quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Madre Pascalina, Papa Pio XII & Viés do Fascismo Clerical.


                                O pecado do século é a perda do sentido do pecado”. Papa Pio XII

                            
Pio XII, nascido Eugenio Maria Giuseppe Giovanni Pacelli, em Roma, em 2 de março de 1876, foi eleito Papa no dia 2 de março de 1939 até a data da sua morte em 1958. Foi o primeiro Papa Romano desde 1724. O único do século XX a exercer o Magistério Extraordinário da Infalibilidade papal, invocado por Pio IX, quando definiu o dogma da Assunção de Maria em 1950 na sua encíclica Munificentissimus Deus. Ao todo criou 57 cardeais em dois consistórios. Foi educado no Liceu Visconti, uma instituição pública. Em 1894 começou a estudar teologia na Universidade Gregoriana, como pensionista do Colégio Capranica, e um ano de filosofia na Universidade La Sapienza de Roma (1895-96). O Almo Collegio Capranica é o mais antigo colégio romano, fundado em 1457 pelo cardeal Domenico Capranica em seu próprio palácio para 30 jovens clérigos, incialmente, que receberam uma educação adequada para a formação ao sacerdócio. Em 1899, ingressa no Instituto Apollinare da Pontifícia Universidade Lateranense, onde obteve três licenças, uma de teologia e outro in utroque jure (direito civil e direito canônico). No Seminare, por motivos de saúde é autorizado a pernoitar na casa dos pais. Iniciou os trabalhos apostólicos na igreja de Santa Maria Vallicella integrando um grupo de jovens. Foi ordenado sacerdote em 2 de abril de 1899 pelo bispo Monsenhor Francesco di Paola Cassetta, um amigo da família.  
A Questão Romana tinha causado problemas históricos para os líderes do país desde que o Reino da Itália formado das cinzas dos Estados papais em 1861, engolira Roma, em seu ersatz nove anos mais tarde. Durante um milênio, os papas haviam governado uma larga faixa da península italiana, na conjuntura política da unificação do país, estendendo-se de Roma para o norte, passando pela Úmbria e Ferrara, até à Bolonha. Em 1860 quando os Estados Papais desmoronavam, Pio IX excomungara o rei da Itália e anunciara que “nenhum católico poderia reconhecer o governo”. Durante as três décadas seguintes, Pio IX e seu sucessor Leão XIII, tinham procurado uma maneira de recuperar a Cidade Eterna, uma ideia expressa por poetas escritores da Roma Antiga. No mundo antigo, foi sucessivamente a capital do Reino de Roma, da República Romana e do Império Romano e é considerada um dos berços da civilização ocidental. Desde o século I, a cidade é a sede do papado e no século VIII a cidade tornou-se a capital dos Estados Pontifícios, que duraram até 1870. Em 1871, Roma se tornou a capital do Reino da Itália e em 1946 da República Italiana. O conflito contínuo criava complicações nas relações internacionais para o novo Estado italiano, pois líderes dos países católicos relutavam conditio sine qua non em visitar sua capital. O papa não os receberia se eles visitassem autoridades do governo italiano, mas ir a Roma e não prestar homenagem ao Santo Padre significava correr o risco de sofrer consequências morais desagradáveis. Na virada do século, as questões sociais começaram a mudar. Alarmado com o rápido crescimento do movimento socialista europeu, Pio X, revogou a norma que proibia os católicos de votarem e concorrerem a cargos públicos nacionais.

                   
O sacerdócio ministerial de sacerdotes e bispos católicos tem uma história social distinta. Este sacerdócio ministerial está a serviço do sacerdócio de todos os crentes e envolve a consagração direta de um homem a Cristo através do sacramento da ordem, para que ele possa agir na pessoa de Cristo para o bem dos fiéis, sobretudo na dispensação dos sacramentos. Entende-se ter começado na Última Ceia, quando Jesus Cristo instituiu a Eucaristia na presença dos Doze Apóstolos, ordenando-lhes, “fazei isto em memória de mim”. O sacerdócio católico é uma representação da participação no sacerdócio de Cristo e delineia as suas origens históricas para os Doze Apóstolos nomeados por Cristo. Os apóstolos, por sua vez, selecionaram outros homens para sucedê-los, como os bispos das comunidades cristãs, com os quais foram associados presbíteros e diáconos. Como as comunidades se multiplicaram e cresceram em tamanho, os bispos nomeavam mais presbíteros para presidir à Eucaristia em seus lugares nas comunidades em cada região. Os diáconos evoluíram como os assistentes litúrgicos do bispo e de seus representantes, para a administração dos fundos da Igreja e programas de auxílio aos pobres, como verdadeiros discípulos daquele que não veio para ser servido, mas dialeticamente para servir, e viveu no meio de seus discípulos com quem serve. Segundo Tornielli (2007), existe um vínculo entre Eugenio Pacelli e o mistério da Virgem Maria.
          Desde criança, sugerindo ideias que vão além de seu sentido usual, Eugenio Pacelli era devoto e estava inscrito na Congregação da Assunção, que tinha a capela perto da Igreja do Jesus. Uma devoção que parecia profética, já que foi precisamente ele quem declarou o dogma da Assunção em 1950. O futuro Papa celebrou sua primeira Missa como sacerdote em 3 de abril de 1899, no altar do ícone de Maria Salus Populi Romani, na capela Borguese, da Basílica de Santa Maria a Maior. Eugenio Pacelli recebeu a ordenação episcopal do Papa Bento XV que, “apesar de ser um homem baixo, frágil e que mancava desde criança – os mexeriqueiros do Vaticano chamavam-no de o pequeno -, não era velho e gozara de boa saúde durante os sete anos em que ocupara o trono de São Pedro” (cf. Kertzer, 2017: 34),  na capela Sistina, em 13 de maio de 1917, dia da primeira aparição da Virgem em Fátima. Em 1940, na qualidade de pontífice, reconheceu definitivamente as aparições de Fátima, e em 1942 consagrou o Coração Imaculado de Maria. Encontrou-se muitas vezes com Irmã Lúcia, e lhe solicitou que transcrevesse as mensagens recebidas de Nossa Senhora, convertendo-se, no primeiro pontífice em reconhecer, com sabedoria, aquilo que durante anos foi conhecido como o “terceiro segredo”, e que João Paulo II divulgou. Em 1º de novembro de 1950, com a Bula Munificentissimus Deus, Pio XII proclamou o dogma da Assunção, como cumprimento do dogma da Imaculada Conceição. Pio XII, herói ou vilão? Papa Francisco promete abrir os arquivos do Vaticano.
 

Depois de dois anos como cura da Chiesa Nuova, onde fora sacristão, em 1901, ingressou na Congregação dos Assuntos Eclesiásticos Extraordinários, responsável pelas relações internacionais do Vaticano, por recomendação do cardeal Vincenzo Vannutelli. Durante o conclave de agosto de 1903, Eugenio Pacelli assiste o Imperador, Francisco José I da Áustria, opor pela última vez um veto à eleição de um cardeal a papa, ocorrido contra o Cardeal Rampolla. Em 1904, foi nomeado pelo Cardeal Pietro Gasparri secretário da Comissão para a codificação do direito canônico, e por sinal de confiança do papa, tornou-se também camareiro de Sua Santidade. Publicou um estudo sobre “A Personalidade e territorialidade das leis, especialmente no direito canónico”, em seguida, publicou um “Livro Branco” sobre “A separação entre Igreja e Estado na França”. Entretanto, Pacelli declina do convite para lecionar em inúmeras cadeiras de Direito Canônico, como no “Apollinaire” e na Universidade Católica de Washington. Aceita, não ensinar na Pontifícia Academia Eclesiástica, sementeira da Cúria Romana, que se dedica ao apoio logístico à ação papal, à diplomacia e à gestão política. Em 1905, foi promovido por reconhecimento, a prelado doméstico de Sua Santidade. Neste ano a separação entre a igreja e o Estado é aprovada pelo Senado francês como consequência da resposta às críticas do papa Pio X. 
Foi escolhido pelo papa Leão XIII para apresentar as condolências em nome do Vaticano a Eduardo VII do Reino Unido (1841-1910) pela morte da Rainha Vitória. Em 1908 representou o Vaticano no Congresso Eucarístico Internacional em Londres onde esteve com Winston Churchill. Em 1911, representou a Santa Sé nas cerimônias de coroação de George V e foi nomeado Subsecretário para Assuntos Eclesiásticos Extraordinários. Em 1912, foi nomeado Secretário-Adjunto e em seguida Secretário em 1° de fevereiro de 1914, sucedendo ao Cardeal Pietro Gasparri que fora secretário da Comissão para a edificação do direito canônico e nomeado Secretário de Estado. É mantido neste posto durante todo pontificado de Bento XV (1854-1922) nascido Giacomo Paolo Giovanni Battista della Chiesa. Como secretário conclui a concordata com governo da Sérvia, quatro dias antes (24 de junho de 1914) do assassinato do Arquiduque da Áustria Francisco Ferdinando, em Sarajevo, assumindo a missão de promover a política papal durante a 1ª grande guerra (1914-18), em particular, tendo como escopo dissuadir a Itália para ir à guerra. Em 1915, trabalha em colaboração com Monsenhor Scapinelli di Leguigno, núncio apostólico em Viena, para convencer o Imperador Francisco José a ser mais paciente nas relações com a Itália. Desta forma, a Itália, não faria guerra contra os Impérios Centrais da Áustria-Hungria e Alemanha.
Foi nomeado Núncio Apostólico na Baviera pelo Papa Bento XV em 20 de abril de 1917, três dias depois é nomeado arcebispo in partibus de Sardes, uma antiga cidade localizada na Lídia, sobre a qual está edificado o vilarejo turco de Sart, a sua ordenação se dá na Capela Sistina, pessoalmente pelo próprio papa, no dia 13 de maio de 1917, data das aparições da Virgem de Fátima, em plena guerra mundial. Começa o trabalho no momento da recepção da nota de 1° de agosto de 1917, de Bento XV, trabalhará tendo a paz e o auxílio às vítimas do conflito social como principal objetivo, mas só obtém resultados decepcionantes. Esforça-se por reconhecer a Igreja Católica na Alemanha, visita as dioceses e concomitantemente frequenta os principais eventos católicos como o representativo Katholikentag, jornada dos fiéis católicos alemães. Tomou ao seu serviço a irmã Pasqualina, que se tornou governanta até o final da vida. 
Madre Pasqualina Lehnert nasceu na Baviera em 1894 e faleceu em Viena em 1983. Foi em 1917, durante férias em Menzingen, na Suíça, que o arcebispo Pacelli ficou conhecendo-a. Quando ele foi nomeado núncio apostólico na Baviera a chamou para ser sua governanta. A convivência do arcebispo de pouco mais de 40 anos e da jovem freira de 23 foi motivo de muitos rumores. Pasqualina tornou-se conhecida por organizar a vida de Pacelli e durante o período que viveu em Munique transformou a nunciatura em um local elegante de reuniões aristocráticas da alta sociedade da Baviera, incluindo algumas vezes a presença do presidente von Hindenburg. Quando em 1930 o cardeal Pacelli foi convocado para voltar a Roma e assumir o cargo de secretário de Estado, madre Pasqualina foi com ele como governanta, sendo acompanhadas por outras duas freiras também alemãs. Segundo Elisabetta Sana, uma católica romana italiana da província de Codrongianos de Sassari, membro ativo da Ordem Franciscana Secular e da União do Apostolado Católico, a irmã do cardeal Pacelli que a detestava, ela foi sem ser convidada e ardilosamente assumiu a gestão da residência.
Em 1939 no conclave que elegeu o cardeal Pacelli Papa quando ela e as duas freiras eram as únicas mulheres presentes no recinto. Os rumores continuavam com mais veemência e a irmã Elisabetta e um sobrinho do papa eleito insistiram para removê-la de sua nomeação.  Ele levou a decisão para a administração do Vaticano e em 2 de março de 1939, os cardeais votaram por unanimidade em defesa da inocência do relacionamento de Pio XII com a madre Pasqualina, permitindo a continuação de sua “maneira peculiar de viver”. Ela era poderosa e com isso ganhou a antipatia de monsenhor Montini, nascido Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini, Sumo Pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana e Soberano da Cidade do Vaticano.  Sucedeu ao Papa João XXIII, que convocou o Concílio Vaticano II, e decidiu continuar os trabalhos do predecessor. Promoveu melhorias nas relações ecumênicas com os Ortodoxos, Anglicanos e Protestantes, o que resultou em diversos encontros e acordos históricos. Giovanni Montini serviu no Departamento de Estado do Vaticano de 1922 a 1954. No Departamento de Estado, Montini e Domenico Tardini foram considerados os colaboradores mais próximos e influentes do Papa Pio XII, que o nomeou, em 1954, arcebispo da Arquidiocese de Milão, que fez dele automaticamente Secretário da Conferência de Bispos Italianos. João XXIII elevou-o ao Colégio de Cardeais em 1958, e após a morte de João XXIII, foi um dos mais prováveis sucessores. 
         Pragmática, madre Pascalina Lehnert muitas vezes decidia quem poderia ter uma audiência e quais documentos secretos do Vaticano ele poderia ver. Era chamada pelos ideólogos conservadores como “La Popessa” (cf. Murphy, 1983). Foi escolhida por Pio XII, juntamente com três religiosos para dirigir a Pontificia Commissione di Assistenza, órgão de caridade do Vaticano, subordinado ao monsenhor Giovanni Montini, que preconceituoso, não tinha simpatia por ela. Foi então destacada pelo papa para organizar e chefiar o Magazzino, outra instituição de caridade papal, que tinha 40 funcionários, continuando nessa função até 1959, mesmo depois da morte de Pio XII. Organizava carregamentos com medicamentos, roupas, calçados e alimentos para atender os que viviam em acampamentos e hospitais da cidade, muitos deles feridos nos bombardeios. O papa Francisco renovou os estatutos do Instituto para as Obras de Religião (IOR), reconhecido como Banco do Vaticano, introduzindo a figura um auditores externos de contas, dentro das normas internacionais.
            No Natal de 1944, organizou no palácio papal de Castel Gandolfo uma reunião para 15.000 refugiados da invasão nazista. No Vaticano tornou-se responsável pelo fornecimento de moradia, roupas e alimentação para muitos refugiados judeus que conseguiu amparar até o final da guerra. Calcula-se que cerca de 200.000 judeus foram abrigados e alimentados em Roma com a sua ajuda, assim como também 12.000 crianças. Em 1958 foi agraciada com a Ordem Pro Ecclesia e Pontifice pelo papa João XXIII, em 1969 com a Bundesverdienstkreuz pela República Federal da Alemanha, em 1980 pela Ordem de Mérito da Baviera, e em 1981 pelo governo austríaco com a Goldenes Ehrenzeichen für Verdienste um die Republik Österreich. Madre Pasqualina escreveu sua autobiografia em 1959, porém as autoridades do Vaticano só permitiram sua publicação em 1982. São cerca de 200 páginas onde descreve o papa como humano com qualidades, defeitos e senso de humor e os eventos históricos em torno da igreja, o conclave, as ocorrências da guerra e, finalmente a doença e morte do papa.

            A expressão fascismo clerical surgiu no Reino de Itália no início da década de 1920 para se referir à facção católica do Partido Popular Italiana (PPI) que apoiava o regime de Benito Mussolini. O termo terá sido cunhado por Don Luigi Sturzo, um padre e líder democrata cristão que se opunha a Mussolini e que se viria a exilar em 1924. No entanto, foi usado anteriormente à Marca sobre Roma, em 1922, para se referir aos católicos do Norte de Itália que defendiam uma síntese entre catolicismo e fascismo. Sturzo distinguia entre os “folofascistas”, que abandonaram o PPI entre 1921 e 1922, e os “fascistas clericais”, que permanecera no partido após a Marcha sobre Roma e que defendiam a colaboração com o governo fascista. Posteriormente, este último grupo viria a convergir com Mussolini, abandonando o PPI em 1923 e criando o Centro Nazionale Italiano. O PPI viria a ser extinto pelo regime fascista em 1926.  Pio XII foi o estrategista, em 1933, de um pacto entre a Santa Sé e a Alemanha nazista. Naquela conjuntura, ele era um diplomata do Vaticano com indisfarçável ambição de se tornar papa, enquanto o líder nazista erguia um regime totalitário (cf. Deschener, 1995). Pelo acordo, todos os alemães ficaram sujeitos às leis canônicas. Isso garantia maior autoridade ao papa, cargo que o próprio Pacelli assumiria em 1939. Em troca, a Santa Sé aceitou o fim do Partido do Centro Católico, última instituição democrática que havia restado na Alemanha. Isso não significa que o papa simpatizasse com o regime. Pio XII condenava o racismo nazista do 3º Reich representando ameaça à fé católica.
            O Tratado de Latrão de 1929 representou uma tentativa de acabar com um conflito que existia entre 1870-71 com o Estado italiano e a Igreja Católica Romana. A hierarquia da Igreja dividida entre “católicos sociais” se opunham ao fascismo, e os conservadores e pragmáticos que aceitavam o governo de Mussolini como desejável. A maioria dos católicos italianos não era antifascista, pois o nacionalismo os empurrou para o fascismo. Outros viam em Mussolini o menor dos males, preferível à anarquia ou ao marxismo. Achille Ratti, Cardeal Arcebispo de Milão, tornou-se o Papa Pio XI em 1922. Ele havia testemunhado a luta dos comunistas e também dos anarco-sindicalistas na área industrial milanesa. Ele também testemunhou a ascensão do fascismo. Milão foi um dos principais centros de atividade fascista, e enquanto fura-greves espancavam adversários e envolviam-se em brigas de rua com os comunistas. Mesmo assim, Pio XI,  estava convencido que “o fascismo era uma força menos destrutiva do que o comunismo” e que Mussolini “seria um líder responsável”. Depois de se tornar Papa, promoveu uma frente política contra a Esquerda, repreendendo o Partito Popolari que queria se aliar com os grupos socialistas, contra a rápida ascensão do partido fascista.
  Versões do texto Papa Pio XII, Memorial
     do Holocausto. Foto: M. Kahana/AFP.
            Eugenio Pacelli exerce a nunciatura na Alemanha até ser criado cardeal em 16 de dezembro de 1929 pelo Pio XI, com o título de Cardeal-presbítero de “São João e São Paulo”. Em 8 de fevereiro de 1930 é nomeado Secretário de Estado - por coincidência no mesmo dia que, em 1901, sem ter completado ainda vinte e cinco anos, atravessou pela primeira vez os umbrais da Secretaria de Estado - o cardeal Pacelli recebeu da Bulgária votos especiais, formulados por um idoso monge que invocava para ele a docilidade de David e a sabedoria de Salomão, quem escrevia ao futuro Papa Pio XII era aquele que lhe sucederia com o nome de João XXIII. Por nove anos foi fiel e principal colaborador de Pio XI, numa época marcada historicamente pelo radicalismo: os fascistas, nazistas e os comunistas soviéticos foram condenados, respectivamente, nas encíclicas Non abbiamo bisogno, Mit Brennender Sorge e Divini Redemptoris e pela encíclica Firmissimam constantiam criticou as sangrentas perseguições do laicismo maçônico contra os católicos do México. Juntamente com os Cardeais alemães Adolf Bertram, Michael von Faulhaber e Karl Joseph Schulte e os dois bispos alemães mais contrários ao regime, Clemens von Gallen e Konrad von Preysing e com a intervenção decidida do Cardeal Pacelli e dos seus auxiliares alemães Monsenhor Ludwig Kaas e dos jesuítas Robert Leiber e Augustin Bea chegou-se à encíclica Mit brennender Sorge que, ainda em 1937, condenou os erros do nazismo e sua ideologia racista e pagã. De 1924 a 1929, foi conselheiro de Eugenio Pacelli enquanto era núncio em Munique e em Berlim. Depois que Pacelli foi eleito para o papado como Papa Pio XII em 1939, Leiber o ajudou e aconselhou até a morte do papa em 9 de outubro de 1958. Leiber é descrito, sociologicamente, como o “assessor mais confiável de Pio XII”.  
            Quando, em 10 de setembro de 1943 os nazistas invadiram Roma, o Papa abriu a Santa Sé aos refugiados, estimando-se que tenha concedido cidadania do Vaticano entre 800.000 e 1.500.000 de pessoas, e nos meses em que Roma se encontrava sob a ocupação alemã, Pio XII instruiu o clero italiano sobre “como salvar vidas usando de todos os meios possíveis”. Cento e cinquenta e cinco conventos e mosteiros em Roma deram asilo a aproximadamente cinco mil judeus. Três mil encontraram refúgio na residência de verão do pontífice, em Castel Gandolfo, conhecida por ser a residência de Verão do Papa (residenza papale), um edifício do século XVII do arquiteto Carlo Maderno para o Papa Urbano VIII. Sessenta judeus viveram por nove meses dentro da Universidade Gregoriana e outros escondidos no subsolo do Pontifício Instituto Bíblico. Padres, monges, freiras, cardeais e bispos italianos empenharam-se para salvar milhares de vidas judias. O movimento é seguido pelo cardeal Boetto, de Gênova, salvando pelo menos oitocentas vidas. O bispo de Assis manteve em segredo trezentos judeus por mais de dois anos. O bispo de Campagna e dois parentes salvaram outros 961 em Fiume, que existiu como entidade autônoma com elementos de um Estado.   
            O espaço é um cruzamento de móveis. É de certo modo animado pelo conjunto dos movimentos que aí se desdobram. Espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais. O espaço estaria para o lugar como a palavra quando falada, isto é, quando é percebida na ambiguidade de uma efetuação, mudada em um termo que depende de múltiplas convenções, colocada como o ato humano de um presente (ou de um tempo), e modificado pelas transformações devidas a proximidades sucessivas. Diversamente do lugar, não tem, portanto nem univocidade nem a estabilidade própria. É um lugar praticado. Num exame das práticas do dia a dia que articulam essa experiência, a oposição entre lugar e espaço há de remeter, sobretudo, nos relatos, a duas espécies de determinações: uma, por objetos que seriam no fim das contas reduzível ao estar-aí de um morto, lei de um “lugar”, da pedra ao cadáver, um corpo inerte parece sempre, no Ocidente, fundar um lugar e dele fazer a figura de um túmulo; a outra, por operações que, atribuídas a uma pedra, a uma árvore ou a um ser humano, especificam “espaço” pelas ações de sujeitos históricos, pois condiciona a produção de um espaço e o associa a uma história. Os nazistas haviam começado a podar o ensino católico, demitindo professores e fechando escolas ligadas à religião. Imagem de Mother Pascalina, Sisters Maria Corrada and Erwaldis, praying before Pope Pius XII`s. 



           Além disso, criminalizaram suas organizações, censuram sua imprensa, fecharam seus seminários e confiscaram suas propriedades. O general Karl Otto Wolff recebeu ordem para ocupar o mais rapidamente possível o Vaticano, garantir a segurança dos arquivos e dos “tesouros artísticos”, e “transferir”, melhor dizendo, sequestrar o Papa, juntamente com a Cúria, para que não caíssem nas mãos dos Aliados e exercessem influência política. De acordo com historiadores, Hitler ordenou o sequestro “porque ele tinha medo da possibilidade de Pio XII aumentar e agravar as suas críticas à perseguição judia levada a cabo pelos nazistas”. Também temia que a oposição articulada de Pio XII pudesse inspirar mais resistência organizada politicamente e oposição à ocupação alemã na Itália e em outros países católicos europeus. Nessa eventualidade, o Papa disse à Cúria que a sua captura pelos nazistas implicaria a sua resignação imediata, abrindo caminho à eleição de um sucessor. O atomismo social que durante séculos serviu de postulado na análise da sociedade supõe a unidade elementar, o indivíduo no âmbito do metabolismo social, a partir da qual seriam compostos os grupos e à qual sempre seria possível reduzi-los. Os prelados se refugiariam num país seguro e neutro, com Portugal, para restabelecer a liderança da Igreja Católica Romana e eleger um novo Papa.
Aí se acha, portanto excluída a possibilidade, para duas coisas, de ocuparem o mesmo lugar. É uma configuração instantânea de posições que implica uma indicação de estabilidade. Foi com certa surpresa que o mundo viu o Vaticano se demonstrando neutro na 2ª guerra mundial. Ainda que o papa tivesse se posicionado contra a perseguição de judeus na Polônia, exatamente após a invasão nazista havendo pregado sobre unidade da raça humana, numa clara crítica à filosofia nazista, Pio XII poucas vezes se pronunciou ao longo da guerra. Como um estrategista, percebeu que uma luta aberta contra Hitler não seria efetiva, pois a igreja estava fraca e a conquista da Abissínia pela Itália e a anexação da Áustria em 12 de fevereiro de 1938 pela Alemanha, pelo visto tinham exposto divisões profundas entre o Vaticano pacifista e os bispos nacionalistas. Ele percebeu que seu poder sobre as igrejas locais era total na teoria, mas parcial sobre um conjunto de práticas e saberes sociais. Uma posição formal contra o nazismo poderia criar um cisma na Fé, como um ato de força e de coragem, mas é apenas uma forma frágil e assustadora de recuo diante da realidade eclesial. A Áustria passou a ser uma entidade sem nome, ante a inação e o eclipse da razão de aliados de países ocidentais. Pouco tardou para que nazistas iniciassem, com sua típica prática policial vigilante, a perseguição aos dissidentes políticos e às pessoas que o preconceito as via como de inferioridade social.
Bibliografia geral consultada.
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