domingo, 17 de novembro de 2024

Ziraldo – Trabalho Social, Autoconsciência & Crença no Partido Político.

                                                        Todos os canalhas foram crianças infelizes”. Ziraldo

           A palavra “canalha” tem origem no italiano canaglia, que significa “indivíduo mau” ou “ralé”. Mas nosso corpo e nossa expressão corporalmente são tão prenhes de significados que podemos perceber a classe social de alguém pelo simples modo de andar, comer e vestir, mesmo que a pessoa em questão da análise não abra a boca para dizer qualquer coisa. Nós internalizamos ou incorporamos, as influências afetivas, emocionais e morais que recebemos do pai e da mãe ou de quem os represente. Ninguém nasce, por exemplo, com disciplina, autocontrole, pensamento prospectivo ou capacidade de se concentrar. Entre nós, brasileiros, lembra Souza (2022), essas capacidades e aptidões são “privilégio de classe”, que toda criança de classe média já recebe de casa e sem esforço. A ideologia da meritocracia torna toda essa injustiça social de berço – afinal, ninguém tem culpa de nascer na classe social “errada” – em “merecimento individual”, fechando o círculo da dominação tornada invisível e, portanto, impossível de se combater. É esse privilégio invisível que torna o habitus de classe média uma construção destinada ao sucesso do capitalismo competitivo. Existe uma cadeia do privilégio aparentemente injusto, que passa singularmente “de geração em geração”, garantindo tanto o sucesso prático quanto a autoconsciência da própria superioridade. Em outras palavras, as classes sociais criam os indivíduos com suas capacidades diferenciais de lidar com a realidade competitiva do capitalismo globalizado, prefigurando, desse modo, todas as suas chances futuras.

         Mas na verdade, o que define e prefigura todos os nossos limites e possibilidades é uma espécie de representação de “economia emocional” específica, precisamente independente de qualquer conteúdo explícito ou consciente. Ou seja, trata-se de uma construção psicossocial e pré-reflexiva muito peculiar que se refere às disposições e capacidades diferenciais para a ação prática. Isso acontece sem relação alguma com qualquer com qualquer conteúdo moral específico que costumamos usar para legitimar o que somos para nós mesmos e para os outros. É esse tereno tornado invisível para nós na vida cotidiana que a noção de habitus quer iluminar, quebrando quase todas as ilusões sociais e individuais acerca de como levamos na vida tanto individual quanto socialmente.  Na verdade, e nenhum de nós gostamos de ouvir ou aceitar esse fato, pois a vida social se dá às nossas costas, sem o nosso conhecimento. Participamos do jogo social, ou seja, cada um de nós tem um papel neste teatro, mas somos, pelo menos em grande medida, iludidos acerca de seu verdadeiro sentido. A imensa maioria de nossas interações sociais se dá de modo não refletido e praticamente automático, por meio da linguagem direta e espontânea do corpo e sobretudo em suas infinitas expressões. Existe um background civilizacional que esclarece o tipo de distinção socialmente perseguido pelas classes sociais e estamentos em disputa potencial umas com as outras.

        O processo de racionalização burocrático e seu desenvolvimento, tanto religioso quanto secular do Ocidente, teve como principal característica não intencional a formação de um “habitus disciplinar”, o qual marcará o que chamamos de habitus cultural específico do Ocidente. Tal habitus vai ser criado ou inventado a partir de dada hierarquia moral histórica e contingente, quase sempre apenas implícita, que aponta para determinada direção de controle de nossos afetos. Afinal, não existe vida social possível sem controle e repressão moral ou política dos afetos. A socialização familiar em todo lugar é, precisamente, o espaço no qual se produz essa internalização, ou melhor, a “incorporação” de certos padrões morais, cognitivos e estéticos que comandarão nosso comportamento e nos criarão, literalmente, como somos. Esse controle dos afetos não se dá, no entanto, do mesmo nem da mesma direção em todas as culturas e civilizações. A forma singular do controle afetivo, que cria um tipo humano também muito particular, é o fator decisivo para a construção de culturas e civilizações singulares, como, por exemplo, a cultura ou a civilização ocidental sob a qual nascemos. É no conceito do judaísmo antigo que se cria a civilização ocidental, com a noção de indivíduo. A noção central de todo o Ocidente é a de indivíduo, uma ideia particular do sujeito responsável por seus atos, passando depois, pelo catolicismo medieval à revolução protestante. 

        Friedrich Hegel, apenas para um brevíssimo comentário, descreve sua concepção filosófica, no Prefácio a uma de suas mais célebres obras, a Fenomenologia do Espírito (1807). O prólogo é posterior à redação da obra. Foi escrito, passado já o tempo, preopriamente da redação, quando o próprio Hegel pode tomar consciência de seu avanço e extraordinária descoberta. Metodologicamente, tinha como objetivo assegurar o ligamento entre a Fenomenologia, a qual só aparece como a primeira parte da ciência, e a Lógica que, situando-se em uma perspectiva distinta da adotada pela Fenomenologia, deve constituir o primeiro momento abstrato de uma Enciclopédia. Explica-se neste prólogo que é algo assim, comparativamente, como um gonzo entre a subjetividade da Fenomenologia e a objetividade Lógica, Hegel se sentira fundamentalmente preocupado em representar uma ideia geral de todo o seu sistema filosófico (cf. Hyppolite, 1974). Isto é, segundo sua concepção que só deve ser justificada pela apresentação do próprio sistema, tudo decorre de entender e exprimir o verdadeiro não como substância, mas precisamente como sujeito. A substância viva é o ser, que na verdade é sujeito, ou que é na verdade efetivo, mas só na medida em que é o movimento do pôr-se-a-si-mesmo, ou a mediação consigo mesmo do tornar-se outro. Como sujeito, é a negatividade pura e simples, e justamente por isso é o fracionamento do simples ou a duplicação oponente, que é de novo a negação dessa diversidade indiferente e de seu oposto. Só essa igualdade, ou só a reflexão em si mesmo no seu ser-Outro, é que são o verdadeiro; e não uma unidade que é originária, ou uma unidade imediata enquanto tal.

O verdadeiro é o vir-a-ser de si mesmo, o círculo que pressupõe seu fim como sua meta, ipso facto sua antítese, que o tem como princípio, e que só é efetivo mediante sua atualização e seu fim. Friedrich Hegel era crítico das filosofias claras e distintas, uma vez que, para ele, o negativo era constitutivo da ontologia. Neste sentido, a clareza não seria adequada para conceituar o próprio objeto. Introduziu um sistema de pensamento para compreender a história da filosofia e do mundo chamado geralmente dialética: uma progressão no âmbito da história e sociedade na qual cada movimento sucessivo surge, pois, como solução das contradições inerentes ao movimento anterior. A Introdução (Eileintung) à Fenomenologia foi concebida ao mesmo tempo em que a obra é redatada em primeiro termo; parece, pois, que encerra o substancial pensamento do que é efetivo em toda a obra. Verdadeiramente constitui uma Introdução em sentido literal aos três primeiros momentos de toda a obra, isto é: a consciência, a autoconsciência e a razão -, enquanto a última parte da Fenomenologia, que contêm os particularmente importantes desenvolvimentos sobre o Espírito e a Religião, ultrapassa por seu conteúdo a Fenomenologia tal como é definida stricto sensu na muito citada Introdução. Ao que parece é como se Friedrich Hegel entrasse no marco de desenvolvimento fenomenológico com algo que na teoria, em princípio não deveria haver ocupado um posto nele. Não obstante, seu estudo, em maior medida que o do prólogo, nos permitirá elucidar o sentido discursivo dialeticamente da obra que Friedrich Hegel quis escrever, assim como a técnica que per se para ele representa o desenvolvimento fenomenológico. Precisamente porque a Introdução não é representada como um Prólogo anexo posterior que contêm consideráveis informações gerais sobre o objetivo que se propunha o autor e as relações que sua obra tem com outros tratados filosóficos do mesmo tema.

 Ao contrário, de acordo com Hyppolite (1974), “a introdução é parte integrante da obra, constitui o delineamento mesmo do problema e determina os meios postos em prática para resolvê-lo”. Em primeiro lugar, Hegel define na Introdução como se coloca para ele o problema do conhecimento. Vemos como em certo aspecto retorna ao ponto de vista de Kant e de Fichte. A Fenomenologia não é uma noumenologia nem uma ontologia, mas segue sendo, todavia, um conhecimento do Absoluto, pois, que outra coisa poderia conhecer se só o Absoluto é verdadeiro, ou só o verdadeiro é Absoluto? Não obstante, em vez de apresentar o saber do Absoluto “em si para si”, Hegel considera o saber tal como é na consciência e precisamente desde esse saber fenomênico, mediante sua autocrítica, é como ele se eleva ao saber absoluto. Em segundo lugar, Hegel define a Fenomenologia como desenvolvimento e cultura, no sentido de seu progressivo afinamento da consciência natural acerca da ciência, isto é o saber filosófico, o saber do Absoluto; por sua vez indica a necessidade de uma evolução. Em último lugar, Hegel precisa a técnica teórica do desenvolvimento fenomenológico e em que sentido este método é precisamente obra própria da consciência que faz sua aparição na experiência, em que sentido é suscetível de ser repensado em sua necessidade pela filosofia. A lei cujo desenvolvimento necessário engendra todo o universo é a da dialética, segundo a qual toda ideia abstrata, a começar por ser considerada seu estado de abstração, afirma necessariamente a sua negação, a sua antítese, de modo que esta contradição dialética exige para se resolver a afirmação de uma síntese: mais compreensiva que constitui uma nova ideia, rica em desenvolvimento, ao mesmo tempo, do conteúdo das duas outras.

Na reconhecida Introdução à Fenomenologia Hegel repete suas críticas a uma filosofia que não fosse mais que teoria do conhecimento. E não obstante, a Fenomenologia, como têm assinalado quase todos os seus expressivos comentaristas, marca em certos aspectos um retorno ao ponto de vista de Immanuel Kant e de Johann Gottlieb Fichte. Em que novo sentido devemos entendê-lo? Ora, se o saber é um instrumento, modifica o objeto a conhecer e não nos apresenta em sua pureza; se for um meio tampouco, nos transmite a verdade sem alterá-la de acordo com a própria natureza do meio interposto. Se o saber é um instrumento, isto supõe que o sujeito do saber e seu objeto se encontram separados; por conseguinte, o Absoluto seria distinto do conhecimento: nem o Absoluto poderia ser saber de si mesmo, nem o saber, fora da relação dialética, poderia ser saber do Absoluto. Contra tais pressupostos a existência mesma da ciência filosófica, que conhece efetivamente, é já uma afirmação. Não obstante, esta afirmação não poderia bastar porque deixa a margem à afirmação de outro saber; é precisamente esta dualidade o que reconhecia Friedrich Schelling quando opunha o saber fenomênico e o saber absoluto, mas não demonstrava os laços entre um e outro. O saber absoluto não se vê como é possível no saber fenomênico, e o saber fenomênico por sua parte fica igualmente separado do saber Absoluto. Hegel retorna ao saber fenomênico, ao saber típico da consciência comum, e pretende demonstrar como aquele conduz ao saber Absoluto, ou também que ele mesmo é um saber absoluto que, todavia, não se sabe como tal.

Para sermos breves, não apenas Fichte (1762-1814), mas o próprio Schelling (1775-1854), tampouco satisfaz a exigência de uma estrutura de sistema que retorna a si mesma, pois o dualismo fichteano do Eu e Não-Eu perdura, em última análise, no primeiro  projeto resumido de sistema, no Sistema do idealismo transcendental. Segundo ele, a filosofia tem, com efeito, duas partes – filosofia natural, também reconhecida como filosofia da natureza, é área da filosofia que busca compreender os princípios e as primeiras causas do mundo material, e filosofia transcendental, é um conjunto de abordagens, sistemas e filosofias que descrevem as estruturas básicas do ser, ou seja, o quadro de validação e emergência do conhecimento sobre o ser,  a qual, por sua vez, contém, entre outras coisas, filosofia prática e filosofia teórica. Schelling argumenta do seguinte modo: já que o saber seria unidade de subjetividade e objetividade, o ponto de partida da filosofia teria de ser ou o objetivo (a natureza) ou o subjetivo (a inteligência). Naquele caso, surgiria a filosofia da natureza; neste, a filosofia transcendental. No entanto, o objetivo de cada uma dessas duas ciências seria avançar na direção da outra – portanto, de um lado, “partindo da natureza chegar ao inteligente”, e, de outro, partindo do subjetivo, “fazer surgir dele o objetivo”. Esta afirmação apenas poderia fazer sentido, com ela se tivesse em mente que a inteligência tem de objetivar e naturalizar em atos práticos e estéticos, como Schelling tenta demonstrar no Sistema.  A segunda falha resulta da primeira. Schelling conhece, em última instância, apenas duas esferas de análise da filosofia, as quais, na terminologia de Friedrich Hegel, pertencem ambas à filosofia da realidade. Aquela estrutura de pensamento que precede à ambas e que Hegel tematiza na Ciência da Lógica não tem lugar neste projeto de sistema de Schelling.

É fácil entender que não se pode um renunciar a ela, e por três motivos. Em segundo lugar, somente desse modo se pode compreender porque ambas as partes são momentos de uma unidade. Não basta afirmar sua relação mútua, é preciso explicitar estruturas ontológicas gerais que subjazem de igual modo à natureza e à inteligência. Em segundo lugar, somente desse modo se pode tornar plausível a dependência da natureza em relação a uma esfera ideal. E, em terceiro lugar, uma filosofia natural e uma filosofia transcendental apriorísticas são inconcebíveis sem essa esfera abrangente, pois a partir de que deveriam ser fundamentadas as primeiras suposições de ambas as filosofias da realidade? Depois de se desfazer do “resto de fichteanismo”, ainda reconhecível sobretudo na execução do Sistema do idealismo transcendental, Schelling introduziu na Apresentação, como base destas duas ciências, o Absoluto, e o definiu como identidade de subjetividade e objetividade. No entanto, não se pode deixar de ver um limite na doutrina schellinguiana do absoluto que representa um retrocesso, ficando, no mínimo, aquém de Fichte e, em certo sentido, até mesmo aquém de Kant: as categorias analíticas que Schelling utiliza para a caracterização do Absoluto são catadas e, de modo algum deduzidas do próprio Absoluto. Unidade, identidade, infinitude são determinações que Schelling toma da tradição e que, em primeiro lugar, ele não legitima em si e por si – ele apenas mostra que em sua utilização de mera identidade, antes elas que seu contrário conviria ao absoluto, o qual é entendido como unidade de subjetividade e objetividade, e que em segundo lugar, ele nem sequer põe em um nexo causal ordenado.

Simplificadamente, segundo Hösle (2007), o sistema pensamento de Hegel pode ser representado da seguinte forma: 1) o princípio supremo da filosofia transcendental tem de ser, comparativamente com Fichte, uma estrutura iniludível e que fundamente a si mesma reflexivamente. 2) no entanto, esse princípio não pode ter nada perante si, se quer ser absoluto; sendo determinado como subjetividade, ele não pode, portanto, ser subjetividade finita, mas tem de ser com Schelling, unidade de subjetividade e objetividade ou, em terminologia hegeliana, ideia. 3) com o reconhecimento, porém, de que o Absoluto é unidade de subjetividade e objetividade, a filosofia ainda não está concluída. Antes, trata-se decisivamente de explodir o caráter pontualmente desse conhecimento, por quatro motivos: a) quer dizer, a estrutura absoluta não pode ser posta imediatamente, pois então ela mesma seria, na verdade, uma mera abstração, da qual nada decorreria; b) apenas assim pode-se alcançar uma prova da absolutidade dessa estrutura. Mas então é necessária uma prova, mas de um modo necessariamente diferente de como elas mesmas são pressupostas pela ideia absoluta, se é que o círculo deve ser evitado; c) a determinação da exata relação entre “lógica” e “metafísica”, isto e´, entre a doutrina das categorias finitas e a ciência do princípio absoluto, é o problema  para o qual em Jena, pelo fim de sua temporada Friedrich Hegel, conseguiu encontrar uma solução que o satisfizesse até o final de sua vida, enquanto, para a maior parte das demais estruturas fundamentais de sua filosofia , ele chegou bem mais cedo a respostas que sustentou até a Enciclopédia. A ideia Absoluta origina, não apenas as categorias lógicas anteriores a ela, processualmente por meio das quais ela mesma é constituída, sem abdicar da centralidade de seu sistema, ela mesma é constituída em termos de origem assimétrica. Para resolver esse problema, oferece-se apenas um caminho. Reconhece Hegel já cedo contra Schelling, tem de estar acima da natureza, e também corresponder às categorias por assim dizer deficientes da Ciência da Lógica.  

Ziraldo Alves Pinto, nasceu em Caratinga, em 24 de outubro de 1932 e faleceu no Rio de Janeiro, em 6 de abril de 2024. Foi um intelectual pluralista do trabalho de cartunista, chargista, pintor, escritor, dramaturgo, cartazista, caricaturista, poeta, cronista, desenhista, apresentador, humorista, advogado e jornalista. Caratinga, é um município no interior do estado de Minas Gerais, Região Sudeste do país. Localiza-se no Vale do Rio Doce e pertence ao colar metropolitano do Vale do Aço, estando situado a cerca de 310 km ao Leste da capital do estado. Ocupa uma área de 1 258,479 km², sendo que 17 km² em área urbana, e sua população foi estimada em 90 687 habitantes em 2024. Foi o criador de personagens famosos, como o de Menino Maluquinho, e foi um dos mais reconhecidos e aclamados escritores infantis de seu tempo presente. Ziraldo foi pai de três filhos, a cineasta Daniela Thomas, o compositor Antonio Pinto e a diretora de teatro Fabrízia Alves Pinto. Faleceu em sua residência no estado do Rio de Janeiro, Lagoa Rodrigo de Freitas em 6 de abril de 2024 aos 91 anos de idade. Ziraldo era uma figura humanista pública extraordinária ligada à esquerda. Foi membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) juntamente como amigos o arquiteto Oscar Niemeyer. Após o fim da Ditadura golpista, em 1964, o grupo liderado por Roberto Freire no PCB transferiu a estrutura partidária para uma nova legenda, o Partido Popular Socialista (PPS), como forma de enfrentar “o desgaste com a experiência socialista soviética e a queda do muro de Berlim”.  

            Em fevereiro de 1929, após o 3° Congresso do Partido Comunista Brasileiro, realizado entre dezembro de 1928 e janeiro de 1929, no qual foi vencido o grupo de oposição, denominado Dissidência, chefiado por Joaquim Barbosa e Rodolfo Coutinho, Astrojildo Pereira, eleito durante os trabalhos e debates do 6° Congresso para o Comitê Executivo da Internacional Comunista, sob o pseudônimo de “Américo Ledo”, seguiu para Moscou, onde trabalhou no Secretariado para a América Latina, regressou ao Brasil em janeiro de 1930. Em artigo publicado na revista Autocrítica, n°6, com o título: O Proletariado Perante a Revolução Democrática Pequeno-Burguesa (1928), Otávio Brandão afirma que no Brasil trata-se de “nossa aliança com os revoltosos pequeno-burgueses contra os grandes proprietários rurais e feudais” e, em segundo lugar, contra todas as frações da grande burguesia: comercial, industrial, burocrática, acrescentando “a revolução democrático-burguesa é uma criadora de possibilidades”. À sua sombra preparar-nos-emos, afirma Brandão, para a nossa verdadeira obra. Não podemos ser contrários a essa revolução”. E como conclusão: “no Brasil, o problema da pequena-burguesia é urbano e não rural como na Rússia”. Esta concepção da revolução brasileira e de suas forças motrizes, elaborada durante tantos anos, recebeu sua consagração, por assim dizer, no 3° Congresso do PCB, de dezembro de 1928, com a denominação de “terceira revolta”, prevista como continuação histórica dos movimentos tenentistas de 1922, 1924 e 1926, sucedida de fato, na luta armada vitoriosa da Aliança Liberal do prócer Getúlio Vargas, na década de 1930 em que ocorre a radicalização política.

        A tese do 3° Congresso, segundo Astrojildo: “Toda a tática do Partido Comunista deve, portanto, subordinar-se a esta etapa estratégica de mobilização das massas em vista do movimento que se prevê. Em tese o Partido deverá colocar-se à frente das massas, a fim de conquistar, por etapas sucessivas, não só a direção da facção proletária, mas a hegemonia do todo o movimento”. Queremos dizer com isso que a analogia das palavras não deve levar a confusões. Chamam-se igualmente partidos as facções que dividiam as Repúblicas antigas, os clãs que se agrupavam em torno de um condottiere na Itália da Renascença, os clubes onde se reuniam os deputados das assembleias revolucionárias, os comitês que preparavam as eleições censitárias das assembleias revolucionárias, bem como as vastas organizações populares que enquadram a opinião pública nas democracias modernas. Essa identidade nominal justifica-se por um lado, pois traduz certo parentesco profundo: todas essas instituições não desempenham o mesmo papel, que é o de conquistar o poder político e exercê-lo? Porém, sociologicamente, observamos que não se trata da mesma coisa. De fato, os verdadeiros partidos datam pouco mais de um século. Em 1850, nenhum país do mundo, salvo os Estados Unidos da América, conhecia partidos políticos no sentido contemporâneo do termo: encontravam-se tendências de opiniões, clubes populares, associações de pensamento, grupos parlamentares, mas nenhum partido político propriamente dito. Em 1950, estes funcionavam na maior parte das nações civilizadas, os outros se esforçavam por imitá-las, ou apenas transplantá-las.

            O nascimento dos partidos políticos encontra-se, portanto, ligado ao dos grupos parlamentares e comitês eleitorais. Não obstante, alguns manifestam uma natureza mais ou menos aberrante em relação ao esquema geral: sua gênese situa-se fora do ciclo eleitoral e parlamentar, formando essa exterioridade, aliás, seu caráter comum mais nítido. Contudo, o mecanismo geral dessa gênese é simples: criação de grupos parlamentares, de início; surgimento de comitês eleitorais, em seguida; enfim, o estabelecimento de uma ligação permanente entre esses dois elementos. Na prática, a pureza desse esquema de análise teórica é modificada de diversas formas. Os grupos parlamentares vêm à luz antes dos comitês eleitorais: com efeito, houve assembleias políticas antes que se realizassem eleições. Grupos parlamentares são concebíveis no âmbito de uma Câmara autocrática bem como de uma Câmara eleita: na realidade, voltamos ao ponto inicial da questão. A luta das facções geralmente se tem manifestado em todas as assembleias hereditárias ou cooptadas, quer se tratasse do Senado da Roma clássica, quer da Dieta da antiga Polônia. Mas há ainda uma questão chave para seu entendimento político. Quem diz “facção” ainda não diz “grupo parlamentar”: entre os dois, existe a diferença que separa o inorgânico do organizado que levaria o Antônio Gramsci desenvolver uma concepção original sobre o papel do intelectual em geral. O segundo decorre da primeira, por uma evolução mais ou menos rápida.   

            Nascido no Rio de Janeiro, Niemeyer estudou na Escola Nacional de Belas Artes, atualmente Universidade Federal do Rio de Janeiro e durante seu terceiro ano estagiou com seu futuro colega na construção de Brasília o arquiteto Lúcio Costa, com quem acabou colaborando no projeto para o Ministério de Educação e Saúde, atual Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro. Contando com a presença de Le Corbusier, Niemeyer teve a chance de trabalhar junto com o mestre suíço, sendo ele uma grande influência em sua arquitetura. O primeiro grande trabalho de arquitetura individual de Niemeyer foram os projetos de uma série de edifícios na Pampulha, um subúrbio planejado no Norte de Belo Horizonte (MG), tendo como parceiro o engenheiro Joaquim Cardozo - que viria a ser o autor dos cálculos de suas principais obras em Brasília. Esse trabalho, especialmente a Igreja São Francisco de Assis, recebeu elogios da crítica nacional e estrangeira, chamando a atenção internacional para Niemeyer. Ao longo dos anos 1940 e 1950, Niemeyer se tornou um dos arquitetos mais prolíficos do Brasil, projetando uma série de edifícios, tanto no país como no exterior. Isso incluiu o projeto de diversas residências e edifícios públicos, e ainda a colaboração com Le Corbusier (e outros) no projeto da sede das Nações Unidas em Nova Iorque, o que provocou convites para ensinar na Universidade Yale e na Escola de Design da Universidade Harvard.

Em 1956, Oscar Niemeyer foi convidado pelo novo presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, para projetar os prédios públicos da nova capital do Brasil, que seria construída no centro do país. Seus projetos para o Congresso Nacional do Brasil, o Palácio da Alvorada, o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal e a Catedral de Brasília, todos concluídos anteriormente a 1960, foram em grande parte de natureza experimental e foram ligados por elementos de design comuns. Esse trabalho levou à sua nomeação como diretor do departamento de arquitetura da Universidade de Brasília, bem como membro honorário do Instituto Americano de Arquitetos (IAA). Devido à sua ideologia de esquerda e sua militância no Partido Comunista Brasileiro (PCB), Niemeyer deixou o país após o golpe militar de 1964 e, posteriormente, abriu um escritório em Paris. Ele retornou ao Brasil em 1985 e foi premiado com o prêmio Pritzker de arquitetura, em 1988. Entre seus projetos mais recentes se destacam o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (1996), o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba (2002), a Cidade Administrativa de Minas Gerais (2010), o Centro Cultural Internacional Oscar Niemeyer, na Espanha (2011) e o Memorial Luiz Carlos Prestes (projeto de 2012). Niemeyer continuou a trabalhar até dias anteriores de sua morte, em 5 de dezembro de 2012, aos 104 anos de idade. Seu último projeto foi idealizado pouco antes de morrer: a “cidade das artes e da cultura”, em Essaouira, no Marrocos, antigamente chamada Mogador, é uma cidade da costa Sudoeste de Marrocos, capital da província homônima, que faz parte de Marraquexe-Safim, região litorânea do Marrocos. O rei Mohammed VI esperou oito anos para dar aval ao projeto.    

       Em 1964 Oscar Niemeyer viaja para Israel a trabalho em torno de projetos arquitetônicos e volta para um Brasil completamente diferente. Em março o presidente João Goulart (Jango), que assumira após o presidente eleito Jânio Quadros renunciar, havia sido deposto por um golpe dos militares, que assumem o controle do país e instauram um regime de ditadura que durariam 21 anos. O comunismo de Niemeyer lhe custou caro. No período da ditadura militar do Brasil, o regime instaurado em 1 de março de 1964 e que durou até 15 de março de 1985, a revista Módulo que dirigia tem a sede parcialmente destruída, o escritório de Niemeyer é saqueado, seus projetos passam a ser recusados e a clientela desaparece. Em 1965, 223 professores, entre eles Niemeyer, se demitem da Universidade de Brasília, em protesto contra a política universitária e retaliações do governo militar. No mesmo ano viaja para França, para uma exposição sobre sua obra no Museu do Louvre. No ano seguinte, tendo sido impedido de trabalhar no Brasil, muda-se para Paris. Começa aí uma nova fase de sua vida e obra. Abre um escritório na Avenue des Champs-Élysées, nº 90, recebendo comissões de países, em especial da Argélia, onde desenha a Universidade de Constantine e, em 1970, a mesquita de Argel. Na França, projeta a sede do Partido Comunista Francês (doação), a Bolsa de Trabalho de Bobigny, um edifício projetado por Oscar Niemeyer e construído entre 1976 e 1978 na cidade de Bobigny, Seine-Saint-Denis, o Centro Cultural Le Havre, na França e na Itália a extraordinária Editora Mondadori. O edifício foi solicitado por Arnoldo Mondadori, que se impressionara com o Palácio do Itamaraty em visita a Brasília.

            O nome Partido Comunista do Brasil havia sido usado primeiramente pelo antigo PCB, fundado em 25 de março de 1922. Enquanto o PCB abandonava em definitivo a figura de Stálin, o PCdoB manteve o ex-líder soviético como uma de suas referências teóricas ao lado de Marx, Engels e Lênin. Na mesma época, a crise entre a União Soviética e a China atingiu o seu auge, quando o líder chinês Mao Tsé Tung criticou o processo de desestalinização em curso na União Soviética, e acusou Kruschev de “desvios oportunistas e reformistas”. Posteriormente o PCB alterou seu nome para Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado com a presença de 9 delegados, representando diversos grupos regionais e que somavam um total de 73 membros. Um bom número destes militantes fundadores era libertário. Dos nove membros que fundaram o PCB somente o barbeiro Abílio de Nequette e Manoel Cendón são socialistas, enquanto os restantes vinculam-se aquele movimento. Uma leitura atenta da obra de Otávio Brandão, escrita em 1924 sob pseudônimo de Fritz Mayer, Agrarismo e Industrialismo, as revoluções pequeno-burguesas de 1922 e 1924, cometeram erros graves, anterior à sua adesão afetiva ao Partido Comunista Brasileiro em 15 de outubro de 1922, verifica as fortes influências anarquista e mística delineada nos ensaios e livros, que se traduzem no predomínio do questionamento, esquemático e acentuadamente ideológico, resistindo traços da doutrina anarquista considerado em algumas de suas posições pós-adesão.

A chamada “desestalinização” refere-se ao processo de ver como o culto da personalidade e do sistema político stalinista criado pelo líder soviético Josef Stalin. A desestalinização começou tecnicamente em 1953 após a morte de Stalin, mas não era oficial até 1956, após o discurso secreto de Nikita Khrushchev (1894-19710, então secretário do Comitê Central da União Soviética, e liberado após o XX Congresso do PC da URSS. Com sua morte, Stalin foi sucedido por uma liderança coletiva. Os homens considerados politicamente fortes da central soviética eram Lavrentiy Beria, a cargo do Ministério do Interior, Nikita Khrushchev, Primeiro Secretário do Comitê Central do Partido Comunista e Georgi Malenkov, Premier da União Soviética. O processo de desestalinização começou com um fim ao papel do trabalho forçado em grande escala na economia. O processo de libertar prisioneiros dos Gulags foi iniciado por Béria, mas ele foi logo retirado do poder. Khrushchev, em seguida, emergiu como o mais poderoso político soviético. No discurso “Sobre o Culto à Personalidade e suas Consequências” para a sessão fechada do XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética em 25 de fevereiro de 1956, Nikita Khrushchev chocou seus ouvintes denunciando duplamente, por um lado, o regime ditatorial e, por outro, o culto da personalidade de Stalin. Ele também atacou os crimes políticos cometidos pelos associados de Lavrenti Pavlovitch Beria, político soviético e chefe da NKVD na Geórgia. Beria é lembrado pela tragédia como o executor do Grande Expurgo de Stalin na década de 1930, tendo-o presidido.

Não poderíamos repetir o mesmo com Astrojildo Pereira, homem de leitura mais vasta, bom conhecedor da literatura socialista europeia em geral, e em particular a teoria da história e o método de análise materialista e dialético de Marx e Engels. Em 1929, publicou em A Classe Operária o artigo “Sociologia ou apologética?”, estudo crítico da obra de Oliveira Vianna, Populações Meridionais do Brasil, em que eram contestadas as opiniões do autor, que negava a existência de luta de classes na história do Brasil. O trabalho foi depois incluído nos livros Interpretações (1944) e Ensaios históricos e políticos (1979). Lembra Vanilda Paiva no artigo: “Oliveira Vianna: Nacionalismo ou Racismo?”  (1978), que a presença de Oliveira Vianna na vida intelectual brasileira é subestimada, especialmente entre os que passaram a viver os problemas políticos e culturais de forma consciente nos anos 1960. Sobre ele são amplamente reconhecidos o ensaio de Nelson Werneck Sodré, Oliveira Vianna – o racismo colonialista (1961) e o estudo de Astrojildo Pereira intitulado: Sociologia ou Apologética? escrito em 1929 e reunido com outros estudos em Interpretações (1944). Ambos os autores se concentraram com justiça, sobre o caráter racista e de apologia das classes dominantes que permeia a obra Populações Meridionais do Brasil, publicada pela primeira vez em 1918 e reeditada em 1922 e em 1933. A quarta edição, de 1938, incluiu um adendo de resposta às críticas recebidas, o que levou o cientista político conservador Wanderley Guilherme dos Santos (1935-2019) a caracterizá-lo como “autoritarismo instrumental”.

Em fevereiro de 1929, após o 3° Congresso do Partido Comunista Brasileiro, realizado entre dezembro de 1928 e janeiro de 1929, no qual foi vencido o grupo de oposição, denominado Dissidência, chefiado por Joaquim Barbosa e Rodolfo Coutinho, Astrojildo Pereira, eleito durante os trabalhos e debates do 6° Congresso para o Comitê Executivo da Internacional Comunista, sob o pseudônimo de Américo Ledo, seguiu para Moscou, onde trabalhou no Secretariado para a América Latina, regressou ao Brasil em janeiro de 1930. Em artigo publicado em Autocrítica, n°6, com o título: “O Proletariado Perante a Revolução Democrática Pequeno-Burguesa” (1928), Otávio Brandão afirma que no Brasil trata-se de nossa aliança com os revoltosos pequeno-burgueses contra os grandes proprietários rurais e feudais e, em segundo lugar, contra todas as frações da grande burguesia: comercial, industrial, burocrática, acrescentando “a revolução democrático-burguesa é uma criadora de possibilidades”. À sua sombra preparar-nos-emos, afirma, para a nossa verdadeira obra. Não podemos ser contrários a essa revolução”. E como conclusão: “no Brasil, o problema da pequena-burguesia é urbano e não rural como na Rússia”. Esta concepção da revolução brasileira e de suas forças motrizes, elaborada durante tantos anos, recebeu sua consagração, por assim dizer, no 3° Congresso do PCB, de dezembro de 1928, com a denominação de “terceira revolta”, prevista como continuação histórica dos extraordinários movimentos tenentistas de 1922, 1924 e 1926, sucedida de fato, na luta armada vitoriosa da Aliança Liberal do prócer Getúlio Vargas, na década de 1930 em que ocorre a radicalização política.

A sucessão ao governo estadual de Pernambuco, onde houve a intromissão de Hermes da Fonseca e sua consequente prisão, precipitou a revolta do Forte de Copacabana em 1922. Tal movimento não possuía uma proposta definida, tendo conteúdo mais corporativista, de defesa da instituição militar. Deflagrou-se assim o tenentismo. O movimento tenentista não conseguiu produzir resultados imediatos na estrutura política do país, já que nenhuma de suas tentativas teve sucesso, mas conseguiu manter viva a revolta contra o poder das oligarquias, representado na Política do café com leite. No entanto, o tenentismo preparou o caminho para a Revolução de 1930, que alterou, definitivamente, as estruturas de poder no país. O movimento tenentista surgiu nos quartéis espalhados em todo território nacional a partir da década de 1920. Segundo o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro em “Estratégias da Ilusão”, em 5 de julho de 1922 ocorreu a primeira revolta que teve uma forte influência dos tenentes, conhecida como Os 18 do Forte, que se opunha à posse do presidente eleito Artur Bernardes. Os revoltosos, além de contestarem as bases da República Velha, também estavam inconformados com a demissão do marechal Hermes da Fonseca da presidência do Clube Militar. Em 1922, neste movimento participaram o capitão Hermes da Fonseca Filho, o tenente Eduardo Gomes, o tenente Siqueira Campos entre outros. Na Marinha do Brasil, destacaram-se os tenentes Protógenes Guimarães, Ernâni do Amaral Peixoto e Augusto do Amaral Peixoto.

Eles foram derrotados, mas o evento marcou o início do tenentismo e o fim da Primeira República Brasileira. Debelada a revolta de 1922, e com a eclosão dos novos levantes tenentistas, principalmente após as notícias que em 5 de julho de 1924 ressurgiu o movimento armado dirigido pelo general Isidoro Dias Lopes denominado como a Revolta Paulista de 1924, em São Paulo, onde tropas rebeldes tenentistas conseguiram dominar a capital do estado. Em 1924, durante a presidência estadual de Carlos de Campos, ocorre tanto na capital quanto no interior, a revolução, que obriga Carlos de Campos a se retirar da capital paulista. Acontecem destruições e depredações e bombardeiro. A capital foi palco do maior conflito urbano da história do Brasil, em cenas que lembravam a violência letal, terrestre e aérea da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), com explosões de bombas, moradias e prédios destruídos, bombardeios por aviões, soldados com metralhadoras pelas ruas, tanques de guerra cruzando a cidade e trincheiras abertas nas ruas. Os rebeldes são derrotados e rumam ao Sul do Brasil.

Em 28 de outubro de 1924 no Rio Grande do Sul receberam a adesão de novos sublevados, como a do capitão Luís Carlos Prestes (1898-1990), que passaram por vários estados do país. Quando estiveram na Paraíba, enfrentaram as tropas do padre Aristides Ferreira da Cruz, chefe político de Piancó, que foi derrotado e assassinado. A essa altura participam, entre outros, Djalma Soares Dutra, Juarez Távora, Cordeiro de Farias, João Alberto e Miguel Costa. Na sua maioria eram tenentes ou outros oficiais mais graduados. A Coluna Prestes, como passou a ser chamada, após dois anos de luta, enfrentando tropas governistas e tropas de polícias estaduais, além de “provisórios” armados às pressas no sertão do Nordeste, sempre se deslocando de um lugar para outro, terminaram internando-se na Bolívia. O tenentismo passou a participar da Aliança Liberal em 1929, com exceção de Luís Carlos Prestes. A Aliança Liberal era formada pelos presidentes de Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Paraíba. A Aliança pregava a justiça trabalhista, o voto secreto e o voto feminino. O tenentismo, em sua grande maioria, apoiou esse movimento e, depois da vitória e posse de Getúlio Vargas, vários tenentes tornaram-se interventores. Luís Carlos Prestes não apoiou o movimento de 1930, pois aderira ao comunismo em maio daquele ano. Siqueira Campos, que seria um dos líderes, morrera em acidente aéreo, também em 1930. Esse foi o caso de Juracy Magalhães na Bahia, Landri Sales no Piauí, Magalhães Almeida no Maranhão e Joaquim de Magalhães Cardoso Barata no Pará, entre outros. O tenentismo continuou presente na vida pública nacional, mas tem uma divisão nessa época: uma minoria acompanhou Luís Carlos Prestes e, em 1937, em outra divisão no tenentismo, uma parte rompeu com Getúlio Vargas e passou para a oposição; é o caso de Juracy Magalhães, Juarez Távora e Eduardo Gomes, que se distanciaram do poder. Outros, como Newton de Andrade Cavalcanti e Ernesto Geisel, participaram da deposição de Getúlio Vargas em 1945.

          O famoso cartunista foi casado com Vilma Gontijo Alves Pinto de 1958 até a morte dela em 2000, quando aos 66 anos ela sofreu um infarto enquanto dormia. Ziraldo casou-se novamente, dessa vez com Márcia Martins da Silva. Ziraldo foi fumante durante 40 anos, mas conseguiu abandonar o vício. Em 2005, o cartunista filiou-se ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), para o qual desenhou o logo partidário. No ano seguinte, apoiou no primeiro turno a candidata Heloísa Helena para a presidência da República, e ao segundo turno fez apoio para reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Em 5 de abril de 2008, Ziraldo com mais vinte jornalistas que foram perseguidos durante a ditadura militar teve seu processo de anistia aprovado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e foi indenizado em mais de 1 milhão de reais, além de receber uma pensão vitalícia de cerca de 4,3 mil reais. Ele e o cartunista Jaguar receberam as maiores indenizações. À época, Ziraldo afirmou que “o Brasil lhe devia” a indenização declarando: - “Eu quero que morra quem está me criticando. Porque é tudo cagão e não botou o dedo na seringa. Enquanto eu estava xingando o Figueiredo e fazendo charge contra todo mundo, eles estavam servindo à ditadura e tomando cafezinho com o Golbery. Então, qualquer crítica que se fizer em relação ao que está acontecendo conosco eu estou me lixando. O episódio foi comentado por seu antigo colega Millôr Fernandes, que se negou a exigir indenização, questionando: - “Quer dizer que aquilo não era ideologia, era investimento?”. Em 2013, Ziraldo concedeu entrevista para o Museu da Pessoa, na qual comentou sobre a sua vida, principalmente sobre a sua infância. Descobriu que tinha tino para o humor ainda muito novo em meio a uma epidemia de esquistossomose, em Caratinga, onde nasceu. Ziraldo tinha o hábito de vez em quando, de “descer para o térreo do prédio durante a madrugada assobiando, o que eles entendiam como sendo um sinal de que ele iria criar algo novo”.

O desbravamento da região da cidade atualmente teve início no século XVI, em expedições que seguiam pelos rios Doce e Caratinga à procura de metais preciosos. No entanto, o povoamento foi iniciado somente no século XIX, depois que Domingos Fernandes Lana esteve na região à procura da poaia, tendo relatado a amigos e parentes sobre a “fertilidade das terras e a passividade dos indígenas nativos”. Posteriormente, João Caetano do Nascimento, amigo de Domingos Lana, organizou uma expedição em busca da localidade e, ao chegar, tomou posse das terras e dedicou-as ao padroeiro São João, oficializando sua instalação em homenagem ao dia do orago em 24 de junho de 1848. As condições favoráveis à agricultura e a localização geográfica como único centro urbano da margem direita do rio Caratinga mantiveram o incentivo ao crescimento populacionalmente, levando à emancipação em 1890, desmembrando-se de Manhuaçu. Apesar da expansão urbana desordenada, o desenvolvimento foi intensificado com a implementação da Estrada de Ferro Leopoldina e da rodovia BR-116 (isto é, com o trecho da Rodovia Rio–Bahia) entre as décadas de 1930 e 1940. A cultura do café foi impulsionada na década de 50, com a instalação de um escritório do Instituto Brasileiro do Café (IBC), tornando o município um polo da cafeicultura. 

 O cultivo do café, ao lado do comércio, configura-se como principal fonte de renda do município, porém a indústria apresentou ascensão a partir da década de 1980. Também houve nesse período a expansão de um novo núcleo urbano, paralelo à sede original, devido ao crescimento da malha urbana da Região Metropolitana do Vale do Aço. Caratinga abriga importantes unidades de conservação ambiental, dentre as quais a Reserva Particular do Patrimônio Natural Feliciano Miguel Abdalla, que constitui um dos principais remanescentes de Mata Atlântica de Minas Gerais e abriga o muriqui-do-norte, O muriqui-do-norte, mono-da-cara-manchada ou mono-carvoeiro, também reconhecido como mono, buriqui, buriquim, mariquim, miriqui ou muriquina, é uma espécie de macaco do chamado Novo Mundo, da família dos atelídeos e gênero braquiteles, endêmico da Mata Atlântica, reconhecido por ser um dos maiores primatas das Américas. A história da reserva florestal teve seu início com a compra da Fazenda Montes Claro por Feliciano Miguel Abdala, em 1944. Ao longo dos anos o proprietário insistiu em preservar a mata do terreno. Na década de 1970, os pesquisadores começaram a se interessar pela área. Com os professores Álvaro Aguirre e Célio Vá Lie a reserva é reconhecida no meio científico. Em 1977, o professor Akira Nashimura começou a pesquisar os muriquis. Russell Mittermeier apresentou a reserva à doutora Karen Strier que passou a estudar os muriquis-do-norte. Após a morte do proprietário, os herdeiros transformaram a área em reserva perpétua junto ao IBAMA (2001).

Criado pela lei nº 7 735 de 22 de fevereiro de 1989, o IBAMA foi formado pela fusão de quatro entidades brasileiras que atuavam na área ambiental: Secretaria do Meio Ambiente (SEMA), Superintendência da Borracha (SUDHEVEA), Superintendência da Pesca (SUDEPE) e Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF). Em 1990, foi criada a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República (SEMAM), ligada à Presidência da República, que tinha no IBAMA seu órgão gerenciador da questão ambiental. Entre 3 e 14 de junho de 1992, realizou-se na cidade do Rio de Janeiro a Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais reconhecida como Rio-92, da qual participaram 170 países. A questão ambiental no Brasil tornou-se mais discutida, envolvendo a sociedade brasileira, que já vinha se organizando nas últimas décadas, no sentido de pressionar as autoridades brasileiras pela proteção ao meio ambiente de forma mais concisa. Desta forma foi reformulada a sua estrutura burocrática e em 16 de outubro de 1992, foi criado o Ministério do Meio Ambiente (MMA), com o objetivo de estruturar a política do meio ambiente no Brasil, ao qual o IBAMA agora está vinculado, não há subordinação entre o MMA, órgão da Administração Direta e o IBAMA, autarquia federal que compõe coletivamente  a Administração Indireta. Em 2007, foi criado o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia responsável pela gestão das unidades de conservação nacionais, retirando do IBAMA esta competência legal.

 É o maior primata sul-americano, chegando a pesar até 15 quilos. O Brasil é o país com o maior número de primatas conhecidos. Excluindo o ser humano, são cerca de 118 espécies distribuídas em 4 famílias e 19 gêneros. Muitas espécies foram descobertas recentemente, e cerca de 10 foram descritas desde 1995. Possui longos braços e uma cauda preênsil, que permite a braquiação. Ao contrário do muriqui-do-sul, possui manchas esbranquiçadas na face negra, assim como um polegar vestigial. Os testículos são volumosos, consequência de um sistema de acasalamento promíscuo. É uma espécie considerada como “criticamente em perigo” pela União Internacional para a Conservação da Natureza e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Isso se deve principalmente à alta fragmentação da Mata Atlântica e à caça, que pode levar pequenas populações reduzidas à extinção rapidamente. A reserva é um dos atrativos locais e recebe pesquisadores de outros países para estudos e análises. Também se destacam marcos como a Pedra Itaúna, fazendas centenárias, cachoeiras e lagoas na zona rural e o complexo paisagístico da Praça Cesário Alvim, que inclui a Catedral de São João Batista, construída em 1930. Tradições como a festa da Folia de Reis, os festivais artísticos e as festas juninas também se fazem presentes. 

Ziraldo começou a trabalhar no jornal Folha da Manhã, atualmente Folha de S. Paulo, em 1954, com uma coluna diária dedicada especificamente ao humor. Ganhou notoriedade nacional ao se estabelecer na revista O Cruzeiro em 1957 e, posteriormente, no Jornal do Brasil, em 1963. Originalmente Cruzeiro foi uma revista semanal ilustrada, lançada no Rio de Janeiro, em 10 de novembro de 1928, editada pelos Diários Associados, de Assis Chateaubriand. Carlos Malheiro Dias foi seu diretor no período de 1928 a 1933, sendo sucedido por Antonio Accioly Neto e depois por José Amádio que, em 1960 imprimiu um novo design editorial que ficou reconhecido como “bossa nova”. Foi a principal revista ilustrada brasileira da primeira metade do século XX. Deixou de circular em julho de 1975. Estabeleceu uma nova linguagem na imprensa: inovações gráficas, publicação de grandes reportagens, com ênfase em fotojornalismo. Fortaleceu a parceria com as duplas repórter-fotógrafo, a mais famosa sendo formada por David Nasser (1917-1980) e Jean Manzon (1915-1990) que, nos anos 1940 e 1950, fizeram reportagens de grande repercussão. Em 1941, O Cruzeiro passou a ser o nome da Editora do grupo Diários Associados. Em 1960 lançou a primeira revista em quadrinhos brasileira feita por um só autor, Turma do Pererê, que também foi a primeira história em quadrinhos a cores totalmente produzida no Brasil.

A trajetória dos Diários Associados começou em 2 de outubro de 1924 quando o jornalista Assis Chateaubriand (cf. Morais, 1994), então com 32 anos, adquiriu O Jornal, publicação que circulava no Rio de Janeiro desde 1919. Com o sonho de integrar os brasileiros por meio dos veículos de comunicação, fundou e adquiriu outras empresas de mídia impressa, rádio e televisão e o grupo se tornou um dos mais importantes do Brasil. Em 1928, fundou a primeira revista do país, O Cruzeiro. A televisão veio em 1950 com a TV Tupi de São Paulo, primeira emissora da América Latina. Antes de falecer, Chateaubriand criou em 1959 o Condomínio Acionário e distribuiu as cotas das empresas para 22 amigos, entre eles vários dirigentes dos veículos de comunicação do grupo, e seus filhos. Eles passaram a ser condôminos, respondendo pela posse das empresas. O número de condôminos não pode aumentar e quando algum vem a falecer outro executivo é eleito para ocupar sua vaga no condomínio. Em 12 de novembro de 1995, a página da internet do Estado de Minas vai ao ar. Esta foi o segundo jornal online do país, perdendo apenas para o Jornal do Brasil. Em seguida, a empresa investiu em seu próprio provedor de internet, estreando o Portal Uai em 29 de janeiro de 1996. Em 2000, alguns veículos ativos dos Diários Associados sofreram um bloqueio judicial movido por Gilberto Chateaubriand, filho do fundador do grupo. Em 2008, adquiriu 50% da TV Brasília. Em 2009, o grupo completou 85 anos e, para comemorar, lançou sua nova marca e slogan: A vida com mais conteúdo, cuja ideia é fortalecer a presença. Em 2010, os Diários Associados ganharam uma batalha judicial, na qual era discutida a legalidade da doação do condomínio acionário pelo fundador Assis Chateaubriand, depois de sua morte.

Em 1960 recebeu o Nobel Internacional de Humor no 32º Salão Internacional de Caricaturas de Bruxelas e também o prêmio Merghantealler, principal premiação da imprensa livre da América Latina. Foi fundador e posteriormente diretor do periódico O Pasquim, tabloide de oposição ao regime militar, uma das prováveis razões de sua prisão, ocorrida um dia após a promulgação do Ato Institucional Número Cinco (AI-5). Foi o mais duro dentre os 17 atos institucionais decretados pela ditadura militar nos anos que se seguiram ao golpe de estado de 1964 no Brasil. Instituído em 13 de dezembro de 1968, no governo de Artur da Costa e Silva, o AI-5 permitiu a cassação de políticos eleitos simultaneamente nas esferas federal, estadual e municipal, autorizou o presidente da República a intervir nos governos de estados e municípios e permitiu a suspensão de direitos e garantias constitucionais individuais como habeas corpus, entre outras medidas. Representou o momento de maior endurecimento da repressão política à opositores durante a instalação da ditadura civil-militar, que abriu o caminho para a institucionalização da tortura, do assassinato e dos desaparecimentos como instrumentos de ação do Estado. Embora tenha alcançado uma das maiores tiragens comerciais, não por acaso Turma do Pererê foi cancelada em 1964, logo após o início do regime militar golpista no Brasil.

Nos anos 1970, a Editora Abril, sediada na cidade de São Paulo, parte integrante do Grupo Abril. A empresa atualmente publica 18 títulos, com circulação de 188,5 milhões de exemplares, em um universo de quase 28 milhões de leitores e 4,1 milhões de assinaturas, sendo a maior do segmento na América Latina. Hoje Veja é a maior revista do Brasil, com uma circulação de mais de 900.000 exemplares nas versões físicas e digitais em 2018. Em 1980 Ziraldo lançou o livro “O Menino Maluquinho”, seu maior sucesso editorial, o qual foi mais tarde adaptado na televisão e no cinema. A revista da Turma do Pererê teve outras passagens pelas bancas numa edição encadernada pela Editora Primor no ano de 1986 e em formato de almanaque pela Editora Abril na década de 1990. Em 1999 lançou a revista Bundas", uma publicação de humor sobre o cotidiano que faz uma brincadeira com a revista Caras, esta voltada para o dia a dia de festas e ostentação da elite brasileira. Ziraldo foi também o fundador da revista “A Palavra” em 1999. Em 1989, criou a Família Folhas para uma campanha de reciclagem da Prefeitura de Curitiba. Ele reformulou a família e criou novos personagens em 2022. Para a utiliade de uso comercialente com a internsa propagação da televisão, foi adaptado em 2006 pela TV Brasil, chamada Um Menino muito Maluquinho, que durou uma temporada consagrada com 26 episódios sob a direção de Anna Muylaert e Cao Hamburger.

No cinema, foi adaptado três vezes, a primeira em Menino Maluquinho - O Filme em 1995 e uma sequência em 1998 dirigida por Fernando Meirelles, Menino Maluquinho 2 - A Aventura. A partir do ano de 2000, participou da “Oficina do Texto”, maior iniciativa de coautoria de livros do Mundo, criada por Samuel Ferrari Lago, então diretor do Portal Educacional, na qual ilustrou histórias que ganharam textos de alunos de escolas do Brasil todo, totalizando aproximadamente 1 milhão de diferentes obras editadas em coautoria com igual número de crianças. Ziraldo foi homenageado por escolas de samba e afirmou que essa é a maior homenagem que um brasileiro pode receber. No carnaval de São Paulo, foi a Nenê de Vila Matilde em 2003 que celebrou a trajetória do artista. A adaptação recente da série é Uma Professora Muito Maluquinha, de 2010, estrelado por Paolla Oliveira. Ilustrações de Ziraldo já figuraram em publicações internacionais como as revistas Private Eye da Inglaterra, Plexus da França e Mad, dos Estados Unidos da América. Ziraldo concedendo autógrafos de seus livros na 20ª Bienal do Livro de São Paulo que aconteceu em 2008 no Complexo do Anhembi na cidade de São Paulo. Na Sapucaí, Ziraldo foi enredo da Tradição em 2012. Ziraldo desfilou pela Escola de Samba Tradição Grêmio Recreativo na Sapucaí em 2012.  É uma escola de samba do Rio de Janeiro, fundada em 1º de outubro de 1984. No dia 3 de outubro de 2016 recebeu a Medalha de Honra da Universidade Federal de Minas Gerais em cerimônia pelo reitor Jaime Arturo Ramírez. É a maior universidade do estado de Minas Gerais e possui campi nas cidades de Belo Horizonte, Tiradentes e Montes Claros.

Bibliografia Geral Consultada.

HYPPOLITE, Jean, Genesis y Estructura de la Fenomenología del Espíritu de Hegel. Barcelona: Ediciones 62, 1974; MORAIS, Fernando, Chatô: O Rei do Brasil, a Vida de Assis de Chateaubriand. São Paulo: Editora Companhia da Letras, 1994; BUNKER, Edward, Educazione di Una Canaglia. Roma: Giulio Einaudi Editore, 2002; AB`SABER, Aziz Nacib, Os Domínios de Natureza no Brasil: Potencialidades Paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003; LÖWY, Michael, Ecologia e Socialismo. São Paulo: Cortez Editores, 2005; COUTO, José Geraldo, “Ator conferiu estatuto trágico à canalhice”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/28/06/2006; PEIXOTO, Elza Margarida de Mendonça, Estudos de Lazer no Brasil: Apropriação da Obra de Marx e Engels. Tese de Doutorado. Faculdade de Educação. Campinas: Universidade de Campinas, 2007; HÖSLE, Vittorio, O Sistema de Hegel. O Idealismo da Subjetividade e o Problema da Intersubjetividade. São Paulo: Editora Loyola, 2007; LACERDA JÚNIOR, Fernando, Psicologia Para Fazer a Crítica? Apologética, Individualismo e Marxismo em Alguns Projetos Psi. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Centro de Ciências da Vida. Campinas: Pontifícia Universidade Católica de Campinas, 2010; MOREIRA, Adriano de Lavor, Visibilidade, Comunicação, Políticas Públicas e Saúde: Ressonâncias e Interrelações na Saúde Indígena. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Informação, Comunicação e Saúde. Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde. Rio de Janeiro: Editor Fundação Oswaldo Cruz, 2014; BURAWOY, Michael, Marxismo Sociológico: Quatro Países, Quatro Décadas, Quatro Grandes Transformações e uma Tradição Crítica. São Paulo: Editora Alameda, 2014; FOSTER, John Bellamy, “Marxismo e Ecologia: Fontes Comuns de uma Grande Transição”. In: Lutas Sociais. São Paulo, vol. 19, n° 35, pp. 80-97, jul./dez. 2015; DI MAGGIO, Manuel, “Le Iene, as origens da polpa de Tarantino”. In: Metropolitan Magazine, 27 de março de 2020; SOUZA, Jessé, A Ralé Brasileira: quem é e como vive. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2022; PINOTTI, Fernanda, “Além de O Menino Maluquinho, relembre principais obras de Ziraldo”. Disponível em:  https://www.cnnbrasil.com.br/06/04/2024; LIMA, Patrícia Morais, “Sem Gente ou Com Gente?”: As Disputas por “Natureza” na Criação e no Desenvolvimento das Unidades de Conservação de Uso Sustentável no Brasil. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social. Montes Claros: Universidade Estadual de Montes Claros, 2024; entre outros.

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Ernesto Sabato – O Túnel, Romance, Morte & Pragmatismo Literário.

Existió una persona que podria entenderme. Pero fue, precisamente, la persona que maté”. Ernesto Sabato

           A imaginação humana pode separar todas as ideias simples, e uni-las novamente da forma que bem lhe aprouver, nada seria mais inexplicável que as operações dessa faculdade, se ela não fosse guiada por alguns princípios universais, que a tornam, em certa medida, uniforme em todos os momentos e lugares. Fossem as ideias inteiramente soltas e desconexas, apenas o acaso as ajuntaria; e seria impossível que as mesmas ideias simples se reunissem de maneira regular em ideias complexas se não houvesse algum laço de união entre elas, alguma qualidade associativa, pela qual uma ideia naturalmente introduz outra. Esse princípio de união entre as ideias não deve ser considerado uma conexão inseparável, tampouco devemos concluir que, sem ele a mente não poderia juntar duas ideias – pois nada é mais livre que essa faculdade. Devemos vê-lo apenas como uma força suave, que comumente prevalece, e que é a causa pela qual, entre outras coisas diversas, as línguas se correspondem de modo tão estreito umas às outras: pois a natureza de alguma forma aponta a cada um de nós as ideias simples mais apropriadas para serem unidas em uma ideia complexa. As qualidades não dão origem a tal associação, e que levam a mente, dessa maneira promissora, de uma ideia a outra, são três: semelhança, contiguidade no tempo e espaço, e a relação de causa e efeito.

Melhor dizendo, que as ideias da memória são muito mais vivas e fortes que as da imaginação, simplesmente, e que a primeira faculdade pinta seus objetos em cores mais distintas que todas as formas que possam ser usadas pela última. Ao nos lembrarmos de um acontecimento passado, sua ideia invade nossa mente com força, ao passo que, na imaginação, a percepção é fraca e lânguida, e apenas com muita dificuldade pode ser conservada firme e uniforme pela mente durante todo o período considerável de tempo. Temos aqui uma diferença sensível entre as duas espécies de ideias. Mas há uma outra diferença, não menos evidente, entre esses dois tipos de ideias. Embora nem as ideias da memória nem as da imaginação, nem as ideias vívidas nem as fracas possam surgir na mente antes que impressões correspondentes tenham vindo abrir-lhes o caminho à subjetividade, a imaginação não se restringe à mesma ordem na forma das impressões originais, ao passo que a memória está de certa maneira amarrada quanto a esse aspecto, socialmente quase sem nenhum poder de variação. É evidente que a memória preserva a forma original sob a qual seus objetos se apresentaram. A principal função social da memória não é preservar as ideias simples, mas sua ordem e posição. Esse princípio se apoia em aspectos comuns e vulgares do dia a dia corrente que podemos nos poupar o trabalho de continuar insistindo ideologicamente nele. Isto exige de nós no plano abstrato de análise de que abandonemos, como é comum no discurso acadêmico, isto é, sobre nossa preocupação essencialmente com a pretensão de objetividade do conhecimento e tornemo-nos satisfeitos com a intersubjetividade.

São enormes as consequências no que diz respeito à problemática da verdade: por não ser rortyniana o conhecimento um “espelho da natureza”, mas algo que está fundamentalmente imbricado com a práxis dialogal e o contexto social, então a crítica das diferentes formas de práxis social é destituída de qualquer sentido, já que estamos presos pelos contextos simbólicos e qualquer tentativa de transcendência a eles significa um retorno à postura fundamentalista. Estabelecido que é impossível ir além do horizonte linguístico de opiniões justificadas, como se combina esta tese fundamental da reviravolta pragmática com a intuição de que sentenças verdadeiras levantam a pretensão de dar conta dos fatos do mundo. O desafio central do contextualismo está aqui: relacionar verdade e justificação. A reviravolta pragmaticamente feliz traz um modelo de conhecimento contraposto ao tradicional da representação, que é um modelo estático. Nossos conhecimentos constituem, na dimensão espacial, o resultado de trabalho sobre as decepções em nossa convivência inteligente com um mundo repleto de riscos, na dimensão social, a partir da legitimação de soluções de problemas frente às objeções de outros participantes da prática na dimensão argumentativa e, na família, no Estado, na educação, na realidade de dimensão histórica e temporalmente, a partir de processos de comunicação e de aprendizagem alimentam a revisão dos próprios erros.    

A América Latina está localizada na totalidade no hemisfério ocidental, cujas linhas imaginárias que atravessam são: o Trópico de Câncer, pelo qual é cortado o centro do México; o Equador, linha imaginária passada no Brasil, Colômbia, Equador e pelo qual perpassa o Norte do Peru e o Trópico de Capricórnio, pelo qual são atravessados o Brasil, o Paraguai, a Argentina e o Chile. A América Latina é um complexo cultural das Américas a qual é distribuída irregularmente pelos hemisférios Norte e Sul, porque a maioria de suas terras é estendida ao Sul da Linha do Equador. Na América Latina são comportadas diversas culturas, porque estão diversificados simultaneamente línguas originárias, etnias e costumes. Há predomínio do espanhol como língua dos países da América Latina, com a invasão e conquista das ilhas do Caribe em 1492, se estendeu rapidamente através da América com a penetração dos colonos procedentes de Andaluzia e Extremadura, mas também de outras partes da Espanha, que se estabeleceram ali nos séculos XVI e XVII constituindo-se ao redor de 200 mil pessoas nesses primeiros séculos. Atualmente é falado por mais de 370 milhões de latino-americanos, mas também o português, francês e, em certas regiões ao Norte do continente, inglês e neerlandês. Há muitas e variadas formas de línguas nativas, merecendo destaque o quíchua, legado dos Incas e idioma que se fala no Peru, Equador, Bolívia e Argentina. Línguas românicas oficiais na América Latina. Apesar da intensidade de mestiços, existem algumas nações em que a maior parte dos habitantes é branca como a Argentina e Uruguai, outras, ungidas no âmbito do processo civilizatório, onde quase todos os habitantes são de origem étnica negra, como ocorre analogamente no Haiti, República Dominicana, Granada, Bahamas e Barbados e outras, onde está na origem continental o índio: Peru, Bolívia, México, Equador e Paraguai.

Existem países mestiços de verdade: Colômbia e Venezuela e demais como o Brasil, no qual são existentes regiões de população com pequeno predomínio de brancos e demais onde é apresentada maior parte de negros, mestiços, mulatos ou índios. Vale lembrar-se do ponto de vista técnico-metodológico, que a recepção das ideias de Marx à América do Sul, tal como a chegada delas à América do Norte, dependeu amplamente, do deslocamento dos imigrantes, que vinham da Europa, atravessavam o Atlântico, para “fazer a América”. Para atender à demanda de mão-de-obra na agricultura em substituição ao modo escravista de produção, e estratégias também para promover a diversificação das atividades artesanais e manufatureiras, os governos de diversos países sul-americanos, entre os quais os políticos da Argentina e do Brasil, tomaram medidas destinadas a atrair os imigrantes; e na segunda metade do século passado tais imigrantes acorreram em muitas centenas de milhares. Em sua maioria, não eram socialistas, uns poucos, porém, simpatizavam com seus ideais, aprovavam suas doutrinas. Outros já tinham adquirido experiência em lutas políticas e sociais travadas em seus países de origem e vinham justamente porque suportavam mal a repressão institucionalizada nas sociedades em que tinham vivido. Poucos, entretanto, terão sido aqueles trabalhadores que teriam ouvido do Manifesto Comunista de Karl Marx e Friedrich Engels, de 1848.

A teoria do modo de produção asiático como modo de produção característico das milenares formas de constituição e manutenção da sociedade, bem como primeira forma originária e mais geral de sociedade pós-comunidade primitiva, foi fundamental para a concepção histórica e analítica de Marx, como aparecia também em contraposição mais evidente em relação ao desenvolvimento da história greco-romana ocidental. Suas mais importantes formações econômico-sociais, como a China e a Índia, não se teriam alterado substancialmente mesmo com as grandes invasões de povos bárbaros em passado mais remoto, como os mongóis, os árabes e os hunos. Estes povos, apesar de superiores belicamente a chineses e hindus, eram culturalmente inferiores a essas grandes civilizações orientais de culturas milenares. O que transforma estas analogias em relação dinâmica de afinidade eletiva, na falta de melhor expressão, é uma conjuntura histórica, uma constelação peculiar de eventos que se dá a partir do final dos anos 1950. Por um lado, trata-se de uma conjuntura mundial: a crise e renovação teológica do catolicismo europeu no pós-guerra, a eleição de João XXIII em 1958 e sua convocação de Concílio, visando o aggiornamento da doutrina e das práticas da Igreja. Ernesto Roque Sabato nasceu em Rojas, um município da província de Buenos Aires, na Argentina, em 1911, filho de imigrantes italianos de classe média. 

Completou o doutorado em física na Universidad Nacional de La Plata em 1937, aos 26 anos. Ernesto Sabato (1911-2011) é um dos principais escritores argentinos do século XX, ao lado de Jorge Luis Borges, Roberto Arlt e Julio Cortázar. Escreveu três romances, “O Túnel”, “Sobre Heróis e Tumbas” e “Abaddón, o Exterminador”, além de numerosos ensaios. Em 1984, recebeu o Prêmio Miguel de Cervantes. Durante o governo de Raul Alfonsín (1983-1989), coordenou o projeto “Nunca Más”, que investigou os abusos cometidos pelo regime militar argentino. Depois de estudos no Laboratoire Curie, em Paris – quando se aproximou do círculo surrealista –, e no Massachusetts Institute of Technology (MIT), passou a dar aulas na universidade de La Plata. Artigos que escreveu contra o governo de Juan Domingos Perón lhe custaram a demissão (cf. Zanata, 2011; Zamppronha, 2017). Em pouco tempo, Sabato abandonou a carreira na física, decepcionado com a “racionalidade científica”. Outro desencanto viria com o comunismo, do qual se afastou diante dos crimes de massificação de Josef Stálin. Em sua longa vida, Sabato exerceu vários ofícios e papéis sociais. Septuagenário, recebeu o pedido do presidente Raúl Alfonsín (1927-2009) para chefiar as investigações sobre as violações dos direitos civis durante a sangrenta ditadura militar argentina (1976-1983). Sabato presidiu, no decorrer de 280 dias (1983-1984), a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (Conadep). Esse trabalho, extraordinário e humanista reconhecido “Relatório Sabato”, resultou no livro Nunca Más (1984), que enumera as mortes e desaparecimentos de um total entre 10 mil e 30 mil pessoas, além de 340 centros de triagem e tortura.  

As Forças Armadas argentinas prendem e depõem a presidente Isabel Martinez de Perón. Uma Junta Militar assume o governo e dá início à mais sangrenta ditadura da história do país e da América do Sul. O novo regime seria responsável pela morte e desaparecimento de cerca de 30 mil pessoas num período de sete anos – um em cada mil argentinos, a maioria jovens, foi assassinado pelos militares. O golpe de Estado de março de 1976 foi o último de uma série de seis intervenções das Forças Armadas na vida política da Argentina no século 20. Tirou do poder Isabelita, como era reconhecida a vice e mulher de Juan Domingo Perón, eleito em 1973 e que morreu menos de um ano depois da posse. O próprio Perón, que antes fora presidente do país por dois mandatos, já havia sido alvo de um golpe em 1955 também por parte dos militares. Seus governos tiveram como marcos a nacionalização de estradas de ferro e de serviços públicos, a promoção do desenvolvimento industrial e do emprego e a introdução de benefícios sociais aos trabalhadores. A popularidade conquistada junto às classes trabalhadoras fortaleceu o Partido Justicialista e consolidou o movimento político-ideológico que ficou reconhecido como peronismo. Após a deposição de Isabelita, quatro juntas militares mantiveram nos sete anos seguintes uma política sistemática de fazer desaparecer não apenas seus adversários, como também seus filhos. As Forças Armadas orientavam os agentes da repressão a encaminhar as crianças de até quatro anos para adoção por familiares de militares. A ditadura acabou em 1983 com a economia do país em frangalhos e uma fragorosa derrota na guerra contra o poderoso Reino Unido pela posse imperialista das Ilhas Malvinas. Nem todos os generais das juntas militares foram julgados e condenados pela tortura, assassinato e morte dos milhares de argentinos.

Na passagem do século XIX para o XX, a Argentina viveu um período próspero e estável logo após o fim da ditadura de Juan Manuel Rosas. O cenário político era regido por um Estado Liberal onde os grandes proprietários de terra e a burguesia financeira equilibrava-se no controle do poder. O crescimento da economia argentina ocorria a largos passos e aproveitou da crise econômica europeia no início do século XX para ampliar seu parque industrial. Juan Manuel José Domingo Ortiz de Rosas, apelidado de “o Restaurador das Leis”, foi um político e oficial militar argentino que governou a província de Buenos Aires e brevemente a Confederação Argentina. Nasceu em uma família rica, porém mesmo assim conseguiu “acumular uma riqueza pessoal, adquirindo grandes extensões de terra no processo”. Ortiz de Rosas colocou seus trabalhadores em uma milícia particular, algo comum para proprietários rurais de seu tempo, e participou de disputas entre facções que levaram a várias guerras civis no país. Foi bem sucedido na guerra, conseguiu influência pessoalmente e era seguido por um exército particular leal, tornando-se o modelo pragmático do caudilho, como os senhores provinciais da região eram reconhecidos. Rosas eventualmente alcançou a patente de brigadeiro-general, a mais alta do exército argentino, e tornou-se o líder incontestável do Partido Federal.   Em meio a confrontação ocorre a determinação afetiva.  O impessoal precisa ser apreendido em articulação com a técnica que se apresenta como instâncias condicionantes do modo de abertura do ente na totalidade que vigora em nosso tempo.

Com isso, compreensão projeta o campo existencial do poder-se que cada ser-aí é, mas sempre levando em conta a relação filosófica com o mundo fático que se apresenta de forma tenra constitutiva das possibilidades efetivas de ser. É muito provável que essas peculiaridades da história e do pensamento, em suas realizações e frustrações, sejam o que há de mais característico da modernidade latino-americana e caribenha. Uma modernidade entre barroca e mágica, indo-americana e afro-americana, ibérica e ocidental, original e esquizofrênica. É assim que essas nações, cada uma a seu modo, e todas como se fosse um concerto de grande envergadura, se constituem como processos históricos e mentais, realidades sociais em devir, possibilidades de realização e criação. Em todos os casos, e em todas as épocas, compreendendo tanto o colonialismo e o imperialismo como o globalismo, o que está em causa, na prática, é o enigma envolvido no contraponto pensamento e pensado, conceito e metáfora, categoria e alegoria. Subsiste permanentemente a impressão social de que o pensamento, em suas várias e diferentes modalidades, não apreende o que realmente está ocorrendo, quais são os problemas e os dilemas cruciais, porque não correspondem a ideias, modelos ou ilusões que emergem sob formas de imaginários, emprestados de outras realidades.

Outros, no entanto, podem fascinar-se precisamente porque assim se desvendam diferentes e fascinantes realidades, possibilidades e modos de ser, sentir, agir, pensar, compreender, explicar e fabular.  As motivações que ordenam os símbolos não apenas já não formam longas cadeias de razões, mas nem sequer cadeias. A explicação linear do tipo ideal de dedução lógica ou narrativa introspectiva já não basta para o estudo das motivações simbólicas. A classificação social dos grandes símbolos da imaginação em categorias motivacionais distintas apresenta, com efeito, pelo próprio fato da não linearidade e do semantismo das imagens, grandes dificuldades. Metodologicamente, se se parte dos objetos bem definidos pelos quadros da lógica dos utensílios, como faziam as clássicas “chaves dos sonhos”, segundo as estruturas antropológicas do imaginário, cai-se rapidamente, pela massificação das motivações, numa inextricável confusão. Parecem-nos mais sérias as tentativas para repartir os símbolos segundo os grandes centros de interesse de um pensamento, certamente perceptivo, mas ainda completamente impregnado de atitudes assimiladoras nas quais os acontecimentos perceptivos não passam de meros pretextos para os devaneios imaginários. Tais são, de fato, socialmente as classificações mais profundas de analistas das motivações comparativamente do simbolismo religioso ou da imaginação de modo geral literária.   

No prolongamento dos esquemas explicativos, arquétipos e simples símbolos modernos podem-se considerar o mito. Lembramos, todavia, que não estamos tomando este termo na concepção restrita que lhe dão os etnólogos, que fazem dele apenas o reverso representativo de um ato ritual. Entendemos por mito, “um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas, sistema dinâmico que, sob o impulso de um esquema, tende a compor-se na narrativa”. O mito é já um esboço de racionalização, dado que utiliza o fio do discurso, no qual os símbolos se resolvem em palavras e os arquétipos em ideias. O mito explicita um esquema ou um grupo de esquemas. Do mesmo modo que o arquétipo promovia a ideia e que o símbolo engendrava o nome, podemos dizer que o mito promove a doutrina religiosa, o sistema filosófico ou, como bem observou Emile Bréhier (1876-1952), a narrativa histórica e lendária. O método de convergência evidencia o mesmo isomorfismo na constelação e no mito. Enfim, para sermos breves, este isomorfismo dos esquemas, arquétipos sociais e símbolos no seio dos sistemas míticos, ou de constelações estáticas, pode levar-nos a verificar a existência de protocolos normativos das representações imaginárias, agrupados em torno dos esquemas originais e que antropologicamente a literatura refere-se como estruturas.                        

         Ortiz de Rosas foi eleito governador em dezembro de 1829 e estabeleceu uma ditadura apoiada pelo terrorismo de Estado. Assinou o Pacto Federal em 1831, reconhecendo a autonomia provincial e criando a Confederação Argentina. Seu mandato terminou em 1832 e Rosas partiu para as fronteiras a fim de travar uma guerra contra populações indígenas. Seus apoiadores realizaram em 1835 um golpe de Estado em Buenos Aires e pediram para que ele retornasse mais uma vez como governador. Rosas restabeleceu sua ditadura e formou a Mazorca, “uma polícia armada repressiva que matou centenas de civis”. As eleições acabaram tornando-se farsas e os poderes legislativo e judiciário foram transformados em instrumentos de sua vontade. Rosas também criou um “culto de personalidade” e seu regime se tornou totalitário, com todos os aspectos políticos da sociedade sendo rigidamente controlados. Enfrentou muitas ameaças contra seu poder no final da década de 1830 e início da de 1840 quando travou uma guerra com a Confederação Peru-Boliviana, sofrendo um bloqueio naval promovido pela França. Enfrentou uma revolta em sua própria província e lutou durante anos contra uma rebelião que se espalhou rapidamente pelos outros territórios. Mesmo assim perseverou e ampliou sua influência, exercendo controle efetivo de todas as províncias através de meios repressivos diretos ou indiretos. Por volta da década de 1848, seu poder se estendia para além das fronteiras de Buenos Aires e governava toda a Argentina. Enfim, Rosa também tentou anexar os países vizinhos do Uruguai e Paraguai. Os franceses e britânicos retaliaram em conjunto contra o expansionismo argentino, bloqueando Buenos Aires pela maior parte da segunda metade dos anos 1840, porém eventualmente foram incapazes de parar Rosas, cujo prestígio tinha crescido enormemente devido progressivos sucessos.                                  

         O desenvolvimento sócio-econômico argentino trouxe um amplo processo de urbanização que aumentou a formação dos grupos trabalhadores do país. A ascendência desse novo cenário sócio-político se contrapôs ao controle político das oligarquias que se cristalizaram no poder. As tensões e disputas políticas ficaram assim marcadas pelo surgimento da União Cívica Nacional, que reunia diversos grupos políticos defensores do Estado democrático de direito. Durante a década de 1920, a União Cívica conseguiu chegar ao poder com a eleição de Hipólito Irigoyen. A força política desse novo grupo foi oprimida pelos grupos conservadores que, no ano de 1930, realizaram um golpe de Estado com o apoio dos norte-americanos. Dessa forma, a década de 1930 foi reconhecida como a “década da infâmia”, onde fraudes eleitorais e a violência davam sustentação à chamada Concordância. No ano de 1943, a Concordância impôs o mandato de Ramon Castilho, que ficaria reconhecido como “o último dos presidentes apoiados pelo grupo conservador”. Em seu governo, o coronel Juan Domingo Perón liderou a pasta do Ministério do Trabalho, incentivou a ampliação dos direitos trabalhistas e a organização dos movimentos sindicais argentinos. Seu apelo popular, ideologicamente dirigido aos chamados “descamisados” da nação argentina, como ocorrera com o político alagoano pragmático e golpista Fernando Collor de Mello, no Brasil, fez com que Perón vencesse as eleições de 1946. O mágico está presente na literatura e na realidade social latino-americana. A fantasia do escritor, trabalhada por sua linguagem, produz a magia da escritura. O que há de novo, talvez, é que sempre ressoa a realidade na ficção, da mesma forma que está naquela. Assim como pode ser um traço fundamental de uma época da história da literatura latino-americana.

           Um estilo literário que revela o espírito da cultura dessa época que por sua vez, ressoa os trabalhos e os dias, os impasses e as lutas, as derrotas e as façanhas da vida das pessoas, famílias, grupos, classes, movimentos sociais e outros setores nas sociedades nacionais, do continente e das ilhas. É como se um novo horizonte iluminasse de repente todo o vasto mural da história, revelando fatos sociais e feitos políticos que adquire outro movimento, som, cor. O romancista pode ser um cronista “fora do tempo”, narrando o imaginado e o acontecido segundo a luz que o ilumina. Pode representar um estilo de olhar na medida em que o realismo mágico parece uma superação do realismo social, crítico. É visto sociologicamente como um estilo diferente, novo. Emerge de uma época em que ele aparentemente estaria esgotado, ou revelando extraordinárias limitações. A fabulação do artista, então, cria outros meios sociais de expressão, abre horizontes novos à imaginação individual e coletivamente. Entre as soluções formais mais frequentes, podem-se antever: a desintegração da lógica linear cartesiana de consecução e consequência do relato, de cortes na cronologia fabular, da multiplicação e simultaneidade dos espaços da ação; caracterização polissêmica dos personagens e atenuação da qualificação diferencial do herói; maior dinamismo nas relações entre o narrador e o narratário, o relato e o discurso, através da diversidade das localizações, da auto-referencialidade e do questionamento da instância produtora da ficção.

Muitos estudiosos reconhecem que a transição do realismo social ao mágico ocorre simultaneamente à redescoberta das culturas de índios e negros. Como crenças, tradições, estórias, lendas e mitos que expressam formas de serem, sentidos da vida e trabalho no tempo e espaço. Sua estratégia política combinava elementos populistas e mecanismos de autoritários de centralização do poder. O poder de políticas de intervenção foi marcado por “baixos preços de consumo e altos salários”. De acordo com a interpretação do próprio Juan Perón essa seria a autêntica justiça social necessária ao povo trabalhador argentino. A fama desse seu discurso político de controle da economia acabou dando nome ao seu governo reconhecido como “justicialista”. Em verdade do ponto de vista ideológico o peronismo é a denominação dada genericamente ao Movimento Nacional Justicialista, criado e liderado a partir do pensamento de Juan Domingo Perón, militar e estadista argentino, presidente daquele país, eleito nos pleitos de1946, 1951 e 1973. O Movimento Justicialista transformou-se, mais tarde em Partido Justicialista, a força política maioritária na Argentina. Os ideais políticos do peronismo se encontram nos escritos de Perón como “La Comunidad Organizada”, “Conducción Política”, “Modelo Argentino para un Proyecto Nacional”, onde expressa a rotinização que continuam influenciando o pensamento teórico acadêmico e na vida política da 2ª maior nação sul-americana.  Em 1944, durante campanha de socorro às vítimas do terremoto de San Juan, ela conheceu o Juan Domingo Perón, que, aos 48 anos, se encantou com aquela moça de 24 anos e cabelos ainda escuros. O terremoto destruiu 80% da cidade de San Juan. Embora as estimativas “falassem” em 15 mil vítimas, entre os estudos posteriores indicaram que mortes no terremoto foi de cerca de 9 mil pessoas.

Como vê o direito somente de seu lado, e do outro, o agravo, a consciência que pertence à lei divina enxerga, do outro lado, a violência humana contingente. Mas a consciência, que pertence à lei humana, vê no lado oposto à obstinação e a desobediência do ser-para-si interior. Os mandamentos do governo são, com efeito, o sentido público universal, exposto à luz do dia; mas a vontade da outra lei é o sentido subterrâneo, enclausurado no interior, que em seu ser-aí se manifesta como vontade da singularidade, e que, em contradição com a primeira, comparativamente, lei é o delito. Assim, surge na consciência a oposição entre o sabido e o não-sabido, como também na substância a oposição entre o consciente e o carente de consciência – o direito absoluto da consciência-de-si ética entra em conflito com o direito divino da essência. A efetividade objetiva, tem como representação a essência para a consciência-de-si como consciência; mas segundo sua substância essa consciência-de-si é a unidade de si e desse oposto, e a consciência-de-si ética é a consciência da substância. O objeto abstrato, enquanto oposto à consciência-de-si, perdeu por isso sua significação de ter essência para si. Como desvaneceram as esferas sociais em que o objeto de pensamento é apenas coisa, as esferas em que a consciência solidifica algo de si, e faz, singular, a essência.

Esta unidade do existente, o que existe, e do que é em si é o essencial da evolução. É um conceito especulativo, esta unidade do diferente, do gérmen e do desenvolvido. Ambas estas coisas são duas e, no entanto, uma. É um conceito da razão. Por isso só todas as outras determinações são inteligíveis, mas o entendimento abstrato não pode conceber isto. O entendimento fica nas diferenças, só pode compreender abstrações, não o concreto, nem o conceito. Resumidamente, é possível afirmar que manteremos uma única vida social a qual está oculta. Mas depois entra na existência e separadamente, na multiplicidade das determinações, e que com graus distintos, são necessárias. E juntas de novo, constituem um sistema. Essa representação é uma imagem da história da filosofia. O primeiro momento era o em si da realização, e em si do gérmen etc. O segundo é a existência, aquilo que resulta. Assim, o terceiro é a identidade de ambos, mais precisamente agora o fruto da evolução, o resultado de todo este movimento. E a isto Hegel chama “o ser por si”. É o “por si” do homem, do espírito mesmo. Somente o espírito chega a ser verdadeiro por si, idêntico consigo. O que o espírito produz, seu objeto de pensamento, é ele mesmo. Ele é um desembocar em seu outro. É um desprendimento, um desdobrar-se, e por isso, ao mesmo tempo, um desafogo.

No que toca mais precisamente a um dos lados da educação, melhor dizendo, à disciplina, não se há de permitir ao adolescente abandonar-se a seu próprio bel-prazer; ele deve obedecer para aprender a mandar. A obediência é o começo de toda a sabedoria; pois, por ela, a vontade que ainda não conhece o verdadeiro, o objetivo, e não faz deles o seu fim, pelo que ainda não é verdadeiramente autônoma e livre, mas, antes, uma vontade despreparada, faz que em si vigore a vontade racional que lhe vem de fora, e que pouco a pouco esta se torne a sua vontade. O capricho deve ser quebrado pela disciplina; por ela deve ser aniquilado esse gérmen do mal. No começo, a passagem de sua vida ideal à sociedade civil pode parecer ao jovem como uma dolorosa passagem à vida de filisteu. Até então preocupado apenas com objetos universais, e trabalhando só para si mesmo, o jovem que se torna homem deve, ao entrar na vida prática, ser ativo para os outros e ocupar-se com singularidades, pois concretamente se se deve agir, tem-se de avançar em direção ao singular. Nessa conservadora produção do mundo consiste no trabalho do homem. Podemos, pois, fora de dúvida, de um lado dizer que o homem só produz o que já existe. É necessário que um progresso individual seja efetuado. Mas o progredir no mundo globalizado só ocorrer nas massas, e só se faz notar em uma grande soma de coisas realmente produzidas. É a característica preservada e atribuída ao ente  cuja existência é não necessária, mas, ao mesmo tempo, não impossível - isto é, a sua realidade não pode ser demonstrada nem negada em termos abstratos definitivos.

Dizer que são contingentes as proposições, e neste sentido que não contém um entendimento necessariamente verdadeiras nem necessariamente falsas é uma boutade. Há quatro classes abstratamente de proposições, algumas das quais se sobrepõem: proposições necessariamente verdadeiras ou tautologias, que devem ser verdadeiras, não importam quais são ou poderiam ser as circunstâncias. Geralmente o que se entende por proposição necessária é a proposição “necessariamente verdadeira”. Proposições necessariamente falsas ou contradições, que devem ser falsas, não importam quais são ou poderiam ser as próprias circunstâncias. Proposições contingentes, que não são necessariamente verdadeiras nem necessariamente falsas. Proposições possíveis, que são verdadeiras ou poderiam ter sido verdadeiras em certas circunstâncias. Enfim, todas as proposições necessariamente verdadeiras e todas as proposições contingentes também são proposições possíveis. O interesse, neste caso reprsentado especialmnee na esfera social da paixão é, portanto, inseparavelmente da realização do universal, pois o universal resulta do particular e definido e de sua negação. É o particular que se esgota na luta, onde parte dele é destruída. Não é a ideia geral que se envolve em oposição e luta expondo-se ao perigo, ela permanece no segundo plano, intocada e incólume. 

Isto pode ser chamado astúcia da razão, porque deixa as paixões trabalharem por si, enquanto aquilo através do qual ela se desenvolve paga o preço e sofre a perda. O fenomenal é que em parte é negativo e em parte, positivo. Em geral o particular é muito insignificante em relação ao universal, os indivíduos são sacrificados e abandonados. Ela contraria o tributo da existência e da transitoriedade, não de si mesmo, mas das paixões dos indivíduos. Podemos achar tolerável a ideia de que os indivíduos, seus objetivos e suas satisfações sejam assim sacrificados e sua felicidade entregue ao domínio do acaso, a que ela pertence – e que em geral os indivíduos sejam vistos sob a categoria social de seus recursos. Este é um aspecto dinâmico de representação da individualidade humana que devemos recusar a tomar exclusivamente a esta luz, mesmo em relação ao mais elevado, um elemento que absolutamente não está subordinado, mas que existe nos indivíduos como essencialmente eterno e divino. Estamos falando essencialmente da moral, da ética e da religião.  Por prosperidade pode-se entender analogicamente muitas coisas – a riqueza, a honra aparente e afins, mas ao falar-se de objetivo em si e por si, o que chamamos de prosperidade ou infelicidade, deste ou daquele indivíduo isolado, não pode ser visto como elemento essencial na ordem racional do universo que vivemos.

A substância viva é o ser, que na verdade é sujeito, ou que é na verdade efetivo, mas só na medida em que é o movimento do pôr-se-a-si-mesmo, ou a mediação consigo mesmo do tornar-se outro. Como sujeito, é a negatividade pura e simples, e justamente por isso é o fracionamento do simples ou a duplicação oponente, que é de novo a negação dessa diversidade indiferente e de seu oposto. Só essa igualdade se reinstaurando, ou só a reflexão em si mesmo no seu ser-Outro, é que são o verdadeiro; e não uma unidade originária enquanto tal, ou uma unidade imediata enquanto tal. O verdadeiro é o vir-a-ser de si mesmo, o círculo que pressupõe seu fim como sua meta, ipso facto sua antítese, que o tem como princípio, e que só é efetivo mediante sua atualização e seu fim. Friedrich Hegel era crítico das filosofias claras e distintas, uma vez que, para ele, o negativo era constitutivo da ontologia do ser social. Neste sentido, a clareza não seria adequada para conceituar o próprio objeto. Introduziu um sistema de pensamento para compreender a história da filosofia e do mundo chamado geralmente dialética: uma progressão no âmbito da história e sociedade na qual cada movimento sucessivo surge como solução das contradições inerentes ao movimento anterior. Com mais razão que a felicidade as vezes afortunadas, requer-se do mundo que os objetivos bons, morais e corretos encontrem sua satisfação e segurança realizadas de forma plena.

O que faz os homens insatisfeitos moralmente – uma insatisfação de que eles se orgulham – é que não acham o presente adequado à realização de objetivos que em sua opinião são corretos e bons, especialmente os ideais das instituições políticas de nosso tempo. Comparam as coisas como elas são, com seu ideal de como deveriam ser. Neste caso, não é o interesse privado ou a paixão que deseja a satisfação, mas a razão, a justiça, a liberdade. Em seu nome as pessoas pedem o que lhes é devido e geralmente não estão apenas insatisfeitas, mas abertamente revoltadas contra a condição de mundo. Para julgar esses pontos de vista e esses sentimentos, ter-se-ia de examinar as exigências persistentes e as opiniões dogmáticas em questão. Em nenhuma época tanto como na nossa vida privada esse tipo de princípios e ideias gerais se apresentou com tamanha pretensão. Embora as paixões não faltem, a história demonstra uma luta de ideias justificáveis e, em parte, uma luta de paixões e interesses subjetivos sob as pretensões mais elevadas como possíveis que são encaradas como legítimas em nome do suposto destino ou conteúdo de sentido da Razão, têm assim validade como fins absolutos, da mesma maneira que a religião, a moral, a ética. No amor, nunca é demais repetir, um indivíduo tem a consciência de si na consciência do outro, se vive de maneira altruísta.

Nesta renúncia cada um ganha a vida do outro e também a sua, que é uma só com o outro. Contra tal unilateralidade tem a efetividade uma força própria: alia-se à verdade contra à consciência, e lhe mostra enfim o que é a verdade. Mas a consciência ética bebeu, da taça da substância absoluta, o olvido de toda a unilateralidade do ser-para-si, de seus fins e conceitos peculiares; e por isso afogou, ao mesmo tempo, nessa água do Estige toda essencialidade própria e significação independente da efetividade objetiva. É, portanto, seu direito absoluto que, agindo conforme à lei ética, não encontre outra coisa nessa efetivação que o cumprimento dessa lei mesma, e o ato não mostre outra coisa senão o agir ético. O ético, enquanto essência absoluta e ao mesmo tempo potência absoluta, não pode sofrer perversão de seu conteúdo. Fosse apenas a essência absoluta sem a potência, poderia experimentar uma perversão por parte da individualidade, mas essa, como consciência ética, com o abandonar de seu ser-para-si unilateral, renunciou ao perverter. Inversamente, a simples potência seria pervertida pela essência, caso fosse ainda um tal ser-para-si. A individualidade é pura forma da substância, que é o conteúdo; e o agir comunicativo humanamente do pensamento à efetividade, somente como o movimento de uma oposição socialmente carente-de-essência, cujos momentos não possuem conteúdo e essencialidade distintos entre si. O direito absoluto da consciência ética consiste em que a figura de sua efetividade – não seja outro, senão o que ela sabe.

Rapidamente o romance entre os dois se tornou público, já que Perón, na época à frente do Ministério do Trabalho, gostava de chocar seus correligionários e amigos ao apresentá-la de maneira formal como sua amante. Após tingir os seus cabelos de loiro para um filme, que depois se tornou a sua marca registrada, Evita falsificou os seus documentos, transformando-se em Maria Eva Duarte, nascida em Junín, em 1923, para poder casar-se legalmente com o coronel Perón em uma cerimônia intima e para poucos amigos. Após a sua forte atuação na campanha presidencial, que levou Perón ao poder em fevereiro de 1946, Eva foi convidada para uma viagem para a Itália, França, Espanha e Suíça, onde passou três meses e retornou com um novo guarda-roupa repleto de roupas de grife. Uma matéria publicada na revista Life, em 1950, mostrando seus inúmeros armários com joias, peles, sapatos e vestidos de grandes estilistas causou espanto na comunidade internacional. No papel de primeira-dama, Evita desenvolveu um trabalho intenso no lado político, criando o Partido Peronista Feminino e dando direito a voto às mulheres em 1947. 

Ao mesmo tempo, no lado social, desenvolveu a Fundação Eva Perón, onde trabalhava mais de 18 horas por dia distribuindo alimentos, roupas, construindo hospitais, escolas, lares para as chamadas “mães solteiras” e asilos para idosos. Apesar de ter ganhado a simpatia da classe média baixa da população, Evita era severamente atacada pela oposição, que transferiu para ela a antipatia e a rejeição que sentiam por Perón. Contudo, os elementos paternalistas e nacionalistas de Juan Perón andavam de mãos dadas com um governo centrista que não aceitava protestos públicos aniquilando a oposição através de um sistema partido único. A popularidade que lhe garantiu um segundo mandato, em 1951, não conseguiu resistir à crise econômica global deflagrada naquele mesmo ano. O papel intervencionista do Estado acabou gerando uma enorme dívida pública incapaz de desenvolver a indústria pesada e de bens não-duráveis. O processo inflacionário veio logo em seguida. A estagnação da economia obrigou tanto seu governo a tomar medidas impopulares que regulavam o consumo e congelava os salários. Juan Perón estabeleceu na Argentina a onda populista que se irradiava de diferentes formas em governos latino-americanos. O projeto de justiça social que encabeça seu governo e o seu poder carismático, aglutinam as classes trabalhadores, as massas, em um novo campo de interação social e política que formam a base política de Perón. Essa fórmula realiza o movimento peronista de viés justicialista com a ideia precisa de apoio tanto econômico e político de setores da sociedade argentina, caracterizando-se os movimentos liderados por líderes personalistas da América Latina.

Na América Latina, o primeiro país que concedeu o voto às mulheres foi o Equador, em 1929. Na Argentina só após a posse de Juan Domingo Perón, em 1946, é que começou a campanha pelo voto feminino, através de sua esposa Evita, que se empenhou com vontade política por essa conquista, aprovada pelo Congresso em 23 de setembro de 1947. A Lei do Voto Feminino assinada em 1947, e a criação do Partido Feminino tiveram grande importância na inclusão das mulheres no âmbito político foram decisivos para o segundo mandato de Juan Perón. As mulheres que fizeram parte do partido feminino peronista eram escolhidas por Evita Perón (1919-1952) devido à sua lealdade partidária. A primeira dama a partir de sua expressão política representou para essas mulheres o principal instrumento ideológico de inclusão na sociedade. A criação do partido feminino contribuiu para construir a sua liderança de Eva Perón, porém não buscava somente esse propósito, mas também o controle social e eleitoral para aumentar a base de sustentação do regime populista. As mulheres escolhidas por Evita trabalhavam nas Unidades Básicas Femininas, que tinham uma política pública clientelista voltada para as mulheres e crianças e a proteção da família. Elas trabalhavam em ligação com a Fundação Eva Perón, pois ajuda social era um dos objetivos clientelistas do partido. Com a liderança de Eva, as mulheres conseguiam mais presença política, sendo candidatas aos cargos importantes e do rol eleitoral. Em 1938 Ernesto Sabato obteve doutorado em Física na Universidade Nacional de La Plata. Graças a Bernardo Houssay, lhe foi concedida uma bolsa anual para realizar trabalhos de investigação sobre radiação atômica no Laboratório Curie em Paris. Nasce seu primeiro filho, Jorge Federico.

          Em 1939 foi transferido para o MIT, deixando Paris antes da 2ª guerra mundial. Voltou à Argentina em 1940 para ser professor da Universidade de Buenos Aires. Em 1943, devido uma crise existencial, decide afastar-se definitivamente da área científica, para se dedicar completamente à literatura e a pintura. Ao final da 2ª guerra mundial, em 1945, nasce seu segundo filho, Mario Sabato que será um reconhecido diretor de cinema. Em 1945 publica seu primeiro livro, Nós e o Universo, uma série de artigos filosóficos nos quais crítica a neutralidade moral da ciência e alerta sobre os processos de desumanização nas sociedades tecnológicas. Em 1945 saiu Uno y el Universo, uma “série de aforismos e observações pessoais sobre questões políticas, sociais e filosóficas”. Antes e depois da publicação de O Túnel, Sabato continuou escrevendo livros de ensaios, incluindo o estudo El Otro Rosto del Peronismo. Somente em 1961 veio à luz o segundo romance do autor, Sobre Heróis e Tumbas, no qual retoma o estudo psicológico de O Túnel sobre um background histórico. Em 1974 Sabato publicou o terceiro e último romance, Abaddón, o Exterminador. Entre outros volumes de não ficção, por exemplo, o escritor lançou em 1968: Tres Aproximaciones à la Literatura de Nuestro Tiempo, ensaios sobre Jorge Luis Borges, Alain Robbe-Grillet e Jean-Paul Sartre. Sabato recebeu o Prêmio Cervantes, o mais relevante da língua espanhola, em 1984, ano em que saiu na Espanha o Relatório Nunca Mais. Em 1999, lançou seu livro de memórias Antes do Fim e, em 2000, veio a público seu último livro, La Resistencia, primeiro na rede internet e depois em papel impresso de editora. O escritor, que foi também um pintor respeitado, morreu em Santos Lugares, nas imediações de Buenos Aires, a poucos meses de completar 100 anos. 

Com o tempo, vai construindo uma postura libertária. Em 1948 marcou o início do repentino prestígio de Ernesto Sabato: publicou seu primeiro romance, O Túnel, de polida construção psicológica de personagens (cf. Castiglioni, 1995; Pacheco, 1997; Mascarenhas, 2020) e de apurada narrativa. Enraizada no existencialismo, uma corrente filosófica de enorme difusão no pós-guerra, O túnel recebeu críticas entusiastas de Albert Camus que fez com que a obra fosse traduzida para o francês por Gallimard. Em 1961 publica o ensaio: Sobre Heróis e Tumbas, que foi considerado como o melhor romance Argentino do século XX. Se trata de um romance complexo, no qual a história social de decadência de uma família aristocrática se intercala com um comovedor relato intimista sobre a morte do general Juan Lavalle, herói da Independência, e sobre a qual se fez uma peça poético-musical, com o músico Eduardo Falú, com o título de Romance para a Morte de Juan Lavalle. – “Quando decidi usá-lo em meu romance, não era, de modo algum o desejo de exaltar Lavalle, nem de justificar o fuzilamento de outro grande patriota como foi Dorrego, mas sim de conseguir através da linguagem poética o que jamais se consegue através de documentos de partidários e inimigos; tentar penetrar nesse coração que abriga o amor e o ódio, as grandes paixões e as infinitas contradições do ser humano em todos os tempos e circunstâncias, o que só se consegue através do que se deve chamar de poesia, não no sentido estreito e equivocado que é dado em nosso tempo a essa palavra, mas sim em seu mais profundo e primordial significado”.

O romance inclui também o famoso Informe sobre cegos que algumas vezes foi publicado como peça separada, e que serviu de base para um filme. Se trata de um texto tortuoso que coloca o protagonista nu, ambiente infernal e opressivo, em uma história de pesadelo e paranoia, que transcorre nos sótãos e subterrâneos de Buenos Aires. No ano de 1975 recebeu o Prêmio de Consagração Nacional da Argentina. Dois anos mais tarde recebeu na Itália o Prêmio Medici. Por solicitude do presidente Raúl Alfonsín, presidiu entre 1983 e 1984 a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas, cuja investigação, publicada no livro Nunca Más, abriu as portas para o julgamento dos militares da ditadura argentina. Em 1984 recebeu o Prêmio Cervantes. No ano de 1987 foi homenageado na França como Comandante da Legião de Honra. Dois anos mais tarde, em 1989, recebeu em Israel o Prêmio Jerusalém. No mesmo ano recebeu um Doutorado honoris causa da Universidade de Murcia, na Espanha. No ano de 1991 recebeu um Doutorado honoris causa da Universidade de Rosario, na Argentina e em 1993 recebeu um Doutorado honoris causa da Universidade Estadual de Campinas, na cidade de São Paulo, Brasil. A mesma honra lhe foi outorgada por parte da Universidade de Turin, na Itália, em 1995, ano em que morreu seu filho Jorge em um acidente automobilístico. Faleceu na madrugada de 30 de abril de 2011, aos 99 anos de idade.

Bibliografia Geral Consultada.

LEE, Cecilia Castro de, “El Tiempo en El Túnel de Ernesto Sabato.” In: Boletín Cultural y Bibliográfico, vol. 18, n° 01, 1981, pp. 217–227; URBINA, Nicasio, La Significación del Género. Estudio Semiótico de las Novelas y Ensayos de Ernesto Sabato. Miami: Ediciones Universal, 1992; CASTIGLIONI, Ruben Daniel Méndez, História y Circunstancia: Ernesto Sábato, el Hombre y su Literatura. Dissertação de Mestrado. Instituto de Letras e Artes. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1995; PACHECO, Gilda, “El Verdadero Móvil del Crimen en El Túnel de Ernesto Sábato”. In: Repertorio Americano, n° 4, 1997; SABATO, Ernesto, Hombres y Engrenajes. Madrid: Alianza Editorial, 1973; Idem, O Túnel. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2000; LÓPEZ, Pablo Sánchez, “Notas sobre la Represéntation de la Mujer en la Obra de Ernesto Sábato”. In: Espéculo: Revista de Estudios Literários, n° 29, 2005; GUIMARÃES, Andresa Fabiana Baptista, Os Cegos em Sábato e em Saramago: Análise Comparativa de Alguns Procedimentos Literários. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Letras. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005; LACLAU, Ernesto, La Razón Populista. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2005; SILVA, Lindinei Rocha, Figurações do Intelectual Latino-americano em Las Venas Abiertas de América Latina, de Eduardo Galeano. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 2011; ZANATTA, Loris, Eva Perón. Una Biografia Política. Buenos Aires: Editora Sudamérica, 2011; CONSTENLA, Julia, Sabato, el Hombre. La Biografía Definitiva. Buenos Aires: Editora Sudamérica, 2011; ROMERO, Joyce Conceição Gimenes, O Perigo das Águas: Aspectos do Feminino Terrível em Gustavo Adolfo Bécquer, Octavio Paz e Eduardo Galeano. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara: Universidade Estadual Paulista, 2014; SARTRE, Jean-Paul, Esboço Para Uma Teoria das Emoções. Porto Alegre: L&PM, 2014; ZAMPRONHA, Maria Amélia Güllnitz, Psicologia Social e Educação no Brasil: Os Estudos de Dante Moreira Leite sobre Ideologia e Preconceito. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade. Faculdade de Educação. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017; MACHADO, Matheus Avila, A Produção Acadêmica sobre Tradução Indireta no Brasil: Um Estado da Arte. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. Centro de Comunicação e Expressão. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2024; entre outros.