e sem contribuição financeira, em suma , sem pagar. Mas reverencial que identificatória, a pertença só se marcaria por aquilo que se chama uma voz. Este resto de palavra, como o voto de quatro em quatro anos. Uma técnica bastante simples manteria o teatro de operações desse crédito. Basta que as sondagens abordem outro ponto que não aquilo que liga diretamente os adeptos ao partido, mas aquilo que não os engaja alhures, não a energia das convicções, mas a sua inércia. Os resultados da operação contam então com restos da adesão. Fazem cálculos até mesmo com o desgaste de toda convicção. Pois esses restos, esses cacos, como insinua Leonardo Boff, indicam ao mesmo tempo o refluxo daquilo em que os interrogados creram na ausência de uma credibilidade que os leva para outro lugar.
Forçado a recuar cada vez mais, Matias de Albuquerque retira-se para as terras do atual estado de Alagoas, durando as lutas já cinco anos. Levava Albuquerque cerca de oito mil homens. Próximo ao Porto Calvo encontra um grupo de aproximadamente 380 flamengos, dentre estes o próprio Calabar. Um dos moradores deste lugar chamado Sebastião do Souto oferece-se para um ardil e as coisas começam a tomar novo rumo. Utilizando-se deste aparente “voluntário”, fiel aos portugueses, o plano consistia em infiltrar-se nas fileiras inimigas. Souto vai ao comandante holandês Picard, dizendo haver mudado de lado, convencendo-o a atacar as forças de Albuquerque. Após capturado, Calabar é tratado e aí se constitui a questão sociológica da vingança e do ódio no Brasil “como o mais vil traidor dos portugueses e punido com a morte”. Foi então “garroteado”, pois não havia como montar-se uma forca naquelas circunstâncias e esquartejado e as suas partes expostas na paliçada da fortaleza - demonstrando assim a quem mudasse de lado o destino que lhe estava reservado.
O garrote era aplicado ao pescoço da vítima, mantida imóvel e amarrada a uma cadeira. É originário da Espanha, onde foi utilizado legalmente, desde 1820 até a abolição da pena de morte, pela Constituição hispânica de 1978. Este método de tortura também foi utilizado em diversos países da Ibero-América, durante a conquista da América, como para executar o imperador Atahualpa, em 26 de julho de 1533. No caso deste método terrorista de execução, o adjetivo vil vem do sistema de leis estaduais por uma questão simbólica: a decapitação estava reservada aos nobres e às pessoas mais ricas, enquanto o garrote era uma forma mais vulgar de execução, aplicada a todos os criminosos do campo. Junto com Calabar, em torno de 100 neerlandeses também perderam a vida. Em Porto Calvo, agora sob o comando do coronel Arciszewski, os holandeses prestaram honras fúnebres àquele a quem efetivamente deviam grande parte de seu sucesso.
Dois anos depois, em 1637, chegaria ao Brasil o conde Maurício de Nassau que contribuiu para que muitos tenham a ideia de que a colonização holandesa seria melhor que a lusitana, algo inconsistente ante mesmo o olhar sobre sua retirada do Brasil, acusado de dar prejuízo à Companhia das Índias Ocidentais e ter retomado o clássico modelo de exploração exaustiva, o qual forçou a revolta dos brasileiros, dentre os quais André Vidal de Negreiros, Felipe Camarão e Henrique Dias, tratados pela historiografia como heróis da expulsão dos holandeses. Apoiando os portugueses, estavam o negro Henrique Dias e o indígena Felipe Camarão. Ficam patentes os motivos pelos quais ambos os guerreiros combatem, não se trata aqui de defender nobres pendões como o amor à terra ou ao povo. Dias e Camarão, no teatro, na leitura de Chico Buarque e Ruy Guerra, segundo Lopes (2006) são movidos por razões individualistas. No trecho da peça em que ocorre a execução de Calabar, um oficial diz a seguinte sentença: - “Que seja morto de morte natural para sempre na forca (...) por traidor e aleivoso à sua Pátria e ao seu Rei e Senhor (...) e seu corpo esquartejado, salgado e jogado aos quatro cantos...”. No teatro Calabar não tem voz, como diz Figueiredo, ele “não se personifica”. Calabar existe em relação aos outros personagens, em especial, através de Bárbara. Esta estratégia sugere uma referência às perseguições e censura que os próprios autores sofreram por parte do regime golpista militar de 1° de abril de 1964.
Enfim, a capacidade de crer parece estar em recessão em todo o campo político. A tática é a arte do fraco. O poder se acha amarrado à sua visibilidade, mas esta, é uma armadilha. Mas a vontade de “fazer crer”, de que vive a instituição, fornecia nos dois casos um fiador a uma busca de amor e/ou de identidade. Importa então interrogar-se sobre os avatares do crer em nossas sociedades e sobre as práticas originadas a partir desses deslocamentos. Durante séculos, supunha-se que fossem indefinidas as reservas de crença. Aos poucos a crença se poluiu, como o ar e a água. Percebe-se ao mesmo tempo não se saber o que ela é. Tantas polêmicas e reflexões sobre os conteúdos ideológicos em torno do voto e os enquadramentos institucionais para lhe fornecer não foram acompanhadas de uma elucidação acerca da natureza do ato de crer. Os poderes antigos geriam habilmente a autoridade. Hoje são os sistemas administrativos, sem autoridade, que dispõem de mais força em seus “aparelhos” e menos de autoridade legislativa. Portanto, metodologicamente, sem se reconhecer a determinação das ideologias historicamente (condicionada) como a consciência prática dos rituais das sociedades de classe, a estrutura interna permanece completamente ininteligível.
É neste sentido que diferenciamos três posições ideológicas fundamentalmente distintas, com sérias consequências para os tipos de conhecimento compatíveis com cada uma delas. A primeira apoia a ordem estabelecida com uma atitude acrítica, adotando e exaltando a forma vigente do sistema dominante, por mais que seja problemático e repleto de contradições, tendo como o horizonte absoluto da própria vida social. A segunda, exemplificada por pensadores de perspectivas radicais como Jean-Jacques Rousseau, revela acertadamente as irracionalidades da forma específica de uma anacrônica sociedade de classes que ela rejeita a partir de um ponto de vista. Mas sua crítica é viciada pelas próprias contradições de sua própria posição social, igualmente determinada pela classe social, ainda que seja historicamente evoluída. E a terceira, contrapondo-se às duas posições sociais anteriores, questiona a viabilidade histórica da própria sociedade de classe, propondo, como objetivo central de sua intervenção prática consciente, a superação de todas as formas de antagonismo de classe. Apenas o terceiro tipo social de ideologia pode tentar superar as restrições associadas com a produção do conhecimento prático dentro do horizonte da consciência social dividida, sob as condições da sociedade dividida em classes sociais.
A questão prática pertinente, então, permanece a mesma, melhor dizendo, sugere como resolver pela luta o conflito fundamental relativo ao direito de controlar o “metabolismo social” como um todo. A censura no Brasil, tanto cultural como política, vem durante todo o período após a colonização e recolonização do país. Embora a maioria da censura estatal tenha terminado pouco antes do período da redemocratização que começou em 1985, o Brasil ainda experimenta uma larga quantidade de censura aparentemente não oficial hoje. A legislação restringe a liberdade de expressão em relação ao racismo, e a Constituição promulgada em 1988, proíbe o anonimato, embora a liberdade de expressão seja cumprida. Com o golpe de Estado de 17 de abril de 2016 tudo volta a ser como dantes no quartel de Abrantes. A música da banda “Os Paralamas do Sucesso”, intitulada: “Luís Inácio (300 Picaretas)”, tematizada a partir de uma frase do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT) em que ele dizia que a Câmara são alguns homens honrados e uma maioria de 300 picaretas, lançada em 1995, fazia protestos sobre a política brasileira, mencionando os chamados “anões do orçamento” e a corrupção geral. O deputado Bonifácio Andrada se indignou, vetou a música em show em Brasília e lançou um protesto autoritário no Congresso nacional, querendo proibir a canção, o que a imprensa considerou inconstitucional. O processo ideológico foi quase nada, apenas vetaram a exibição de “300 Picaretas” em rádios e lojas de discos comerciais.
Bibliografia geral consultada.
BRAGA, Ubiracy de Souza,
Das Caravelas aos Ônibus Espaciais. A Trajetória da Informação no Capitalismo.
Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Escola de Comunicação
e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1995; ROCHA, Elisabete Sanchez, O Elogio da Liberdade: Procedimentos Estéticos em Calabar. Tese de Doutorado em Letras. Araraquara: Faculdade de Ciências e Letras. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2003; LOPES, Ana Cristina Caminha Viana, Calabar, O Elogio da Traição: Um Novo Drama Histórico. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Letras. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2006; CONTI, Maria Aparecida, Calabar, o Elogio da Traição. Drama da Memória ou Trama da História? Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Linguística. Uberlândia: Instituto de Letras e Linguística. Universidade de Uberlândia, 2007; ROCHA, Ilana Peliciari, Escravos da Nação: O Público e o Privado na Escravidão Brasileira, 1760-1876. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História Econômica. Departamento de História. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2012; MARTINS, Christian Alves, Rupturas e Permanências: A Recepção de Calabar, o Elogio da Traição. Tese de Doutorado. Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em História. Universidade Federal de Uberlândia, 2013; AGUIAR, Miriam Bevilacqua, Tempo e Artista: Chico Buarque, Avaliador de nossa Cotidianidade. Tese de Doutorado em Literatura Brasileira. Departamento de Letras. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2014; OLIVEIRA, Leandro Vilar, Guerras Luso-Holandesas na Capitania da Paraíba (1631-1634): Um Estudo Documental e Historiográfico. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Centro de Ciências HUmanas, Letras e Artes. JOão Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2016; CAVALCANTE, Maria Teles, ´Calabar está onde não está`: História, Memória e Mito (1869-2017). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2018; entre outros.
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