quinta-feira, 2 de outubro de 2025

A Quimera – Mar Tirreno, História & Saqueador de Sítios Arqueológicos.

                                                         “Para descrevê-la seria preciso fixar o relâmpago”. Machado de Assis

Machado de Assis pôde assistir, no decorrer do século XIX e no começo do século XX, no Rio de Janeiro, as alterações amplas e decisivas no cenário social e político internacional e nacional, nos costumes, nas ciências da natureza e da sociedade, nas técnicas e em quase tudo o que entende no âmbito do progresso material. Alguns estudiosos supõem, no entanto, erroneamente que as crenças atribuídas a Joaquim Maria Machado de Assis, um escritor brasileiro, amplamente reconhecido por críticos, estudiosos, escritores e leitores como o maior expoente da literatura brasileira. Mas as ideias em torno de Machado de Assis como um escritor engajado são falsas e que ele não esperava nada ou quase nada da história e da política. Afrodescendente, testemunhou a Abolição da Escravatura e a mudança política no país quando a República substituiu o Reinado, e foi grande comentador e relator dos eventos político-sociais. Suas crônicas estão repletas destes comentários. Em 1868, por exemplo, D. Pedro II demitiu o gabinete liberal de Zacarias de Góis e substitui-o pelo gabinete conservador de Itaboraí. Grêmios e jornais liberais acusaram a atitude do imperador de bonapartista. Machado de Assis testemunhou com simpatia aos liberais. Em 1895 com a morte de Joaquim Saldanha Marinho, liberal, maçom e republicano escreveu: - “Os liberais voltaram mais tarde, tornaram a sair e a voltar, até que se foram de vez, como os conservadores, e com uns e outros o Império”. Machado de Assis como afrodescendente e liberal não estava só, e era fervorosamente contra a escravidão.

Sua obra foi de fundamental importância histórica e social para as escolas literárias brasileiras do século XIX e XX e surge nos dias de hoje como de grande interesse acadêmico e público. Influenciou grandes nomes das letras, como Olavo Bilac, Lima Barreto, Drummond de Andrade, John Barth, Donald Barthelme e outros. Para a as frações da classe dominante o óbice maior não vinha do nosso Estado constitucional, que representava o latifúndio e dele se servia: o obstáculo era interposto pela nova matriz internacional, a Inglaterra. Em seu tempo de vida, alcançou relativa fama e prestígio pelo Brasil, contudo não desfrutou de popularidade no exterior em função da divisão internacional do trabalho. Contudo, na modernidade tendo em vista sua inovação, imaginação e audácia em temas precoces e paradoxais, é frequentemente visto como o escritor brasileiro de produção intelectual sem precedentes, de modo que, recentemente, seu nome e sua obra têm alcançado diversos críticos literários, estudiosos e admiradores do mundo inteiro. Machado de Assis é considerado um dos grandes gênios da história da literatura, ao lado de autores como Dante, Shakespeare e Camões. Entende-se a reivindicação do mais desenfreado laissez-faire, contrapondo-se no plano das ideias a hostilidade que despertava entre os proprietários o controle da sua nação por um Estado estrangeiro. Mas como o denominador ideológico era o liberalismo econômico, que conhece na fase áurea, só restava à retórica escravista uma saída para o impasse. Demonstrar que as ideias mestras da doutrina clássica, porque justas deveriam aplicar-se com justeza às circunstâncias, tanto quanto às peculiaridades nacionais.

A atenção e o respeito ostensivo ao particular, tão insistentes nos escritos conservadores de Edmund Burke, permeiam a ideologia romântico-nacional que vai de Francisco de Varnhagen a José de Alencar, de Vasconcelos a Olinda, de Paraná a Itaboraí. Será o topo maior da argumentação de cunho protelatório: dar tempo ao tempo, já que o Brasil colonizado e periférico não é a Europa, e é preciso respeitar as diferenças, que na interpretação de Alfredo Bosi (1992: 195) tem como escopo a filtragem ideológica e contemporização. As estratégias do nosso liberalismo intra-oligárquico em todo o período em que se constituía o Estado nacional. Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839, no Morro do Livramento, no centro do Rio de Janeiro, então capital do Império, em pleno Período Regencial. Seu pai Francisco José de Assis, foi um mulato que pintava paredes, filho de Francisco de Assis e Inácia Maria Rosa, ambos pardos e escravos alforriados. A mãe foi a lavadeira Maria Leopoldina da Câmara Machado, portuguesa e branca, filha de Estevão José Machado e Ana Rosa. Consta que a família Machado de Assis imigrara para o Brasil em 1815, oriunda da Ilha de São Miguel, no arquipélago português dos Açores. Os pais de Joaquim Maria Machado de Assis sabiam ler e escrever, fato quase incomum naquele tempo e estratificação social. Ambos eram agregados da Dona Maria José de Mendonça Barrozo Pereira, esposa do falecido senador Bento Barroso Pereira, que abrigou seus pais. As terras do Livramento eram ocupadas pela chácara da família de Maria José e já em 1818 o terreno começou a ser loteado de tão imenso que era dando origem à Rua Nova do Livramento.

                                


Maria José tornou-se madrinha do bebê e Joaquim Alberto de Sousa da Silveira, seu cunhado, tornou-se o padrinho, de modo que os pais de Machado resolveram homenagear os dois nomeando-o com seus nomes.  Nascera junto a ele uma irmã, que morreu jovem, em seus 4 anos, em 1845. Iniciou seus estudos numa escola pública da região, mas aparentemente não se mostrou interessado por ela. Ocupava-se também em celebrar missas, o que lhe fez conhecer o Padre Silveira Sarmento, que de acordo com certos biógrafos, se tornou seu mentor de latim e amigo. Os biógrafos notam hic et nunc que, interessado pela boemia e pela Corte, imiscuiu-se para subir socialmente abastecendo-se de superioridade e domínio intelectual. Para isso, assumiu diversos cargos técnicos públicos, passando pelo Ministério da Agricultura, do Comércio e das Obras Públicas, e conseguindo precoce notoriedade em jornais onde publicava suas primeiras poesias e crônicas. Em sua maturidade, reunido a colegas próximos, fundou e foi o primeiro presidente unânime da Academia Brasileira de Letras. Sua extensa obra constitui-se de nove romances e peças teatrais, duzentos contos, cinco coletâneas de poemas e sonetos, e mais de seiscentas crônicas. Fundou o periódico: “O Jequitinhonha”, com o seu cunhado Josefino Vieira em 1860, por meio do qual teria difundido o ideal republicano. No entanto, a República lhe trouxe muitos desagrados econômicos e políticos, mas como letrado percebeu um mundo em agonia, sendo “uma voz inquietante que fala baixo, mas provoca sempre”. 

O Segundo Reinado é um período da história política do Brasil que compreende 49 anos, quando se iniciou com o fim do período regencial em 23 de julho de 1840, com a declaração de maioridade de Pedro de Alcântara, e teve o seu término em 15 de novembro de 1889, quando a monarquia constitucional parlamentarista vigente foi derrubada pelo golpe de proclamação da República. Representou uma época de protestos e de significado político para o Brasil, com o crescimento e a consolidação da nação brasileira como um país independente, e como importante membro entre as nações do continente americano. Denota-se nesta época a solidificação do Exército e da Marinha, culminando com o processo de soberania com o etnogenocídio da Guerra do Paraguai (1865-70), e mudanças superficiais, além da gradativa e lenta libertação dos escravos e o incentivo de imigração para se juntar à força de trabalho brasileira. O longo governo de D. Pedro II que durou 49 anos, foi marcado por raras mudanças sociais, política e econômicas no Brasil. No plano partidário na política no Segundo Reinado foi marcada pela disputa insignificante entre o Partido Liberal e o Conservador. A partir de 1835, começa a ganhar força a ideia de antecipar ascensão do jovem Pedro de Alcântara ao trono imperial. Os grandes proprietários de terras e escravos viam com desconfiança o processo de descentralização político-administrativa iniciado pelas autoridades do período regencial. 

Ao mesmo tempo, as revoltas sociais que rebentaram em várias províncias exigiam alguma medida que garantisse a ordem e a paz social. Formava-se o consenso político de que somente o restabelecimento da autoridade monárquica poderia conter os excessos dos poderes locais e apaziguar as dissensões. A manobra política aconteceu quando Dom Pedro II (1825-1891) não tinha ainda idade suficiente para ascender ao trono do ponto de vista da monarquia. Elaborou-se então uma declaração antecipando a sua maioridade para pôr fim às disputas políticas que estavam em curso nesse período. Os liberais agitaram o “povo”, que pressionou o Senado a declarar o jovem Pedro II maior de idade “antes de completar 15 anos”. Esse ato teve como principal objetivo a transferência de poder para Dom Pedro II para que esse, embora inexperiente, pudesse pôr fim a disputas políticas que abalavam o Brasil mediante sua autoridade. Acreditavam que com a figura do imperador deteriam as rebeliões que estavam ocorrendo como: Guerra dos Farrapos (1835-1845), Sabinada (1837-1838), Cabanagem (1835-1840), Revolta dos Malês (1835) e Balaiada (1838-1841). Foi instaurado o Ministério da Maioridade, de orientação liberal, reconhecido como o Ministério dos Irmãos, pois era formado, entre outros, pelos irmãos Antônio Carlos e Martim Francisco de Andrada e os irmãos Cavalcanti, futuros Viscondes de Albuquerque e de Suassuna. O parco jornalismo começou a dar mais atenção às notícias econômicas sobre companhias, aos bancos e à Bolsa de Valores do que à aridez política parlamentar. 

É por estas quadras que o capitalismo brasileiro, mediado pela intervenção do Estado, “ensaiava temerariamente os primeiros passos no regime nascente”, como escreveu o jurista Raymundo Faoro (1925-2003). Desenvolvendo seu raciocínio, conclui que o que se teve no Brasil foi o desenvolvimento de um capitalismo “politicamente orientado”, conceito este baseado na formulação ideal típica weberiana. Negando-se em atribuir um papel hipostasiado à economia com relação à política, compreende o Brasil enquanto uma forma pré-capitalista de sociedade. Esta característica, no entanto, ainda será entendida no interior do pensamento weberiano em que capitalismo é definido como uma aquisição racional de lucros burocraticamente organizada, diferente do capitalismo politicamente orientado em que tal aquisição será direcionada por interesses dos Estados e da sua concorrência com outros Estados. O capitalismo “politicamente orientado” atribui ao Estado patrimonial e seus funcionários características sociais de um “estamento burocrático”, como entrave da consolidação de uma ordem burguesa propriamente dita no país. Em seu antológico ensaio: “Os Donos do Poder”, realiza um diagnóstico preciso da origem do patrimonialismo brasileiro: a Casa de Aviz portuguesa no século XIV. Os reis de Portugal se consideravam proprietários do país e da nação.                

Essa cultura atravessou mares e séculos e se enraizou com toda a força social e política no Brasil e na concepção de Estado soberano. Hoje já não há a Casa de Aviz. Outros são os tempos e outros são os donos do poder.  O Estado brasileiro ter como representação social um paquiderme na luta pelos cargos e a serviço desses donos do poder. Inicialmente foram os próprios reis portugueses, depois os imperadores, depois os militares positivistas da chamada República Velha. Agora os coronéis oriundos das oligarquias. Nada parecido com o atual, altamente sofisticado e requintado. São funcionários da “superestrutura” muitas vezes com reconhecidos títulos de PhD e que andam acompanhados, nestes dias em jatinhos executivos, de poderosos empreiteiros e subempreiteiros de gigantescas obras públicas. Alguns destes com reconhecidos mandatos populares nas Câmaras, Assembleias Legislativas ou no que Raymundo Faoro, figura central nesse debate, vem argumentando que o patriarcado brasileiro cedeu lugar a um Estado Patrimonialista, observando ainda que, ao contrário de vários países de origem anglo-saxã e sistema liberal de governo, o modelo de organização política, seguido pelo Brasil, se pauta pela dominação da esfera de ação pública sobre a esfera de ação privada de forma singular. Testemunhou a Abolição da escravatura e a mudança social e política no país quando a República substituiu o II Reinado (1840), além das diversas reviravoltas pelo mundo político em finais do século XIX e início do XX, tendo sido grande comentador e relator dos eventos político-sociais de seu tempo.

O Mar Tirreno, mutatis mutandis, é parte do Mar Mediterrâneo na costa ocidental da Itália. É nomeado para o povo Tirreno identificado com os etruscos da Itália. O mar é delimitado pelas ilhas da Córsega e da Sardenha (a Oeste), pela Península Itálica (regiões da Toscana, Lácio, Campânia, Basilicata e Calábria) ao Norte e Leste, e pela ilha da Sicília (ao Sul). O Mar Tirreno também inclui uma série de ilhas menores como Capri, Elba, Ísquia e Ústica. A profundidade máxima do mar é de 3.785 metros (12.418 pés). O Mar Tirreno está situado próximo ao encontro das placas Africana e Eurasiática; portanto, cadeias de montanhas e vulcões ativos, como o Monte Marsili, encontram-se em suas profundezas. As oito Ilhas Eólias e Ústica estão localizadas na parte Sul do mar, ao Norte da Sicília. A Bacia do Tirreno é dividida em duas bacias (ou planícies), a planície de Vavilov e a planície de Marsili. Elas são separadas pela cordilheira submarina conhecida como Ponte Issel, em homenagem a Arturo Issel. O Mar Tirreno é uma bacia de arco posterior que se formou devido ao recuo da placa calabresa em direção ao sudeste durante o Neógeno. Episódios de recuo rápido e lento da trincheira formaram primeiro a bacia de Vavilov e, depois, a bacia de Marsili. Vulcões submarinos e o vulcão ativo Monte Stromboli se formaram porque o recuo da trincheira produz extensão na placa sobreposta, permitindo que o manto suba abaixo da superfície e derreta parcialmente. O magmatismo aqui é afetado pelos fluidos liberados da placa. Seu nome deriva do nome grego para os etruscos, mencionado pela primeira vez por Hesíodo no século VIII a.C., que os descreveu como “residentes na Itália central ao lado dos latinos”. Os etruscos viviam ao longo da costa da moderna Toscana, Lácio e Campânia, e se referiam à água como o “Mar dos Etruscos”.

 Na mitologia grega, acredita-se que os penhascos acima do Mar Tirreno abrigavam os quatro ventos mantidos por Éol. Os ventos são o Mistral, do vale do Ródano, o Libeccio, do Sudoeste, e o Sirocco e o Ostro, do Sul. Antigas mudanças climáticas nos níveis marítimos provocaram a formação de plataformas continentais, áreas rasas próximas à terra. As águas dessas áreas, ricas em nutrientes, são abundantes em vida, provendo aos humanos suprimentos essenciais para alimento, sobretudo peixes, mas também mariscos, mamíferos e macroalgas, por exemplo, que são tanto colhidos em estado selvagem quanto cultivados do ponto de vista organizacional em viveiro. As áreas mais diversificadas são cercadas por grandes recifes de coral tropicais. A baleação já foi uma atividade comum, mas a redução dos números de tais animais induziu o surgimento de esforços internacionais de conservação e uma consequente moratória à maior parte da caça comercial. A oceanografia estabeleceu que nem toda forma de vida marítima é restrita a águas de superfície iluminada pelo Sol; mesmo a grandes profundidades e pressão, nutrientes que fluem de fontes hidrotermais mantêm seu próprio e único ecossistema. A vida pode ter tido início nesses locais, e microorganismos aquáticos são geralmente creditados pelo grande evento de oxigenação da atmosfera terrestre. Acredita-se que tanto vegetais quanto animais teriam evoluído a partir dos mares.

Tem-se o mar como um dos elementos essenciais do comércio, do transporte, da extração mineral, da geração de força e energia e do militarismo. Ele é, ainda, um fator determinante na exposição de cidades e populações a terremotos e vulcões de falhas geológicas próximas; a tsunamis; e a ciclones produzidos em zonas tropicais. Sua significância e dualidade — construída pela interpretação humana de suas características, tanto benéficas quanto perigosas — tiveram imensurável efeito no desenvolvimento da cultura das sociedades, das mudanças socioculturais do intercâmbio colombiano à Odisseia de Homero e às divindades aquáticas; dos funerais víquingues à Grande Onda de Kanagawa de Hokusai e aos filmes blockbusters da contemporaneidade; do Holandês Voador de Richard Wagner (Der Fliegende Holländer) à Tempestade de William Shakespeare e ao Leviatã de Thomas Hobbes. Ele é, também, um local de atividades de lazer, estando a natação, o mergulho, o surfe e o iatismo entre as mais populares. O mar sofre, constantes danos, como os do fenômeno da absorção de dióxido de carbono atmosférico em grandes quantidades, diminuindo seu pH num processo denominado acidificação oceânica. O crescimento populacional humano e o uso não sustentável dos recursos marítimos advindo da industrialização e da aquacultura intensiva, por exemplo, têm contribuído para a intensificação da poluição e de outros problemas ambientais.

A palavra Leviatã foi utilizada no Velho Testamento da Bíblia, no Livro de Jó, para descrever uma criatura mitológica que se assemelharia a um grande polvo ou uma grande baleia, e que na obra O Leviatã, de Thomas Hobbes, é utilizado para simbolizar o poder do Estado (autoridade), que segundo o filósofo seria a única maneira de superar o “estado da natureza” do homem, governado pelo egoísmo e pela insatisfação. Daí a sentença: “Homo homini lúpus”, criada por Plauto (254-184) em sua obra: Asinaria. No texto se diz exatamente: “Lupus est homo homini non homo”, popularizada por Hobbes no século XVII, na qual ele retrata a natureza competitiva do ser humano (cf. Macpherson, 1979). O desejo que torna o homem corruptível é imutável, e aparece quando o homem se sente livre do Leviatã. A prudência é uma presunção do futuro baseada numa experiência do passado. Porém, existe uma presunção de que as coisas do passado derivem de outras coisas que não são futuras, mas passadas também. O “bellum omnium contra omnes” representa, a disputa pelo poder no mundo, em que a análise de Hobbes sobre esse “estado-natural animalesco”, poderia ser resolvido dentro das fronteiras, sob o comando de um governo soberano. O grande dilema na modernidade é que a teoria não previa a intensa luta supranacional, que ultrapassa os limites imaginários e físicos. Quando limitou a convivência em uma fronteira, não pode conceber a ideia de que outros países que tentassem controlar outrem, só causariam o que nós podermos perceber: o caos e banhos de sangue moderno e contemporâneo.

Idealizou uma criatura mística chamada Leviatã, em sua ilustração como um monstro composto por vários homens dispostos como escamas. Quer dizer que o soberano que controla a sociedade civil é formado pelo conjunto de indivíduos, demonstrando também que o ser humano deu ao Estado o direito de controlá-lo como se deseja. Assim, todos os seres humanos buscam o sucesso contínuo na obtenção dos objetos de desejo, isto é, procuram a felicidade. Entretanto, é justamente essa busca que conduz os homens à guerra no estado de natureza e é, em última instância, o medo da morte que os leva a criarem o estado civil. Isto porque sem o medo da morte a procura pela felicidade conduz a uma “guerra de todos contra todos”, e os homens, para terem certeza de que alcançariam a felicidade, teriam que se tornarem poderosos na busca por um poder. Mas esta busca motivada por um desejo contínuo de poder e mais poder salvaguardaria a felicidade, que outra coisa não é senão uma satisfação dos desejos. Os homens ao se valerem de todos os meios necessários para serem felizes inevitavelmente entrariam em guerra uns contra os outros. Quem já observou os procedimentos e os graus que levam um Estado florescente à guerra civil e, em seguida, à ruína, ao ver qualquer outro Estado em ruínas deduzirá que foi uma consequência das mesmas guerras e dos mesmos acontecimentos. Porém, essa conjectura tem o mesmo grau de incerteza da conjectura do futuro.

Ambas estão baseadas apenas na experiência. Os seres humanos desejam aquilo que amam, e odeiam coisas pelas quais têm aversão. Com o desejo significamos a ausência do objeto; com amor, sua presença. Com aversão a ausência e, com ódio, a presença do objeto. Primeiro filósofo moderno a articular uma teoria detalhada do contrato social, com sua obra Leviatã, escrita em 1651, Thomas Hobbes foi um filósofo inglês do século XVII, reconhecido como um dos fundadores da filosofia política e ciência política moderna. Desde Hobbes o poder de um homem, universalmente considerado, consiste nos meios de trabalho de que dispõe para alcançar, algum bem evidente tanto original (natural) como instrumental (político). O maior de todos os poderes humanos é o poder integrado de vários homens unidos com o consentimento de uma pessoa natural ou civil: é o poder do Estado ou aquele representativo de um número de pessoas, cujas ações estão sujeitas à vontade de determinadas pessoas em particular, como é o poder de uma facção ou de facções coligadas no mundo contemporâneo. Ter servos é poder, como também ter amigos, pois isso significa união de forças. Igualmente, a riqueza, unida à liberalidade, é poder, pois congrega, une amigos & servos. Mas, sem a liberalidade, a riqueza não é protetora; pelo contrário, expõe o homem à inveja e à rapina.

Reputação de poder é representação de poder (cf. Crignon, 2007), porque, por meio delas, obtemos a adesão e conquistamos o afeto político dos homens que precisam ser protegidos. Êxito, analogamente também é poder, pois a reputação da sabedoria ou da “boa fortuna” faz com que os outros homens temam, idolatrem ou confiem. O valor ou conceito de um homem é, como para todas as outras mercadorias, seu preço; isto é, depende de quanto seria dado pelo uso de seu poder. Assim, não é absoluto, mas apenas uma consequência da necessidade e do julgamento alheio, através do macróbio senhor dos códigos, escritor, filósofo e filólogo romano, autor das Saturnais e do Comentário ao Sonho de Cipião. Segundo uma das versões, nasceu por volta de 370 na Numídia, na África. Exerceu grande influência na Idade Média pela transmissão e elaboração de uma parte da tradição filosófica grega pagã no período pré-nissênico da escola neoplatônica do Ocidente latino. A estima pública de um homem, que é o valor que lhe é conferido pelo Estado, é o que denominamos ordinariamente dignidade. Essa valorização pelo Estado é expressa pelo cargo público para o qual é designado, tanto na magistratura como em funções públicas, ou quando esse valor é expresso por títulos e honrarias que lhe são concedidos. A fonte da honra é o Estado, e depende da vontade do soberano. A honra não sofre alterações se uma ação é justa ou injusta. A honra consiste unicamente na opinião de poder. O medo é a única paixão que impede o homem de violar leis. O medo pode levar a cometer um crime expressando o que Crawford Brough Macpherson denominou de “individualismo possessivo” demonstra que há uma tradição política na qual a propriedade é constitutiva da individualidade, da liberdade e da igualdade.

La chimera tem como representação social um filme de 2023 escrito e dirigido por Alice Rohrwacher, nascida em Fiesole, em 29 de dezembro de 1980, é uma cineasta, roteirista e editora de cinema italiana. Ambientado na década de 1980 em uma pequena cidade no Mar Tirreno, é a parte do mar Mediterrâneo que se estende ao longo da costa Oeste italiana, entre a Itália, a Córsega, a Sardenha e a Sicília, o filme é estrelado por Josh O`Connor como um arqueólogo britânico que se tornou tombarolo, é um termo italiano para um ladrão de túmulos ou um astuto saqueador de sítios arqueológicos que escava  ilegalmente tumbas e outros locais antigos para roubar artefatos preciosos e vendê-los a colecionadores, especialmente as tumbas etruscas em regiões como o Lácio e a Toscana, e tem o dom de adivinhar a localização de tumbas etruscas. Isabella Rossellini, Alba Rohrwacher, Carol Duarte e Vincenzo Nemolato aparecem em papéis coadjuvantes.  La chimera foi selecionado para competir pela Palma de Ouro no 76º Festival de Cinema de Cannes, onde estreou em 26 de maio de 2023. Foi lançado na Itália pela 01 Distribution em 23 de novembro de 2023. Recebeu 13 indicações no 69º prêmio David di Donatello.  O filme recebeu críticas positivas dos analistas críticos cinematográficos, sendo nomeado um dos 5 melhores filmes internacionais de 2023 pelo National Board of Review, uma organização de críticos de cinema fundada em 1909, em Nova Iorque. Entre 1916 e 1950 serviu como órgão de censura e regulação do conteúdo de sentido dos filmes.

            Em 1980, Arthur, um ex-arqueólogo britânico, retorna à Itália após ser libertado da prisão; ele foi preso por roubar artefatos de tumbas para vender a um negociante de arte chamado Spartaco. Ele vai visitar Flora, mãe de sua ex-namorada Beniamina, na casa da família dela, onde também reconhece Italia, sua empregada doméstica e aluna. Beniamina está desaparecida há um tempo não revelado, mas sua mãe está convencida de que ela retornará um dia. As irmãs de Beniamina estão cansadas de Arthur aparentemente se aproveitando da mãe e tentam encontrar um emprego para ele, o que ele recusa. Em sua cabana, Arthur descobre que sua coleção de artefatos desapareceu. Arthur confronta sua gangue de amigos tombaroli, e eles devolvem os artefatos roubados e tentam se reconciliar. Ele os rejeita inicialmente, mas os acompanha às celebrações da Epifania na cidade. Durante o festival, um fazendeiro os aborda para encontrar um túmulo em suas terras. Arthur, sua gangue e uma jovem fotógrafa chamada Melodie procuram o túmulo, que Arthur encontra usando um galho de radiestesia e através de suas "quimeras", visões que ele tem perto de túmulos. Arthur e seus amigos enganam o fazendeiro e escavam os bens funerários etruscos para si mesmos. Os tombaroli continuam a roubar túmulos, coletando artefatos para vender e levando-os para Spartaco, que opera uma operação ilícita dentro de uma clínica veterinária. Arthur e Italia se aproximam com o tempo, e Arthur demonstra interesse romântico por ela certa noite, enquanto dançam na praia.  

A noite é interrompida quando Arthur tem uma visão, encontrando um túmulo. Ao perceber que Arthur e seus amigos são ladrões de túmulos, Italia ameaça chamar a polícia. Ela pergunta a Arthur o que Beniamina pensaria dele, mas os outros lhe dizem que Beniamina está morta. Chateada, Italia vai embora. Dentro do túmulo, Arthur e seus amigos descobrem uma estátua de Cibele. Seus amigos decapitam a estátua para retirá-la do túmulo, devastando Arthur. Ao ouvir as sirenes da polícia, os tombaroli fogem com a cabeça da estátua, sem saber que as sirenes eram um truque de um grupo rival que tentava roubar também os artefatos. A família de Flora descobre que Itália estava escondendo secretamente seus filhos em seu quarto e a despejam. Melodie leva a turma até Spartaco, que é sua tia. Eles encontram Spartaco em um barco, realizando um leilão para vender o resto da estátua, que ela estima ser de valor inestimável. Os tombaroli tentam negociar com ela usando a cabeça como chantagem. Arthur revela a cabeça a ela, mas muda de ideia e a joga no mar. Furiosos com Arthur, sua gangue se separa dele. Nas ruas, depois que sua cabana é demolida pela polícia, Arthur encontra a filha de Italia, Colombina. Ela o leva até a mãe, que agora mora em uma estação de trem abandonada com outras mães solteiras. Os dois se reconciliam e se beijam, mas ele vai embora pela manhã. Arthur se junta ao grupo de ladrões de túmulos que antes se passavam por policiais. Após localizar um túnel e a pedido do grupo, Arthur entra relutantemente. O poço desmorona atrás dele, prendendo-o lá dentro. Ele tem uma visão final, na qual se reencontra com Beniamina.

A cineasta Alice Rohrwacher planejou La chimera como a última parte de uma trilogia com Le Meraviglie (As Maravilhas, 2014) e Lazzaro Felice (Feliz como Lázaro, 2018) para investigar nossa relação com o passado. Para o último filme, ela escolheu um elenco internacional pela primeira vez. As filmagens foram em fevereiro de 2022 e em agosto de 2022, em locações no Sul da Toscana como Montalcio, ferrovia Asciano-Monte Antico, Monte Amiata Scalo, Torrenieri, Norte do Lácio, Tarquinia, Blera, San Lorenzo Nuovo, Civitavecchia e Úmbria: villa di Casa Pisana em Castel Giorgio, com filmagens adicionais na Suíça. La Chimera estreou no 76º Festival de Cinema de Cannes em 26 de maio de 2023, onde foi selecionado para competir pela Palma de Ouro e recebeu uma ovação de pé de nove minutos. Foi exibido no 61º Festival de Cinema de Nova York em outubro de 2023. Também foi convidado no 28º Festival Internacional de Cinema de Busan na seção Ícone e foi exibido em 7 de outubro de 2023. Foi lançado na Itália pela 01 Distribution em 23 de novembro de 2023, e na França pela Ad Vitam em 6 de dezembro de 2023. A Neon adquiriu os direitos de distribuição norte-americanos do filme no Marché du Film em Cannes em maio de 2022; foi lançado nos Estados Unidos pela Neon em 29 de março de 2024. Nos Estados Unidos, foi lançado para semana de qualificação prêmios a partir de 8 de dezembro de 2023. A Elastica lançou o filme na Espanha em 19 de abril de 2024. A Curzon lançou o filme no Reino Unido e na Irlanda em 10 de maio de 2024.  

André Leroi-Gourhan (1911-1986), mutatis mutandis, é uma das figuras centrais das ciências humanas e sociais no século XX. Seu trabalho de pesquisa, incluindo arqueologia, etnologia e história da arte paleolítica, destaca-se para estas disciplinas, e suas contribuições representam uma referência global. Mas não é de fácil vulgarização, pela excessiva especialização. Na verdade, por se tratar da pré-história, um campo onde as lacunas são enormes e a necessidade de se buscar informações num amplo leque de disciplinas é uma obrigação, o seu estudo implica interdisciplinaridade, exigindo o contato de várias disciplinas entre si desde a etnologia, passando pela antropologia física, até a biologia e a psicologia evolutivas. Seus estudos recorrem aos mais variados saberes, apresentando como desafio justamente a possibilidade de se vincularem diversos conhecimentos sem cair no ecletismo. Também não se trata de uma interdisciplinaridade que supõe a conexão entre disciplinas estanques e entre cientistas superespecializados. Mas de intersecções entre campos de conhecimento e níveis de análise teórica entre pesquisadores que navegam em torno das e nas fronteiras disciplinares. A arqueologia se utiliza de investigações de outras áreas ciências, como a antropologia, história da arte, geografia, geologia, linguística, física, as ciências da informação, química, estatística, paleontologia, paleozoologia, paleobotânica e paleoecologia, medicina e literatura.

 A própria figura de Leroi-Gourhan condensa essa gama de interesses que se ramificam em várias áreas científicas. Interesse pela fabricação de utensílios, pelo simbolismo expresso na arte paleolítica, pela origem da escrita, pela anatomia comparada, pelo comportamento animal, pelo esqueleto humano. Durante 40 anos, mais de uma centena de artigos e vários livros foram dedicados a esta ou aquela parte de sua extensa obra. Três colóquios foram dedicados a ele, dois em homenagem após sua morte, em 1986 (SPF), 1987 (Centre National de la Recherche Scientifique) e outro em 1995 (Centre National de la Recherche Scientifique, Université de Technologie de Compiègne e Collège International de Pholosophie), publicado em 2004. Em 2013 decorrera um novo colóquio organizado pela equipe de pré-historiadores fundada por André Leroi-Gourhan, depois chamada “ArScAn-Ethnologie Préhistorique” extraordinário dedicados à sua concepção etnológica e metodológica como teoria de campo para avaliar a atualidade histórica dentro da evolução no processo de comunicação das ciências humanas e sociais, inclusive para os arqueólogos que enfatizaram aspectos psicológico-comportamentais e definiram a arqueologia como a reconstrução da vida dos povos antigos.

  André Leroi-Gourhan Etnólogo e Arqueólogo francês nasceu em 1911, em Paris. Recebeu uma formação em línguas orientais, em russo e chinês, antes de se dedicar à integralmente à Etnologia e Arqueologia. Leroi-Gourhan doutorou-se em Arqueologia, na Universidade de Lyon, em 1945, depois de realizar trabalho de campo no Japão entre 1937 e 1939. Foi professor de Etnologia na Universidade de Lyon, e fundador do Centre de Formation à la Recherche Ethnologique, no Musée de l`Homme, de que foi diretor, desde o final da 2ª guerra mundial em 1945 até 1954. Entre 1956 e 1967 foi professor de Etnologia Geral na Universidade de Paris. Em 1968 foi nomeado professor de Pré-história do Collège de France. Autodidata e acadêmico policompetente, para lembramos da categoria sociológica do pensamento complexo do filósofo Edgar Morin, deixou importantes contribuições na coleta de fontes documentais em várias áreas compartilhadas do conhecimento, comparativamente com destaque para a Antropologia Física, Etnologia e Pré-História, período da história do homem anterior à invenção da escrita e utilidade de uso e produção dos metais, estudado  tanto pela pesquisa arqueológica quanto antropológica, tendo em vista que estudam as singularidades e regularidades das culturas e os modos de vida das diferentes sociedades humanas - tanto do passado como do presente - a partir da análise de objetos materiais. Os arqueólogos veriam o mesmo objeto como um instrumento que lhes serve para compreender, os valores e a própria sociedade a que pertenceram.

O símbolo não sendo já de natureza linguística deixa de se desenvolver numa só dimensão. As motivações que ordenam os símbolos não apenas já não formam longas cadeias de razões, mas nem sequer cadeias. A explicação linear do tipo de dedução lógica ou narrativa introspectiva já não basta para o estudo das motivações simbólicas. A classificação dos grandes símbolos da imaginação em categorias motivacionais distintas apresenta, com efeito, pelo próprio fato da não linearidade e do semantismo das imagens, grandes dificuldades. Metodologicamente, se se parte dos objetos bem definidos pelos quadros da lógica dos utensílios, como faziam as clássicas “chaves dos sonhos”, segundo as estruturas antropológicas do imaginário, cai-se rapidamente, pela massificação das motivações, numa inextricável confusão. Parecem-nos mais sérias as tentativas para repartir os símbolos segundo os grandes centros de interesse de um pensamento, certamente perceptivo, mas ainda completamente impregnado de atitudes assimiladoras nas quais os acontecimentos perceptivos não passam de pretextos para os devaneios imaginários. As classificações mais profundas das motivações do simbolismo religioso, incluindo os arquétipos, atos, trabalhos artísticos, eventos, ou fenômenos naturais, por uma religião ou da imaginação individual e coletiva de modo geral literária. A arqueologia do ponto de vista classificatório é amostral, porque dedica-se ao estudo dos vestígios arqueológicos, mas também trabalha com a totalidade da história do local onde usa como motor outras ciências auxiliares como a geologia, história, arquitetura, história de arte, entre outras ciências e áreas de conhecimento.

A relação estabelecida com os objetos observados no contexto arqueológico se dá por meio da potência de representação, de ações individuais e modos de vida que esses objetos possuem. Mas essa representação não se dá de forma individualizada nos objetos, mas por categorias de objetos, o que demanda a construção de unidades de comparação, a noção de tipo. Esta linha teórico-metodológica é baseada na noção de tipo, para qual nas representações rupestres as figuras são tidas como resultado de padrões culturais passíveis de mudança, surgindo daí o conceito de sinal ação. Neste ponto, não queremos perder vista, os questionamentos reais acerca das noções conceituais de espacialidade utilizadas tradicionalmente na arqueologia são necessários, como as elaboradas tanto por Leroi-Gourhan embora esta última apresente uma maior abertura para a inclusão de diversos fenômenos. Essa noção tem sua importância, sendo, histórica e social, pois, relacionada, além da verificação da ocupação de determinado espaço por uma população específica, constituída através da relação espaço-tempo, com a possibilidade de inferência das identidades de grupos pretéritos, documentados historicamente. A relação entre a consciência de etnicidade e seu contexto que direciona as condições sociais de vida e a constituição subjetiva de sua identidade, frente à realidade, em situações muito específicas e circunstanciadas. Ipso facto, uma investigação arqueológica começa pela investigação bibliográfica como levantamento de área de conhecimento, ou, em alguns casos, pela prospecção, que faz parte do levantamento arqueológico.       

 Tanto escolhem normas classificativas a uma ordem de motivação cosmológica e astral, na qual são as grandes sequências das estações, dos meteoros e dos astros que servem de indutores à fabulação, tanto são os elementos de uma física primitiva e sumária que, pelas suas qualidades sensoriais, polarizam os campos de força no continuum homogêneo do imaginário; tanto, enfim, se suspeita que são os dados sociológicos do microgrupo ou de grupos étnicos que se estendem aos confins do grupo linguístico que fornecem quadros primordiais para os símbolos. Quer a imaginação estreitamente motivada seja pela particularidade da língua, seja pelas funções sociais normativas, se modele sobre essas matrizes sociológicas e antropológicas, quer pelos seus genes raciais, embora ramos do conhecimento científico como a antropologia, história ou etnologia utilizem-se do conceito de etnia para descreverem a composição de povos e grupos identitários ou culturais.  intervenham bastante misteriosamente para estruturar os conjuntos simbólicos, distribuindo seja as mentalidades imaginárias, do ponto de vista individual e coletivo, sejam os rituais religiosos, querem ainda, com uma matriz antropológica evolucionista, se tente estabelecer a hierarquia das grandes formas simbólicas em seu ersatz, compreendido através da apreensão do universo mental, os modos de sentir, o âmbito mais espontâneo das representações coletivas e, para o inconsciente coletivo de Carl Jung (1875-1961).

O grande mérito de Lewis Henry Morgan (1818-1881), afirma Engels (2000), é o de ter descoberto e restabelecido em seus traços essenciais esse fundamento pré-histórico da nossa história escrita e o de ter encontrado, nas uniões gentílicas dos índios norte-americanos, a chave para decifrar importantíssimos enigmas, ainda não resolvidos, da história da Grécia, Roma e Alemanha. Sua obra não foi trabalho de um dia. Levou cerca de 40 anos elaborando seus dados. O estudo da história da família começa, de fato, em 1861, com o “Direito Materno”, de Bachofen. Além disso, também Morgan observara e descrevera perfeitamente o mesmo fenômeno, em 1847, em suas cartas sobre os iroqueses, e em 1851 na Liga dos Iroqueses, ao passo que a mentalidade do advogado de Mac Lennan causou confusão ainda maior sobre o assunto do que a causada pela fantasia mística de Bachofen no terreno do direito materno. Outro mérito de Mac Lennan consiste em ter reconhecido como primária a ordem de descendência baseada no direito materno, conquanto, também aqui, conforme reconheceu mais tarde, Bachofen se lhe tenha antecipado. Neste ponto crucial, ele não vê claro, pois fala, sem cessar, “em parentesco apenas por linha feminina”, empregando essa expressão, exata para o estudo de um período anterior, na análise de fases posteriores de desenvolvimento, em que, se é verdade que a filiação e o direito de herança continuam a contar-se segundo a linha materna, o parentesco por linha paterna está reconhecido culturalmente e expresso na estreiteza de critério operacionalizado do jurisconsulto, que forja estaticamente um termo jurídico, fixa e continua aplicando-o, sem modifica-lo.

De forma simplificada, para sermos breves, na arqueologia, é considerado que seu objeto de pensamento se refere aos artefatos produzidos e utilizados pelo homem em um passado, próximo ou remoto. O arqueólogo, ao se deparar com os restos das atividades humanas no passado, pode inferir como esses grupos se relacionavam entre si e com o ambiente. Essa forma de abordar os objetos arqueológicos tem como background uma postura semiótica da cultura. Em sua dimensão simbólica dos objetos, inclui-se a chamada arte rupestre como um artefato que produz a paisagem. No momento em que as abordagens do registro arqueológico operam quanto à sua linearidade interpretativa, um dos focos dessas críticas vem do advento da noção de “agenciamento”. Isto é, quando lançam as bases para o entendimento de uma antropologia da arte, onde seu fazimento, produto do fazer e o suporte do fazer estabelecem relações de sentido. Estas relações decorrem das ações, estabelecidas em sucessivas redes de relações entre os signos rupestres em si, com o suporte, com entorno imediato, que forma uma imagem, e com o seu observador, em qualquer situação espaço-temporal, em sua materialidade.

O processo de apropriação e de desenvolvimento das técnicas do corpo não poderia ser considerado em si, desconectado do que lhe dá o seu sentido: a atividade. Sem a inserção ativa dos corpos no sistema das normas técnicas vistas como fonte e recursos da atividade individual e coletiva, nenhuma técnica poderia ter mão no mundo. Desde logo é sob este olhar da modelação corporal originária que qualquer técnica é susceptível de ser interpretada. A partir deste ponto de vista, a obra de Leroi-Gourhan (2004) é uma vasta empresa humana de descrição, de recenseamento e de classificação das técnicas, de que dão conta per se, em conjunto com os seus numerosos artigos e seus principais livros. São estas diferentes classificações das motivações simbólicas que precisamos analisar antes de estabelecer um método crítico pretensamente firme na ordem das motivações sociais. Os estudos etnológicos de Leroi-Gourhan, também diretamente relacionados com o estudo da evolução processual da tecnologia, do homem e das sociedades, constituem, provavelmente, a sua principal contribuição teórica académica. O etnólogo propôs que a principal corrente de tecnologia, ao considerar que as semelhanças detectadas na produção tecnológica de cada período histórico civilizacional resultam do que ele denomina como “tendance”. 

Esta é a propensão dos grupos humanos para repetirem em suas práticas, as ações técnicas e desenvolverem meios tecnológicos idênticos em dado período, como resultado da ligação profunda entre as relações e os significados. É a dimensão social da inovação tecnológica que conduz a que esta seja sempre limitada. O artigo “Libération de la main” publicado em 1956 no nº 32 da revista Problèmes, da Associação dos estudantes de Medicina da Universidade de Paris é ainda pouco reconhecido. Nesse texto, Leroi-Gourhan demonstra que a mão apanágio do homo faber, instrumento do cérebro mais bem organizado de toda a série zoológica, que no sentido científico é aceito em todas as línguas, e cada nome aplica-se apenas a uma espécie livre dos seus constrangimentos pedestres, tendo em vista que é o símbolo da evolução do homem. A tecnicidade, o pensamento, a locomoção e a mão aparecem interligadas num movimento arquetipológico ao qual o homem dá seu significado histórico, mas ao qual nenhum membro do mundo animal é completamente estranho. Segue-se uma descrição da evolução das formas de vida, da vida aquática à vida aérea, cuja concisão não retira nada ao rigor do proposto. Sem libertação da mão não há gesto técnico prolongamento da mão - nem instrumento - órgão da máquina - nem objeto fabricado. O objeto técnico está ligado ao contexto gestual que o torna eficaz, desvanecendo-se o seu significado técnico com o desaparecimento da memória do seu uso.

 A evolução dos homens para a posição em pé, libertando os membros superiores torna-os disponíveis para outras funções e em particular para agarrar e manipular objetos. Depois, progressivamente, diversos utensílios dos quais a paleontologia estuda as formas de vida existentes em períodos geológicos passados, a partir dos seus fósseis guarda vestígios, vão substituir a mão. O progresso técnico é dependente desta evolução anatômica (cf. Ouvriez-Bonnaz, 2010). Ele precisa historicamente que se deve sublinhar a importância da transição evolutiva no homem para a posição ereta ao libertar as mãos para a atividade manual e o rosto para os gestos e a linguagem humana propiciando o desenvolvimento do córtex cerebral, da tecnologia cada vez mais complexa e da linguagem dos signos linguísticos. O rosto, para o naturalista, deixa de ser o reflexo da alma e o homem deixa de ser o prisioneiro de sua conformação natural. A via de uma antropologia se destaca pouco a pouco, a de uma ciência do homem que estabelece a relação entre o homem físico e o homem moral.  Apresenta uma teorização geral da relação entre a tendência técnica e a dinâmica da sociabilidade humana. Estes grupos relacionam-se com o meio exterior (geografia, clima, animais e vegetação) através dos objetos técnicos (uma pele exterior) como se fossem organismos vivos com um meio interior composto pela memória e cultura. 

A tendência técnica aparece como um fluxo em que internamente ganha uma ancoragem cada vez maior no meio externo através da representação dos fatos técnicos. Ao movimentar o corpo, independente de qual função exerça, realiza-se uma postura ou movimento, onde diversos músculos, ligamentos e articulações do corpo são acionados. A musculatura fornecer força para a execução da função, precisa estar preparada, como os seus ligamentos, pois possuem uma função no deslocamento do corpo. Ao contrário do que por vezes foi dito, vale lembrar que o conceito de evolução de Leroi-Gourhan não reduz pura e simplesmente o domínio dos objetos técnicos ao dos seres vivos, não visa naturalizar as técnicas separando-as do seu significado humano, permite, pelo contrário constituir este domínio das técnicas na esfera da objetividade, a parte, autônoma, irredutível e tornada acessível por um conhecimento especial que é o conhecimento tecnológico. Se o objeto da tecnologia releva efetivamente de um processo de evolução, não é um processo histórico, mas um processo determinado por leis de transformação de natureza operatória e funcional. Um objeto exumado num local de escavação não é em si um objeto de conhecimento. 

Só o poderemos considerar como objeto de conhecimento resituando-o num processo de evolução que permita por em evidência regularidades de estrutura e leis de transformação dessas estruturas. O objeto da tecnologia não é apenas a origem do utensílio e a sua concepção, mas uma operação que permite em movimento, o gesto eficaz regulado pelos constrangimentos da matéria. Na sua vontade de classificação, a arqueologia de Leroi-Gourhan mobiliza então a noção de “tendência”, espécie de determinismo técnico utilizado como conceito classificativo do qual dão conta os vestígios dos processos de trabalho. Uma constatação evidente é que o estudo sobre a técnica centra-se sobre um princípio de causalidade que situa a relação entre o homem e a matéria como um ato de produção. Esse tipo de relação a partir da atividade humana entendida como ato de produção leva a entender a materialização das técnicas como sendo representação de um conjunto de objetos, que nos informariam e seriam informados por características que são, em certa medida, externas à substância material que os compõem. Esse tipo de passagem é geralmente entendido analiticamente como ocorrência entre domínios ontológicos diferentes. Com efeito, os fenômenos causais existentes na natureza das civilizações são separados e considerados distintos dos fenômenos que regem a vida do homem. O estabelecimento da relação homem/natureza nos leva a outro aspecto importante, e ipso facto condicionante nos estudos sobre a técnica. Mas também naqueles sobre o âmbito social e cultural em geral, isto porque, particularmente, a percepção do movimento é um dado de percepção técnica que pode ser descrito, representado e interpretado de diferentes maneiras.

Bibliografia Geral Consultada.

ENGELS, Friedrich, El Origen de la Familia, la Propriedad Privada y el Estado. Moscú: Editorial Progreso, 2000; LEROI-GOURHAN, André, Le Geste et la Parole I: Technique et Langage. Paris: Editeur Albin Michel, 2004; SOARES, André Luís Ramos, Contribuição à Arqueologia Guarani: Estudo do Sítio Ropke. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Arqueologia. Museu de Arqueologia e Etnologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005; BOSI, Alfredo, Brás Cubas em Três Versões: Estudos Machadianos. Rio de Janeiro: Editora Companhia das Letras, 2006; CRIGNON, Philippe, Hobbes et la Represéntation: Une Ontologie Politique. Paris: Thèse. Université de Paris 8. Saint-Denis, 2007; MESCHONNIC, Henri, Critique du Rythme: Anthropologie Historique du Langage. Paris: Éditions Verdier, 2009; DIMAS, Willian Lopes, Comunicação e Circularidades: Uma Pequena Viagem em Torno do Corpo e seu Movimento. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2016; BORGES, Luciana Tavares, Machado de Assis, o Crítico e a Construção da Literatura Brasileira Oitocentista (1858-1879). Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em História. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2020; VIVARELLI, Nick, “Estrela de The Crown, Josh O`Connor, e Isabella Rossellini se unem para estrelar La Chimera, de Alice Rohrwacher (Exclusivo), 14 de fevereiro de 2022; SANTACATTERINA, Manuela, “La Chimera è un film fatto a mano, tra divinità, tombe e dipinti rupestri: parola di Emita Frigato, professione scenografa”. In: The Hollywood Reporter, 23 de novembro de 2023; VAGAGGINI, Elisabetta, “La Chimera, o novo filme de Alice Rohrwacher no concurso de Cannes 76”. In: Toscana - Il Portale Ufficiale Della Toscana, 14 de abril de 2023; NTIM, Zac, “O Filme de Alice Rohrwacher, La Chimera, em Cannes, esgota ingressos internacionais para a Match Factory”. In: Deadline Hollywood, 7 de junho de 2023; KUMKOVA, Katya, “Transcrição: La quimera — tudo o que você gostaria de ver em um filme italiano”. Vida e Arte do FT Weekend. Entrevistado por Brumley, Cheryl; Giusti, Marianna. Financial Times, 17 de maio de 2024; ROXBOROUGH, Scott, “There`s Still Tomorrow, de Paola Cortellesi, lidera as indicações italianas ao Prêmio Donatello”. In: The Hollywood Reporter, 3 de abril de 2024; VICTORIA, Amanda, “La Chimera: Alice Rohwacher e os Enigmas do Passado”. Disponível em: https://deliriumnerd.com/2025/03/26/; VIRTUOSO, Mikael  Paganotto, Quanto valho nessa relaçao? Adaptação e evidência de validade da escala de valor relacional do companheiro. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação de Psicologia. Departamento de Psicologia. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2025; entre outros.

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