segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Gilberto Gil - Política & Fruto de Uma Geração Luminosa.

 

Gilberto Gil é uma anomalia. Ele não faz apenas música. Ele também faz política”. In: NYT, 2007 


Gilberto Gil nasceu no bairro do Tororó, em Salvador, na Bahia. Seu pai, o médico José Gil Moreira e sua mãe Claudina, em busca de uma vida melhor, mudam do bairro pobre da capital baiana para o interior do Estado, em Ituaçu, à época um lugarejo com cerca de oitocentos habitantes. Ali, Gil passou os primeiros oito anos de vida. Deste período o artista registra a influência das músicas ouvidas, sobretudo no rádio: “os meus primeiros momentos de ouvir música, tudo se passou numa época em que Luiz Gonzaga, principalmente lá no Nordeste, onde eu vivia lá na caatinga, era praticamente o canto mesmo da região”.  Com oito anos volta para Salvador, onde estuda no Colégio Marista, e frequenta uma academia de Acordeon. Quando estava no secundário, recebeu da mãe um violão e conhece o trabalho de João Gilberto, que lhe influencia de imediato. Nos tempos de faculdade de Administração, Gil conhece Caetano Veloso, sua irmã Bethânia, Gal Costa e Tom Zé. Realizam a primeira apresentação na inauguração do Teatro Vila Velha em junho de 1964 - com o show: “Nós, Por Exemplo”. Formou-se em 1965 e muda-se com a esposa Belina para São Paulo.

Historicamente foi em fins de 1968, que Gil e Caetano Veloso, cuja importância no Brasil era, e é, de certa forma comparável à de John Lennon e Paul McCartney no mundo anglófilo, foram presos pelo regime militar brasileiro instaurado após 1964 devido a supostas atividades subversivas, de que foram taxados. Ambos exilaram-se por ocasião do AI-5 - Ato Institucional 5, do golpe militar de 1° de abril de 1964, em vigência no Brasil a partir de 1969 em Londres. Nos anos 1970, Gil acrescentou elementos novos da música africana, norte-americana e jamaicana (reggae), ao já vasto repertório, e continuou lançando álbuns como Realce e Refazenda. João Gilberto gravou a canção “Eu Vim da Bahia”, de Gil, no clássico LP João Gilberto. 

Trabalhou com Jimmy Cliff com quem fez, em 1980, uma excursão, pouco depois de ter feito uma versão em português de No Woman, No Cry, sucesso de Bob Marley & The Wailers que foi um grande sucesso, trazendo a influência musical do reggae para o Brasil. Originalmente idealizado para a montagem do ballet teatro do Balé Teatro Guaíra (Curitiba, 1982), o espetáculo O Grande Circo Místico foi lançado em 1983. Gil integrou o grupo seleto de intérpretes que viajou o país durante dois anos com o projeto, um dos maiores e mais completos espetáculos teatrais já apresentados, para uma plateia de mais de duzentas mil pessoas. Gil interpretou a canção Sobre todas as coisas, composta pela dupla Chico Buarque e Edu Lobo. O espetáculo conta a história de amor entre um aristocrata e uma acrobata e da saga da grande família austríaca proprietária do Grande Circo Knie, que vagava pelo mundo nas primeiras décadas do século.

Segundo Celso F. Favaretto, em seu livro “Tropicália - Alegria, Alegria“:

O procedimento inicial do tropicalismo inseria-se na linha de modernidade: incorporava o caráter explosivo do momento às experiências culturais que vinham se processando; retrabalhava, além disso, as informações então vividas como necessidade, que passavam pelo filtro da importação. Este trabalho consistia em redescobrir e criticar a tradição, segundo a vivência do cosmopolitismo dos processos artísticos, e a sensibilidade pelas coisas do Brasil. O que chegava, seja por exigência de transformar as linguagens das diversas áreas artísticas, seja pela indústria cultural, foi acolhido e misturado à tradição musical brasileira. Assim, o tropicalismo definiu um projeto que elidia as dicotomias estéticas do momento, sem negar, no entanto, a posição privilegiada que a música popular ocupava na discussão das questões políticas e culturais”. 

Com isto, o tropicalismo levou à área da música popular uma discussão que se colocava no mesmo nível da que já vinha ocorrendo em outras, principalmente o teatro, o cinema e a literatura. Entretanto, em função da mistura que realizou, com os elementos da indústria cultural e os materiais da tradição brasileira, deslocou tal discussão dos limites em que fora situada, nos termos da oposição entre arte participante e arte alienada. O tropicalismo elaborou uma nova linguagem da canção, exigindo que se reformulassem os critérios de sua apreciação, até então determinados pelo enfoque da crítica literária. Pode-se dizer que a questão do tropicalismo realizou no Brasil em geral a autonomia da canção, estabelecendo-a como um objeto, enfim reconhecível como verdadeiramente artístico.

A música “Garota de Ipanema” (“The girl from Ipanema”) faz 50 anos. É uma das mais conhecidas canções da Bossa Nova e MPB - Música Popular Brasileira do mundo e foi composta em 1962 por Vinícius de Moraes e Antônio Carlos Jobim quando “viram a jovem Heloísa Eneida, com apenas 17 anos, andando distraída de biquíni pelas areias quentes da Praia de Ipanema”. Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim nasceu no Rio de Janeiro, a 25 de Janeiro de 1927 e faleceu em Nova Iorque aos 67 anos. Tom Jobim foi compositor, maestro, pianista, cantor e violinista. É considerado “um dos maiores expoentes da música brasileira” e um dos criadores da Bossa Nova. A 21 de novembro de 1962, Tom Jobim foi um dos destaques do Festival de Bossa Nova do Carnegie Hall, em Nova Iorque. Gravou discos nos Estados Unidos e fundou a sua própria Editora, a Corcovado Music. Em 1967 gravou com Frank Sinatra. Vinícius de Moraes nasceu a 19 de Outubro de 1913, no Rio de Janeiro, e faleceu a 9 de Julho de 1980. Foi um poeta, compositor, diplomata e jornalista brasileiro. 

Vale lembrar que Vinicius de Moraes estudou cinema com Orson Welles e Gregg Toland e lançou, com Alex Viany, a revista Film, em 1947. Em 2001, a indústria de perfumes Avon lança a “Coleção Mulher e Poesia - por Vinicius de Moraes”, com as fragrâncias “Onde anda você”, “Coisa mais linda”, “Morena flor” e “Soneto de fidelidade”. O “poetinha”, como ficou conhecido singularmente, casou-se nove vezes ao longo de sua vida. Não foi esquecido mesmo depois da sua morte, em 1980. No dia 8 de setembro de 2006, foi homenageado pelo governo brasileiro com a reintegração post mortem aos quadros do Ministério das Relações Exteriores. Foi então inaugurado o “Espaço Vinicius de Moraes” no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro.

Neste aspecto que teve sua progênie com Vinicius de Moraes, a Natura iniciou uma forte atuação no meio musical em 2005, quando foi lançado o produto Natura Musical, “programa de patrocínio à cultura por meio de editais nacionais e regionais”. A ampliação do envolvimento da Natura com a música, para além do “Natura Musical”, decorreu de uma das iniciativas estipuladas para 2006. Abranger novos projetos que representem a qualidade e a diversidade da música do Brasil foi uma das metas a partir daquele ano. Nesse contexto, a Natura anunciou a parceria à turnê “Universo Particular” da cantora Marisa Monte. A Natura apresenta a turnê “Universo Particular”, da cantora Marisa Monte, que reúne os CDs recém-lançados da artista “Universo ao meu redor” e “Infinito Particular”.

Como o próprio nome da turnê sugere, o repertório dos shows incluiu músicas dos dois trabalhos intimistas de Marisa Monte, melhor dizendo, os CDs: “Universo ao Meu Redor” e “Infinito Particular” e de álbuns anteriores. A novidade do ponto de vista etnográfico decorre do relato da própria Marisa Monte, antes e durante os shows. A banda que acompanhou a intérprete em todos os shows foi composta por Dadi no baixo, violão e guitarra; Marcelo Costa na bateria e percussão; Mauro Diniz no cavaquinho e no violão; Carlos Trilha nos teclados e programações; Maico Lopes no trompete; Marcus Ribeiro no cello; Pedro Mibielli no violino; Pedro Baby no violão e guitarra e Juliano Barbosa no fagote. A direção do show ficou por conta de Marisa Monte, Leonardo Netto e Cláudio Torres.

A palavra “bossa” apareceu pela primeira vez na década de 1930, em “Coisas Novas”, samba do popular cantor Noel Rosa: O samba, a prontidão/e outras bossas,/são nossas coisas (...). A expressão bossa nova passou a ser utilizado também na década seguinte para aqueles “sambas de breque”, baseado no talento de improvisar paradas súbitas durante a música para encaixar falas. Alguns críticos musicais destacam certa influência que a cultura americana do Pós-Guerra, de músicos como Stan Kenton, combinada ao impressionismo erudito, de Debussy e Ravel, teve na bossa nova, especialmente do cool jazz e bebop. Embora tenha pouca influência de música estrangeira como o Jazz, a Bossa Nova possui elementos de samba sincopado. Além disso, havia um fundamental inconformismo com o formato musical de época. Os cantores Dick Farney e Lúcio Alves, que fizeram sucesso nos anos da década de 1950 com um jeito suave e minimalista (em oposição a cantores de grande potência sonora) também são considerados influências positivas sobre os garotos que fizeram a Bossa Nova. 

Um embrião do movimento, já na década de 1950, eram as reuniões casuais, frutos de encontros de um grupo de músicos da classe média carioca em apartamentos da zona sul, como o de Nara Leão, na Avenida Atlântica, em Copacabana. Nestes encontros, cada vez mais frequentes, a partir de 1957, um grupo se reunia para fazer e ouvir música. Dentre os participantes estavam novos compositores da música brasileira, como Billy Blanco, Carlos Lyra, Roberto Menescal e Sérgio Ricardo, entre outros. O grupo foi aumentando, abraçando também Chico Feitosa, João Gilberto, Luiz Carlos Vinhas, Ronaldo Bôscoli, entre outros. Em 1959, era lançado o primeiro LP de João Gilberto, “Chega de saudade”, contendo a faixa-título - canção com cerca de 100 regravações feitas por artistas brasileiros e estrangeiros. A partir dali, a bossa nova se tornara uma realidade.

Além de João Gilberto, parte do repertório clássico do movimento deve-se as parcerias de Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Consta-se, segundo muitos afirmam, que o espírito bossa-novista já se encontrava na música que Jobim e Moraes fizeram, em 1956, para a peça “Orfeu da Conceição”, primeira parceria da dupla, que esteve perto de não acontecer, uma vez que Vinícius primeiro entrou em contato com Vadico, o famoso parceiro de Noel Rosa e ex-membro do “Bando da Lua”, para fazer a trilha sonora. É dessa peça, baseada na tragédia Grega Orfeu, uma das belas composições de Tom e Vinícius, “Se todos fossem iguais a você”, já prenunciando os elementos melódicos da Bossa Nova. Além de “Chega de saudade”, os dois compuseram “Garota de Ipanema”, outra representativa canção da bossa nova, que se tornou a canção brasileira mais conhecida em todo o mundo, depois de “Aquarela do Brasil” (Ary Barroso), com mais de 169 gravações, entre as quais de Sarah Vaughan, Stan Getz, Frank Sinatra (com Tom Jobim), Ella Fitzgerald entre outros. É de Tom Jobim também, junto com Newton Mendonça, as canções “Desafinado” e “Samba de uma Nota Só”, dois dos primeiros clássicos do novo gênero musical brasileiro a serem gravados no mercado norte-americano a partir de 1960.

A canção “Tropicália”, de Caetano Veloso, é um autêntico exemplo da verdadeira revolução operada na estrutura letrista da canção popular e da necessidade de se reestudar então os critérios de avaliação e compreensão da nova linguagem utilizada. Em confronto com a Bossa Nova, o tropicalismo teve como preocupação principal os problemas sociais do país, aliada a uma ideologia libertadora, a um inconformismo diante da maneira de viver do povo brasileiro, o que gerou uma crescente onda de participação popular, em face dos agravantes problemas por que sofria a nação. Já a Bossa Nova quis mostrar uma nova concepção musical, calcada na versatilidade que a música brasileira oferece. Os responsáveis diretos pelo tropicalismo: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Torquato Neto, Tom Zé, Rogério Duprat e outros, sem dúvida alguma, deram um salto a mais na modernização da música popular, buscando formas alternativas de composição e explorando uma concepção artística de mudança radical, dentro de um clima favorável. Foi impressionante sua importância nesse sentido, pois, sendo o último grande movimento realizado no país, deixou marcas que seriam cultivadas com o amadurecimento de seus próprios criadores e daqueles que seguiram sua linha de pensamento artístico e estético. 

Nos anos 1970 iniciou uma turnê pelos Estados Unidos e gravou um álbum em inglês. De volta ao Brasil, em 1975, Gil grava Refazenda, um dos mais importantes trabalhos que, ao lado de Refavela, gravado após uma viagem ao continente africano, e Realce, formariam uma trilogia RE. Em Refavela Gil se expressa da seguinte forma:

AIaiá, kiriê/ Kiriê, iaiá/A refavela/Revela aquela/Que desce o morro e vem transar/O ambiente/Efervescente/De uma cidade a cintilar/A refavela/Revela o salto/Que o preto pobre tenta dar/Quando se arranca/Do seu barraco/Prum bloco do BNH/A refavela, a refavela, ó/Como é tão bela, como é tão bela, ó/A refavela/Revela a escola/De samba paradoxal/Brasileirinho/Pelo sotaque/Mas de língua internacional/A refavela/Revela o passo/Com que caminha a geração/Do black jovem/Do black-Rio/Da nova dança no salão/Iaiá, kiriê/Kiriê, iaiá/A refavela/Revela o choque/Entre a favela-inferno e o céu/ Baby-blue-rock/Sobre a cabeça/De um povo-chocolate-e-mel/A refavela/Revela o sonho/ De minha alma, meu coração/De minha gente/Minha semente/Preta Maria, Zé, João/A refavela, a refavela, ó/Como é tão bela, como é tão bela, ó/A refavela/Alegoria/Elegia, alegria e dor/Rico brinquedo/De samba-enredo/Sobre medo, segredo e amor/A refavela/ Batuque puro/De samba duro de marfim/Marfim da costa/De uma Nigéria/Miséria, roupa de cetim/Iaiá, kiriê/Kiriê, iaiá”. 



Refavela traria a canção “Sandra”, onde, de forma metafórica, Gil falaria sobre a experiência de ter sido preso por porte de drogas durante uma excursão ao sul do país e ter sido condenado à permanência em manicômio judiciário, ou conforme denominação eufemística, “casa de custódia e tratamento”, entretanto designada por Gil como hospício. Fechamento da trilogia, Realce, apesar de trazer em uma de suas faixas um dos mais belos e marcantes sucessos de Gil, Super-homem, influenciado pelo lançamento, um ano antes, do filme Superman, causaria certa polêmica quando alguns considerariam a canção título, inspirada na expressão artística disco music, como “uma ode ao uso de cocaína”, isto talvez explicitado pelos versos: “realce, quanto mais purpurina melhor”.

Desde meus 14 anos, todo mundo em Salvador me chamava de Drão. Fui criada com Gal [Costa], morávamos na mesma rua. Sou irmã de Dedé, primeira mulher de Caetano. Nossa rua era o ponto de encontro da turma da Tropicália. Fui ao primeiro casamento de Gil. Depois conheci Nana Caymmi, sua segunda mulher. Nosso amor nasceu dessa amizade. Quando ele se separou de Nana, nos encontramos em um aniversário de Caetano, em São Paulo, e ele me pediu textualmente: 'Quer me namorar?'. Já tinha pedido outras vezes, mas eu levava na brincadeira. Dessa vez aceitei. Engraçado que Gil mesmo não me chamava de Drão. Antes havia feito a música 'Sandra'. Já 'Drão' marcou mais. Estávamos separados havia poucos dias quando ele fez a canção. Ele tinha saído de casa, eu fiquei com as crianças. Um dia passou lá e me mostrou a letra. Achei belíssima. Mas era uma fase tumultuada, não prestei muita atenção. No dia seguinte ele voltou com o violão e cantou. Foi um momento de muita emoção para os dois”. 

Nos separamos de comum acordo: O amor tinha de ser transformado em outra coisa. E a música fala exatamente dessa mudança, de um tipo de amor que vive, morre e renasce de outra maneira. Nosso amor nunca morreu, até hoje somos muito amigos. Com o passar do tempo a música foi me emocionando mais, fui refletindo sobre a letra. A poesia é um deslumbre, está ali nossa história, a cama de tatame, que adorávamos. No começo do casamento moramos um tempo com Dedé e Caetano, em Salvador, e dormíamos em tatame. Durante o exílio, em Londres, tivemos de dormir em cama normal. Mas, no Brasil, só tirei o tatame quando engravidei da Preta e o médico me proibiu, pela dificuldade em me levantar.

Valendo-se ainda do filão engajado da pós-ditadura, cantou no coro da versão brasileira de We Are the World, o hit norte-americano que juntou vozes e levantou fundos para a África ou USA for África. O projeto Nordeste Já (1985), abraçou a causa da seca nordestina, unindo 155 vozes num compacto, de criação coletiva, com as canções Chega de Mágoa e Seca d´Água; é de Gil a autoria da composição de Chega de Mágoa. Elogiado pela competência das interpretações individuais, foi, no entanto criticado pela incapacidade de harmonizar as vozes e o enquadramento de cada uma delas no coro. Dentre as inúmeras composições consagradas pelo próprio Gil e na voz de outros intérpretes, estão: “Procissão”, “Estrela”, “Vamos Fugir”, “Aquele Abraço”, “A Paz”, “Sítio do Pica-Pau Amarelo”, “Esperando na Janela”, “Domingo no Parque”, “Drão”, “No Woman no Cry, Só Chamei Porque te Amo”, “Não chores mais [Woman no cry]”, “Andar com Fé”, “Se Eu Quiser Falar Com Deus”, “Divino maravilhoso”, “A linha e o linho”, “Com medo com Pedro”, “Objeto sim objeto não”, “Three Little Birds”, “Ela”, “Pela Internet”, “A Novidade”, “Morena”, “A Raça Humana”, “Palco”, “Realce”, “Divino maravilhoso”, e outras.

Ao lado dos amigos Caetano Veloso e Gal Costa, lançou o disco: Doces Bárbaros, do grupo batizado com o mesmo nome e “idealizado por Maria Bethânia, que era um dos vocais da banda”. O disco é considerado uma obra-prima; apesar disto, na época do lançamento (1976) foi inutilmente criticado. Doces Bárbaros foi tema de filme, DVD e enredo da escola de samba GRES - Grêmio Recreativo Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira em 1994, a “verde e rosa”, como é chamada carinhosamente pelo público carioca, com o enredo: “Atrás da verde-e-rosa só não vai quem já morreu”, puxadores de trio elétrico no carnaval de Salvador, apresentaram-se na praia de Copacabana e para a Rainha da Inglaterra. O quarteto Doces Bárbaros, era “uma típica banda hippie dos anos 1970”. Inicialmente o disco seria gravado em estúdio, mas por sugestão de Gal e Bethânia, foi o espetáculo que ficou registrado em disco, sendo quatro daquelas canções gravadas pouco tempo antes no compacto duplo de estúdio, com as canções: “Esotérico”, “Chuckberry Fields Forever”, “São João Xangô Menino” e “O seu amor”, todas as gravações são raras.

Pelas lentes de Azulay, o espectador é transportado para a turnê nacional realizada pelo grupo em 1976, a mesma que gerou o único álbum do quarteto. Este detalhe é importante, pois os discos ao vivo ainda eram raros na época, e o registro sonoro deficiente era compensado por farto material inédito. Assim, toda a confecção desse trabalho é apresentada para o público por meio do filme. E lá estão todos os clássicos do quarteto: “Atiraste uma Pedra”, “Pássaro Proibido”, a homenagem a Rita Lee “Quando”, entre apresentações no Canecão, no Rio de Janeiro, e no Anhembi, em São Paulo. A lista de canções e coreografias emocionantes se completa ainda com “Esotérico” e “Um Índio”. Música, dança, drogas, álcool, composição, coreografias, tudo, enfim, é captado pelo olhar do diretor em seu polêmico filme. Mesmo a interrupção imprevista, em Florianópolis, quando Gil foi preso, julgado e condenado por porte de maconha - fazendo com que o grupo ficasse um mês sem apresentações -, está na produção, que fora relançada em versão remasterizada, com cenas inéditas.

- “Era praxe ir a Brasília conversar com a censura quando se lançava um filme”, diz o diretor de “Os Doces Bárbaros”, Tom Job Azulay, que registrou a turnê do grupo formado por Gal Costa, Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil. Segundo ele, foram cortados cerca de 10 minutos de filme (cerca de 10% do total). “Mas eu não cortei o original, só as cópias”. Por isso o filme reestreia com as cenas censuradas, que tratam da prisão de Gilberto Gil e do baterista Francisco Azevedo, o Chiquinho, por porte de maconha em Florianópolis em 1976. Gilberto Gil é entrevistado no quarto da clínica psiquiátrica após ser preso por porte de maconha em Florianópolis e diz: “... E por isso mesmo e por exatamente ver dessa forma, eu tenho a impressão que nada disso pode nos abalar muito, quer dizer, pode nos abalar além, digamos assim, das superfícies do corpo e da alma, porque no fundo mesmo, do espírito da gente, a gente tá forte”. Gil: “...A gente tá vivendo momentos em que se buscam uma descontração no mundo inteiro com relação a novos atos, a formação de novos padrões, de novos conceitos sobre atitude social, sobre comportamento particular, quer dizer, sobre privacidade, quer dizer, sobre respeito à vida privada das pessoas e tudo mais”. Juiz lê as declarações de Gil para o escrivão durante o julgamento do cantor: “Abre aspas. Gostava de maconha e que seu uso não lhe fazia mal nem lhe levava a fazer o mal. Fecha aspas. Em juízo, Gilberto Gil declarou que o uso da maconha, abre aspas, o auxiliava sensivelmente na introspecção mística. Fecha aspas”.

Na reportagem intitulada “Gil ouve o futuro, com alguns direitos reservados”, o jornal destaca a aliança firmada entre o ministério da Cultura do Brasil e o movimento Creative Commons, que luta por direitos autorais mais flexíveis: “Gilberto Passos Gil Moreira é uma anomalia. Ele não faz apenas música. Ele também faz política”, afirma a reportagem assinada pelo correspondente do New York Times no Brasil, Larry Rother. “Como um criador de música, ele é interessado em proteger direitos autorais”. “Mas como autoridade do governo em um país em desenvolvimento celebrado pelo pulso criativo de seu povo, Gil também quer que os brasileiros tenham acesso irrestrito às novas tecnologias para fazer e disseminar arte, sem ter de render seus direitos a companhias grandes que dominam a indústria da cultura”. 

Segundo o jornal, com a ajuda de Gil e de outros, a Creative Commons conseguiu criar licenças que permitem que autores escolham quais partes das suas obras serão abertas aos consumidores, e quais ficarão restritas pelos direitos autorais. Na reportagem, o fundador da Creative Commons, Lawrence Lessig, diz que, depois do movimento, muitos artistas foram descobertos por gravadoras e sites de Internet, e “tudo isso começou porque Gil nos fez pensar sobre que tipo de liberdade era necessário para a música”. O artigo também traz depoimentos de amigos de Gil, como o jornalista Nelson Motta e o ex-letrista do Greatful Dead, John Perry Barlow, e afirma que a Tropicália, movimento musical criado por Gil nos anos 1960, influenciou artistas como David Byrne, Nirvana, Beck, Nelly Furtado e Devendra Banhart.



Um baiano que mora no Rio de Janeiro, mas que vive com seus grandes olhos voltados sempre para o mundo. É o que afirma Marcos Sampaio, no artigo: “Sem perder o ritmo”: 

E é isso que é Gilberto Gil: um pouco de tudo. Amanhã, data dos seus 70 anos, mais que comemorar seu aniversário, é dia de comemorar a Música Brasileira. O baiano que, ao lado de Caetano Veloso, inaugurou a “geléia” (na época, ainda com acento) geral da Tropicália, já foi abençoado por boa parte dos deuses da música pop – de Luiz Gonzaga a Stevie Wonder – e hoje, com mais de 40 anos de carreira, é ele quem dá as bênçãos a Marjorie Estiano, Carla Visi, Ivete Sangalo e tantos outros artistas (...). No entanto, mais do que viver como um “monstro sagrado da MPB”, Gil continua com a banda na rua fazendo música e buscando novas aventuras. Desde que largou a pompa de ministro da Cultura, em 2008, ele já foi de um trabalho acústico a um grande arraiá forrozeiro da turnê Fé na Festa. Agora, para comemorar os 70, Gil lança Concerto de Cordas & Máquina de Ritmo. O projeto inédito em sua carreira, junta sua banda – o filho Bem Gil (violão) mais Gustavo Di Dalva (percussão), Jaques Morelenbaum (violoncelo) e Nicolas Krassik (violino) – com as intervenções eletrônicas de Eduardo Manso e a opulência da Orquestra Petrobras Sinfônica” (cf. Jornal O Povo - Vida & Arte, 25.06.2012). 

O Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro realizou, de 19 a 21 de maio de 2010, o colóquio “Aspectos Humanos da Favela Carioca: ontem e hoje”. O evento teve como premissa os 50 anos da publicação do estudo de mesmo nome, realizado pela Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais (Sagmacs), entidade fundada pelo frei dominicano e economista francês Louis-Joseph Lebret.  Coordenado pelo sociólogo José Arthur Rios, o relatório foi publicado em encarte especial do jornal O Estado de S. Paulo, em 1960, e até hoje não havia sido reeditado. De acordo com o professor Marco Antônio da Silva Mello, do Laboratório de Etnografia Metropolitana (LeMetro-Ifcs-UFRJ) e um dos coordenadores do colóquio, o estudo deve finalmente ser publicado em livro ainda este ano.

Para o professor Luiz Antônio Machado da Silva, um dos coordenadores do colóquio, o relatório da Sagmacs é “a única e mais extensa pesquisa autônoma sobre favelas” já realizada o país. De acordo com o pesquisador do LeMetro-Ifcs-UFRJ, o estudo teve como objetivo produzir conhecimento empírico sobre esse tipo de aglomerados urbanos. Para Machado da Silva, o problema das favelas é, antes de tudo, de linguagem. “Há um discurso de poder quando se trata das favelas, seja tanto por parte da direita, como da esquerda. Temos incapacidade de reconhecê-la e, ao negar a favela, estamos reproduzindo seus traços mais negativos”, afirmou. Para o docente, a favela tornou o “outro” da cidade e a solução para isso é uma mudança de discurso que construa uma perspectiva afirmativa. “Este é um desafio mais do que político; é um desafio moral. Precisamos nos mobilizar para construir uma linguagem para que essa alteridade se expanda”, explicou.

Janice Perlman, pesquisadora estadunidense autora de O mito da marginalidade (1977), voltou ao Brasil para lançar seu novo livro Favelas ontem e hoje (1969-2009) (2010). Na obra, a acadêmica relata como foi o reencontro com os antigos moradores das favelas da Catacumba e de Nova Brasília, 40 anos após seu primeiro estudo sobre o tema. Perlman viveu durante cerca de um ano no Brasil avaliando as causas pelas quais os emigrantes procuravam as favelas cariocas como moradia e o porquê de essas pessoas serem representadas como “marginais” pelo senso comum. Segundo a pesquisadora, as favelas hoje são glamourizadas nos Estados Unidos da América e na Europa. - “Em Paris, o bar ‘Favela Chic’ é decorado como se fosse um barraco de madeira e vende caipirinhas por 50 dólares. Uma distorção da realidade”, relatou. O Brasil conhecia um período de grandes expectativas sociais e políticas. O presidente eleito João Goulart, falava de reformas de base, e era empurrado cada vez mais para a esquerda em questões d reforma agrária e legislação tributária por seu cunhado comunista, Leonel Brizola, Governador do Rio Grande do Sul. Miguel Arraes, outra poderosa força de esquerda, era Governador de Pernambuco, e Francisco Julião organizava Ligas Camponeses na região Nordeste.

Bibliografia geral consultada.

MANNHEIM, karl, “El Problema de las Generaciones”. In: Revista Española de Investigaciones Sociológicas, n° 62, pp. 193-242; 1993; PERLMAN, Janice, O Mito da Marginalidade. Favelas e Política  no Rio de Janeiro. Trad. de Waldivia Marchiori Portinho. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2002; Idem, “Favelas do Rio e o Mito da Marginalidade”. In: Ensaios de Opinião/Bernard-Henri Lévy “et al”. Rio de Janeiro: Editora Inúbia, 1978; Artigo: “Frei Betto ataca escolha de Gil para a Cultura”. In: Folha de São Paulo, 17 de dezembro de 2002; BOTAFOGO, Judite, Tropicalismo - Ideologia ou Utopia? Recife: Editora Nova Presença, 2003; CINTRÃO, Heloísa Peza, “Gilberto Gil e Haroldo de Campos: In (con) fluências, Transcrição da Canção”. In: Revisita de Letras. São Paulo, vol. 47, n° 1, pp. 129-153, jan.-jun, 2007; COSTA, Eliane Sarmento, “Com quantos gigabytes se faz uma jangada, um barco que veleje”: o Ministério da Cultura, na gestão Gilberto Gil, diante dos cenários das redes digitais. Rio de Janeiro: CPDOC-PPGHPBCC, 2011; MORAIS JUNIOR, Luís Carlos de, O Sol nasceu pra todos: a História Secreta do Samba. Rio de Janeiro: Editor Litteris, 2011; PIRES, Carlos Eduardo de Barros Moreira, Canção Popular e Processo Social no Tropicalismo. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Teoria Literária e Literatura Comparada. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2011; GIL, Gilberto, Todas as Letras. Org. de Carlos Rennó. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2003; Idem, “Discurso do Ministro da Cultura, Gilberto Gil, diante do Cenário das Redes Digitais”. In: CPDOC-PPGHPBC. Rio de Janeiro, 2011; NACKED, Rafaela Capelossa, Chocolate e Mel: Negritude, Antirracismo e Controvérsia nas Músicas de Gilberto Gil (1972-1985). Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em História. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,  2015;  ASSUNÇÃO, Érica Patrícia Barros de; MOURA, João Benvindo de, “O Paradoxo do Autor: A Paratopia Criadora de Mário de Andrade no Discurso Literário de Macunaíma”. In: Revista Desenredo, 13 (1) 2017; SANTANA, Claudia Silva de, Infocanção: Um Estudo sobre Redes Semânticas e Canções de Ciência e Tecnologia do Compositor Gilberto Gil. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação Multi-Institucional em Difusão de Conhecimento. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2020; ERICK, Samy, Práticas de Performance de Gilberto Gil ao Violão em Expresso 2222. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Música. Escola de Música. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2020;   entre outros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário