sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Walter Hugo Khouri – Cinema, História & Tragédia na Cinematografia.

A maior tragédia do cinema atual é que ele não pode mais ter profundidade”. Walter Hugo Khoury

           Escólio: A obra de Walter Hugo Khouri pode ser dividida per se em duas partes. A primeira fase autoral se deu entre as décadas de 1950 e 1960. Ele fez filmes de arte, que falavam da angustia existencial das pessoas que viviam nos grandes centros urbanos, especialmente a cidade de São Paulo, onde ele viveu e trabalhou a vida toda. Khouri fez um cinema intimista influenciado por Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni. Apesar da boa qualidade, foi criticado do ponto de vista estético por criar uma arte inspirada em mimetismo europeu, aparentemente distante da estética revolucionária e “terceiro mundista” (cf. Alea, 1984) defendida pelo pessoal extraordinário do Cinema Novo. A segunda fase do cinema de Khouri, a que ele dirigiu na década de 1970, é composta de produções demasiadamente debatida sobre o tema de “baixo orçamento e com gosto muito duvidoso”. Khouri foi um dos diretores que mais dirigiu pornochanchadas no Brasil. Críticas à parte, a verdade é que na década de 1970, o cinema brasileiro viveu um de seus piores momentos, soi-disant tanto pela censura decadente e fora do lugar da ditadura civil-militar, quanto pela dependência de verbas públicas nas produções. Walter Hugo Khouri iniciou sua carreira nos estúdios da Vera Cruz, como Assistente no filme O Cangaceiro (Lima Barreto, 1953). Posteriormente, ele e o irmão, Wilfred Khouri, compraram a companhia, conservando a propriedade da família. No florescimento do Cinema Novo, o modo de produção industrial da Vera Cruz representava o oposto do que o se pretendia com o movimento.

         Nestas décadas de 1960 e 1970 o Brasil vivia sob o regime político militar (cf. Vogel, 2024), que por meio de seu autoritarismo e repressão (cf. Dreifuss, 1981) mantinha o controle em vários aspectos da vida social e política brasileira, principalmente na área da cultura em termos de música, teatro, cinema e literatura. Apesar de toda vigilância, repressão e perseguição dos agentes do DOPS nas áreas ligadas à cultura, surgiram várias formas de protestos contra o regime militar. Na música, em especial, surgiram canções de cunho social e de protestos, que chegaram a uma grande parcela da população devida principalmente à participação desses músicos e canções nos grandes festivais realizados pelas emissoras de televisão. Esses festivais eram realizados principalmente na cidade de São Paulo, sendo transmitidos a várias regiões do país, atingindo elevada audiência. Devido à grande participação afetiva do público, que torcia de forma apaixonada por suas canções e intérpretes favoritos, esses festivais, assim como os compositores e intérpretes que deles participavam, passaram a ser sistematicamente vigiados pelos infames agentes vigilantes do DOPS, “como passíveis de subversão contra a moral e o sistema nacional”.  Vale lembrar que o Departamento de Ordem Política e Social, criado em 30 de dezembro de 1924, Aparelho de Estado, da ditadura do Estado Novo (1937-1945), golpe político-militar de 1º de abril de 1964 e o movimento Diretas Já em 1984.

Horror e terror é o poder que joga para fora de sua essência sempre vigente, tudo o que é e está sendo. Em que consiste este poder de horror e terror? Ele se mostra e se esconde na maneira como, hoje, tudo está em voga e se põe em vigor, a saber, no fato de, apesar da superação de todo distanciamento e de qualquer afastamento, a proximidade dos seres estar ausente. Isto é, o homem está superando as longitudes mais afastadas no menor espaço de tempo. Está deixando para trás de si as maiores distâncias e pondo tudo diante de si na menor distância social. E, no entanto, a supressão apressada de todo distanciamento não lhe traz proximidade. Queremos dizer com isso que proximidade não é pouca distância. O que, na perspectiva da metragem, está perto de nós, no menor afastamento, como na imagem do filme, ou do cantor no som do rádio, pode estar longe de nós, em distância. E o que, do ponto de vista da compreensão metragem, se acha longe, numa distância incomensurável, pode-nos estar abstratamente próximo. Pequeno distanciamento ainda não é proximidade, como grande afastamento ainda não é distância. Mas o que é, então proximidade se não se dá sociologicamente (cf. Stigger, 2007) nem mesmo quando o distanciamento mais longo se torna mesmo a supressão, sem descanso, dos afastamentos nem a resguarda? Tudo está sendo recolhido à monotonia e uniformidade do que não tem distância. O homem não percebe, ou não sabe, o que já está acontecendo, num processo político, cujo dejeto mais recente espraia-se em um conjunto de práticas e saberes sociais autoritários, em torno da angústia que ainda está esperando, quando o terror se está dando e o horror acontecendo.            

           Neste ínterim contribuiu juntamente com Glauber Rocha, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Paulo César Saraceni para o desenvolvimento do chamado Cinema Novo, corrente de pensamento crítico que quer demonstrar a realidade socialmente do Brasil, mas especialmente do mundo rural e das favelas. Suas principais influências foram o neorrealismo italiano e a chamada Nouvelle Vague, e por isso dizia: - “O Brasil é um país cada vez mais escravista, onde os poucos que vivem muito bem não têm o menor compromisso social e humanista: querem e lutam sempre por situações de privilégio econômico e poder”. O cineasta admitia que o cinema brasileiro iniciasse seu processo de social descolonização. Os cineastas que surgiram demonstraram que podiam dominar a linguagem universal do cinema e, ao mesmo tempo, ter uma grande fidelidade do ponto de vista afetivo às suas origens culturais. É o processo sofrido em décadas anteriores em suas mediações complexas com a literatura, com a pintura, com a música. – “Tivemos que travar verdadeiras batalhas para que o cinema encontrasse seu lugar na sociedade”. Além de “Rio, 40 Graus” (1955), destacam-se “Vidas Secas” (1963), “El Justicero” (1967), “Cinema de Lágrimas” (1995) e “Brasília 18%” (2006), sua última produção, centrada na prática engenhosa da corrupção da política no Brasil.

A nova classe média brasileira, criada pela expansão do emprego público e pela criação de empregos privados tem sido representada pelos trabalhadores que prestam serviços diretamente aos grupos empresariais e das elites econômicas e políticas, como os profissionais com ensino superior empregado em funções medianas em empresas. Os profissionais com ensino superior, funcionários públicos em empregos bem situados, composto por médicos do sistema público, advogados e funcionários concursados. Os funcionários de escritório mais requalificados, de empresas ou do governo, composto por diretores e supervisores de colégios privados e escolas públicas, bancários de postos intermediários, delegados de polícia em início de carreira, enfermeiras experientes, etc. Enfim, inclusive pelos trabalhadores manuais de maior requalificação, os operários especializados e semiespecializados de indústrias públicas e privadas, composto por mecânicos, eletricistas, encanadores, metalúrgicos, fresadores, instrumentistas, inspetores de qualidade, torneiros mecânicos e de cargos recém-criados de inovação.     

A famosa frase: - “No futuro, todos terão seus quinze minutos de fama”, como profetizou certa vez o cineasta e pintor norte-americano Andy Warhol, reconhecido pelos coloridos retratos da glamorosa Marilyn Monroe e Elvis Presley tornou-se sua marca na modernidade. Mais do que isso, sua fama parece ter se tornada eterna, como tem ocorrido no tempo e espaço quando é cada vez mais celebrada. É o que garante o jornal norte-americano The New York Times. No primeiro semestre de 2015, por exemplo, foram programadas pelo menos três mostras com criações de Andy Warhol nos Estados Unidos da América. Em uma extensa reportagem sobre o legado de um dos criadores e principal representante da Pop Art, o jornal divulgou que nada menos que 40 exposições com obras do artista, muitas delas até então inéditas para o público consumidor, “inundarão museus e instituições de arte nos próximos cinco anos”. Isso porque a fundação que leva o nome de Andy Warhol está na terceira fase de um projeto que visa popularizar cada vez mais o trabalho do artista, morto em 1987. É neste sentido que a fundação doou mais de 14 mil obras, sobretudo no campo das fotografias e gravuras, “com a condição de que os museus as exibam no prazo de cinco anos”. Do ponto de vista merceológico, mas político-afetivo foram distribuídas, desde 1999, 52.786 obras do artista para 322 instituições diversas, sobretudo nos Estados Unidos da América.

Marca é a representação simbólica de uma entidade, qualquer que seja ela, objeto/símbolo que permite identificá-la de um modo imediato como, por exemplo, um sinal de presença, uma simples pegada. Na teoria da comunicação, pode ser um signo, um símbolo ou um ícone. Uma simples palavra pode referir uma marca. O termo é frequentemente usado hoje em dia como referência a uma determinada empresa: um nome, uma marca verbal, imagens ou conceitos que distinguem o produto, serviço ou a própria empresa. Quando se fala em marca, é comum estar se referindo, na maioria das vezes, a uma representação gráfica no âmbito e competência do designer, onde a marca pode ser representada graficamente por uma composição de símbolo ou logotipo, tanto individualmente quanto combinados. No entanto, sabemos que o conceito de marca é bem mais abrangente que a sua representação gráfica. Marca não é um conceito fácil de definir. A marca em essência representa produção-consumo com uma série específica de atributos, benefícios e serviços uniformes aos compradores. A garantia de qualidade surge entre marcas, mas é legítimo que a marca é um símbolo mais complexo, pois em princípio, a relação social entre complexo e símbolo, coincide em muitos aspectos do desejo, comparativamente, pois ambos se enraízam num núcleo de significado arquetípico. 

Analogamente se referem enquanto um conjunto de práticas e saberes sociais a unidades de geração que desenvolvem perspectivas, reações e posições políticas e afetivas diferentes em relação a um mesmo mercado. O nascimento em um contexto social idêntico, mas em um período específico, faz surgirem diversidades nas ações dos sujeitos. Outra característica é a adoção ou criação de estilos de vida distintos pelos indivíduos, mesmo vivendo em um mesmo nível social. A unidade geracional constitui uma adesão mais concreta em relação àquela estabelecida pela conexão geracional. Mas a forma como grupos sociais de uma mesma “conexão geracional” lida com os fatos históricos vividos, por sua geração, fará surgir distintas unidades geracionais no âmbito da mesma conexão geracional no conjunto da sociedade. Karl Mannheim enveredando pela relação entre ideologia e utopia não esconde sua preferência pela abordagem histórico-romântica alemã. É um exemplo bem claro de como a forma de se colocar uma questão pode variar de país para país, assim como de uma época para outra.               

Sociologicamente a globalização representa um processo de aprofundamento da divisão internacional do trabalho, da integração econômica, social e política, em seus extremos que teria sido impulsionado pela redução dos meios sociais de comunicação dos países no final do século XX e início do século XXI. Embora vários estudiosos situem a origem da globalização em tempos modernos, Marx analisou a sua história social e econômica na gênese do industrial capitalista relacionado com os chamados descobrimentos do Novo Mundo pelos europeus. Um país com imprensa livre hoje pode ter acesso, algumas vezes por televisão por assinatura ou satélite, a emissoras de difusão de comunicação, desde a NHK do Japão, a única emissora pública do Japão, mormente a Cartoon Network norte-americana. A globalização, depois de Marx, é analisada por sociólogos, historiadores e cientistas políticos como o movimento social sob o qual se constrói o processo de hegemonia econômica, política e cultural ocidental sobre as demais nações. Esta nova dominação é constituída por redes assimétricas, e as relações de poder se dão mais pela via cultural e econômica do que pelo uso coercitivo de força.  O pensador marxista italiano Antonio Negri admite em seu livro “Império”, que a nova realidade sócio-política do mundo é definida por uma forma de organização distinta das chamadas “hierarquias em classes” ou estruturas de poder “arborizadas” e metafóricas partindo de um tronco único para diversas ramificações ou galhos cada vez menores.

Entende certamente que entidades organizadas através de redes sociais como corporações, organizações não governamentais, incluindo grupos separatistas, têm mais poder e mobilidade e mais chances de sobrevivência no ambiente do que instituições paradigmáticas da pré-modernidade como Estado, partidos políticos e empresas nacionais. Antonio Negri é reconhecido como o pensador político e coautor, com Michael Hardt, do livro Império (2000). A tese marcante de Império como estratégia de poder global é que a globalização e informatização dos mercados mundiais desde o fim dos anos 1960, levaram um declínio progressivo na soberania dos Estados-nação com a emergência de uma nova forma de soberania, composta por séries de organismos nacionais e supranacionais unidos sobre uma única regra lógica de governo. Esta forma global de soberania é o que os autores chamam “Império”. Esta mudança tem como representação a “subordinação real da existência social pelo capital”. O movimento artístico Art pop surgido na década de 1950 na Inglaterra e parte do continente europeu, alcançou sua maturidade na década de 1960 nos Estados Unidos da América. A defesa do popular traduz uma atitude artística adversa ao hermetismo da arte moderna. Nesse sentido, esse movimento se coloca na cena artística como “uma das mãos que não se movia”.

O nome desta escola estético-artística coube ao crítico britânico Lawrence Alloway (1891-2003) sendo uma das primeiras e mais famosas imagens relacionadas propriamente ao estilo de vida. A Pop Art propunha que se admitisse a crise da arte que assolava o século XX. Procurava a compreender e explicar a estética das massas, através da definição da chamada “cultura pop”, aproximando-se do que se costuma chamar nominalmente através da expressão kitsch usada para descrever algo que é considerado de “mau gosto artístico” ou de qualidade inferior. O termo surgiu em Munique, por volta de 1860 e 1870, e deriva das palavras alemãs kitschen (trapacear) e verkitschen (sentimentalizar). No início, o termo era usado para se referir a cópias baratas e artigos falsos de obras de arte. Com o tempo, o conceito foi se expandindo e passou a incluir objetos baratos, produzidos em massa, e considerados de gosto duvidoso. A Pop Art representa a passagem da modernidade para a pós-modernidade na cultura ocidental. Com o objetivo da crítica da sociedade globalizada pelos objetos de consumo, ela opera com signos estéticos, de cores inusitadas, massificados pela publicidade e pelo binômio produção-consumo, usando produtos com cores intensas, fluorescentes, reproduzindo objetos do cotidiano em tamanho considerado grande, como de uma escala de cinquenta para um objeto pequeno e inversamente ao tamanho normal.

Do ponto de vista da modernidade, a análise etnográfica de Mesquita (2009) apresenta-nos uma relação social comparativamente associada de sentido duplo na relação. Durante anos, a interpretação de Andy Warhol foi coberta por brumas, tornando-se a interpretação do temperamento do artista, do seu personagem histórico e social, de suas estratégias de marketing e de suas supostas relações com as formas de arte e de apropriação estética da modernidade. Assim, o artista foi visto ora como a “linha de frente do capitalismo”, ora como seu “epitáfio cultural”. Pensou-se nele como o antimodernismo por excelência e uma defesa da antiarte. O que foi ficando distante, no entanto, foi “sua obra e o modo como ele articulava os seus elementos”. E de fato, “há dez anos, todos os críticos formalistas norte-americanos descartavam a arte pop in toto, essa rejeição global não admitia levar em consideração nenhuma qualidade ou particularidade individual”.

Marshall Berman, o pensador que lecionava ciência política no The City College of New York e filosofia política e urbanismo na City University of New York, com sua obra reconhecida internacionalmente All That Is Solid Melts Into Air: The Experience of Modernity (1982), tornou-se o mais famoso ensaio marxista dos anos 1980, cujo título alude a frase do Manifesto Comunista, de Marx e Engels de 1848 associada à linguagem estética em que o marxista humanista apresenta-se radicalmente contrário ao conceito de “pós-modernismo” e acreditava na retomada do humanismo marxista. O livro desenvolve a crítica da modernidade, constituindo-se de análises argutas de vários autores e suas épocas e pela ficcionalização das ideias de Fiódor Dostoiévski, até as vanguardas artísticas do século XX. Pode-se ter analogamente uma ideia da complexidade da relação entre modernidade e o modernismo do século XIX, se prestarmos atenção a duas vozes mais distintas, através de Nietzsche que incluem a dicotomia apolíneo/dionisíaca, a vontade de poder, que é geralmente aceito pelos modernismos do nosso tempo, e Marx, que ainda não era especificamente associado ao modernismo antes da tenuidade na interpretação da filosofia de marxista do pensador norte-americano Marshall Berman.

Vale lembrar - mutatis mutandis - que Nietzsche contamina a reflexão crítica na Arte. O trágico sempre será afirmativo e não reativo. O reativo, dialético, é simplesmente conservação de força frente ao inesperado. Que precisa do controle e da submissão daquele que é atingido pelo inusitado. O trágico afirma-se na consciência plena do acaso como constituinte da própria realidade e o “cosmiza” ativamente e não reativamente. O trágico não só afirma a necessidade a partir do acaso, como afirma o próprio acaso. Não só afirma a ordem a partir da desordem, como afirma a própria desordem. Não só afirma o cosmos a partir do caos, como afirma o caos. Reitera, sobretudo, o próprio devir. Essa é a grande inversão que tira do pensamento qualquer pressuposição de sentido e valor, para construí-los a partir do “jogo de forças” visando expansão de potência. A tese de Nietzsche e sua relação pressupõe que o valor é Der Wille Zur Macht, se firmando enquanto força e moldando agentes contra a realidade: a falta de valor em si e sentido próprio.  Essa reflexão é singular diante da tese: - “Escrevo para apagar meu nome” - na afirmação de Georges Bataille (2003) e assume um sentido quase programático quando o livro como um puzzle é História do olho. 

Publicada originalmente em 1928, sob o pseudônimo de Lord Auch, a novela que marca a estreia do escritor no mundo das Letras expressa, como nenhum outro texto seu, esse desejo de apagamento, já que busca dissimular de forma obstinada os traços que permitem identificar o verdadeiro nome do autor. Não são poucas, aliás, as referências autobiográficas presentes em História do olho. A começar pelo livro produzido a partir de circunstâncias puramente existenciais. A intervenção do psicanalista em sua vida foi decisiva. História do olho traz outra reminiscência de W.-C., que aparece na página de rosto, colocando tudo o que se segue sob o pior dos signos. O nome de Lord Auch faz referência ao hábito de um dos meus amigos: quando irritado, em vez de dizer “aux chiottes!”, ele abreviava dizendo “aux ch”. Em inglês, Lord significa Deus (nas Escrituras): Lord Auch é Deus “se aliviando”. A vivacidade da história impede que ela se torne pesada; cada criatura transfigurada por cada lugar: Deus mergulhado nela rejuvenesce o céu. Ser Deus, nu solar, numa noite chuvosa, no campo: vermelho, divinamente, cagar com a majestade de uma tempestade, o rosto dissimulado, separado do resto, ser impossível em lágrimas: quem saberia, antes de mim, o que é a majestade? O olho da consciência e as tábuas da justiça encarnando o eterno retorno. Existe imagem mais angustiada sobre esta representação sentimentalmente em torno do remorso. 

Georges Bataille estava então prestes a completar trinta anos de idade, vividos em constante estado de crise. Era um homem dividido pela vida desregrada, dedicada ao jogo, à bebida e aos bordéis e profundas inquietações filosóficas, fomentadas, sobretudo por suas leituras dos místicos, além de Nietzsche e do Marques de Sade. Tal cisão só fazia realçar a solidão e angústia crescente na medida de suas obsessões fúnebres, relacionadas à violência erótica e ao êxtase profano-religioso. Oscilando, como ele mesmo definiu, “entre a depressão e a excitação extrema”, buscou a terapia e passou a frequentar o consultório de Borel em 1926, à procura do processo de transferência e da compreensão da saída para seus impasses existenciais. A intervenção do psicanalista foi decisiva. O próprio Bataille confidenciou a Madeleine Chapsal antes de seu falecimento, em 1961: - “Fiz uma psicanálise que talvez não tenha sido muito ortodoxa, porque só durou um ano. É um pouco breve, mas afinal transformou-me do ser completamente doentio que era em alguém relativamente viável”. Com isso, sociologicamente o tema da arte sofria uma desdramatização. Se o ideológico não passava de uma consequência pura e simples de um processo prático, material, que importância maior poderia ter, na sua esfera social de ação, as controvérsias que lançavam, uns contra os outros, os sujeitos históricos?

Os dramas subjetivos reconhecidos como secundários remetiam os pesquisadores à realidade tida como objetiva, que era o nível onde podiam ser encontradas as causas concretas, isto é, a “verdade dos fenômenos”. A questão filosófica cedia lugar a um campo de estudos bem mais restrito, que ficava entregue à competência exclusiva dos sociólogos, incumbidos de verificar a que grupamentos, classes ou atores sociais se ligavam as representações ideológicas. Os marxistas do final do século XIX e, sobretudo do início do século XX, em sua maioria, adotaram uma concepção dedutivamente sociológica da ideologia, que interpela os indivíduos no plano individual e coletivo, limitando-se ao recurso mental (análise) - e neste sentido poder denunciar politicamente - as formas diretas mais simples da expressão dos interesses materiais das classes sociais nos discursos, nos programas de ação ou na produção artística em geral. Sob a influência do movimento literário da revista New Left, Berman refletiu sobre uma série de questões sociais e políticas que ampliam o horizonte das esquerdas em relação aos elementos constitutivos da modernidade. Nos Estados Unidos, a Nova Esquerda está associada aos movimentos sociais populares, como o de um processo amplo de irradiação social como o hippie, os de protesto à guerra do Norte contra o Vietnã e pelos direitos civis, que visavam acabar com a opressão de classe, inclusiva ao gênero, raça e sexualidade.

Apresentou o modo como o indivíduo pode experimentar, de modo rico, em verdadeira profusão, tudo o que a cultura moderna nos oferece, como consumidores na literatura, nas artes em geral, na cotidianidade da vida urbana, sem cair nos vícios empobrecedores ou “reificantes” da existência, ensejados pelo capitalismo, ou na crítica mais convencional marxista que não atenta para essas condições e possibilidades. Em Marshall Berman (1940-2013), o marxismo, em larga medida, perdeu o sentido libertário originalmente presente na obra de Marx, autor que ele classifica como um dos fundadores da concepção crítica de modernidade dissertando com habilidade sobre três fases antevista da Longue durée de Fernand Braudel (1990) na história da modernidade. De início do século XVI até o fim do século XVIII onde as pessoas estão apenas começando a experimentar a vida moderna, quando ainda mal fazem ideia do que e como as atingiu. Quando a grande onda revolucionária de 1789-1790, batalhões de limousinants integravam já os grupos da construção; os auvergnats enxameavam por toda parte; os tanoeiros de Saintonge os empregavam todos os anos etc., demarca o início da segunda fase, onde ganha vida um setor moderno da esfera pública e que compartilha o sentimento de viver em uma era revolucionária se expande a ponto de abarcar virtualmente o mundo nacional. Se historicamente os estados nacionais estão se tornando cada vez mais poderosos, são burocraticamente mal estruturados e mal geridos.

Que lutam com obstinação para expandir seu poder; movimentos sociais de massificação e de nações, ameaçando seus governantes políticos, lutando por obter controle sobre suas vidas; dirigindo e manipulando muitas pessoas e instituições, um mercado capitalista globalizado, drasticamente flutuante, em permanente expansão. Enfim, de acordo com Anette Michellson, a partir de 1969, Andy Warhol passa a trabalhar em outro sistema típico da sociedade norte-americana. Seus trabalhos envolvem um maior número de assistentes e ele passa a se ocupar do que ele chama de “business Art”, assemelhando-se com a obra de um grande costureiro ou como um produtor de cinema dos estúdios de Hollywood. A sua melhor época como pintor antecede esse período, com trabalhos variados, mas que guardam semelhanças e questões permanentes, sobretudo para a pintura e os trabalhos feitos a partir de procedimentos artesanais, mas do tipo fordista de produção em série com o uso da simulação de imagens repetidas transferidas para a tela por meio da fabricação de produtos em uma linha de produção, digamos, como um ato que de alguma forma capitalística de protesto social. A Pop Art está sendo produzida como a solução para o hermetismo da arte informal, guardas as proporções, da Europa e dos Estados Unidos. Os intérpretes que se ocupavam das pinturas do símbolo Coca-Cola e das sopas Campbell`s realizadas por Warhol, perguntavam se aquelas obras representavam uma crítica ou uma adesão à sociedade de consumo?

As pinturas de Warhol aparecem como o principal exemplo, para a tensão criada pelo olhar e a mediação de sua análise da arte pop, depreendendo daí dialeticidade através das relações simbolizadas que ela estabelece com a cultura e os meios de comunicação de massa, da produção da imagem do cotidiano com uma espécie de celebração reificada das relações materiais entre coisas. No entanto, contraria a ideia de que a organização das imagens na tela parte do pressuposto dessa obra enquanto Ready-made.  Simplesmente como uma manifestação da esfera política radical da intenção estética de Marcel Duchamp de romper com a artesania da operação artística. Trata de apropriar-se de algo que já está feito: escolhe produtos específicos revelador nos mercados industriais, realizados com finalidade prática e não artística como o urinol de louça, pá, roda de bicicleta, e os eleva abstratamente à categoria de obra de arte. Ele é o artista que, através da dimensão do olhar, reúne as condições e possibilidades da arte e da imagem. Andy Warhol entabula uma genialidade inventiva sob a reprodutibilidade técnica da comunicação no plano visual. O objeto de pensamento, comparativamente no marxismo, é incorporado de forma dialetizadora propondo o espectador a se relacionar abstratamente com arte pretendendo a superação. A imitação é ficção do pensamento estético para os que aproximam o uso da imagem em sua reprodutibilidade técnica.

O que importa é o mecanismo real como Warhol desmonta/monta essas réplicas na galeria, como ele trata da ideia fordista da produção em série e como ele transforma esse olhar com a apreensão do material isolado. A descontinuidade ou transformação do processo social criativo do olhar conduzirá à produção daquilo que designamos como objeto da utilização de procedimentos técnicos bastante eficazes.  Caracteriza-se por uma operação de conteúdo de sentido que faz retornar o literário ao problema da arte, contrariando a ênfase modernista na forma do objeto artístico. Decide qualificar o processo comunicativo da produção de “Ready mades”. A expressão se referia primariamente aos poucos objetos que não sofreram qualquer intervenção formal. Na qualidade de objetos, assim transformados, temos os objetos ajudados, retificados, corrigidos e recíprocos, segundo o modo pelo qual sua forma sofre, positivamente, a interferência genial do artista. A experiência da viagem é a experiência de fronteira e do horizonte aberto para ser ele mesmo. A epifania do olhar é uma etapa fundamental da descoberta e da constituição de sua própria identidade e do conhecimento aberto e magnífico do mundo que o cerca. É a sua consciência que perambula, descobre cada detalhe do mundo e olha tudo de novo como realização da primeira vez.

Na Modernidade contemporânea o processo de trabalho representa um processo de comunicação, embora nem todo processo de comunicação transforme literatura, teatro, cinema, música e artes plásticas, num sentido único, possibilitado pela influência que se processa na arte e trabalho na comunicação. Nelson Pereira dos Santos, por exemplo, produziu e reelaborou Vidas Secas para o cinema, baseado na obra de Graciliano Ramos, além dos documentários “Casa Grande & Senzala” e “Sérgio Buarque e Raízes do Brasil” não realizou um de seus sonhos: “Guerra e Liberdade - Castro Alves em São Paulo”, épico em que Maria de Medeiros interpretaria a atriz Eugénia Câmara. Contudo, “Vidas Secas” é um dos filmes mais premiados e reconhecido como obra-prima. Para ele, alguns aspectos sociais da obra literária só podem ser explorados tendo em vista o uso articulado da imagem, e sua relação com a vida, a qual se concretiza no cinema. As estruturas sociais de classe, gênero e etnia são geralmente reduzidos às imagens sociais e vividos através do meio de reprodução das imagens e de liberdade e de estilo de vida no processo de globalização. As estruturas sociais implicam dinamismo transformador, sendo praticadas e sujeitas a transformações de um dos termos. Constituem modelos que servem comodamente para a classificação, dado que são transformáveis, para modificar os níveis de análise por nós considerados no âmbito do imaginário individual (sonho) e coletivo (ritos).

As motivações que ordenam os símbolos não apenas já não formam longas cadeias de razões, mas nem sequer cadeias. A explicação linearmente considerada do tipo de dedução lógica ou narrativa introspectiva já não basta para o estudo das motivações simbólicas. A classificação social dos grandes símbolos da imaginação em categorias motivacionais distintas apresenta, com efeito, pelo próprio fato da não linearidade e do semantismo das imagens, grandes dificuldades. Entretanto, se se parte dos objetos bem definidos pelos quadros da lógica dos utensílios, como faziam as clássicas “chaves dos sonhos”, segundo as estruturas antropológicas do imaginário, cai-se rapidamente, pela massificação das motivações, numa inextricável confusão. Parecem-nos mais sérias as tentativas para repartir os símbolos segundo os grandes centros de interesse de um pensamento, certamente perceptivo, mas ainda completamente impregnado de atitudes assimiladoras nas quais os acontecimentos perceptivos não passam de pretextos para os devaneios imaginários. Tais são, as classificações tipológicas profundas de analistas das motivações do simbolismo religioso ou da imaginação de modo geral literária. A ética ou a filosofia moral se tornam uma luz que permite discernir entre aquilo que é certo ou não do ponto de vista ético. É um dos valores que não se encontra inserido no contexto de uma religião específica, mas no contexto da lei natural que rege aquilo que é conveniente para o ser humano de acordo com sua dignidade e natureza. 

A moral tem sua base na liberdade do ser humano através da qual uma pessoa pode realizar boas ações, mas que também tem a liberdade de praticar atitudes injustas. A reflexão moral ajuda o ser humano a tomar consciência de sua própria responsabilidade no trabalho de crescer como pessoa, tendo sempre claro o princípio da verdade e do bem. A filosofia como reflexão moral é muito importante, uma vez que a retidão no trabalho ajuda o ser humano a melhorar como pessoa e a alcançar uma vida boa. A filosofia moral mostra a responsabilidade humana em trazer esperança à sociedade que vive, uma vez que através de ações individuais exerce influência no bem comum. Esta filosofia moral toma como fundamental os princípios da conduta humana. Estas normas éticas dignificam a pessoa através de valores como mostra a superação pessoal, o amor próprio, o respeito ao próximo, o princípio do dever e a busca pela felicidade. Um princípio moral essencial é lembrar que o fim nem sempre justifica os meios. O grande impulso que Hesse vivenciou nos anos 1960-70 esteve acoplado a uma experiência bem específica: havia em seu tempo o grupo de rock Steppenwolf, que cantou “Born to be wild”, ou seja, “nascido para ser selvagem, diferente, para viver livremente”. Esse estímulo de ruptura pragmática se direcionava contra convenções externas bem concretas, vivenciadas como algo angustiante, repressor do modus vivendi metropolitano. Ele se voltava contra o abismo da Guerra do Vietnã. Estava aliado a experiências com drogas e uma vivência histórica de suas leituras que tinha como escopo a pergunta: como posso impor minha autonomia nessa situação? Isso teve uma grande força simbólica na cultura jovem norte-americana.

Para nós, política representa regulação da existência coletiva, poder decisório, luta entre interesses contraditórios, disputa por posições de mundo, confrontos mil entre forças sociais, violência em última análise. Só que a produção política, os processos políticos, se diferenciam radicalmente da produção econômica porque usa eventualmente suportes materiais, tais como armas, livros, processos, papéis onde se inscrevem as ordens, os atos politicamente de gestão, as sentenças ou as leis, mas não é uma produção material. Porque consiste em decisões imperativas. Assim, é também diferente da produção simbólica porque exercita-se sobre o interesse dos agentes sociais, quando não sobre o seu próprio corpo; corresponde a atos de vontade que regulam atividades coletivas; disciplina práticas sociais. Quer dizer, não produz mensagens, discursos; produz obediências, obrigações, submissões, direitos, deveres, controles. Poder é uma relação social como Max Weber antevia diante da catástrofe humana com o fim da cultura de Weimar, de mando e obediência. As decisões tomadas politicamente se impõem a todos num dado território ou numa dada unidade social. Convertem-se em atividades coercitivas (segurança), administrativas (administração), jurídico-judiciárias (esfera da justiça) e legislativas (esfera da deliberação). O processo político diz respeito a pergunta: “Quem pode o quê sobre quem?”. Eis a grande questão do processo político, do confronto entre forças sociais, da sujeição de vontades a outras vontades. 

Fora da ideia de nacionalismo, a partir da competição entre nações, foi o filósofo Simmel quem chamou atenção para o fato de que, “a luta contra uma potência estrangeira dá ao grupo um vivo sentimento de sua unidade”, e além disso, é “um fato que se verifica quase sem exceção. Não há, por assim dizer, grupo doméstico, religioso, econômico ou político que possa passar sem esse cimento'”. Essa atividade intelectual, porque psíquica e de preparação psicológica, quase exclusivamente entre homens, pode representar com o homem diante da guerra um crime contra a humanidade, individual ou coletivamente com o intuito de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial, militar, religioso. Na década de 1960, em segundo lugar, uma canção do extraordinário músico Bob Dylan, “Subterranean Homesick Blues”, quando ela diz: “Não é preciso um meteorologista para dizer de que lado sopra o vento” (You don`t need a Weatherman to Know which way the wind blows...) inspirou um movimento social da juventude norte-americana que se propunha a destruir a sociedade pela violência. O movimento surgiu como a facção militante dos 40 mil estudantes da Studentes Democratic Society (SDS). No Congresso nacional em Chicago (1969) essa facção política radical de meninos brancos tornou-se dominante ao nível político-ideológico e conseguiu expulsar os “marxistas não-violentos”. Adotaram uma política de violência imediata com o nome Weathermen e foram os autores de bombas atiradas em bancos, tribunais, universidades etc., no caso dos movimentos sociais internos aos Estados Unidos da América.

O primeiro talvez a chamar a atenção, naquele momento, tenha sido o escritor Gore Vidal, talvez melhor que os autores de Bains de Sang Constructifs dans le Sang et la Propagande (1973) ainda que estes tenham demonstrado até que ponto o governo dos Estados Unidos, anteriormente tenham se envolvido em crimes praticados na Guerra do Vietnã. Vidal divulgou em El País (Madri) parte do conteúdo das cartas correspondências que mantinha com o terrorista norte-americano Timothy, pouco antes da violência letal atribuída ao Estado. Dizia ele - contra o terror de Estado, - que melhor teria ocorrido ao terrorista explodir bombas para efeito simbólico de destruição de prédios, sem vítimas, p. ex., o próprio Pentágono. No que se refere especificamente ao confronto contra os povos afegãos e a utilização de imagens, o Corão proíbe a reprodução de figuras humanas e sagradas. Para os fundamentalistas, a interdição, feita há 1.300 anos, vale para fotos e imagens transmitidas pelas redes de televisão. Porque querem preservar, a todo custo, o que construíram: as regras e normas do islamismo professado por Maomé. Embora o país tenha sido devastado nos últimos 200 anos por uma dezena de conflitos, três guerras contra a Inglaterra até sua independência em 1919, um golpe de Estado que derrubou o rei em 1973, e ainda, em 1979 a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, devastou o país permanecendo em guerra inconsequentemente por dez anos. Quando estes foram expulsos, assumiu o poder a milícia islâmica Taliban, que significa estudante, no dialeto pashto, a segunda língua de comunicação social da re(li)gião. O grupo foi criado em 1994 por um movimento estudantil radical. O “império” norte-americano realizou uma “guerra longa” contra o Afeganistão como anunciaram espetacularmente pela mídia.

No caso do Iraque, nestes dias e em termos de submissão das vontades, a guerra foi considerada “rápida” na contabilidade norte-americana porque culminou com a morte de cerca dez mil militares, aproximadamente três mil civis e dezesseis jornalistas em pouco mais de vinte dias. Daí a terceira questão e breve, que diz respeito a duas definições weberianas entrelaçadas ao “espírito do capitalismo”. Todavia trata-se apenas de uma intuição. Max Weber em 1904/05 afirmava o seguinte: - “Ninguém sabe ainda a quem caberá no futuro viver nessa prisão [o capitalismo vencedor] ou se, no fim desse tremendo desenvolvimento, não surgirão profetas inteiramente novos, ou um vigoroso renascimento de velhos pensamentos e ideias, ou ainda se nenhuma dessas duas - a eventualidade de uma petrificação mecanizada caracterizada por esta convulsora espécie de autojustificação” (sich-wichtig nehmen). O fato socialmente é que estes últimos homens poderiam ser designados, de acordo com a interpretação de Max Weber, como “especialistas sem espírito, sensualistas sem coração, nulidades que imaginam ter atingido um nível de civilização nunca antes alcançado”. E em contraposição, “o carisma, que particularmente refere-se a faculdades mágicas, revelações ou heroísmo, poder intelectual ou de oratória”. Melhor dizendo, o sempre novo, o extracotidiano, o inaudito e o arrebatamento emotivo que provocam constituem a fonte da devoção pessoal. Representam eles a dominação do profeta, do herói guerreiro e do grande demagogo. É uma relação social especificamente extracotidiana e puramente pessoal.

O pressuposto indispensável para isso é “fazer-se acreditar”. Se lhe falha o êxito, seu domínio oscila. A impressão que temos diante da mídia norte-americana e de resto na Europa, para não falarmos no Brasil, quanto ao nome de bin Laden [bin em letra minúscula significa “filho de”] é que, como justificativa para o fim da economia de guerra - ou a chamada guerra fria, os conflitos mundiais perderam sua matriz político-ideológica e ganharam desde a guerra contra o Golfo Pérsico (1991) mediações culturais e religiosas, de suposta rivalidade entre emblemas como Ocidente e Oriente, entre cristãos, judeus e islâmicos. Ele assim [bin Laden] passa a ser o que Weber intuiu: “não surgirão profetas inteiramente novos?”. Os judeus, disse uma vez Léon Poliakov, são franceses que, ao invés de não irem mais à igreja, não vão mais à sinagoga. Na tradução humorística de Haggadah, essa piada designava crenças no passado que deixaram de organizar práticas. um dos mais importantes e adorados textos da tradição judaica. No começo da Páscoa, Judeus do mundo ocidental se reúnem ao redor da mesa para ler o Haggadah, um livro que contém a narrativa tradicional do Êxodo do Egito. Haggadah significa recitar ou recontar. Com músicas, contos e ênfase no ensinamento das crianças, a antiga história mítica da Páscoa é o livro de orações judaicas mais comumente ilustrado. O Moriah Haggadah foi criado através da apreensão abstrata do artista israelense Avner Moriah, não por acaso, é um artista israelense contemporâneo, mais reconhecido por suas impressionantes pinturas de paisagens de Israel e por suas interpretações inspiradoras de temas bíblicos e  que, assim desenhou modelos baseados em pinturas de paredes e figurinos egípcios e assírios do extraordinário começo da Era do Bronze e do Ferro, o período no qual a Páscoa desdobrou-se. As convicções políticas parecem seguir este caminho. Alguém seria socialista por que foi, sem ir às manifestações, sem reunião, sem palavra e sem contribuição, em suma, sem pagar. 

Mas reverencial que identificatória, a pertença só se marcaria por aquilo que se chama uma voz. Este resto de palavra, como o voto de quatro em quatro anos. Uma técnica bastante simples manteria o teatro de operações desse crédito. Basta que as sondagens abordem outro ponto que não aquilo que liga diretamente os adeptos ao partido, mas aquilo que não os engaja alhures, não a energia das convicções, mas a sua inércia. Os resultados da operação contam então com restos da adesão. Fazem cálculos até mesmo com o desgaste de toda convicção. Pois esses restos, esses cacos, como insinua Leonardo Boff, indicam ao mesmo tempo o refluxo daquilo em que os interrogados creram na ausência de uma credibilidade mais forte que os leva para outro lugar. A capacidade de crer parece estar em recessão em todo o campo político. A tática é a arte do fraco. O poder se acha amarrado à sua visibilidade. Mas a vontade de “fazer crer”, de que vive a instituição, fornecia nos dois casos um fiador a uma busca de amor e/ou de identidade. Importa interrogar-se sobre os avatares do crer em nossas sociedades e as práticas originadas a partir desses deslocamentos. Durante séculos, supunha-se que fossem indefinidas as reservas de crença. Aos poucos a crença se poluiu, como o ar e a água. Percebe-se ao mesmo tempo não se saber o que ela é. Tantas polêmicas e reflexões sobre os conteúdos em torno do voto e os enquadramentos institucionais para lhe fornecer não foram acompanhadas de uma elucidação acerca da natureza do ato realmente de crer. Os poderes antigos geriam habilmente a autoridade. Hoje os sistemas administrativos, presentemente sem autoridade, credibilidade, dispõem de mais força em “aparelhos” e menos autoridade legislativa. De origem libanesa, o paulistano Walter Hugo Khouri morou no Rio de Janeiro um curto período, após a morte do pai, mas voltou a São Paulo para terminar o Ensino Médio. Não chegou, porém, a concluir a Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo, onde se matriculara em 1949. 

           No início da década de 1950, Khouri tornou-se Assistente do diretor Lima Barreto em “O cangaceiro”, nos estúdios da Vera Cruz, e do cinema não saiu mais, tornando-se o mais importante diretor do cinema paulista, com 28 obras concluídas. Segundo críticos, a experiência com Lima Barreto o levou a se preocupar com a qualidade técnica dos filmes. A paixão pelo cinema do sueco Ingmar Bergman, o enfoque nos conflitos da classe média existenciais foram marcas de sua obra e o contrapuseram com a chamada “estética da fome” do Cinema Novo, que começava a ganhar as telas do país. Em 1954, Khouri dirigiu seu primeiro filme, “O Gigante de Pedra”, utilizando-se dos estúdios da Vera Cruz e fazendo parte das filmagens nas Cataratas do Iguaçu um conjunto geograficamente de cerca de 275 quedas de água no rio Iguaçu na Bacia hidrográfica do rio Paraná, localizada entre o Parque Nacional do Iguaçu, Paraná, no Brasil, e o Parque Nacional Iguazú em Misiones, na Argentina, na fronteira entre os dois países. A área de ambos os parques nacionais corresponde a 250 mil ha de floresta subtropical e é considerada Patrimônio Natural da Humanidade. Entre 1954 e 1955, o cineasta trabalhou na TV Record, produzindo e dirigindo adaptações de clássicos do teatro. Foi crítico de cinema no jornal O Estado de S. Paulo até 1957. A carreira de diretor essencialmente intimista, que nasceu em 21 de outubro de 1929, seria retomada com “Estranho Encontro” (1958). O crítico Paulo Emílio Sales realizou análise comparativa o filme de Khouri com “Rio, 40 graus”, de Nelson Pereira dos Santos, destacando o contraste da obra paulistana com o viés neorrealista do filme carioca. Em 1960, Khouri ganhou seu primeiro prêmio internacional, no Festival de Mar del Plata, pelo roteiro de “Na Garganta do Diabo”. Seu mais famoso trabalho, “Noite vazia”, representou o Brasil no Festival de Cannes em 1965, narrando dois homens com duas garotas de programa (Norma Bengell e Odete Lara). 

Marcado pelas dramatis personae dos personagens, o filme foi considerado, por alguns críticos, uma interpretação do cineasta alienado das questões que afligiam o país após o golpe militar de 1964. Nas décadas de 1970 e 1980 Khouri trabalhou com produções de baixo orçamento e profissionais da Boca do Lixo paulistana, realizando filmes mais autorais, como ocorre com “As Deusas” (1972) e “O Último Êxtase” (1973), ambos com Lilian Lemmertz. Também enveredou pelo erotismo pedido pela Boca do Lixo em “Convite ao Prazer” (1980), “Eros, o Deus do Amor” (1981) e “Amor, Estranho Amor” (1982), polêmico filme do início de carreira de Xuxa Meneghel, em que ela aparece seduzindo um jovem. No elenco estavam ainda Tarcísio Meira e Vera Fischer. Sobre o viés erótico de sua obra, afirmou ao jornal O Globo nos anos 1970: - “Eu não peguei o bonde do erotismo andando, eu sempre estive nele”. Em 1986, voltaria a trabalhar com Tarcísio Meira. Em “Eu”, quando o galã da TV vive o personagem “Marcelo”, personagem considerado o alter ego do diretor. Produzido por Aníbal Massaíni Netto, o filme tem toque mais cômico que a maioria dos filmes de Khouri. No elenco, outra marca registrada do diretor: as belezas de Monique Evans e Bia Seidl. No início da década de 1990 Khouri dirigiu “Forever”, coprodução com a Itália estrelada pelo hollywoodiano Ben Gazzara. Em 1994, dirigiu Nuno Leal Maia, Monique Lafond, Cláudia Liz, Lúcia Veríssimo e Vanusa Spindler em “As feras”. Seu último filme foi “Paixão Perdida”, paralisado pela crise cinematográfica estatal com o fim da Embrafilme. Ele o iniciara em 1997, com Antônio Fagundes vivendo o caricato personagem “Marcelo” e reunindo Milla Christie, Paula Burlamaqui e Zezeh Barbosa. Walter Hugo Khouri morreu aos 73 anos de infarto, em 27 de junho de 2003, em São Paulo, onde vivia com sua mulher, Rosana.

Bibliografia Geral Consultada.

SIMONIS, Yvan, Claude Lévi-Strauss ou la Passion de l`inceste - Introduction au Structuralisme. Paris: Editeur Aubier-Montaigne, 1968; DREIFUSS, René Armand, 1964: A Conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe. 2ª edição revista. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1981; GALVÃO, Maria Rita, Burguesia e Cinema: O Caso Vera Cruz. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira/Embrafilme, 1981; ALEA, Tomás Gutiérrez, Dialética do Espectador. São Paulo: Summus Editorial, 1984; ARAÚJO, Vicente de Paula, A Bela Época do Cinema Brasileiro. 2ª edição. São Paulo, Editora Perspectiva, 1985; RAMOS, Fernão Pessoa (Org.), História do Cinema Brasileiro. São Paulo: Art Editora, 1987; FOUCAULT, Michel, O que é um autor. Cascais: Editor Vega-Passagens, 1992; ASTRUC, Alexandre, ‘Du Stylo à la Caméra et de la Caméra au Stylo’ in Écrits (1942–1984). Canadá: Éditions de l`Archipel, 1992; STIGGER, Helena, Marcelo: O Imaginário Burguês de Walter Hugo Khouri: Comunicação e Psicanálise no Cinema. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Comunicação Social. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2007; BERNARDET, Jean-Claude, Brasil em Tempo de Cinema: Ensaio sobre o Cinema Brasileiro de 1958 a 1966. 3ª edição. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2007; SCHEINFEIGEL, Maxime, Cinéma et Magie. Paris: Editeur Armand Colin, 2008; BUÑEL, Luís, Mi Último Suspiro. Barcelona: Edición DeBols!llo, 2012; OLIVEIRA JÚNIOR, Luiz Carlos, A Mise en Scène do Cinema: Do Clássico ao Cinema de Fluxo. Campinas: Papirus Editora, 2013; CHAYT, Eliot Briklod, Disaster, Dystopia, and Exploration: Science-Fiction Cinema –1959-1971. Tese de Doutorado em Filosofia. Estados Unidos: University of Texas at Austin, 2014; SILVA, Jaison Castro, A Tessitura Insuspeita: Cosmopolitismo, Cinema Nacional e Trajetórias do Olhar em Walter Hugo Khouri e Luis Sérgio Person (1960-1968). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. Centro de Humanidades. Departamento de História. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2014; CARREIRA, Rosangela Aparecida Ribeiro; NASCIMENTO, Jarbas Vargas, “Autoridade e Autoralidade: O Movimento Paratópico de um Pseudônimo”. In: Caderno de Letras. Pelotas, n° 36, jan.-abr. (2020); FABBRINI, Fernando, “Bukowski Revisitado”. Disponível em: https://www.otempo.com.br//2024/10/10/; VOGEL, Carlos Guilherme, Quando os Cariocas Paqueram: A Comédia Erótica no Rio de Janeiro nos Anos 1970 e suas Transgressões frente à Ditadura Militar. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2024; entre outros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário