terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Apenas Podemos Falar da Exegese do Desinteresse em Pierre Bourdieu.

                                                                                     Giuliane de Alencar Braga & Ubiracy de Souza Braga
 
O que é que os profanos consideram num trabalho científico, sobretudo nas ciências sociais?”. Pierre Bourdieu

                          
            No dia 16 de abril de 2002, em Paris, no anfiteatro lotado da École des Hautes Études en Sciences Sociales, no número 105 do Boulevard Raspail, um grupo de pesquisadores tomou a palavra diante de um público variado e atento, para evocar os rastros vivos deixados por um deles. Reunidos em torno de um nome e de uma obra, muitas gerações ficavam lado a lado ou frente a frente segundo as escansões da jornada, construindo um corrente em torno de uma herança intelectual comum. Da tribuna, percebia-se a disposição da assistência, trespassada pela curiosidade de saber o que significaria falar de Pierre Bourdieu a partir de então, mas também por aquela de reconhecer os rostos daqueles que estiveram ao seu lado. Como no teatro Ópera [infelizmente], a distribuição dos lugares não era aleatória, obedecia a uma hierarquia universitária: os estudantes, mais numerosos, apressavam-se para as galerias, enquanto os professores e pesquisadores sucediam-se na plateia e na tribuna, numa feliz mistura. No entanto, nenhum maestro, nenhum organizador improvisado, a não ser uma presença perceptível de Bourdieu, restituída por palavras e inflexões de voz (cf. Encrevé e Lagrave, 2005).
            Mas a trama desta obra conserva a organização da jornada, retomada no título, salvo o grupo das “grandes testemunhas”, em todas as acepções da expressão: Jean-Claude Passeron, Pierre Vidal-Naquet, Lucien Bianco, condiscípulos ou colegas de Pierre Bourdieu. Por intermédio desses testemunhos, desdobra-se um fragmento do universo das ciências sociais de uma época, durante a qual os encontros fortuitos ou sociologicamente prováveis tecem destinos cruzados. Anedotas, retratos de grupos, relatos jocosos, travessuras colegiais, discussões epistemológicas sobre o conteúdo e a forma refletem a atmosfera e os modos de trabalho de uma geração de universitários do pós-guerra, alcançada pela guerra da Argélia. As intervenções distribuem-se, em seguida, em torno de cinco temas, bem como em torno de marcos da prática e da teoria de Bourdieu: reflexividade, lógicas da prática, classificações, organização dos bens simbólicos e das formas de dominação. Desses textos, para o que nos interessa, “não se extrai nenhuma representação acabada, e o conjunto deixa intactas a parte do silêncio e a complexidade inseparavelmente científica e política da obra e do homem, restituídos apenas em filigrana, zonas de sombra invocando pesquisas futuras”. Entre os cursos que Pierre Bourdieu proferiu durante os vinte anos que ocupou a cátedra de sociologia do Collège de France, o volume: Sobre o Estado (2014) contém “in extenso” o curso dedicado ao Estado, que se distribuiu em três anos letivos entre 1989-1991.
                                                  

 Neste período ele publicou vários textos distintos dedicados à emergência do campo jurídico, ao funcionamento do campo administrativo a partir de uma pesquisa sobre a política de habitação na França, bem como à gênese e à estrutura do campo burocrático. Nosso interesse nestas notas refere-se ao quase inesperado encontro de Bourdieu num programa de sociologia do Estado, pois o conceito Estado aparece apenas em sua obra no início dos anos 1980, durante sua aula inaugural no Collège de France. Mesmo quando suas pesquisas se referiam, desde a segunda metade dos anos 1960, ao que comparativamente na França é quase sempre associada ao Estado – a “ideologia dominante”, a “representação política”, a “eficácia da ação política”, as “ciências do governo” e, mais geralmente, os “modos de dominação”, as “estratégias de reprodução”, no âmbito de seus trabalhos sobre as estruturas e as funções do sistema de ensino -, ele não empregava a palavra senão nas suas acepções mais correntes do ponto de vista da análise comparada como as de “Estado-providência” ou “Estado-nação”, sem fazer do Estado a menor análise crítica.  
Melhor dizendo, as pesquisas que impulsionara, a partir dos anos 1970, no Centre de Sociologie de l`Education et de la Culture sobre a estrutura das classes dominantes – o patronato (1978), o episcopado (1982), a alta função pública e o sistema das grandes escolas-, ligavam-se às frações das classes superiores que tinham um papel estruturante e efetivo no campo de poder. Em 1982, o livro: “Ce que Parler Veut Dire” reuniu um conjunto de estudos sobre a eficácia simbólica dos discursos de autoridade, e notadamente o artigo: “Décrire et Prescrire: les Conditions de possibilites et eles limites de l`efficacité politique”. Mas nunca o Estado era aí assimilado ao campo político, cujo funcionamento era estudado em artigos sobre as pesquisas de opinião e sobre a representação política. A palavra “Estado” é usada somente em 1984, em Homo academicus, definida lapidarmente como “instância oficial, reconhecida como legítima, isto é, como detentora do monopólio da violência simbólica legítima.
Em seguida, é plenamente assumida no próprio título de seu livro: La Noblesse d`État, publicado em 1989 para celebrar “de outra forma” o bicentenário da Revolução Francesa, bem como num conjunto de textos analisando a “ciência do Estado”, os “espíritos de Estado” ou a “magia do Estado” – locuções quando não se sabe que, depois de seus trabalhos sobre o campo do poder, utiliza o termo “Estado” para designar instituições e agentes sociais que são ao mesmo tempo, e inseparavelmente, produtores e produtos do Estado. Numa entrevista de 1988, ele declarou que as pesquisas que fazia desde “La Distintion” (1979) sobre os campos literário, artístico, universitário, intelectual, patronal, religioso, jurídico e burocrático resultavam da lógica normal de trabalho e, em especial, da “busca de compreensão do processo de gênese de um campo”. É também o caso do campo das instituições estatais: o Estado é um campo que ocupa uma posição tal na estrutura dos campos que ele condiciona em boa parte o funcionamento destes últimos. Bem mais, o Estado pode mesmo aparecer como o campo de excelência e até, segundo sua expressão, como um “metacampo” porque “o Estado é meta”, um campo no qual as lutas têm como objeto a determinação da posição que os diferentes campos devem legitimamente ocupar uns em relação aos outros.
A fim de elaborar um modelo genético de Estado, Bourdieu apoia-se em diversos trabalhos, mas considera essencialmente a definição que Max Weber dá ao Estado como monopólio da violência física legítima, mas estende sua ação a toda atividade simbólica, que ele coloca como princípio do funcionamento e da legitimidade das instituições dedicadas ao direito, aos fundamentos antropológicos da noção de interesse e de interesse “público que se outorga como lei oficial a obrigação do desinteresse”. A importância do Estado reside, na atenção propriamente sociológica que Bourdieu dava a todas as formas de dominação. Em cada campo, tanto em sua gênese como em seu funcionamento, o Estado está presente, e a teoria geral que ele projetava fazer com relação ao Estado exigia uma análise que lhe fosse especificamente dedicada. O Estado não se reduz a um aparelho de poder, nem a um lugar neutro de reabsorção dos conflitos: constitui a forma de crença coletiva que estrutura o conjunto da vida social nas sociedades fortemente diferenciadas (cf. Bourdieu, 2004: 493). 

Um dos efeitos maiores de um “campo científico” é definir coisas que são interessantes em certo momento, que é preciso procurar e encontrar. O profano diz: por que ele atribui tamanha importância ao problema do Estado? Se lhe atribui certa importância é porque, fala-se disso nos jornais ou porque uma reforma está em andamento. E, evidentemente, muitos semisociólogos, aqueles que criam mais efeitos de esoterismo fictícios, são justamente os que só acham interessantes os problemas quando todo o mundo os acha interessantes. Digo a vocês: - “Para mim não é um sociólogo”, vocês dirão: - “é um golpe de força arbitrário, um ato autoritário de censor que procura a distinção”. Então, afirma Pierre Bourdieu, dou a vocês critérios muito importantes. Um sociólogo profissional é alguém que acha interessantes os problemas que o campo científico constitui em determinado momento como interessantes e que às vezes coincidem com o que acham interessante, mas não necessariamente. O que é verdade em teoria quanto à problemática é também verdade quanto ao método.
O profissional é alguém que se interroga sobre certos problemas ligados a uma “história cumulativa” e que se esforçam em resolvê-los com certos métodos, eles mesmos produzidos pela história cumulativa. Os profanos que julgam os trabalhos de profissionais se apressam em julgar os profissionais com critérios profanos para se legitimarem como pseudoprofissionais realmente profanos. O que é que os profanos consideram num trabalho científico, sobretudo nas ciências sociais? Quanto ao sociólogo, ele é submetido constantemente a um veredicto imediato, pois aquilo de que fala é importante espontaneamente para a maioria das pessoas. A maioria dos profanos, entre os quais os jornalistas, não têm sequer consciência de ser profanos na matéria; os melhores são os que sabem seus limites. Os profanos consideram os resultados. Reduzem um trabalho científico a teses. A tomadas de posição, que podem ser discutidas, que são objeto de opinião assim como os gostos e as cores, as quais todo mundo pode julgar com as armas ordinárias do discurso ordinário: toma-se posição sobre um trabalho científico como se toma posição sobre a Guerra do Golfo [Pérsico], em função da escala de opinião veiculada entre a esquerda/direita etc., ao passo que o que conta são as problemáticas e os métodos; no máximo, o resultado é secundário.
O erro de quase todo erudito é viver numa torre de marfim – a lógica autônoma de um campo que desenvolve, ele mesmo, de maneira autotética, seus próprios problemas – e, assim sendo, quando encontra problemas de seu tempo encontra por acaso. Isso faz com que haja aí uma injustiça essencial que sem levarem em consideração a problemática específica obtém proveitos simbólicos no campo científico. Isso permite desacreditar um adversário. Sem proceder ao corte, sem instituir uma série de rupturas. Os profanos também estão em perigo por ter confiança. Os semi-hábeis têm também um sentimento de naturalidade, como os primeiros. Restam os hábeis: que não têm apenas o prazer de ver conceitos serem elaborados de maneira um pouco mais satisfatória, mas também e, sobretudo de encontrar esquemas de pensamento, hipóteses de pesquisa. Portanto, o Estado não é simplesmente uma instância que diz: a ordem social é assim. Não é simplesmente a universalização do interesse particular dos dominantes, que consegue se impor aos dominados. É uma instância (instare) que constitui o mundo social segundo certas estruturas. O Estado não é simplesmente um produtor de discurso de legitimação.
O Estado estrutura a própria ordem social e junto nosso pensamento. Essa espécie de pensamento de Estado não é um metadiscurso a respeito do mundo. É por isso que a imagem da superestrutura, das ideologias como coisas que pairam acima, é absolutamente funesta, ao mesmo tempo em que o constitui como ele o é, o faz como ele o é. Isso vale para tudo que o Estado produz. O Estado é constitutivo da ordem social nesse duplo sentido. O mundo social é um artefato histórico, um produto da história que é esquecido em sua gênese em favor da amnésia da gênese que toca todas as criações tidas como sociais. O Estado é desconhecido como histórico e reconhecido por um reconhecimento absoluto que é o reconhecimento do desconhecimento. Os dominantes em geral são silenciosos, não têm filosofia, não têm discurso; começam a tê-los quando nós os importunamos, quando lhes dizemos: - “Por que vocês são como são?”. Então, são obrigados a constituir como ortodoxia, como discurso explicitamente conservador, o que até então se afirmava, aquém do discurso, no modo do isso-é-óbvio.
Para Bourdieu o Estado é o representante do produto da acumulação progressiva de diferentes espécies de capital, econômico, de força física, simbólica, cultural ou informacional. Essa acumulação, que se realizou em favor do nascimento do Estado dinástico – cujas propriedades específicas será preciso caracterizar -, acompanha-se de uma transmutação. A acumulação não é simplesmente uma soma: ocorrem mudanças ligadas, por exemplo, ao fato de que a mesma instância acumula diferentes espécies de capital que normalmente não são acumuladas pelas mesmas categorias de pessoas. Portanto, tem-se um modelo de acumulação de diferentes espécies de capital, de sua concentração. Num segundo tempo há um modelo de transmutação qualitativa dessas diferentes espécies de capital, associada à concentração. A segunda parte poderia ser: como se transformam os capitais privados em capitais públicos? Como se constitui alguma coisa como capital público? O que Bourdieu procura demonstrar, analisar, captar, é a lógica da acumulação inicial de diferentes espécies de capital que, ao se acumularem, sofrem uma transmutação que atualiza a crítica ao Estado contemporâneo.
Por capital simbólico, “entendo essa forma de capital que nasce da relação entre uma espécie qualquer de capital e agente socializado de maneira a conhecer e reconhecer essa espécie de capital. O capital simbólico, como a palavra diz, situa-se na ordem do conhecimento e do reconhecimento. Para explicar, pego um exemplo simples que expus longamente nos anos anteriores: a força, assim como Pascal a analisa. A força age como tal, pelo constrangimento físico, mas também pela representação que aqueles que a sofrem têm dessa força; a força mais buta e a mais brutal obtêm uma forma de reconhecimento que vai além da simples submissão ao efeito físico da força. Mesmo no caso mais extremo em que a espécie de capital é a mais próxima da lógica do mundo físico, não há efeito físico que não se acompanhe, no mundo humano, de um efeito simbólico. A estranheza da lógica das ações humanas faz com que a força bruta não seja mais apenas força bruta: ela exerce uma força de sedução, de persuasão, que decorre do fato de que consegue obter certa forma de reconhecimento” (cf. Bourdieu, 2014: 259).
O campo político é o lugar por excelência de exercício do capital simbólico: é um lugar em que existir, ser, é ser percebido. Um político é, em grande medida, um homem conhecido e reconhecido; não é um acaso se os políticos são particularmente vulneráveis ao escândalo, sendo o escândalo gerador de descrédito, e o descrédito é o inverso da acumulação do capital simbólico. O capital social e o capital cultural já implicam o simbólico. A propensão de capital social e o capital cultural a funcionar como capital simbólico é tão forte que as análises científicas que constituíram o capital cultural como tal são particularmente difíceis, já que o capital cultural é identificado como um dom de natureza: aquele que detém o capital cultural da eloquência, da inteligência ou da ciência é espontaneamente percebido como detentor de uma autoridade legítima. É por isso que os poderes de tipo tecnocrático têm uma autoridade de ouro tipo que não os poderes puramente militares, posto que a autoridade deles repouse numa “espécie de capital espontaneamente reconhecida como legítima”. Os dirigentes que têm uma autoridade ligada à ciência ou à cultura são reconhecidos como dignos de exercer seu poder em nome de uma competência que aparece fundada na natureza, na virtude ou no mérito. O capital social, como capital de relações, é espontaneamente predisposto a funcionar como capital simbólico. O capital simbólico é esse capital que todo detentor de capital detém como complemento.
Vale lembrar que analisar a acumulação das diferentes formas de capital é darem-se os meios de compreender sobre as outras espécies de capital. Essa distinção entre a posse de capital e a posse de um capital que dá poder sobre esse capital funciona em todos os tempos. O Estado, à medida que acumula em grande quantidade diferentes espécies de capital, encontra-se dotado de um metacapital que permite exercer um poder sobre qualquer capital. Essa definição, que parece ser abstrata, torna-se muito concreta se a ligamos à noção de campo de poder, lugar onde se enfrentam os detentores de capital, entre outras coisas sobre a taxa de câmbio entre as diferentes espécies de capital. Ora, o Estado, como detentor de um metacapital, é um campo dentro do qual os agentes lutam para possuir um capital que dê poder sobre os outros campos. O Estado pode tomar tais medidas transcampos porque se constitui progressivamente como uma espécie de metacampo de um campo em que se produz, se conserva, se reproduz um capital que dá poder sobre as outras espécies de capital. Um dos princípios unificadores do campo de poder é que os que lutam pelo poder sobre o Estado, por esse capital que dá poder sobre a conservação é a reprodução das diferentes espécies de capital.  
O processo de concentração física de força pública se acompanha de uma desmobilização da violência ordinária. A violência física só pode ser aplicada por um agrupamento especializado, especialmente mandatado para esse fim, claramente identificado no seio da sociedade pelo uniforme, portanto um agrupamento simbólico, centralizado e disciplinado. A noção de disciplina, sobre a qual Max Weber escreveu páginas magníficas, é capital: não se pode concentrar a força física sem, ao mesmo tempo, controla-la, do contrário é o desvio da violência física, e o desvio da violência física está para a violência física assim como o desvio de capitais está para a dimensão econômica: é o equivalente da concussão. A violência física pode ser concentrada num corpo formado para esse fim, claramente identificado em nome da sociedade pelo uniforme simbólico, especializado e disciplinado, isto é, capaz de obedecer como um só homem a uma ordem central que, em si mesma, não é geradora de nenhuma ordem.
O conjunto das instituições mandatadas para garantir a ordem, a saber, as forças públicas e de justiça, são, portanto, separadas pouco a pouco do mundo social corrente. Essa concentração do capital físico se realiza em um duplo contexto. Para uns, o desenvolvimento do exército profissional está ligado à guerra, assim como o imposto; mas há também a guerra interior, a guerra civil, a arrecadação do imposto como uma espécie de guerra civil. O Estado se constitui, portanto, em relação a um duplo contexto: de um lado, em relação a outros Estados atuais ou potenciais, isto é, os princípios concorrentes – portanto, precisa concentrar “capital de força física” para travar a guerra pela terra, pelos territórios; de outro lado, em relação a um contexto interno, a contrapoderes, isto é, príncipes concorrentes ou classes dominadas que resistem à arrecadação do imposto ou ao recrutamento de soldados. Esses dois fatores favorecem a criação de exércitos poderosos dentro dos quais se distinguem progressivamente forças propriamente militares e forças propriamente policiais destinadas à manutenção da ordem interna. Essa distinção exército/polícia, evidente hoje, tem uma genealogia extremamente lenta, as duas forças têm sido por muito tempo confundido.

O desenvolvimento do imposto está ligado às despesas de guerra. O nascimento do imposto é simultâneo a uma acumulação de capital detido pelos profissionais da gestão burocrática e à cumulação de um imenso capital informacional. É o vínculo entre Estado e estatística: o Estado está associado a um conhecimento racional do mundo social. A institucionalização do imposto é o desfecho de uma espécie de guerra interior travada pelosa gentes do Estado contra as resistências dos sujeitos. Os historiadores se perguntam, com muita razão, em que momento aparece o sentimento de pertencer a um Estado, que não é necessariamente o que se chama de patriotismo, o sentimento de ser um dos sujeitos do Estado. A experiência de pertencimento a uma unidade [territorial] definida está muito fortemente ligada à experiência da tributação. Nós nos descobrimos como sujeitos descobrindo-nos como tributáveis, contribuintes. Há uma invenção extraordinária de medidas jurídico-policiais destinadas a fazer pagarem os maus pagadores, que são a ordem de prisão e a responsabilidade in solidum. Enfim, a metáfora de Norbert Elias dizendo que o Estado não passa de uma extorsão legítima é mais que uma metáfora. Tendo em vista que se trata de criar um corpo de agentes encarregados da coleta e capazes de operá-la sem desviá-la em proveito próprio.
Era preciso que os agentes e os métodos de cobrança fossem facilmente identificados com a pessoa, a dignidade do poder, fosse legado da cidade, do senhor ou do soberano. Os meirinhos precisavam usar sua libré, ter autorização de portar seus emblemas, notificar suas ordens em nome dele. Precisavam ser percebidos como mandatários tendo a plena potentia agendi, e que essa delegação se manifestasse não só por uma ordem assinada como também por uma libré que expressasse a dignidade e, ao mesmo tempo, a legitimidade de sua função. Essa delegação, que é problemática – todo mandatário pode desviar em benefício próprio os proveitos que pode tirar do poder que lhe foi delegado -, implica um controle dos mandatários; portanto, precisa-se de controladores dos cobradores de impostos. Para que os mandatários exerçam seu ofício sem ter de recorrer cada vez à violência física, a autoridade simbólica deles precisa ser reconhecida; faz referência tácita à ideia de que a cobrança do imposto é legítima; a autoridade de quem mandata as pessoas exercendo essas extorsões de fundos deve ser legítima, mesmo quando essas extorsões de fundos parecem ser na realidade injusta.     
Bibliografia geral consultada.
BOURDIEU, Pierre, “L`opinion publique n`existe pas”. In: Les Temps Modernes, 318: 1292-1309, 1973; Idem, El Oficio de Sociólogo. Presupuestos Epistemológicos. Siglo Veintiuno Editores, 1975; Idem, “L’Invention de la Vie d’Artiste”. In: Actes de la Recherche en Sciences Sociales. Paris, n° 2, Vol. 1, pp. 67-93, 1975; Idem, “Les Trois États du Capital Culturel”. In: Actes de la Recherche en Sciences Sociales. Paris, n° 1, Vol. 30, 1979; Idem, La Distinction: Critique Social du Jugement. Paris: Les Éditions de Minuit, 1979; Idem, Homo Academicus. Paris: Éditions de Minuit, 1980; Idem,  O Poder Simbólico. Lisboa: Difel - Difusão Editorial, 1989; Idem, Sobre o Estado: Cursos no Collège de France (1989-92). 1ª edição. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2014; BARANGER, Denis, “The Reception of Bourdieu in Latin America and Argentina”. In: Italian Journal of Sociology. Bolonha, n° 2, 2008; FERES, Glória Georges, A Pós-Graduação em Ensino de Ciências no Brasil: Uma Leitura a partir da Teoria de Bourdieu. Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências. Bauru: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita, 2010; SANTOS, José Vicente Tavares dos, “A Violência Simbólica: O Estado e as Práticas Sociais”. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, 108: 2015; pp. 183-190; CARDOZO, José Carlos da Silva, “Por uma concepção mais ampla de Estado”. In: Revista Tempo e Argumento. Florianópolis, Volume 7, n° 15, pp. 249-255, maio/ago. 2015; WATANABE, Graciella, A Divulgação Cientítica Produzida por Cientistas: Contribuições para o Capital Cultural. Tese de Doutorado. Programa de Pòs-Graduação Interunidades em Ensino de Ciência. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015; SOBRAL, Bruna Oliveira, O Pêndulo de Bourdieu: Variações na Operacionalização da Noção de Habitus. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Gradução em Sociologia. Recife: UNiversidade Federal de Pernambuco, 2017;  entre outros.  

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Natalie Portman - Análise Teórica in De Amor & Trevas.

                                                                                     Ubiracy de Souza Braga*
  Eu não amo estudar, eu odeio estudar. Eu gosto de aprender, a aprendizagem é bonita”. Natalie Portman   
  
                         
            A criação do Estado de Israel ocorreu em 1948, mas o processo político de formação das comunidades judaicas na região da Palestina remonta às últimas décadas do século XIX, quando foi criado o movimento sionista por intelectuais judeus no início da década de 1890 e tinha por objetivo principal o combate ao antissemitismo, que subsistia na Europa desde a Idade Média e que havia se intensificado no século XIX. O Estado de Israel é um dos mais poderosos emblemas sociais, econômico e militarmente do mundo ocidental. É também um Estado que possui uma das mais eficientes e pragmáticas polícias secretas de todo o globo terrestre desde o fim da 2ª guerra mundial (1941-45): a poderosa Mossad. A despeito de sua curta existência enquanto Estado - Israel só foi oficializado e reconhecido como país em 1948 -, foi protagonista de intensos episódios conflituosos ocorridos na região do Oriente Médio na segunda metade do século XX, sobretudo em virtude do paradoxo em torno da geopolítica etnohistórica com os países muçulmanos que circundam seu território.
            Um fato político que contribuiu para estimular a ideia da formação de um Estado judaico na Palestina foi o chamado Caso Dreyfus, uma conspiração de oficiais do exército francês contra Alfred Dreyfus, que também era oficial dessa mesma instituição. Dreyfus foi injustamente acusado por colegas de fornecer informações privilegiadas da inteligência francesa para autoridades do exército alemão, arquirrival da França. Theodor Herzl, que era jornalista, com o escritor Émile Zola, incorreu na defesa pública de Dreyfus nas páginas dos jornais daquele período, denunciando as fraudes das acusações e tornando explícito o antissemitismo que se alastrava na Europa. O estímulo à causa sionista, dado pelo Caso Dreyfus, incitou as várias comunidades de judeus que estavam espalhadas mundo ocidental “a se reunirem em torno de um fundo financeiro para custear a compra de terras na região de Palestina”, então pertencente ao Império Otomano. Aos poucos, na virada do século XIX para o século XX, os terrenos situados entre as Colinas de Golã, a Península do Sinai e o Rio Jordão foram sendo arrendados pelos judeus, que começaram também a migrar para a região nesse espaço/tempo.

                  
A atriz israelense Natalie Portman em seu primeiro longa-metragem passa em revista a história da formação de sua pátria natal como diretora do filme: A Tale of Love and Darkness (“De Amor e Trevas”). O curta de NY, “I Love You” já tratava do tema. E agora ela vai além, explorando um período importante na história e tratando inclusive de temas como a ligação do judeu com as palavras. Centrado em experiências pessoais do autor, este drama recria a Guerra de Jerusalém e seus efeitos sociais e psicológicos sobre a vida de um jovem que cresce em um kibutz, onde tiveram função essencial na criação do Estado judeu. Combinando o socialismo e o sionismo no sionismo trabalhista, os kibutzim são uma experiência única israelita e parte de um dos maiores movimentos comunais seculares na história. Em 2010, estrelou o filme: “Black Swan” pelo qual foi internacionalmente aclamada pela boa crítica. Em Cannes o filme fez sua estreia, fora de competição, em 2015, quando o projeto foi definido como “o inventario de cicatrizes sobre a formação de um Estado”, revelando, a partir de uma “exumação moral”, toda a inquietação estética de uma grande artista.           
Desnecessário dizer que a biografia é um gênero literário em que o autor narra a “história da vida” de uma pessoa ou de várias pessoas. Em certos casos a biografia inclui aspectos da obra dos biografados, como por exemplo, Plutarco, em suas “Bíoi parálleloi” (“Vidas paralelas”), numa abordagem bisada de um ponto de vista crítico e não historiográfico. Em francês, o termo “biographie” é documentado em 1721; a palavra “biography” foi documentada em 1791 e na forma “biografia” já em 1683; em espanhol, “biografia”, em português, aparece somente na segunda metade do século XIX. É comum se solicitar a “biodata” de pessoas que produzem trabalhos artísticos, científicos etc. Este termo remete à vida e às experiências fabulosas de trabalho, bem como a itens que revelem suas opiniões, valores, crenças e atitudes. Os dados transcritos nesta categoria contêm, por vezes, um tipo da informação que é um abstract de trabalho acadêmico, podendo também incluir a descrição dos atributos físicos e imagens.
Optando por filmar em Jerusalém, foi usado o setor ultra-ortodoxo do bairro de Nachlaot, com suas ruas estreitas e casas antigas que, em pleno 2016 de Israel como “start-up nation”, enganam tranquilamente como 1948, época da cidade sitiada e dos racionamentos. Mas com exceção à icônica descrição da votação do Plano de Partilha da Palestina na Assembleia Geral das Nações Unidas, o filme abre mão de grande parte do papel de documento histórico narrado em primeira pessoa que o livro possui.  O escopo na relação entre o jovem Amos e seu pai Arieh, que permeia todo o livro, é alterado para a relação do garoto com a mãe Fania, interpretada pela própria Natalie Portman. Por ser um personagem não menos interessante e complexo - esta escolha acaba por revelar no filme um pouco da força que o livro possui enquanto análise da sociedade judaica ashkenazita de Jerusalém em sua historicidade, em especial de seus círculos no processo de formação de intelectuais.

              
Sociologicamente o indivíduo, ator, identidade, grupo social, classe social, etnia, minoria, movimento social, partido político, corrente de opinião pública, poder estatal, todas estas “manifestações de vida” no sentido simmeliano, não mais se esgotam no âmbito da sociedade nacional, o que nos faz admitir que a diferenciação em comunidades locais, tribos, clãs, grupos étnicos, nações e mesmo Estados, perderam ao menos algo do seu significado anterior. No contexto da guerra árabe-israelense de 1948 um garoto cresce em uma casa que irradia erudição. O pai escritor, as estantes repleta de livros, música clássica e a mãe que narra para ele aventuras para explicar o mundo e lidar com aquela dura realidade. No começo há um convite: “vamos criar uma história”. Baseado em obra de Amós Oz, escritor e defensor de uma solução para o conflito Israel-Palestina, descreve a história da família durante a guerra da Independência de Israel. Criado em uma família que preza o talento intelectual, o garoto consegue se comunicar em vários idiomas, tem conhecimento de literatura e política muito salutar para a idade. Os indivíduos cuja vida interior se enriquece em diálogo constante com os outros, não se resignam a ser apenas aquilo que já se tornaram, há uma crítica à resignação e querem ser mais do que estão sendo. Cultivam um lado que os impele na direção de uma busca no âmbito de universalização.
            Amós Oz publicou De Amor e Trevas (“Sipur al ahava vechoshech”) em 2002. Trata-se de uma autobiografia, talvez parcial, cobrindo sua infância, adolescência e juventude. O livro rapidamente alcançou sucesso internacional e foi traduzido para cerca de 30 idiomas, incluindo versões não-oficiais em árabe e curdo. O livro é escrito no envolvente estilo de Amós Oz, um dos mais renomados autores israelenses de todos os tempos, e um dos mais reconhecidos internacionalmente na atualidade. É contada com riqueza de detalhes a história da vida do autor, ainda morando com seus pais em um pequeno apartamento na Jerusalém dos últimos anos do Mandato Britânico e nos primeiros anos do Estado de Israel, inclusive durante a Guerra de Independência. Neste ínterim, ainda  garoto começa a jornada como o frágil Amos Klausner, filho de imigrantes intelectuais sionistas-revisionistas da Europa Oriental, e a termina como Amos Oz, membro do Kibutz Hulda, no centro de Israel. Localizado em Shephelah, perto da Floresta Hulda e da Estrada da Birmânia, está sob a jurisdição do Conselho Regional de Gezer. Em 2018, tinha uma população de 1.096 habitantes, após hebraizar seu nome para afirmar-se como pioneiro sionista. Através destas transformações, transparece a própria história do sionismo realizador clássico, e seu objetivo de criar um novo judeu, em oposição aos estereótipos da comunicação do judeu da diáspora.      
            Amós Oz nasceu em Jerusalém, em 4 de maio de 1939, é escritor israelense e cofundador do movimento pacifista Paz Agora (“Shalom Akhshav”),  também referido pela imprensa, em inglês, como Peace Now é uma organização não governamental de esquerda sediada em Israel, cujo propósito declarado é alcançar a paz interna e externa para Israel. Para alcançar essa finalidade, a organização procura influenciar e convencer a opinião pública e o governo israelense sobre a necessidade da paz como requisito para a própria existência do Estado de Israel, e sobre a possibilidade de uma paz justa e de uma conciliação histórica com o povo palestino e com os países árabes vizinhos, com base na fórmula “terra por paz”,  e na criação de um Estado Palestino. O movimento denuncia assentamentos judeus no territórios palestinos ocupados por Israel e a expropriação de terras dos árabes israelenses.                
             Os seus pais fugiram em 1917 de Odessa, na Ucrânia para Vilnius, na Lituânia e daí para o Mandato Britânico da Palestina em 1933. Em 1954 Oz entrou para o Kibbutz Hulda e tomou então o seu nome atual. Durante o seu estudo de Literatura e Filosofia na Universidade Hebraica de Jerusalém entre 1960 e 1963 publicou seus primeiros contos curtos. Oz participou na Guerra dos Seis Dias e na Guerra do Yom-Kippur e fundou na década de 1970, juntamente com outros, o movimento pacifista israelense Schalom Achschaw (“Peace Now”). Fundador e principal representante do movimento social israelense “Paz Agora”, é o escritor mais influente de seu país. Poucos autores escrevem com tanta compaixão e clareza sobre as agruras do sujeito presentes e passadas de Israel. Em romances como Conhecer uma mulher (1992), o mais importante escritor israelense contemporâneo, lança um olhar atento e sensível sobre os mistérios que, escondidos em cada um de nós, unem e separam as pessoas.
             Depois de trabalhar para o serviço de informações por 23 anos, o agente secreto Yoel Ravid passa em revista sua vida profissional e familiar. Diante da trágica morte da esposa, procura compreender a mulher que apesar de amar, ele nunca conheceu completamente, mas com ela travou durante anos uma batalha subterrânea cujos motivos também lhe escapam; Pantera no porão (1999),  começa  com uma constatação frequente em sociedades polarizadas por embates políticos: - Muitas vezes na vida já fui chamado de traidor. Uma acusação grave  contra ele justamente em 1947, embora o processo de paz tenha diminuído o ímpeto dos inquisidores. Se nas últimas décadas o rótulo de traidor marcou sua vida,  devido à posição favorável ao diálogo israelense-palestino, a acusação apareceu, no romance, por outro motivo, no verão de 1947, numa pichação na parede de sua casa em Jerusalém. O suposto crime: uma amizade com Stephen Dunlop, das forças britânicas que controlavam a Palestina; Meu Michel (2002), em que explora a difícil persistência do amor durante a guerra. Em 2005 publicou suas memórias: De amor e trevas, com a sua interpretação pessoal da criação de Israel.
Em 1991 foi eleito membro da Academia de Letras Hebraicas; em 1992, recebeu o Prêmio de Frankfurt pela Paz, e ganhou o Prêmio Israel, o mais prestigioso do país. A “Primeira Intifada” na Faixa de Gaza e na Cisjordânia começou em 1987 quando palestinos montaram um protesto em larga escala contra a presença militar israelita nos dois territórios, que os palestinos reclamam como seus. A Intifada depressa se tornou violenta quando o exército de Israel e os militantes da Palestina lutaram pelo controle dos territórios seculares em disputa. A Primeira Intifada continuaria até terem início às negociações de paz entre a Organização pela Libertação da Palestina (OLP) e o Estado de Israel, em 1993. Em 1998, durante o 50º ano da Independência de Israel, recebeu o Prêmio Femina em França e foi indicado para o Prêmio Nobel de Literatura em 2002. Em 2004 recebeu o Prêmio Internacional Catalunya, com o pacifista palestino Sari Nusseibeh, e o Prêmio de Literatura alemão: Die Welt, por “Uma História de Amor e Escuridão”. Publicou cerca de duas dezenas de livros em hebraico, e mais de 450 artigos e ensaios em revistas e jornais de Israel e internacionais, sendo muitos dos quais para o jornal do Partido Trabalhista “Davar” e, desde o encerramento deste na década de 1990, para o “Yediot Achronot”. Têm livros e artigos  traduzidos no Ocidente e quase toda a sua obra se encontra traduzida em português. Em 2005 recebeu o prêmio Goethe como escritor. Em 2007, o Prêmio Príncipe das Astúrias de Letras.

                     

No filme o pai é escritor e rememora com Amos a etimologia das palavras. A mãe narra aventuras repletas de ensinamentos. Quando mãe e o menino se relacionam é a melhor representação do filme. A fala dela sobre a hora certa de mentir é um exemplo. A violência da guerra é consentida de forma macrossociológica: temos a votação da independência de Israel, em uma cena muito bonita e os dilemas vividos pela família ou então o bullying sofrido por Amos na escola estão bem presentes. Há outra cena onde mulheres falam das desventuras de se ter um filho e logo em seguida a uma explicação  quase poética, sobre o quão é vazio não tê-los. Além desses momentos da vida cotidiana temos a oposição entre a brutalidade e a leveza, a inocência e a sabedoria, a velhice e a juventude, a firmeza e a fraqueza e o claro e o escuro. A fotografia revela alguns tons azulados na hora de dormir daquela família e amarelados nas narrativas etnográficas de Fania (a mãe) e na cena descrita de Amos com a menina. Há uma explicação muito coerente sobre o que está por trás das relações sociais e afetivas entre árabes e judeus comparando-os como irmãos com uma relação com um pai e como eles passam a enxergar no outro o limite da relação de paternidade.
De Amor e Trevas não é um daqueles raros casos de obra que já nasce com status de clássico, e suas múltiplas versões internacionais lhe garantiram lugar cativo em muitas estantes pelo mundo. Nada mais natural que apenas alguém que gozasse de certo prestígio tanto entre a intelligentsia esquerdista israelense a qual Amos Oz faz parte, quanto entre os managements da indústria cinematográfica de Hollywood, conseguisse obter os direitos para produzir sua adaptação cinematográfica. Foi aí que se engajou Natalie Portman. A atriz nascida em Jerusalém é declaradamente sionista e orgulhosa de sua identidade judaica e israelense, além de usar o prestígio de ser um dos principais nomes da década em Hollywood para defender todo tipo de causas que os norte-americanos chamam de “liberais”, inclusive a solução de dois Estados para o conflito entre Israel e Palestina. É sabido que Natalie Portman adquiriu os direitos cinematográficos sobre a obra em uma conversa com Amós Oz e sua mulher, na casa da família. Em seguida, partiu em uma jornada de oito anos para financiar o trabalho de pesquisa e descrever com muita argúcia e simplicidade De Amor e Trevas em sua estreia na produção cinematográfica pari passu como roteirista e diretora.
    Natalie Portman nasceu em Jerusalém, de pai israelense e mãe norte-americana, e mudou-se com a família para os Estados Unidos da América aos três anos. Não se trata só da sensação de pertencer a dois mundos em oposição assimétrica: há uma ligação bem mais específica no fato de um desses mundos ser um ideal que prossegue sempre, mas sem nunca se realizar como no plano imaginado, e que exige muito mais envolvimento afetivo, reflexão e tomada de posição do que é habitual na vida dos cidadãos. E é também um filme muito sólido na maneira como tece seu emaranhado, fundindo o que de há mais íntimo na vida de um menino, o refúgio que ele e a mãe constituem um para o outro, com o destino que essa mãe sem saber está traçando para o filho, e com o destino do próprio país que ela quis ajudar a fundar. Como atriz Natalie é mestre na melancolia, e a Fania do livro e do filme comparativamente é toda ela um estudo pródigo da melancolia: atriz e personagem são soberbamente talhadas para dar forma a essa ideia tão persistente não só na cultura judaica, de que a história social e a memória são a única pátria verdadeiramente indevassável.
Bibliografia geral consultada.

SIMMEL, Georg, On Individuality and Social Forms. Chicago: University of Chicago Press, 1971; Idem, La Tragédie de la Culture. Paris: Petite Bibliothèque Rivages, 1988; Idem, Philosophie de l`amour. Paris: Petite Bibliothéque Rivages, 1988; HELLER, Agnes, Sociologia della vita quotidiana. Roma: Editore Riuniti, 1975; BOUDON, Raymond, Effets Pervers et Ordre Social. Paris: Presses Universitaires de France, 1977; DURAND, Gilbert, Science de l’ Homme et Tradition. Paris: Berg International Editor, 1979; Idem, As Estruturas Antropológicas do Imaginário: Introdução à arquetipologia geral. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997; GINZBURG, Carlo, Occhiacci di legno - Nove riflessioni sulla distanza. Milano: Giangiacomo Feltrinelli Editore, 1998; SONDHAUS, Lawrence, World War One: The Global Revolution. Cambridge: Cambridge University Press, 2011; SCHLESINGER, Juliana Portenoy, Conflitos Identitários do Árabe Israelense: Aravim Rokdim de Sayed Kashua. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaicas e Língua, Literatura e Cultura Árabe. Departamento de Letras Orientais. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2011; CESAR, Daniel Clós, Ensino de História das Religiões: Cristianismo, Islã e Judaísmo nas Histórias em Quadrinhos. Dissertação de Mestrado. Programa de Mestrado em História. Universidade de Caxias do Sul, 2015; SILVA, Raquel do Monte, Devir-mundo: A Errância no Cinema Contemporâneo. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2015;  BOSCOV, Isabela, “De Amor e Trevas”. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/06/06/2016 ; AMBRA, Pedro Eduardo Silva, Das Fórmulas ao Nome: Bases para uma Teoria da Sexuação em Lacan. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Sexual. Instituto de Psicologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2017; entre outros.  

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Ortodoxia Acadêmica - Não Desburocratizamos Papéis Sociais.

                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

 “Se le pretese di conoscenza sistematica appaiono sempre piú velleiterie, non per questo l'idea di totalitá dev'essere abbandonata”. Carlo Ginzburg (1986:191).

                                                                    
            Demonstrar que uma pessoa está viva, exige preencher formulários, apresentar inúmeros documentos, fazer fila em guichês dos órgãos públicos para constatar uma experiência trágica dos cidadãos frente ao Brasil oficial. Herança colonial, a burocracia tantas vezes baseada na desconfiança do poder público sobre a sociedade, demora, encarnece documentos, frustram projetos pessoais, instituições públicas, privadas, destinos, trajetórias, com aquele trâmite moroso, que muitas vezes é tão absurdo quanto provavelmente desnecessário o uso da burocracia no país. O excesso de exigências de documentos é histórico, ideológico e político a ponto de o país ter criado inutilmente um ministério da desburocratização, entre 1979 e 1986, que deram origem e propiciaram, por exemplo, os Juizados de Pequenas Causas, que garantem soluções aparentemente mais rápidas para conflitos jurídicos de pequena monta.  Em demandas consideradas de pequeno valor, a alternativa é utilizar o Juizado Especial de Pequenas Causas, que é uma via que pode ser mais rápida e segura a ponto de inquirir distribuição de justiça.
O Programa de Desburocratização, criado por Hélio Beltrão, instituído pelo Decreto nº 83.740, de 18 de julho de 1979, era ousado e previa a melhoria do atendimento dos usuários do serviço público. Tinha como meta reduzir a interferência do Estado na atividade do cidadão e do empresário e abreviar a solução dos casos em que essa interferência era necessária, mediante a descentralização das decisões. Além disso, a simplificação do trabalho administrativo e a eliminação de formalidades e exigências cujo custo econômico (ou social) fosse superior ao risco empreendido. Designado Ministro para aplicar o programa, Hélio Beltrão adotou várias medidas desburocratizantes como o “Estatuto da Microempresa” e os “Juizados de Pequenas Causas”, mais tarde transformados nos atuais Juizados Especiais, que perduram até hoje. O cargo de ministro extraordinário para a desburocratização tinha como escopo “tirar da gaveta” a reforma administrativa proposta pelos militares e colocar em prática o decreto assinado por Figueiredo criando o Programa Nacional de Desburocratização.

                         
Ao ser extinta, a pasta foi absorvida pelo Ministro da Administração e Reforma do Estado. Nos dias de hoje o equívoco maior está em curso de “cima prá baixo” com um programa de desburocratização meramente econômico para “reduzir o chamado custo Brasil”. O ministério acredita que a importância do programa visa reduzir gastos de uma empresa brasileira que gira em média, 2,6 mil horas somente para cumprir obrigações acessórias. Como resultado disso, citou o ministro, o Brasil figura entre as nações com “os maiores índices de burocracia do planeta”, segundo o Relatório Doing Business, produzido pelo Banco Mundial. Marcos Pereira reforçou que um Grupo de Trabalho interministerial será “montado para estudar medidas de redução de impacto da burocracia em todas as esferas do Estado”. Ele mencionou, ainda, que um piloto do programa começará a ser feito pelo próprio Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Na sequência, afirma-se que em tese, outros órgãos do governo também participarão do processo. Mas a partir da década de 1990, o programa começa a ser abandonado. Com a extinção do Ministério, bem como a revogação do decreto, em 2004, ocorreu um retrocesso das medidas desburocratizantes que “não saíram do papel”.      
A Câmara dos Deputados concluiu em 2015 mais uma comissão parlamentar de inquérito do “sistema carcerário”, a segunda em menos de seis anos. A nova CPI elaborou 20 propostas de alterações no sistema prisional do Brasil, que tem a quarta maior população carcerária do mundo, entre elas, o fim da revista vexatória. Mas, se continuar o mesmo caminho da CPI próxima passada, “nada deve sair do papel”. A comissão anterior, concluída em 2008, “apresentou 12 projetos de lei e todos foram arquivados”. Um deles criava o Estatuto Penitenciário Nacional e outro alterava a Lei de Execuções Penais para estabelecer penas alternativas. Nenhum virou lei. Mesmo destino deve ter essa CPI, presidida pelo deputado federal Alberto Fraga (DEM/DF), um dos integrantes da chamada “bancada da bala”. Mas pelo menos uma das sugestões tem chance de vingar: sugere a privatização dos presídios brasileiros. O relatório final, de cerca de 400 páginas, diz apenas que será criada uma proposta de lei para dispor sobre a “execução indireta de atividades desenvolvidas nos estabelecimentos penais”.          
O texto descreve que as chamadas “parcerias público-privadas” (PPPs) para a construção e gestão de presídios já existentes em alguns estados brasileiros, entre eles, Minas Gerais, “comprovam que é possível a iniciativa privada atuar nesse setor”. O relatório prevê incentivos fiscais para as empresas que pretendem explorar comercialmente presídios. A edição da Lei Federal de Parcerias Público-Privadas (Lei n.º 11.079, de 2004)  criou expectativa geral de que elas seriam rapidamente adotadas para viabilizar investimentos na implantação de serviços estatais e de obras de infraestrutura, urgentes e necessários ao desenvolvimento do país. Por que elas não saem do papel? A razão fundamental da demora na implantação de PPPs é a falta de projetos concretos, cuja elaboração é de responsabilidade dos Poderes Públicos. A Lei n.º 11.079/04 não define modelo fechado para as PPPs. Ao contrário, a Lei consagra diversas alternativas que podem ser adotadas nessa modalidade contratual, procurando viabilizar a adoção de soluções mais adequadas em cada caso concreto. Compete à Administração Pública, portanto, definir o modelo de cada parceria, dentre as alternativas legalmente comportadas. As PPPs dependem da fixação de concretas condições para cada projeto social, como a forma pela qual o agente privado no negócio será remunerado pelos encargos que assumir as garantias que lhe serão oferecidas, os riscos de cada uma das partes, entre outros pontos relevantes de agenciamentos sociais.  


A edição da Lei Federal de Parcerias Público-Privadas criou expectativa geral de que elas seriam rapidamente adotadas para viabilizar investimentos na implantação de serviços estatais e de obras de infraestrutura, urgentes e necessários ao desenvolvimento do país. Decorridos anos de vigência da nova lei, contudo, são pouquíssimas licitações para contratação de PPPs, situação que causa frustrações e provoca seguinte indagação: Por que elas não saem do papel? A razão fundamental da demora na implantação de PPPs é a falta de projetos concretos, cuja elaboração é de responsabilidade dos Poderes Públicos. A Lei n.º 11.079/04 não define modelo fechado para as PPPs. Ao contrário, a Lei consagra diversas alternativas que podem ser adotadas nessa nova modalidade contratual, procurando viabilizar a adoção de soluções mais adequadas em cada caso concreto. Compete à Administração Pública, portanto, definir o modelo de cada parceria, dentre as alternativas legalmente comportadas. As PPPs dependem da fixação de específicas e reais condições para cada projeto, tais como a forma pela qual o agente privado será remunerado pelos encargos que assumir as garantias que lhe serão oferecidas, os riscos de cada uma das partes, entre outros pontos relevantes.
            Do ponto de vista global economistas consultados pela Agência Brasil divergem quanto à possibilidade de as medidas anunciadas pelo governo golpista reativarem o crescimento econômico. Entre as políticas públicas, a equipe econômica anunciou “um programa de regularização tributária para pessoas físicas e jurídicas em débito com o Fisco e medidas de desburocratização para pequenas empresas”. Para o economista Gilberto Braga, do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec-RJ), o pacote econômico é positivo e ajuda a começar a reverter o pessimismo. - “São medidas que vão fazer efeito em médio prazo. Elas não são de alto impacto macroeconômico. Mas, em conjunto com a aprovação da “PEC Teto dos Gastos” e a discussão da reforma da Previdência, dá uma sensação de que o governo começou a trabalhar de fato. Pode desanuviar o ambiente para 2017”.  Para o economista Roberto Piscitelli, professor de Ciências Contábeis e Atuariais da Universidade de Brasília (UnB), o programa de regularização tributária das empresas anunciado no pacote é “discriminatório” porque o governo federal facilita a quitação de débitos tributários enquanto pede sacrifícios ao trabalhador, como por exemplo, as polêmicas em torno da reforma da Previdência.    
            Uma das principais medidas anunciadas até agora pelo governo golpista de Michel Temer (PMDB) é a PEC 241, que estabelece um teto para o crescimento dos gastos públicos. No Senado, a proposta tramitou como PEC 55. A mudança de número seria por conta da organização das proposições no Senador. No dia 13 de dezembro, o Senado aprovou em segundo turno a proposta do governo, com 53 votos a favor e 16 contrários. Com isso, o teto de gastos públicos deve vigorar a partir de 2017. Como se trata de uma Proposta de Emenda Constitucional, o projeto de teto para gastos públicos teve de ser aprovado em duas votações com apoio de pelo menos três quintos dos deputados (308), e depois mais duas vezes por três quintos dos senadores (49). Vamos explicar que proposta é essa e quais serão os impactos dessa medida para o governo e para você, cidadão brasileiro. De acordo com o texto, o teto para 2017, primeiro ano de vigência da PEC, será definido com base na despesa primária paga em 2016 (incluídos os restos a pagar), com a correção de 7,2%, a inflação prevista para este ano.
A partir de 2018, os gastos federais só poderão aumentar de acordo com a inflação acumulada conforme o “Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo” (IPCA). A inflação a ser considerada para o cálculo dos gastos será a acumulada em 12 meses, até junho do ano anterior. Assim, em 2018, por exemplo, a inflação usada será a medida entre julho de 2016 e junho de 2017. O regime valerá para o orçamento fiscal e da seguridade social e para todos os órgãos e Poderes da República. Dentro de um mesmo poder, haverá limites por órgão. Existirão, por exemplo, limites individualizados para tribunais, Conselho Nacional de Justiça, Senado, Câmara, Tribunal de Contas da União (TCU), Ministério Público da União, Conselho Nacional do Ministério Público e Defensoria Pública da União. O órgão que pretender desrespeitar seu teto ficará impedido de, no ano seguinte, dar aumento salarial, contratar pessoal, criar novas despesas ou conceder incentivos fiscais, no caso do Executivo.
            A Previdência Social no Brasil possui mais de 100 anos de história social e política. Analogamente às Instituições de Ensino Superior (IES) pública não é improdutiva, cara ou perdulária. Ela é eficiente e contribui decisivamente para o desenvolvimento global da sociedade brasileira. Esta é uma questão nevrálgica de âmbito de desburocratização da economia e sociedade. - “Está se sacrificando tanto o trabalhador, e se dá um alívio para as empresas pagarem suas dívidas tributárias”. Em 1966, com a alteração de dispositivos da Lei Orgânica da Previdência Social, foram instituídos o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, com indenização para o trabalhador demitido que também pode ser usada para quem puder comprar sua casa própria, articulado ao Instituto Nacional de Previdência Social - INPS que reuniu os seis institutos de aposentadorias e pensões existentes. Em 1974, foi criado o Ministério da Previdência e Assistência Social. Até então, o tema ficava sob o comando do Ministério do Trabalho e Emprego. A extensão dos benefícios da previdência a todos os trabalhadores se dá com a Constituição de 1988, que passou a garantir renda mensal vitalícia a idosos e portadores de deficiência, desde que comprovada a baixa renda e que tenham qualidade de segurado. Em 1990, com o envelhecimento da sociedade o INPS mudou de nome para ser chamado de Instituto Nacional de Seguridade Social.


            A Previdência Social brasileira “é um seguro que garante uma aposentadoria ao contribuinte quando ele parar de trabalhar”. Para ter direito social a esse benefício, o trabalhador deve pagar uma contribuição mensal durante um determinado período ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O tempo de contribuição varia de acordo com o tipo de aposentadoria. O INSS administra o recebimento dessas mensalidades e paga os benefícios aos aposentados que contribuíram e que se aposentaram. Esse salário substitui a renda do trabalhador que contribuiu quando ele para de exercer sua função: a) seja por doença, b) idade avançada, ou, c) condições de trabalho prejudiciais à saúde como locais com excesso de barulho ou poeira e outras formas de insalubridade sociais.  O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) divulgou um levantamento demonstrando que três em cada 20 pessoas com mais de 65 anos no Brasil não têm aposentadoria e 40% dos trabalhadores não economizam para isso. Os dados fazem parte do cenário previdenciário brasileiro dentro do estudo “Melhores aposentadorias, melhores trabalhos - em direção à cobertura universal na América Latina e no Caribe”.  
O trabalho revela: a) a maioria dos trabalhadores aposentados brasileiros recebe, em média, 20 dólares ou menos por dia; b) que menos de três em cada dez trabalhadores autônomos estão poupando para a aposentadoria; c) 25% da classe média são informais; d) menos de 3/10 de trabalhadores autônomos estão poupando para a aposentadoria. Conforme o estudo, em 2050 quadruplicará o número de pessoas com 65 anos ou mais. Sete em cada dez adultos em idade de se aposentar terão poupado compulsoriamente. Entre 15 e 22 milhões de pessoas não terão economizado para a aposentadoria. Para cada aposentado há dez trabalhadores potenciais, mas em 30 anos cairão para um 1/3 de trabalhadores potenciais, ou seja, haverá menos gente apta a financiar o sistema previdenciário. A gestão do sistema previdenciário e seu financiamento é questão-chave do debate sobre previdência e nó-górdio nos debates entre empregadores, trabalhadores com o golpe de Estado de 2016 e o fim do governo petista no Congresso Nacional. Os trabalhadores defenderam a extinção do fator previdenciário, com o qual governo e empregadores só concordariam com a sua substituição por critérios de idade mínima, dependendo da conjuntura de estabilidade de governo e empenho social no emprego.

Bibliografia geral consultada.

DILTHEY, Wilhelm, Psicologia y teoria del conocimiento. 2ª edicíon. México: Fondo de Cultura Económica, 1951; GINZBURG, Carlo, Miti, Emblemi, Spie. Morfologia e Storia. Torino: Einaudi Editore, 1986; DELHOMEZ, Gérard, La police au féminin. Thèse pour le Doctorat 3eme cycle. Education et Culture. Publications du Centre d`Etudes et Recherches Sur la Police. Université de Reims: Faculté des Lettres et Sciences Humaines, 1991; TRAGTEMBERG, Maurício, Burocracia e ideologia. 2ª edição. São Paulo: Editora Ática, 1992; COLLIOT-THÉLÈNE, Catherine, Le désenchantement de l`État: De Hegel à Max Weber. Paris: Éditions Minuit, 1992; TAVARES, Marcelo Leonardo, Previdência e Assistência Social: Legitimação e Fundamentação Constitucional Brasileira. Rio de Janeiro: Editor Lúmen Júris, 2003; CALAZANS, Márcia Esteves de, “Mulheres no policiamento ostensivo e a perspectiva de uma segurança cidadã”. In: São Paulo Perspectiva. Vol.18 n°1. São Paulo, jan./mar. 2004; LÖWY, Michael, La Cage d’Acier. Max Weber et le marxisme wébérien. Paris: Stock, coll. «un ordre d’idées», 2013; CAMPELLO, Tereza; NERI, Marcelo (Org.), Bolsa Família - Uma década de inclusão e cidadania. Brasília: IPEA, 2014; entre outros.  

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

As Sufragistas - Mulher & Trabalho nas Sociedades Ocidentais.

                                                                                     Ubiracy de Souza Braga

         “A guerra é a única língua que os homens entendem”. As Sufragistas (2015) 
                             
        

              A luta pelo voto feminino foi o primeiro passo a ser alcançado no horizonte das feministas da chamada pós-Revolução Industrial. As “suffragettes”, primeiras ativistas do feminismo no século XIX, eram assim conhecidas justamente por terem iniciado um movimento no Reino Unido a favor da concessão, às mulheres, do direito ao voto. Formado por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, é uma nação insular situada no noroeste da Europa. A Inglaterra, local de nascimento de Shakespeare e dos Beatles, abriga a capital, Londres, um centro financeiro e cultural globalmente influente. Também na Inglaterra, ficam o neolítico Stonehenge, as termas romanas de Bath e as centenárias universidades de Oxford e Cambridge. O seu início deu-se em 1897, com a fundação da União Nacional pelo Sufrágio Feminino por Millicent Fawcett (1847-1929), uma educadora britânica. O movimento das sufragistas, que inicialmente era pacífico, questionava o fato de as mulheres do final daquele século serem consideradas incapazes de assumir postos de comando na sociedade inglesa através da direção das escolas e o trabalho de educadoras em geral, mas serem vistas com desconfiança como possíveis eleitoras. As leis do Reino Unido eram aplicáveis às mulheres, mas elas não participavam politicamente de sua elaboração.
         Historicamente o início e a duração da Revolução Industrial variam de acordo com diferentes historiadores. Eric Hobsbawm considera que a revolução “explodiu” na Grã-Bretanha na década de 1780 e não foi totalmente percebida até a década de 1830 ou de 1840, enquanto T. S. Ashton considera que ela ocorreu aproximadamente entre 1760 e 1830. Alguns historiadores do século XX, como John Clapham e Nicholas Crafts, têm argumentado que o processo de mudança econômica e social ocorreu de forma gradual e que o termo “revolução” é no mínimo equivocado. Este ainda é um assunto que está em debate entre os historiadores. A revolução impulsionou uma era de forte crescimento econômico nas economias capitalistas e existe um consenso entre historiadores econômicos de que o início da Revolução Industrial é o evento mais importante na história da humanidade desde a domesticação de animais e a agricultura. A chamada 1ª revolução industrial evoluiu para a 2ª revolução industrial, nos anos de transição periodizados entre 1840 e 1870, quando o progresso tecnológico ganhou força com a adoção de barcos a vapor, navios, ferrovias, em larga escala de máquinas e o aumento do uso de fábricas que utilizavam a energia a vapor.

           
      A partir da gênese da revolução industrial, o volume de produção aumentou extraordinariamente: a produção de bens deixou de ser artesanal e passou a ser maquinofaturada; as populações passaram a ter acesso a bens industrializados e deslocaram-se para os centros urbanos em busca de trabalho. As fábricas passaram a concentrar centenas de trabalhadores, que vendiam a sua força de trabalho em troca de um salário. Outra das consequências da Revolução Industrial foi o rápido crescimento econômico. Antes dela, o progresso econômico era sempre lento (levavam séculos para que a renda per capita aumentasse sensivelmente), e após, a renda per capita e a população começaram a crescer de forma acelerada nunca antes vista na história. Por exemplo, entre 1500 e 1780 a população da Inglaterra aumentou de 3,5 milhões para 8,5, já entre 1780 e 1880 ela saltou para 36 milhões, devido à drástica redução da mortalidade infantil. Para E. P.Thompson (1987; 1991), o incremento da população nesse período se sustentou principalmente por uma longa série de boas colheitas e numa melhora do padrão de vida desenvolvido nos primeiros momentos da Revolução Industrial; com o avanço da industrialização na primeira metade do século, a saúde da população urbana começou a deteriorar, devido à imensa concentração populacional nas cidades que sofreria com as epidemias, péssimas condições de habitação, deformações e estafa causadas pelo trabalho e a alimentação insuficiente e inadequada. A medicina parece ter sido ineficaz no combate a esses problemas.          
        Insere-se assim o Movimento Ludista que teve o seu momento culminante no assalto noturno à manufatura de William Cartwright, no condado de York, em Abril de 1812. No ano seguinte, na mesma cidade, teve lugar o maior processo contra os ludistas: dos 64 acusados de terem atentado contra a manufatura de Cartwright, 13 foram condenados à morte e dois à deportação para as colônias. Apesar da dureza das penas, o certo é que o movimento ludista não amainou, dado que os operários viviam em péssimas condições. O Ludismo enquanto prática de destruição de máquinas passou a ser cada vez mais hostilizado pelo patronato que recorreram aos parlamentos, visando a criação de leis mais severas para punir os envolvidos em revoltas. O Reino Unido que já possuía uma lei de 1721 que definia o exílio como pena máxima para a destruição de máquinas, em 1812 como resultado da oposição contínua a mecanização adotou o “Frame-Breaking Act” (“Destruição dos Quadros de Estoque”) definindo a pena de morte para casos de destruição de máquinas.
            Nos fins do século XVIII, corria o boato de que um enfurecido operário britânico chamado Ned Ludd certa vez havia quebrado as máquinas de seu patrão. Mesmo não tendo comprovação, a história serviu de inspiração para vários operários que viam nas máquinas a razão de sua condição de miséria. Nascia assim, na Inglaterra, o Ludismo ou Movimento Ludita. Os luditas geralmente agiam secretamente, endereçando cartas anônimas aos seus patrões exigindo o fim do uso das máquinas que restringiam a oferta de emprego. Muitas vezes, organizavam grupos que invadiam fábricas e depredavam todas as máquinas presentes. Enquanto a destruição acontecia, uma massa de operários e desempregados aprovava a ação com gritos de apoio e calorosas palmas. A reação das autoridades inglesas contra esses levantes foi marcada por vários conflitos entre os policiais e os trabalhadores. Finalmente, no ano de 1812, o Parlamento Britânico aprovou a Frame Braking Act, “lei que punia a quebra de máquinas com a pena de morte”. Dessa forma, observamos que a rebelião ludita causou impacto significativo e determinou uma experiência de oposição entre o homem e a tecnologia.
A perseguição aos ludistas tornou-se implacável, com centenas de pessoas sendo presas e torturadas, dezenas de executados, industrial e a criação das primeiras trade unions (sindicatos) tornaram-se outros limitantes para o alcance e as possibilidades das revoltas ludistas, fazendo com que o ludismo entrasse em declínio em meados do século XIX. O ludismo não foi um fenômeno exclusivamente inglês, tendo-se registrado movimentos semelhantes na Bélgica, na Renânia, na Suíça e na Silésia. Para esses trabalhadores, as máquinas se transformaram na principal responsável pela situação de exploração e de desemprego em que se encontravam. Os trabalhadores quebradores de máquinas ficaram conhecidos como ludistas, nome que deriva de Ned Ludd, uma personagem, tida por muitos como lendária, que teria quebrado a máquina em que operava a golpes de martelo, mostrando assim sua insatisfação. Rapidamente, o ludismo do ponto de vista político-ideológico se espalhou da Inglaterra para outros países capitalistas europeus. O ludismo se constituiu como o movimento operário de reivindicação de melhorias nas relações sociais e condições de trabalho. 
O movimento feminino ganhou as ruas e suas ativistas passaram então a ser conhecidas pela sociedade em geral pelo epíteto de “sufragistas”, sobretudo aquelas vinculadas à Women's Social and Political Union (WSPU) movimento que pretendeu revelar o “sexismo institucional” na sociedade britânica, fundado por Emmeline Pankhurst (1858-1928). Após ser detida repetidas vezes com base na lei “Cat and Mouse”, por infrações triviais, inspirou membros do grupo a fazer greves de fome. Ao serem alimentadas à força e ficarem doentes, chamaram a atenção da opinião pública pela brutalidade do sistema legal e também divulgaram a sua causa. Ela foi uma militante que imprimiu um estilo político mais enérgico ao movimento, o qual culminou com situações de confronto nas ruas entre sufragistas e policiais e, finalmente, com a morte de uma manifestante, Emily Wilding Davison (1872-1913), uma militante do movimento pelo voto feminino na Grã-Bretanha que, em 4 de junho de 1913, após uma série de ações que foram tanto destrutivas quanto violentas, se jogou em frente ao cavalo do rei Jorge V, no Derby Epson Downs, resultando ferimentos que causaram a morte cerebral, formalmente declarada quatro dias depois do incidente, mediante insistência da família para um veredito de acidente, tornando-se a primeira mártir do movimento de mulheres sufragistas.            
            Mesmo que tenha causado grande comoção o movimento pelo voto feminino na Inglaterra da década de 1910, as ações de protesto empreendidas pelas sufragistas, contudo, apenas vieram a obter um parcial sucesso com a aprovação do “Representation of the People Act”, de 1918, o qual estabeleceu o voto feminino no Reino Unido - em grande parte, dizem alguns historiadores, motivado pela atuação do movimento das sufragistas na 1ª grande guerra, já que as sufragistas deixaram as ruas e assumiram importante papel nos esforços de guerra. A lei britânica de 1918 deu forças a mulheres de diversos outros países para que buscassem seus direitos ao voto. Além disso, que as primeiras feministas consideravam de importância maior que outras questões referentes à situação feminina justamente por acreditarem que, pelo voto, as mulheres seriam capazes de solucionar problemas causados por leis injustas que lhes vetavam o acesso ao trabalho e à posse da propriedade, por exemplo. Habilitando-se ao sufrágio, as mulheres passariam a ser também elegíveis e assim, politicamente, poderiam concorrer de igual para igual com os homens por cargos eletivos.
Suffragette é um filme de drama britânico realizado por Sarah Gavron e escrito por Abi Morgan. Foi protagonizado por Carey Mulligan, Helena Bonham Carter, Meryl Streep, Ben Whishaw, Brendan Gleeson e Anne-Marie Duff. O filme foi lançado em cadeia nacional no Reino Unido em de 30 de outubro de 2015.  As Sufragistas adotam um ponto de partida expressivo e inovador ao escolher como protagonista Maud Watts (Carey Mulligan), uma mulher sem formação política sindical. Esta lavadeira, acostumada à opressão masculina, nunca questionou o sistema, mas aos poucos descobre pela via da consciência seus direitos como trabalhadora. É mais fácil ao público médio, a quem o filme se dirige, identificar-se com esta personagem comum do que torcer por uma militante radical. O filme se passa na Inglaterra fabril no início do século XX. Começa mostrando mulheres trabalhando em fábricas, diante discurso parlamentarista sobre a falta de equilíbrio mental feminina que impossibilitava as mulheres de fazer julgamentos políticos. O roteiro revela o despertar político de Maud rumo à libertação das regras sociais do início do século XX.
         No começo também se fala um pouco sobre as tentativas pacíficas e fracassadas do movimento sufragista nos últimos cinquenta anos e consequentemente sua a entrada em uma numa campanha de desobediência civil. A protagonista do filme, Maud Watts (Carey Mulligan), aparece logo depois como representante de classe das mulheres trabalhadoras: mãe, esposa e trabalhadora incessante numa fábrica, revivendo o martírio de sua mãe e de sua avó. Determinado dia durante o expediente, ela é enviada para fazer uma entrega. É nesse momento que ela tem seu primeiro contato com o movimento sufragista. Ela vê mulheres atirando pedras em vitrines clamando por direito de voto. Uma delas que estão fazendo parte da manifestação é Violet Miller (Anne-Marie Duff), que trabalha com Maud. Esse contato a deixa num estado reflexivo. Maud começa a tomar consciência cada vez mais do estado de exploração do processo de trabalho fabril no qual ela e outras mulheres viviam. Ganhavam menos nas fábricas, eram exploradas no trabalho, eram assediadas e, sobretudo estupradas pelos patrões dentro do espaço fabril. Morriam cedo porque a insalubridade do trabalho das mulheres nas fábricas prejudicava a sua saúde. Partem do movimento global em busca do direito social das mulheres votarem e serem votadas, o chamado sufragista.
            Das personagens principais, apenas duas não são fictícias: Emmeline e Emily. Emmeline Pankhurst ajudou a fundar a União Social e Política das Mulheres, embrião da revolução sufragista. E Emily Wilding Davison, interpretada por Natalie Press, que teve um papel trágico, mas fundamental na luta política das sufragistas. Já Edith Wilding Davison, personagem em parte fictícia que representa uma farmacêutica apoiada na causa sufragista pelo marido, foi criação inspirada em duas mulheres: Edith New e Edith Margaret. No caso de Edith New companheira influente de Emmeline na Women`s Social and Political Union, e Margaret fora reconhecida por sua habilidade no Jiu-Jitsu e se uniu às sufragistas como guarda-costas e depois tomou lugar na militância. Edith Garrud tinha um metro e meio de altura. Aparentemente, não era páreo para os oficiais da Polícia Metropolitana de Londres. No entanto, ela tinha uma arma secreta: era formada na arte marcial japonesa jiu-jitsu. Nos anos que precederam a Primeira Guerra Mundial, ela se tornou instrutora de jiu-jitsu da União Social e Política das Mulheres (WSPU sigla em inglês). O grupo, que acabou conhecido como as suffragettes, protagonizou um movimento cada vez mais agressivo pelo direito ao voto feminino. Frustradas pelos resultados em sua campanha, recorreram à desobediência civil, a passeatas e atividades, incluindo agressões físicas e incêndios de propriedades.              
        A questão histórica encontra-se no uso da restrição ao voto como símbolo de opressão. Ao invés de se prender ao direito de votar em si, a prática eleitoral é utilizada como metáfora da “desigualdade entre os sexos” (cf. Riot-Sarcey, 1994; 2010; 2016). O verdadeiro tema do filme é a luta pela igualdade, pela defesa das minorias e pela eliminação dos dogmas machistas idealizados pelo cristianismo. Fala-se pouco sobre o voto em si, tendo em vista que o verdadeiro escopo político do roteiro é colocar em evidência questões morais que existem até hoje. Sarah Gavron tem um desempenho brilhante na direção fílmica. Ela retoma questões básicas do cinema dramático e histórico para demonstrar a ambientação nas ruas, quando as personagens falam, permitindo que o enquadramento se feche muito perto dos rostos. Tratando-se da luta entre atores sociais, a câmera treme freneticamente, quase perdendo as personagens de vista. As escolhas estéticas não são clichês, mas representam a vida política no trabalho como um ponto de vista manipulador e redutor da produção social. Os enquadramentos te dizem exatamente o que olhar. A trilha sonora amarga te diz quando pode chorar. As elipses te dizem com quais fatos sociais e políticos se preocuparem. A fotografia demonstra onde as personagens femininas estão seguras: entre amigas, à luz em locais escuros quando correm perigo revelando a violência em casa ou no trabalho.  
            Não queremos perder de vista que Elisabeth Souza-Lobo inovou, desde o início dos anos 1980, as pesquisas sobre gênero e trabalho particularmente no Brasil, dedicando-se ao ensino e à pesquisa nessa área sobre processo de trabalho a partir de 1982, no corpo docente do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP). Ela conceptualizou, a partir das práticas operárias da região do ABC (Santo André, São Bernardo e São Caetano do Sul), a divisão do trabalho entre homens e mulheres e teve intenso intercâmbio intelectual com pesquisadoras da Europa, Estados Unidos da América e do Canadá. Sua morte prematura em março de 1991, aos 47 anos, impediu a realização de novas interpretações, pesquisas e intercâmbios. A disseminação de suas ideias se deu por colegas pesquisadoras, como também pelas sindicalistas e militantes políticas com quem conviveu afetivamente e trabalhou no dia a dia. Entre as especialistas da questão do gênero e trabalho no Brasil, foi uma das principais representantes em seu pioneirismo em analisar o difícil acesso das mulheres aos postos de comando no trabalho, sobretudo no campo político e sindical.
O filme procura expressar a quem amar e a quem detestar. Enquanto uma “filosofia à marteladas” o que é certo e o que é errado seguindo a cartilha da opressão entre trabalho e capital, não permitindo ambiguidades, reveladas através do olhar. O maior exemplo deste maniqueísmo duro no trabalho encontra-se na imagem dos homens que são, em quase todos os casos, apáticos e coniventes, e no limite dos casos, violentos e estupradores em série demonstrando a violência do processo fabril. As mulheres no elenco se saem muito bem. Carey Mulligan passa da fragilidade à força de modo comovente, Brendan Gleeson consegue trazer nuances importantes ao papel de vilão e Anne-Marie Duff possui uma energia impressionante em cena. Meryl Streep é apenas uma coadjuvante ilustrada, aparecendo durante menos de cinco minutos, e Helena Bonham Carter demonstra mais uma vez seu talento natural na relação dialógica. “As Sufragistas” se destacam pela coragem, pela representatividade temática na esfera sindical e política e na antropologia pela equipe inteiramente feminina, ipso facto deixando um gosto amargo, crítico ao fim da sessão.
Bibliografia geral consultada.
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