“Vincere, che brutta parola”. Mario Tronti
A identidade exige vigilância. Para um olhar que individualiza as referencias é uma categoria vinculada á identidade pessoal. A percepção de que as unidades ou sujeitos da significação são construídos levando em conta a realidade biopsicológica, apenas para subordiná-la aos mais bem elaborados caprichos das culturas é fundamental para compreendermos o investimento simbólico e seus condicionamentos sociais. Nervosismo pertence a um grupo de variações em torno do termo nervos, que cresceu e se generalizou na linguagem erudita e leiga no decorrer do século XIX. A palavra originalmente era de uso corrente e de apropriação da medicina filosófica clássica. Tendo sofrido alteração relativamente brusca com a consolidação da representação do “sistema nervoso”, em meados do século XVIII. De elemento físico, entre outros da estrutura corporal animal, passaram os nervos a concentrar dimensões imaginárias fundamentais para a nova concepção de sujeito humano característica da modernidade.
De elemento físico, entre outros aspectos da estrutura corporal animal, passaram os nervos a concentrar dimensões imaginárias individuais e coletivas fundamentais para a concepção de sujeito que enuncia. A característica de ser constituído de modo universalmente idêntico garantia que, simultaneamente processo de trabalho e forma social de comunicação fosse empiricamente fundada e tendente ao acordo geral. Esse modelo desenvolveu-se em formas culturais de grande importância, compondo um conjunto de práticas e saberes sociais que Duarte (2010) nomeou de “configuração nervosa” e que paulatinamente ocupou o lugar analítico de configuração anterior, de longa história, que se pode resumir sob o rótulo de humoral ou melancólica. Algumas das características prístinas da nova configuração foram sendo moduladas durante o século XIX, quando começaram a se confrontar com o modelo comparativo da configuração psicológica, embora continuem persistindo nitidamente e presentes nos desenvolvimentos mais recentes no âmbito das práticas neurológicas e psiquiátricas.
Ponto nevrálgico dessas modulações consistiu na progressiva subversão do universalismo igualitário original por sucessivas teorias da diferença nervosa – a mais importante das quais afetou certamente a representação do gênero feminino (Fortunati, 2016). A teoria da degeneração construiu-se sobre um conjunto de critérios de diferenciação de raça, gênero, comportamento e civilização, e consolidou uma via de interpretação do humano que se tornaria onipresente da segunda metade do século XIX até a 2ª guerra mundial. Sua consolidação ocorre em paralelo com as preocupações atinentes à relação do corpo humano com o ambiente e da nutrição animal derivou-se essas preocupações, assim como saberes que vieram a se consolidar nas rubricas do sanitarismo e do higienismo. A configuração nervosa, constituída inicialmente por construção anátomo funcional, veio assim abrigar a passagem através das interpretações físicas e morais características tanto do utilitarismo de Jeremy Bentham assim como às implicações da analítica do poder de Michel Foucault.
Está bem à vista o método através do qual o trabalho passado se transforma todos os dias em capital. Este é o motivo pelo qual os economistas cobrem de elogios os méritos do trabalho passado. De fato, é este que, sob a forma de meios de trabalho, colabora depois de novo no processo laborativo vivo: por isso a importância do trabalho é atribuída à figura do capital que ele assume. A forma capitalista de trabalho coincide neste caso com o meio de produção no qual o trabalho se objetivou a tal ponto que os agentes práticos da produção capitalista e os seus ideólogos “são incapazes de pensar o meio de produção destacado da máscara social antagonista de que se reveste”. Assim, o trabalho pretérito, como qualquer força natural humana, fornece um serviço gratuito ao capital: e quando é investido e posto em movimento pelo trabalho vivo, acumula-se e reproduz-se em larga escala como capital. Mais difícil é chegar a apreender o método pelo qual o trabalho vivo é completamente apanhado e englobado dentro deste processo, como parte necessária sobre o modo capitalista de pensar. O modo de produção apresenta a si próprio a mais-valia e o valor da força-trabalho “como partes alíquotas da produção de valor”: é isso que esconde o carácter específico da relação capitalista, ou seja, a troca do capital variável por força-trabalho viva e a exclusão no produto.
O concreto é concreto, dizia Marx (2011: 248) por ser a síntese de múltiplas determinações, logo, unidade da diversidade. É por isso que ele é para o pensamento um processo de síntese, um resultado, e não um ponto de partida, apesar de ser o verdadeiro ponto de partida e portanto igualmente o ponto de partida da observação imediata e da representação. O primeiro passo reduziu a plenitude da representação a uma determinação abstrata; pelo segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto pela via do pensamento. Por isso Hegel caiu na ilusão de conceber o real, como resultado do pensamento, que se concentra em si mesmo, enquanto o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto é para o pensamento precisamente a maneira de se apropriar do concreto, de o reproduzir como concreto espiritual. Mas este não é de modo nenhum o processo da gênese do próprio concreto. O todo, na forma em que aparece no espírito como todo-de-pensamento, é um produto do cérebro pensante, que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível, de um modo que difere da apropriação desse mundo pela arte, pela religião, pelo espírito prático. Antes, como depois, o objeto real conserva a sua independência fora do espírito; e isso durante o tempo em que o espírito tiver uma atividade meramente especulativa, meramente teórica. Por consequência, também no emprego do método teórico é necessário que o objeto, a sociedade, esteja constantemente presente no espírito como dado primeiro.
O trabalho torna-se, nesta base, a mediação necessária para que a força-trabalho se transforme em salário: a condição para que o trabalho vivo se apresente unicamente como capital variável, a força de trabalho unicamente como parte do capital. O valor, no qual se representa a parte retribuída da jornada de trabalho, de aparecer então como valor ou preço da jornada de trabalho em geral. No salário desaparece precisamente todo o traço de divisão da jornada de trabalho em trabalho necessário e mais-valia. Todo o trabalho surge como trabalho pago: é isto que, segundo Tronti (1976: 41), distingue o trabalho assalariado das outras formas históricas do trabalho. Quanto mais se desenvolve a produção capitalista e o sistema das suas forças produtivas, tanto mais a parte paga e a parte não paga do trabalho se confundem de modo inseparável. As diversas formas de pagamento do salário não são mais do que modos diversos de exprimir, a diversos níveis, a natureza constante deste processo. Por força-de-trabalho (Arbeitskraft) ou capacidade de trabalho (Arbeitsvermogen) entendemos o conjunto das atitudes físicas e intelectuais que existem na corporeidade, ou seja, na personalidade viva de um homem e que este põe em movimento quando produz valores de uso. Compreende-se então a decisiva fase que a metamorfose do valor e do preço da força-trabalho sob a forma de salário, ou seja, no valor e preço do próprio trabalho. Sob esta forma fenomênica que torna invisível a relação real e mostra precisamente o seu oposto, fundam-se todas as ideias jurídicas do operário e do capitalista, todas as mistificações do modo de produção, todas as suas ilusões sobre a liberdade. O salário nada mais é do que a representação do trabalho assalariado considerado praticamente de outro ponto de vista social.
- Quando encontrei o operaísmo, afirma Fortunati (2016), tinha 19 anos de idade. Era uma militante de base do movimento estudantil da Universidade de Pádua. Eu era jovem, logo me calei e aprendi. Lembro-me de que em muitas reuniões eu queria dizer coisas, mas era tímida e insegura, então preferi ficar quieta. Os líderes do movimento eram, em geral, estudantes que já haviam aprendido política, porque já tinham uma experiência anterior de partido ou organizações políticas. Eu, por outro lado, só tinha minhas crenças sobre a necessidade de mudar o mundo para o triunfo da igualdade, liberdade e justiça. Minha única experiência política anterior tinha sido minha participação nas greves contra os testes nucleares franceses no Pacífico, quando eu tinha 14 anos. Nessa época eu estava no ginásio Tito Lívio, em Pádua, aonde haviam muito poucos estudantes em greve. Em um certo ponto, o diretor chegou e quando me viu tentou me pegar pela orelha, dizendo “venha pra dentro”. Eu me livrei dele e disse que ele não podia se dirigir a mim desse jeito. Os estudantes que entraram em greve foram todos punidos sendo atrasados em seu progresso escolar por causa de sua participação.
- A segunda grande experiência que tive que me preparou para uma vida de envolvimento político foi quando me declarei ateia, quando tinha 19. Eu vivia com meus pais em Dolo, uma pequena cidade entre Pádua e Veneza, e minha família era muito religiosa (católica). Mas eu estava vendo muita pobreza e injustiça ao meu redor, contra os quais a igreja oficial estava fazendo muito pouco. Minha posição, que era contrária ao papel da hierarquia da igreja, foi um choque para meus pais, mas eles resistiram. Finalmente, quanto eu tinha 18 anos, decidi sair de casa para me sustentar enquanto estudava na universidade, embora meus pais tivessem dinheiro e pudessem pagar meus estudos. Eu queria ter o controle da minha vida e viver sem privilégios sociais. Trabalhei em muitos lugares, de vendedora assistente em uma livraria a ser uma representante comercial envolvida com obras de arte, e sendo bibliotecária na universidade. Dessa vez meus pais choraram muito: do seu ponto de vista, sua única filha (eu tinha três irmãos) era a mais rebelde e olhava a vida de uma maneira que sentiam que iria acabar em dificuldades.
- A segunda grande experiência que tive que me preparou para uma vida de envolvimento político foi quando me declarei ateia, quando tinha 19. Eu vivia com meus pais em Dolo, uma pequena cidade entre Pádua e Veneza, e minha família era muito religiosa (católica). Mas eu estava vendo muita pobreza e injustiça ao meu redor, contra os quais a igreja oficial estava fazendo muito pouco. Minha posição, que era contrária ao papel da hierarquia da igreja, foi um choque para meus pais, mas eles resistiram. Finalmente, quanto eu tinha 18 anos, decidi sair de casa para me sustentar enquanto estudava na universidade, embora meus pais tivessem dinheiro e pudessem pagar meus estudos. Eu queria ter o controle da minha vida e viver sem privilégios sociais. Trabalhei em muitos lugares, de vendedora assistente em uma livraria a ser uma representante comercial envolvida com obras de arte, e sendo bibliotecária na universidade. Dessa vez meus pais choraram muito: do seu ponto de vista, sua única filha (eu tinha três irmãos) era a mais rebelde e olhava a vida de uma maneira que sentiam que iria acabar em dificuldades.
No mais alto nível do desenvolvimento capitalista, a relação social torna-se um momento da relação de produção, toda a sociedade se torna uma articulação da produção, isto é, toda a sociedade vive em função da fábrica e a fábrica estende o seu domínio exclusivo a toda a sociedade. É nesta base que a máquina do Estado político tende cada vez mais a identificar-se com a figura do capitalismo coletivo, se torna cada vez mais propriedade do modo capitalista de produção e, portanto, função do capitalista. O processo de composição unitária da sociedade capitalista, imposto pelo desenvolvimento específico da sua produção, já não tolera que exista um terreno político, mesmo que este seja formalmente independente da rede das relações sociais. Em certo sentido, é verdade que as funções políticas do Estado começam a ser recuperadas pela sociedade, com a ligeira diferença de que se trata, aqui, da sociedade de classes do modo de produção. Considere-se isto como reação sectária contra quem vê no Estado político moderno o terreno neutro do enfrentamento entre capital e trabalho. Um dos instrumentos que funcionam dentro deste processo é precisamente a relação mistificada que se estabelece, a determinado nível de desenvolvimento, entre a produção capitalista e a sociedade de classes, entre a relação de produção e a relação social – consequência das mutações que intervieram no seio da relação social de produção e premissa para que esta relação seja de novo conquistada como lei natural.
O processo real crescente de proletarização apesenta-se como processo formal de terciarização. A redução de toda a forma de trabalho a trabalho industrial, de todo tipo de trabalho a mercadoria força-trabalho, apresenta-se como extinção da própria força-trabalho como mercadoria e, portanto, como depreciação do seu valor como produto. O pagamento de qualquer preço do trabalho em termos de salário apesenta-se como negação absoluta do lucro capitalista, como eliminação absoluta do sobre-trabalho operário. O capital, que desorganiza e reorganiza o processo de trabalho segundo as necessidades crescentes do processo de valorização, apresenta-se já como potência espontânea objetiva da sociedade que se auto-organiza e assim se desenvolve. O reingresso das funções políticas estatais na estrutura da sociedade civil apresenta-se como contradição entre Estado e sociedade; a funcionalidade cada vez mais estreita da política e da economia, como possível autonomia do terreno político relativamente às relações econômicas. A concentração do capital e, ao mesmo tempo, o domínio exclusivo do regime de fábrica, ambos os resultados históricos do capitalismo moderno, invertem-se, a primeira, na dissolução do capital, como relação social determinada, o segundo na exclusão da fábrica da relação específica da produção social.
Por isso o capital aparece como riqueza como riqueza objetiva da sociedade em geral e a fábrica como modo particular de produção do capital social. É isto que surge aos olhos burguesmente grosseiros do sociólogo vulgar. Quando o próprio cientista é reduzido a operário assalariado, o trabalho extrapola os limites do conhecimento científico, ou melhor, torna-se campo de aplicação exclusivo daquela falsa ciência que é a tecnologia. É inútil acrescentar que tudo isto está por acontece e que só nos ocuparemos quando realmente acontecer. Ninguém procura esquecer à força a existência do mundo exterior à produção. Por o acento numa das partes significa reconhecer e reivindicar a essencialidade desta parte relativamente às outras, tanto mais que este aspecto particular como tal, se generaliza. A unilateralidade científica do ponto de vista operário não se confunde com uma mística reductio ad unum. Trata-se de olhar a distribuição, a troca e o consumo do ponto de vista da produção. E, dentro da produção, a dialeticidade entre o olhar o processo de trabalho do ponto de vista do processo de valorização e o processo de valorização do ponto de vista do processo de trabalho. Melhor dizendo, apreender a unidade orgânica do processo de produção, que fundamenta depois a unidade do processo de produção, distribuição, troca e consumo.
Com o fim de recompor continuamente a figura material do operário coletivo contra o capital que tenta desmontá-la; mas com o objetivo de começar a desmembrar a natureza íntima do capital nas partes potencialmente antagonistas que organicamente o compõem. Ao capitalista que tenta contrapor trabalho e força-trabalho no interior do operário coletivo, responde-se contrapondo força-trabalho e capital no interior do próprio processo de produção de capital. Neste aspecto, o capital tenta “desmembrar” o operário coletivo e operário tenta “desmembrar” o capital: não se trata já de direito contra direito, decidido pela força, mas diretamente, força contra força. Este é o último estágio da luta de classes no nível alto do desenvolvimento capitalista. O operário coletivo contrapõe-se não só à máquina, como capital constante, mas à própria força de trabalho, como capital variável. Tem de chegar a ter como inimigo o capital total; logo, ele próprio, como parte do capital. O trabalho deve ver a força de trabalho como seu inimigo, como mercadoria. É nesta base que a necessidade capitalista de objetivar no capital no capital todas as potências subjetivas do trabalho se pode tornar, por parte do operário, o máximo reconhecimento da exploração capitalista. A tentativa de integração coletiva e consciente da classe dentro dos sistemas é o que pode provocar a resposta decisiva da ruptura com o sistema, levando a luta de classe ao seu nível máximo.
O representante geral da sociedade é realmente o capital social. Na relação social de produção, o porta-voz da sociedade já não é a classe operária, mas diretamente o capital. O interesse social geral fica inteiramente nas mãos do capital. Aos operários não fica mais do que o seu interesse parcial de classe. Ipso facto, o autogoverno social do capital, de um lado, e a autogestão de classe dos operários organizados, de outro. O conceito de classe operária torna-se então, mas só a este nível, historicamente concreto, precisando-se na sua específica particularidade, desenvolvendo-se em toda a riqueza das suas determinações. Assim, como abstração social mais simples de uma formação econômica capitalista que é, e válida, portanto para todas as formas sucessivas do seu desenvolvimento, a classe operária só “surge, todavia, praticamente verdadeira nesta abstração” enquanto categoria do capitalismo mais moderno. Quanto mais a produção capitalista agride e desfaz as suas tradições externas, mas é obrigada a por a nu a sua contradição interna. Quanto mais o capital consegue organizar-se, mais é obrigado a organizar, para si, a classe operária. Até que a classe operária não precisa mais espelhar as contradições sociais, podendo espalhar-se diretamente como contradição a sociedade.
O operaísmo é um movimento político marxista heterodoxo e antiautoritário - ou neomarxista - surgido na Itália, a partir do final dos anos 1950 e início dos anos 1960, trabalhava a renovação do marxismo diante dos impasses do segundo pós-guerra para o movimento operário e para a esquerda. Operaísmo é também reconhecido por “marxismo autonomista”, se refere a uma corrente política e teórica do pensamento marxista que surgiu na Itália no começo dos anos 1960. Uma leitura original de Marx no contexto das lutas radicais dos trabalhadores, ocorridas no país durante toda a década, e que levaram à invenção de novos conceitos teóricos como: composição técnica e política de classe, operário massa, recusa ao trabalho e uma nova metodologia política: a copesquisa, ou investigação militante. As figuras mais conhecidas desta corrente de pensamento são o filósofo Antonio Negri, o cientista político Mario Tronti, ligado ao Partido Comunista Italiano (PCI) e Raniero Panzieri. A análise desses teóricos e militantes começa por observar o poder ativo da classe operária para transformar as relações de produção em práticas de poder. Os elementos principais do operaísmo foram mais elaborados quando este se combina com o movimento autônomo.
Michael Hardt e Antonio Negri (cf. Nour; Fath, 2006) constroem uma definição do operaísmo a partir da afirmação de Marx segundo a qual o capitalismo reage às lutas da classe operária - ou seja, de que a classe operária é ativa e o capital é reativo, combinando desenvolvimento tecnológico: “seria possível escrever uma história inteira, desde 1830, das invenções que tiveram o propósito único de prover o capital das armas contra a rebelião da classe operária”; e, desenvolvimento político: a legislação da fábrica na Inglaterra foi uma resposta à luta da classe operária sobre a duração da jornada de trabalho. - “Sua formulação, reconhecimento oficial e proclamação por parte do Estado foram o resultado de uma longa luta de classe”. O fundamental do operaísmo é: as lutas da classe operária precedem e prefiguram as reestruturações sucessivas do capital (ismo). Os operaístas deram continuidade a Marx tentando basear sua política em uma investigação da vida e da luta da classe operária. Em 1961, Mario Tronti, Toni Negri e Raniero Panzieri, importantes teóricos operaístas, fundaram, com outros intelectuais comunistas, a revista Quaderni Rossi (Cadernos Vermelhos, 1961-1965), que será o berço de irradiação do pensamento operaísta. Em 1963, do grupo fundador da revista saem Mario Tronti, Alberto Asor Rosa e Massimo Cacciari para fundar Classe Operaia. Em 1969, o pensamento operaísta dá origem a dois movimentos políticos rivais: um mais ortodoxo, Potere Operaio, e outro mais movimentista, Lotta Continua.
Em particular Quaderni Rossi e Classe Operaia (1963-1966) desenvolveram a teoria operaísta, concentrando-se nas lutas proletárias. A esses desenvolvimentos teóricos foi associada uma práxis baseada na organização no lugar de trabalho, adotada principalmente por Lotta Continua. O movimento alcançou seu auge durante o chamado Autunno Caldo (“outono quente”) italiano, em 1969. Após a dissolução de ambos os movimentos em 1976, alguns militantes ingressaram na órbita da luta política tendo como epicentro a Autonomia Operaia, cuja ideologia baseava-se exatamente na centralidade operária autônoma tanto em relação aos partidos como aos sindicatos. O Maio de 1968 e o “outono quente” dos trabalhadores de 1969 conduziram a uma nova divisão no operaísmo italiano. Mario Tronti e outros decidiram continuar sua atividade intelectual no PCI, uma vez que estavam convencidos que as lutas dos trabalhadores estruturalmente precisavam de um “suplemento” apolítico, de maneira a multiplicar e consolidar a sua força (uma posição que depois foi elaborada por Mario Tronti na sua teoria da “autonomia do político”). Antonio Negri e outros, por outro lado, estavam convencidos que o nível de poder autônomo exprimido pelos trabalhadores no “outono quente” punha diretamente o problema da ruptura revolucionária. A organização Potere Operaio foi fundada nesta avaliação e se manteve ativa até os fabulosos anos de 1973.
O operaísmo se difundiu na França através do reconhecido movimento Socialismo ou barbárie, e nos Estados Unidos da América (EUA), com a Tendência Johnson-Forest, graças às traduções feitas por Danilo Montaldi e outros. A Johnson-Forest tinha estudado a vida e as lutas operárias na indústria automobilística de Detroit, publicando panfletos como The American Worker (1947), Punching Out (1952) e Union Committemen and Wildcat Strikes (1955). Esses trabalhos foram traduzidos para o francês pelo grupo Socialismo ou barbárie e publicados no seu jornal. Johnson-Forest também estudou e escreveu sobre o que acontecia nos locais de trabalho - no caso, dentro das fábricas de automóveis - e nas empresas de seguros. Em meados dos anos 1970, todavia, a ênfase do movimento operaísta transferiu-se da fábrica à chamada “fábrica social” - as vidas diárias dos trabalhadores em suas comunidades. O movimento foi-se transformando no que é reconhecido como movimento autônomo ou autonomismo. O obrerismo italiano, como fato histórico, ocorreu na Itália no decurso da década dos anos 1960, experiência política agitada pelas grandes lutas operária do Norte e assinalada por marcos de agitação como os Quaderni Rossi, Classe Operaia, La Classe, Potere Operario e jornal Contropiano (1968). A indiferença à natureza do seu trabalho é cada vez mais reduzida a trabalho simples, os preconceitos profissionais, não são em si formas de subordinação de planejamento, mas de exploração maledetta capitalista articulada em torno de métodos de trabalho e métodos de produção.
A Classe Operária Vai ao Paraíso, Elio Petri (1971). |
Comparativamente, o sindicalismo moderno e o partido político enquanto correia de transmissão do sindicato é o ponto mais lato do reformismo. Resta-nos brevemente classificar o entendimento da categoria nervosismo nas classificações psiquiátricas das primeiras décadas do século XX que não pode prescindir da informação lexical e cultural mais imediata: as representações dos nervos e do sistema nervoso. Só que o objeto, a coisa, o próprio trabalho alienado, tem de ser historicamente determinados. Se atrás da força de trabalho como mercadoria encontramos os operários como classe, o proletariado na sua definição política, com a parte adversa sucede o contrário. Efetivamente para Mario Tronti nenhuma pergunta é mais ideológica do que esta: Mas o que é uma classe social? O sociólogo começa a ler o Capital no fim do Livro III e interrompe a leitura quando se interrompe o capítulo sobre as classes. O essencial do conceito de classe já tinha sido dito em toda a análise do Capital. Aquela interrupção do capítulo sobre o spaltet (racha) diz mais do que a sua possível continuação. Depois do discurso se ter iniciado novamente com a verdadeira separação, - aquela que é regida pela lei do movimento do modo de produção capitalista, entre os meios de produção e trabalho, com a transformação do trabalho em trabalho assalariado e dos meios de produção em capital, - o corte interno das drei grossen Klassen, regido pela divisão do trabalho social resultava de tal maneira secundário e, até, perigoso, que não podia prosseguir. Aquela interrupção tem todo o ar de uma renúncia imprevista a prosseguir um raciocínio que tomara um caminho errado.
De resto, não se percebe porque é que o capítulo sobre as classes se encontra na seção sobre os rendimentos, se o próprio Marx exclui que a identidade quanto à fonte de rendimento baste para indicar a pertença a uma mesma classe. O equívoco inicial está talvez mesmo na “fórmula trinitária”: não se pode dizer – coo Marx diz – que esta encerre todos os segredos do processo social de produção. Se o processo social de produção é o capital em nível de seu pleno desenvolvimento, então não pode ser definido por nenhuma fórmula que tenha mais de dois protagonistas: o próprio capital e, frente a ele, dentro e contra ele, a classe operária. Isto, no que respeita a uma definição que valha para a ciência. No terreno da prática política, é preciso operar uma ulterior. A trindade, por definição, é reconduzida a um. Quando se pergunta por que é que só do ponto de vista operário é que se pode captar o segredo do capitalismo, eis a única resposta possível: porque a classe operária é o segredo do capitalismo. Esse nível superior do desenvolvimento interno ao capital é, justamente, a classe operária. Dever-se-ia concluir que o capital não pode ser compreendido sem a classe operária, mas que esta poderia ser compreendida sem o capital. Quando a verdade é que o capital e a classe operária só podem ser compreendidos conjuntamente, um sempre contra o outro.
Em que sentido se pode, então, dizer que só do ponto de vista operário é possível captar o segredo do capitalismo – visto que é exatamente ao contrário que o capital põe a nu a natureza histórica da classe operária? Pode-se, sim, desde que se tenha em mente este fato simplicíssimo: a classe operária não é o segredo capitalismo no sentido de ser a sua explicação, mas no sentido de ser a sua dissolução. O capital pode explicar teoricamente tudo o que quiser sobre a classe operária, mas não pode eliminá-la na prática. A classe operária com a sua ciência, pode não explicar tudo sobre o capital mas pode chegar a destruí-lo com a revolução. Por isso, será sempre uma ilusão, do ponto de vista operário, querer saber mais sobre a sociedade capitalista do que os próprios capitalistas; e toda a forma de gestão operária do capital resulta necessariamente, defeituosa relativamente a uma gestão diretamente capitalística; e talvez descubra em breve que a via realisticamente mais praticável, a via “mais fácil” por parte operária, é justamente a da destruição do processo de acumulação de capital pela revolução.
Daí a tese segundo a qual se “o capital é a potência econômica da sociedade burguesa que domina tudo”, a classe operária é a única potência política que pode dominar o capital. Se isto é verdade, se a linha de demarcação passa pelo ponto de chegada do processo – derrubamento do capital, ditadura do proletariado – então, de um ponto de vista marxista, do ponto de vista operário, as classes, aluta de classe, só são concebíveis para e dentro da sociedade capitalística. Chamara toda a gente da definição dos recursos históricos para a escolha da práxis política, ou seja, da luta de classes em geral às necessidades particulares da revolução contra o capital – ainda a ser a linha de demarcação entre quem é marxista e quem não é, “o ponto – dizia Lenin - em torno do qual é preciso por à prova a compreensão e o reconhecimento efetivos do marxismo”. O próprio nascimento do ponto de vista operário, a possibilidade de uma ciência social não ob jetiva e que não visa a objetividade, a praticabilidade de uma síntese unilateral, ete agarrar os fenômenos da sociedade presente “todos juntos de um lado só”, não para os conhecer mas para os derrubar, a “síntese importante” da obra de Marx, não terá a sua razão de ser material no nascimento da primeira classe social que existiu historicamente, a classe operária? O ponto de vista histórico vê na sociedade capitalista, de um lado, os operários, do outro, o capitalista. É um daqueles fatos que se impõe com a violência da simplicidade. Pode-se falar de capitalista individual; é esta a figura socialmente determinada que presida à constituição da relação de produção capitalista. Esta figura não desaparece, pois, não se extingue nem é suprimida, apenas organiza coletivamente, e assim socializa-se no capital, precisamente, como relação de classe.
É a diferença de qualidade que existe, até no interior de um mesmo movimento operário entre reivindicação sindical e recusa política. Não é o passado de revolta da classe operária que se deve renegar – afirma Tronti, esse passado de “loucuras desesperadas” que foram sempre as suas insurreições, sob o signo da violência. É preciso não cometer os erros dos frios cientistas da história de liquidar, como “revolta popular”, todos os combates de massa em que se levantam barricadas, e ir procurar as verdadeiras lutas unicamente nas últimas formas de contratação do capital coletivo. Os intelectuais orgânicos da classe operária tornaram-se realmente a única coisa que podiam ser: intelectuais orgânicos do movimento operário. É o partido histórico, é a velha forma de organização fora da classe que precisa deles. Eles asseguraram durante decênios a relação entre partido e sociedade sem passar pela fábrica. Agora que a fábrica se impõe, agora que o próprio capital os chama para a produção, tornaram-se mediadores objetivos entre ciência e indústria: é essa a forma que assume a relação tradicional entre intelectuais e partido. O intelectual orgânico, integrado à condição de classe, é aquele que estuda a classe operária, isto é aquele que põe em prática a ciência positivista mais infame que porventura existiu: a sociologia industrial, o estudo dos movimentos dos operários por conta do capitalista.
Também aqui é necessário recusar toda a problemática em bloco, pis não há cultura nem intelectuais fora das necessidades do capital. É necessária uma nova estratégia. É necessário contrapor a isto o princípio oposto: o que é teoricamente justo pode ser politicamente errado. Teoria é compreensão e previsão, isto é, conhecimento, ainda que unilateral, da tendência objetiva do processo. Política é a vontade de transformar, portanto, recusa global da objetividade e ação subjetiva para que esta não passe nem vença. Teoria é antecipação. Política é intervenção. Dever de intervenção, não sobre o que se antecipou, mas sobre o que precede: eis as necessidades da tática. Neste sentido, teoria e política são sempre contraditórias. A sua identidade e não contraditoriedade é precisamente o oportunismo, o reformismo, a obediência passiva à tendência objetiva, só conhecida e obtida pela ciência que, por sua vez, se dissolve numa inconsciente mediação operária do ponto de vista capitalista. O discurso direto sobre a classe operária é, antes de qualquer coisa, portanto, autocrítica do movimento operário organizado. Só passando por este momento autodestruidor será possível realizar a obra de reconstrução estratégica do ponto de vista operário destes anos.
Bibliografia geral consultada.
CELLA, Gian Primo, Divisione del Lavoro e Iniziativa Operaia. Bari: Edizione De Donato, 1972; TRONTI, Mario, Operários e Capital. Porto: Edições Afrontamento, 1976; MARTINS, José de Souza, Sobre o Modo Capitalista de Pensar. São Paulo: Hucitec Editora, 1978; DELEUZE, Gilles, “Lettera aperta ai giudici di Negri”. In: La Repubblica, 10 de maio de 1979; NEGRI, Antonio, Il Dominio e il Sabotaggio Sul Metodo Marxista della Transformazione Sociale. Milán: Multhipla Edizioni, 1979; CANEVACCI, Massimo, “A Experiência da Autonomia Operária”. In: Revista Desvios. São Paulo: Editora Paz e Terra, n°4, pp. 61-71, julho 1985; VINCENT-BUFFAULT, Anne, História das Lágrimas: Séculos XVIII-XIX. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1988; ARROYO, Miguel, “A Universidade, o Trabalho e o Curso Noturno”. In: Estudos
e Debates. Brasília. nº 17, 1990; DELEUZE, Gilles, “Lettre Ouverte aux Juges de Negri”.
In. Deux Régimes de Fous: Textes e Entretiens 1979-1995. Paris: Éditions Minuit, 2003; NOUR, Soraya; FATH, Thorsten, “Entre Multitude e Mundo da Vida: A Crítica de Hardt e Negri a Habermas”. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. São Paulo, vol. 21, n° 62, 2006; DUARTE, Luiz Fernando Dias, “O Nervosismo como Categoria Nosográfica no começo do Século XX”. In: História, Ciências, Saúde - Manguinhos. Rio de Janeiro, vol.17, supl.2, dez. 2010, pp.313-326; MARX, Karl, Contribuição à Crítica da Economia Política. 4ª edição. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011; STANDING, Guy, The Precariat: The New Dangerous
Class. London:
Editor Bloomsbury Academic, 2011; BEAUD, Stéphane; PIALOUX, Michel, Retour sur la Condition Ouvrière: Enquete aux Usines Peugeot de Sochaux-Monbéliard. Paris: Éditions La Découverte, 2012; FORTUNATI, Leopoldina, “Aprendendo a Lutar: Minha História entre Operaísmo e Feminismo”. In: https://autonomistablog.com/2016/09/14/; VIEL, Jefferson, A Formação do Conceito de Trabalho Imaterial na Filosofia de Antonio Negri. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Departamento de Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2017; CASTRONOVO, Valerio, “Consigli di Fabbrica, il nucleo ideato da Gramsci”. In: https://www.ilsole24ore.com/art/2 settembre 2019; MUSETTI, Felipe Ramos, “A Questão do Fim do Estado. Confluências e Divergências nas Análises de Marx e Engels”. In: Revista Verinotio, vol. 26, n° 2, 2020; entre outros.
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