sexta-feira, 26 de abril de 2019

Últimos Anos - Comunicação, Política & Islamismo de Bin Laden.


                                                                                                      Ubiracy de Souza Braga

Se a libertação da minha terra é chamada terrorismo, então isso é uma grande honra para mim”. Bin Laden


           Na tradição muçulmana, Maomé (c 570 - 8 de junho de 632) é visto como o último de uma série de profetas principais. Durante os últimos 22 anos de sua vida, começando aos 40 anos, em 610, de acordo para as primeiras biografias restantes, Maomé relatou revelações que ele acreditava serem de Deus, transmitidas a ele através do arcanjo Gabriel (Jibril). O conteúdo dessas revelações, reconhecido como o Alcorão, foi memorizado e gravado por seus companheiros. Durante esta época, Maomé pregava ao povo na cidade de Meca, implorando-os a abandonar o politeísmo e adorar um Deus.  Embora alguns tenham se convertido ao Islão, Maomé e seus seguidores foram perseguidos pelas autoridades de Meca. Isso resultou na migração para a Abissínia de alguns muçulmanos (ao Império Axumita). Muitos dos primeiros convertidos ao Islão eram os pobres e ex-escravos como Bilāl ibn Rabāḥ, (580-640 d.C.) um dos Sahabah (companheiros) mais confiáveis e leais do profeta islâmico. A elite de Meca acreditava que Maomé iria desestabilizar a ordem através da pregação de uma religião monoteísta, da igualdade racial e do processo de dar ideias aos pobres e seus escravos. Depois de 12 anos de perseguição de muçulmanos pelos habitantes de Meca, Maomé, sua família e os primeiros muçulmanos realizaram a Hégira (“emigração”) para a cidade de Medina (anteriormente reconhecida como Iatrebe) em 622. Lá, com os convertidos de Medina (Ansar) e os migrantes de Meca (muhajirun), Maomé estabeleceu sua autoridade política e religiosa. Um Estado foi estabelecido em conformidade com a jurisprudência econômica islâmica.
          A família Bin Laden é abastada e intimamente ligada com os círculos mais internos da família real saudita. A família foi posta sob os holofotes da mídia em decorrência das atividades terroristas do mais reconhecido de seus membros, Osama bin Laden, líder da Al Qaeda, o grupo terrorista responsável pelos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 contra edifícios comerciais e do governo dos Estados Unidos. Os interesses financeiros da família Bin Laden são representados pela Saudi Binladin Group, um conglomerado global de petróleo e gestão de patrimônio arrecadando US $ 2 bilhões por ano, sendo a maior empresa de construção civil do mundo, com escritórios em Londres, Dubai e Genebra. A família tem suas origens em um pobre e ignorante hadramita (cf. Knysh, 1999: 215-222) chamado bin Laden, membro de uma tribo Kendah, com cerca de 100 mil membros da aldeia de Al Rubat em Wadi Doan no Vale de Tarim, província de Hadramaut,  falecido em 1919. A tribo se originara no Najad no coração do reino, que migrara para o Hadramaut, no Iêmen que são árabes, mas há reduzida minoria persa no litoral norte.
Seu filho foi o xeque Muhammed bin Awad bin Laden, falecido em 1967. Muhammed bin Laden era um Shafi'i (sunita) nativo da costa sul do Iêmen, e emigrou para a Arábia Saudita antes da Primeira Guerra Mundial. Ele montou uma empresa de construção civil e chamou a atenção do Rei Abdul Aziz ibn Saud, através de projetos de construção, fazendo posteriormente contratos relativos a grandes obras de reforma em Meca, onde ele fez sua fortuna inicialmente através de direitos exclusivos sob a construção e reforma de todas as mesquitas e outros edifícios religiosos, não só na Arábia Saudita, mas até onde alcançava a influência de Ibn Saud. Até sua morte, Mohammed bin Awad bin Laden tinha controle exclusivo sobre as restaurações na mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém. Logo a rede dos Bin Laden se estendeu para muito além das empresas locais de construção. A intimidade que Muhammed Awad bin Laden tinha com a monarquia foi herdada pela geração mais jovem dos bin Laden.




Os filhos de Muhammed foram estudar no Victoria College de Alexandria, no Egito. Seus colegas incluíram o rei Hussein da Jordânia, Zaid Al Rifai, os irmãos Kashoggi (cujo pai era um dos médicos do rei), Kamal Adham (que dirigia a Direção-Geral de Inteligência sob o Rei Faisal), os atuais empreiteiros Mohammed Al Attas, Fahd Shobokshi e Ghassan Sakr e o ator Omar Sharif. Quando Muhammed bin Laden morreu em 1967, seu filho Salem bin Laden assumiu aos empreendimentos familiares, até sua própria morte acidental em 1988. Salem foi um dos 54 filhos que Muhamed teve com várias esposas. O milionário saudita Osama Bin Laden, que nasceu em 30 de junho de 1957 em Riad, oriundo de uma rica e influente família saudita, que enriquecera por meio da atividade da construção civil. Na faculdade de Economia da Universidade de Jedá, Universidade Rei Abdulaziz, Bin Laden iniciou seus contatos disciplinares com as ideias islâmicas radicais, onde frequentou  estudos islâmicos lecionados por Muhammad Qutb, estudioso e professor islamista, reconhecido irmão mais novo do pensador islamista egípcio Sayyid Qutb, irmão de Muhammad Qutb, e por Abdullah Azzam, tendo exercido sobre ele grande influência política.  
No início dos anos 1980 Bin Laden parte para o Paquistão, a fim de participar do processo de gerenciamento da luta afegã. Juntamente com o seu ex-professor Azzam, Bin Laden funda em 1984 o “Maktab al Kidmay lil Mujahidin al-Arab” (MAK), que tinha como objetivo recrutar, doutrinar e treinar milhares de jovens árabes e muçulmanos de toda parte do mundo, que se voluntariavam para tomar parte ideológica no conflito afegão. No MAK, Azzam desenvolveu suas ideias de jihad e de movimento vanguardista do Islamismo, que posteriormente serviriam de base para o Al-Qaeda. Na obra “Join the Caravan”, Azzam apresenta conceitos que futuramente guiarão o pensamento de Bin Laden e da Al-Qaeda, como o da obrigatoriedade do jihad e da necessidade de obediência ao líder. O surgimento da rede Al-Qaeda está intimamente articulado a duas questões primordiais. A primeira refere-se à influência da doutrina islâmica radical sob o pensamento daqueles que são considerados os fundadores da organização: o palestino Abdullah Azzam e o saudita Osama bin Laden.                
A segunda diz respeito aos principais acontecimentos geopolíticos do Oriente Médio e do Afeganistão, que ocorreram entre o final da década de 1970 e o início da década de 1990, sobretudo a invasão soviética ao Afeganistão (1979-1989) e a Guerra do Iraque (1991). Os líderes da Al-Qaeda se mudaram para o Irã após a queda do regime Talibã no Afeganistão. Havia indícios de que eles viviam em Chalus, no norte do Irá, no Mar Cáspio. Em 2002, uma invasão Seal a Chalus foi planejada e ensaiada nas proximidades da Costa do Golfo dos Estados Unidos da América para a pesquisa. A Joint Special Operations Command (JSOC), é uma unidade militar estadunidense de comando pertencente ao United States Special Operations Command, e é encarregada de estudar requerimentos e técnicas de operações especiais para assegurar a interoperabilidade e a padronização de equipamento, planejamento e conduta em operações especiais. A unidade foi criada em 1980 seguindo uma recomendação do coronel Charles Alvin Beckwith, logo após a constatação empírica sobre a falha da chamada “Operação Eagle Claw” durante a Crise do Irã, coordenada pelo presidente Jimmy Carter com o objetivo de tentar pôr fim à crise de reféns no Irã pelo resgate de 52 norte-americanos mantidos em cativeiro na embaixada dos Estados Unidos em Teerã, em 24 de abril de 1980. O seu fracasso, e a humilhação pública que se seguiu, danificou o prestígio americano em todo o mundo e é considerado por muitos, incluindo o próprio Carter, como um dos motivos de sua derrota na eleição presidencial de 1980.

Os crimes de guerra dos Estados Unidos são violações de leis da guerra que desrespeitam princípios básicos da proteção aos direitos humanos previstos no direito internacional. O termo engloba crimes perpetrados pelas Forças Armadas, pela Guarda Nacional ou por outras forças de segurança e serviços de inteligência dos Estados Unidos contra sua própria população ou contra cidadãos de países signatários das Convenções de Haia de 1899 e 1907, bem como as violações análogas à definição de crime de guerra acordada durante as Convenções de Genebra. Tipificam-se como crimes de guerra, entre outros, o genocídio, as execuções sumárias de combatentes inimigos capturados, maus-tratos de prisioneiros durante interrogatórios, estupros, tortura e uso de violência contra populações civis e não-combatentes. Consideram-se crimes de guerra de responsabilidade dos Estados Unidos aqueles ocorridos após a independência do país em 1776. Os primeiros registros historiográficos de violações análogas a crimes de guerra cometidos por militares norte-americanos remontam ao século XVIII.

Ao longo do século XIX, vários crimes foram perpetrados contra combatentes, civis e nativo-americanos no contexto da Guerra de Secessão, da Marcha para o Oeste e da Doutrina do destino manifesto. A partir do século XX, com a consolidação de uma política intervencionista, recrudescimento do belicismo e o desenvolvimento do complexo militar-industrial, os Estados Unidos tornam-se protagonistas de uma série de conflitos internacionais marcados pela ocorrência de atrocidades e violações das leis da guerra. É nesse contexto que surgem as acusações sobre o genocídio filipino, durante a Guerra Filipino-Americana e sobre crimes de guerra ocorridos na Segunda Guerra Mundial, incluindo-se o debate sobre os bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki com armas nucleares, na Guerra Fria,  abusos ocorridos durante as operações de mudança de regime na América Latina e massacres de civis na Guerra do Vietnã (1955-1975) e na Guerra da Coreia (1950-1953), e nas intervenções norte-americanas no Oriente Médio: vide as alegações de estupro e execuções extrajudiciais na Guerra do Golfo e na Guerra do Iraque, entre outros. 

A JSOC foi creditada pela morte de Osama bin Laden em 1 de maio de 2011, numa operação autorizada pelo então presidente dos Estados Unidos da América, o negro Barack Obama com apoio da CIA. Três anos mais tarde a CIA e JSOC rastreavam o terceiro na linha de comando da Al-Qaeda, Abu Faraj al-Libi, que rodava pelas regiões tribais do Paquistão numa motocicleta vermelha peculiar. Pistas indicavam que Libi estaria num pequeno complexo em uma área tribal ao norte, próxima à fronteira com o Afeganistão, possivelmente reunido com Ayman al-Zawahiri. Um plano foi elaborado para levar trinta Seals até o complexo e efetuar o ataque. McChrystal e o diretor da CIA Porter Goss apoiaram o plano, mas o Pentágono preocupou-se com a extração dos Seals, e queriam obter mais poder e incluir 150 Army Rangers. O exame da operação parecia cada vez mais com uma invasão do Paquistão, o que seria danoso politicamente para o general Pervez Musharraf, o presidente paquistanês.
            Os homens sob o comando de McChrystal estavam cada vez mais frustrados com os impedimentos políticos que os impediam de cruzar a fronteira do Paquistão onde os líderes da Al-Qaeda estavam escondidos. Em 2006, Frances Townsend, o principal consultor de antiterrorismo de Bush, aceitou o convite de McChrystal para se reunir com seus oficiais e principais operativos de campo em Ft. Bragg. Eles se sentaram ao redor de uma mesa em “U” Townsend disse ao grupo: - “Vocês não vão me melindrar. Eu sou de Nova York, eu sou durão. Portanto, essa viagem só vai valer a pena se vocês me disserem o que os incomoda”. As frustrações foram despejadas. A impossibilidade de cruzar a fronteira, a falta de boa inteligência em nível tático sobre os líderes da Al-Qaeda e, mais fundamentalmente, a grande questão: - “Quem é que está no comando da caça de Bin Laden?”. Townsend disse a eles que fora do tetro da guerra, era a CIA, mas na zona de guerra, o JSOC teria necessariamente que assumir o controle.
            Em 11 de agosto de 2006, os comandantes do Talibã e da Al-Qaeda se reuniram para discutir o aumento no ritmo das operações no leste do Afeganistão, em particular as missões conjuntas no ano seguinte, na província de Nangarhar. Em julho de 2007, o JSOC recebeu inteligência de que o próprio Bin Laden poderia cruzar a fronteira do Paquistão para o Afeganistão, para comparecer a uma reunião d cúpula de militantes em Nangarhar, no velho reconhecido território de Tora Bora. A CIA detectou um acúmulo significativo de forças da Al-Qaeda e do Talibã ali. O Pentágono planejou um ataque envolvendo bombardeiros de longo alcance, mas quando os bombardeiros invisíveis B-2 estavam em pleno voo, os comandantes ordenaram seu retorno, em vista de dúvidas sobre a precisão das informações sobre Bin Laden e as possíveis baixas civis num bombardeio em grande escala. Em substituição, o JSOC organizou uma operação menor que durante três ou quatro dias matou dezenas de militantes da Tora Bora. Exatamente como no inverno de 2001, Bin Laden parecia ter desparecido do mapa do Afeganistão.
            Em dezembro de 2010, o diretor da CIA, Leon Panetta, voltou a informar o presidente Barack Obama sobre o esforço de pesquisa em Abbottabad, apresentando vídeos do complexo e os relatos etnográficos de quem já vivia no lugar. Embora ainda houvesse dúvidas sobre quem estaria morando no complexo – em certo momento, Obama chegou a dizer: - ”Até onde sabemos, talvez seja só um xeque tentando se esconder de uma de suas esposas” -, o interesse do presidente pelo caso havia chegado ao ápice. Obama disse: - “Quero novas informações assim que eu voltar de viagem, diretor Panetta. Vamos resolver isso o mais rápido possível. Caso ele esteja lá, temos pouco tempo para agir”. Obama se recorda de ter pedido uma análise ainda mais precisa sobre o que acontecia e quem morava no complexo em Abbottabad: - “Se fôssemos preparar qualquer tipo de ataque a esse complexo... precisávamos ter certeza absoluta do que estávamos fazendo”. No final, Bin Laden conseguiu a carnificina que esperava desencadear. Quase três mil norte-americanos morreram no “11 de setembro”.  
Desde então, 6.022 militares foram mortos no Iraque e no Afeganistão, e mais de 42 mil feridos. Mais de três mil soldados aliados morreram, além de 1.200 empreiteiros, trabalhadores assistenciais e jornalistas. A maioria das mortes não ocorreu em batalhas - foi na métrica suja de homens-bomba, esquadrões da morte, assassinatos em pontos de inspeção, câmaras de tortura e dispositivos explosivos improvisados. Civis a caminho do trabalho ou soldados dirigindo em círculos, procurando um inimigo que raramente conseguiam encontrar. Talvez nunca saibamos quantos civis inocentes foram mortos no Iraque, no Afeganistão e no Paquistão, mas estimativas sugerem que 160 mil morreram até agora. Al-Qaeda, por sua vez, perdeu poucos operativos na conflagração mundial - talvez apenas pontos, como disse o ex-presidente Barack Obama. Na verdade, a Al-Qaeda nunca teve muitos membros. No final de 2011, oficiais da CIA ficaram surpresos ao descobrir que um militante indonésio chamado Umar Patek, um dos conspiradores do atentado a bomba de 2002, em Bali, havia visitado recentemente Abbottabad, onde foi preso por agentes do serviço de segurança política paquistanês.
            O analista da CIA que dizia já há algum tempo ter certeza quase absoluta de que Bin Laden estava no complexo, concluiu que os serviços de inteligência já haviam feito todo o possível para confirmar a suspeita. Ele procurou Panetta e disse: - “Temos que agir agora. Abu Ahmedal-Kuwaiti pode não estar mais lá no mês que vem. Não vamos conseguir informações melhores do que as que já temos”. Panetta, por sua vez, procurou o presidente e repassou a ele o que ouviu de um dos seus principais agentes responsáveis pela “caça” a Bin Laden: - “Ou entramos em ação agora, ou o que sabemos poderá se perder”. Obama respondeu: - “Quero ter opções para atacar esse complexo”. Em seguida, a Agência Nacional de Informações Geoespaciais usou seus detalhados dados telemáticos de reconhecimento do complexo para reproduzir e interpretar um desenho assistido por computador (“computer aided design”). Com base nesses dados uma maquete de 1, 20 x 1, 25 m do complexo onde Bin Laden estaria foi construída com toda a precisão, detalhe por detalhe. O modelo incluía até dois carrinhos de brinquedo para representar o jipe branco com um pneu reserva e o furgão vermelho que o Kuaitiano e seu irmão usavam. Essa maquete se tornou uma peça chave para as discussões da CIA e, mais tarde, para debater o planejamento de várias opções militares.
       Obama pediu à CIA para planejar algumas opções conceituais para abordar o complexo em Abbottabad. Agora, segundo Peter Bergen (2012), com a possibilidade de uma ação militar na mesa. Panetta e o veterano oficial do Pentágono Michael Vickers decidiram envolver outra pessoa na operação secreta. No fim de janeiro, Vickers entrou em contato com o vice-almirante William McRaven, no Afeganistãso, que durante os três anos anteriores vinham comandando o JSOC. Vickers e McRaven já se conheciam há três décadas e vinham trabalhando intensamente em conjunto nos últimos quatro anos, já que Vickers atuava como supervisor civil do JSOC. No Iraque, McRaven havia capitaneado a obscura Força-Tarefa 121, que encontrou Saddam Hussein em dezembro de 2003. Muito do crédito público pela captura da imagem-totem de Saddam Hussein (cf. Rosa, 2012) acabou indo para as unidades militares convencionais, mas, na verdade, forma as Força de Operações Especiais, sob o comando de William MacRaven, as maiores responsáveis pelo esforço paramilitar para encontrar o que a mídia global disseminava como ex-ditador iraquiano.  William Harry McRaven é um almirante quatro estrelas aposentado da Marinha dos Estados Unidos que serviu pela última vez como o nono comandante do Comando de Operações Especiais dos Estados Unidos de 8 de agosto de 2011 a 28 de agosto de 2014. De 2015 a 2018, ele foi o chanceler da Universidade do Texas.
            Durante o comando de McRaven no JSOC, a taxa de sucesso disparou de 35% para mais de 80%. A proporção do impacto causado pelo JSOC ao Talibã pode ser dimensionada pelo fato de a medida de idade entre os comandantes talibãs no Afeganistão terem caído de 35 para 25 anos durante esse período. McRaven é um texano robusto, de cabelos escuros e olhos azuis. Em pessoa, enquanto toma um “Rip It”, uma bebida altamente cafeinada popular entre os soldados norte-americanos no Afeganistão, ele costuma falar de forma muito ponderada, maviosa, mas também salpica seus discursos com um ou outro “maldito seja”, além de alguns impropérios mais fortes. Um colega veterano chegou a fazer análise comparada que sua figura lembrava a do super-herói dos quadrinhos norte-americanos Capitão América, enquanto outro disse que ele “é conhecido como o Seal mais inteligente da história. Ele é fisicamente forte, bondoso, mas capaz de enfiar uma faca entre as suas costelas em um nanossegundo”. Mesmo sendo um almirante de três estrelas, McRaven costumava sair com suas equipes em campo para missões de busca mais ou menos uma vez por mês no Afeganistão.
No século XXI, a Marinha dos Estados Unidos mantém uma presença global considerável, com operações navais em áreas como a Ásia Oriental, Mediterrâneo e Oriente Médio. É uma marinha de águas azuis, com a capacidade de projetar poder sobre as regiões litorâneas do mundo, engajar-se em áreas remotas em tempo de paz, e responder rapidamente a crises regionais e globais, tornando-se um jogador ativo na política externa e de defesa norte-americana. Historicamente a Marinha dos Estados Unidos continua a ser um importante suporte aos interesses dos EUA no século XXI. Desde o fim da Guerra Fria, ela mudou seu escopo de preparativos para guerra em larga escala com a União Soviética para operações especiais e missões de ataque em conflitos regionais. A Marinha participou da “Operação Liberdade Duradoura”, a “Operação Liberdade do Iraque”, e é um participante importante na guerra em curso contra o terror. O desenvolvimento continua em novos navios e sistemas de armas, incluindo os porta-aviões Classe Gerald R. Ford e os navios de combate litorâneos (LCS). Devido ao seu tamanho, armas, tecnologia e capacidade de projetar força além da costa norte-americana, a Marinha continua a ser um trunfo poderoso para o norte-americano. O complexo militar opera com 430 navios, 3.700 aeronaves, 50.000 veículos, possuindo  75.200 edifícios militares em 3.300.000 acres com aproximadamente 13. 400 km².
            McRaven sugeriu alguns nomes para capitanear a operação em terra. Sobre um comandante Seal do qual gostava em especial afirmou: - “Ele é um operador experiente. Chegando ao complexo, algo pode dar errado, e eles precisam saber como improvisar, mudar de estratégia, partir para um plano B, ou escapar de uma situação complicada”. O planejamento ficou por conta da CIA, organizada com uma cadeia hierárquica que partia do presidente, passava por Panetta e então por McRaven, em vez de uma operação militar de estrutura mais convencional. Os oficiais da CIA passavam a usar o codinome “Atlantic City” para se referir ao CAI, em uma alusão ao fato de que toda a operação seria uma grande aposta. Enquanto McRevan formulava o ataque ao complexo de Abbottabad, seu planejamento foi profundamente influenciado pelos princípios fundamentais detalhados em Spec Ops, um jogo eletrônico de tiro na terceira pessoa produzido pela Yager Development. É o nono capítulo da longa série “Spec Ops” e foi lançado em junho de 2012. Tratava-se de um plano operacional muito simples, mas disciplinarmente mantido secretamente, em “alto sigilo”, ipso facto ensaiado repetidas vezes e que deveria ser executado sempre de surpresas, com rapidez e propósito.           
A operação poderia contar com algum tipo de envolvimento paquistanês? Já no final de fevereiro, enquanto todas essas opções eram discutidas, Vickers decidiu que havia chegado a hora de envolver a maior estrategista política do Pentágono, Michèle Flournoy, pois cada opção militar trazia consigo uma série de implicações políticas, muitas delas invariavelmente complicadas. Como subsecretária de Políticas de Defesa, Flournoy era então a mulher de mais alta patente em serviço na história do Pentágono, e era vista por muitos analistas como uma possível candidata a primeira mulher a chegarão cargo de secretária de Defesa Nacional. Mãe de três filhos, formada em relações internacionais pela Balliol College, de Oxford, e detentora de um extenso histórico de trabalho em questões de segurança nacional de máxima relevância, como o Relatório Quadrienal de Defesa do Pentágono, Flournoy é uma mulher imponente, sempre com seus colares de pérolas e terninhos sob sua medida. Ela costuma se expressar com firmeza, sem traço de soberba, e sempre evitando qualquer drama, “como o tipo clássico de oficial que Barack Obama adorava ter ao seu lado”. Michèle Angelique Flournoy foi subsecretária de Defesa para Política, sétimo funcionário do Departamento de Defesa dos EUA, e atuou como principal conselheiro dos Secretários de Defesa, Robert Gates e Leon Panetta, de fevereiro de 2009 a fevereiro de 2012.
O jornalista Seymour Hersh, que recebeu o Prêmio Pulitzer em 1970, afirmou que os Estados Unidos mentiram sobre a operação que matou Osama Bin Laden em Abbottabad, no Paquistão, em 2011. Citando uma fonte anônima – “um aposentado oficial da inteligência” –, Hersh afirmou na revista “London Review of Books” que, ao contrário do divulgado pelo presidente Barack Obama, Osama Bin Laden já era um prisioneiro “inválido” das forças paquistanesas desde 2006, tendo sido mantido refém para forçar a interrupção das atividades políticas dos extremistas no Paquistão e no Afeganistão. Os agentes teriam contado para os norte-americanos sobre o paradeiro de Bin Laden em troca de parte da premiação de US$ 25 milhões pela captura do líder da Al-Qaeda e fecharam um acordo para que encobrir a história. Segundo o jornalista, os oficiais paquistaneses também receberam a garantia de que manteriam “boas relações” com os Estados Unidos. Hersh alega que os paquistaneses ainda colaboraram com a missão norte-americana ao cortar a energia do local. De acordo com a versão oficial da Casa Branca, Bin Laden foi descoberto pela intelligentsia e morreu em missão secreta. Não era de conhecimento dos paquistaneses. Escola inaugura biblioteca em homenagem a Osama Bin Laden.

Enquanto as informações sobre o complexo em Abbottabad se consolidavam, o problemático histórico entre Estados Unidos e Paquistão sofreu pioras significativas quando Raymond Davis, um cidadão norte-americano, matou dois paquistaneses na agitada cidade de Lahore, em 25 de janeiro de 2011. O caso parecia confirmar todas as teorias conspiratórias paquistanesas de que o país estava infestado de espiões da Central Intelligence Agency (CIA), e muitos paquistaneses, incluindo alguns políticos, clamaram pela execução de Davis. Após o incidente, a grande tensão entre os dois países reduziu as chances já diminutas de o governo dos Estados Unidos vir a informar qualquer elemento do governo ou do exército paquistanês sobre as recentes descobertas do possível paradeiro do líder da Al-Qaeda. Outro fator a ser levado em conta era que o esforço de guerra norte-americano no Afeganistão, um país sem saídas para o mar, era altamente dependente de suprimentos que chegavam através do Paquistão; no início de 2011, por volta de três quartos de todos os suprimentos da OTAN e da América do Norte, incluindo alimentos, combustível e equipamentos, tiveram que passar por revistas necessariamente pelas fronteiras paquistanesas. O Paquistão permitia igualmente que seu espaço aéreo fosse utilizado proporcionalmente de 300 a 400 vezes dia para que aviões americanos chegassem ao Afeganistão para suprir 100 mil soldados em campo no país.  
Em 14 de março de 2011, o conselho de guerra de Obama se reuniu na Casa Branca para uma reunião com o presidente. As linhas de ação apresentadas a Obama oralmente e também em memorandos e gráficos incluíam um bombardeio com um avião B-2, um ataque com uma aeronave não tripulada, a incursão de agentes especiais e algum tipo de operação bilateral com os paquistaneses. No entanto, essa opção também tinha seus problemas. Para destruir o complexo, com seu quase meio hectare, seria necessário um imenso carregamento de bombas. O general Cartwright explicou que o bombardeio causaria um impacto similar ao de um terremoto na área. O uso de tamanha força certamente causaria baixas civis, e não apenas entre as mulheres e crianças que eles sabiam habitar o complexo, mas também de moradores das casas vizinhas. E é claro, não restaria qualquer prova da morte de Bin Laden, já que qualquer possível amostra de DNA seria vaporizada pelo ataque, levando consigo qualquer evidência empírica de que ele de fato estava morando naquele local. A opção de usar um bombardeio B-2 provocou um amplo debate. Segundo Tony Blinken, “algumas pessoas disseram que as provas de DNA não eram o mais importante”. Se Bin Laden estava lá, e nós sabíamos disso,  podíamos fazer alguma coisa, retirá-lo de cena de uma vez por todas era o que realmente contava. – “No entanto, outros acreditavam que mais da metade do sucesso da operação estaria ligada ao fato de o mundo inteiro ficar sabendo que Bin Laden havia sido morto, e nós precisaríamos comprovar isso, ou pelo menos ter provas suficientes para dispensar qualquer dúvida ou teoria de conspiração”. 
Além disso, como a CIA não tinha como vistoriar o complexo, existia também a  chance de que Bin Laden pudesse se abrigar em algum bunker escondido no interior do prédio, ou mesmo escapar por algum túnel. Usando imagens termográficas, a Agência Nacional de Informações Geoespaciais concluiu que os lençóis freáticos em volta do complexo em Abbottabad eram pouco profundos. Dado o nível dos lençóis freáticos, os analistas descartaram a ideia de que Bin Laden pudesse escapar por algum túnel, mas ainda restava a chance de haver algum tipo de cofre ou sala blindada em sua casa. Os defensores da incursão por terra, qua incluíam Panetta, argumentaram que embora fosse arriscado usar os Seals, caso eles invadissem o complexo e Bin Laden não fosse encontrado, ainda havia uma chance razoável de que eles pudessem ir embora sem que ninguém jamais soubesse da operação. Um ataque aéreo usando um helicóptero de Operações Especiais que não capturasse Bin Laden não violaria o domínio paquistanês porque jamais viria à tona, enquanto um bombardeio resultaria em um espetáculo público, eliminando qualquer chance de negar a operação posteriormente.
Outra opção seria usar uma aeronave não tripulada Predator ou Reaper para sobrevoar a suposta residência de Bin Laden e lançar um míssil ou uma pequena bomba contra o complexo. Cartwright, o general favorito de Obama, defendeu essa abordagem. A ideia seria usar um projétil bem pequeno para acertar o “conta-passos” que os satélites americanos vinham registrando durante seus passeios diários. Um ataque como esse exigiria um altíssimo grau de precisão, e existiria o risco de que o avião simplesmente errasse o alvo, como já havia acontecido em outras missões contra alvos de alto valor desse tipo. No entanto, o risco de baixas civis seria muito menor, e a reação paquistanesa provavelmente seria mais amena do que a esperada contra um ataque aéreo convencional. Comprovar a morte de Bin Laden seria um desafio, mas haveria rumores em relação ao martírio de Bin Laden entre os líderes da Al-Qaeda após o ataque, que poderiam ser detectados pelos satélites americanos. Al-Qaeda quase sempre acaba confirmando a morte de seus líderes políticos em comunicados, pois se orgulha de anunciar a morte de seus mártires. 
Vale lembrar que Michèle Flournoy defendeu a incursão: - a certa altura, as provas circunstâncias se tornaram tão abundantes que ficaria difícil explicar a existência do complexo e a presença de certos indivíduos ali sem que Bin Laden estivesse no local. Simplesmente não fazia nenhum sentido. Em segundo lugar, do ponto de vista tanto simbólico quanto estratégico, capturar ou abater Osama bin Laden causaria um impacto muito forte na Al-Qaeda, além de todas as perdas que eles já haviam sofrido. Em terceiro, ajudaria a entender melhor essa rede de terrorista e a criar novas oportunidades para agir contra os principais líderes do grupo caso invadissem o complexo. Na reunião de 14 de março, o almirante McRaven detalhou como seria a incursão, dizendo diretamente a Obama: - “Senhor presidente, nós ainda não testamos todas as possibilidades a fundo e não sabemos se essa opção seria possível, m as assim que terminarmos os estudos, comprometo-me a avisa-lo imediatamente”. O que ainda restava era a ideia de um ataque cirúrgico com uma arma de enfrentamento, uma aeronave não tripulada; a opção de um ataque com helicópteros e a estratégia do “esperar para ver”, que se resumia a tentar reunir informações mais conclusivas.
Naquele momento, passadas mais de três décadas, outro presidente democrata norte-americano estava considerando por sua presidência em jogo com um ataque de helicóptero no outro lado do planeta, como ocorrera no fracasso da guerra contra o Vietnã, chamada no Vietnã de “Guerra de Resistência contra a América”, em mais um país que muitos na Casa Branca viam, na melhor das hipóteses, como um aliado ambíguo. Segundo Flournoy, conforme a ideia de uma equipe Seal lançada por helicópteros parecia cada vez mais plausível, a hipótese de alertar os paquistaneses sobr a operação foi se tornando cada vez mais remota: - “Embora os dois planos tivessem muitos interesses na captura de Bin Laden, nosso receio – afirma – era que a ideia de ver soldados americanos cruzando as fronteiras paquistanesas para uma incursão como aquela poderia causar ambivalência demais e impedir que nós tivéssemos o apoio desejado. No final das contas nós concluímos que nosso objetivo era tão crucial e havia tantos interesses vitais em jogo que o risco de os paquistaneses vazarem nossas informações ou decidirem se opor por questões de soberania era alta demais”. Foi decidido então que iriam realizar uma operação unilateral, mas avisá-los assim que fosse possível.
       Para o caso dos agentes serem cercados no complexo em Abbottabad por tropas hostis, a equipe de segurança nacional de Obama discutiu que seria a melhor pessoa para entrar em contato explicando a situação ao homem mais poderoso do Paquistão, o chefe do exército, general Ashfaq Parvez Kayani. Obama não entrou em detalhes táticos, como deveriam estar os helicópteros Chinook com tropas de apoio, nem quantos Seals a mais seriam necessários para completar a equipe de ataque; ele apenas disse a McRaven que o grupo precisaria ser capaz de lutar para escapar. Portanto, refez seus planos e voltou com uma série de saídas para proteger a equipe de ataque, em especial uma opção que contaria com uma força de reação rápida a postos já em solo paquistanês, em vez de depender de helicópteros na fronteira afegã-paquistanesa, como no pano anterior. – “Foi Obama quem sugeriu usar os Chinook-47. Foi ele quem insistiu na necessidade de mais reforços”. A incursão usaria os helicópteros “invisíveis” sugeridos por Cartwright, o que os ajudaria a evitar os radares.  
Ao longo da década seguinte aos atentados consagrados de 11 de Setembro às torres gêmeas, os agentes Seal realizaram centenas de invasões a prédios em ambientes hostis e encontraram praticamente todos os tipos de surpresa possíveis: mulheres armadas, pessoas com coletes-bomba sob seus pijamas, insurgentes escondidos em “tocas de aranha” e até prédios inteiros armados com explosivos. Os agentes precisavam estar preparados para encontrar qualquer uma dessas ameaças no complexo em Abbottabad. As equipes Seal ainda ensaiaram por mais uma semana no meio de abril no deserto de Nevada. A intenção era replicar as prováveis condições climáticas e de altitude de Abbottabad, situada a mais de 1. 200 metros acima do nível do mar. Mais uma vez, Olson, McRaven, Vickers e Bash observaram o ensaio, desta vez ao lado do almirante Mullen. As equipes Seal saíram então para um voo de cerca de uma hoira em seus helicópteros. Durante esse novo ensaio, as condições do vento forçaram os helicópteros a se aproximarem de seu alvo por uma direção não planejada. Enfim, após assistir os ensaios, McRaven foi à Casa Branca para dar a Obama e a seus principais conselheiros de segurança sua opinião sobre a viabilidade da operação letal.
Conforme o planejamento da incursão se consolidava, os oficiais da Casa Branca precisaram pensar no que aconteceria caso Bin Laden fosse pego. Como Bin Laden já havia dito várias vezes que preferia morrer como um mártir sendo capturado pelos Estados Unidos, as chances de prendê-lo foram descartadas como muito pouco prováveis. Vale lembrar que em 2004, Abu Jandal, um ex-guarda-costas de Bin Laden, disse ao jornal Al-Quds Al-Arabi: - “O xeque Osama me deu uma pistola... e ela só tinha duas balas, para que eu pudesse mata-lo caso fossemos cercados ou ele estivesse prestes a cair nas mãos do inimigo, evitando que ele fosse capturado vivo... Ele preferia se tornar um mártir a ser preso, e seu sangue se tornaria uma bandeira para conclamar o zelo e a determinação de todos os seus seguidores”. Para tal cenário dramático, foi preparada uma equipe de interrogatório para detentos de alto valor, composta por advogados, intérpretes e interrogadores experientes, todos a postos na Base Aérea de Bagram, no Afeganistão. Junto com Bin Laden, essa equipe seria levada ao porta-aviões USS Carl Vinson, que estaria deixando o litoral paquistanês pelo mar da Arábia, onde provavelmente o líder da Al-Qaeda seria capturado e interrogado por um tempo indeterminado. Em 11 de setembro de 2001, Ben Rhodes, trabalhava no Brooklin e pode ver perfeitamente as torres do World Trade Center desabando.

Ele se recorda do momento em que Brennan o informou sobre o caso Bin Laden: - “Eu senti o imenso peso da informação que estava recebendo. No meu trabalho, é comum estar por dentro de muitos segredos, mas aquilo foi diferente. Afinal, era Osama bin Laden, e é claro que você fica ansioso, empolgado e nervoso. Nosso primeiro impulso é querer falar com todo mundo, mas é preciso cuidado para proteger essas informações”. Brennan, Rasmussen, do Conselho de Segurança Nacional, e McDonough, vice-assessor de segurança nacional de Obama, desenvolveram um manual para diversos cenários de guerra que poderiam acontecer durante e após a missão. Eles começaram a preparar o texto semanas antes de o presidente tomar sua decisão final sobre o que fazer em Abbottabad, porque durante o tempo todo, ele lhes disse: - “Continuem se preparando. Ainda não me decidi, mas continuem trabalhando em todas as opções. E quero tudo planejado até os últimos detalhes”. Eles pediram a Rhodes para ajuda-los a formular as diversas mensagens jornalísticas que seriam divulgadas em cada desfecho. George Little foi o único outro a ser informado sobre a missão, para preparar uma versão pública (ideológica) do caso Bin Laden que pudesse ser oferecida à imprensa e ao público, caso a operação em Abbottabad fosse exposta. Dono de um PhD em relações internacionais preparou um documento de 66 páginas que incluía diagramas do complexo.
A “Operação Lança de Netuno” estava prestes a acontecer. O nome representava uma alusão ao tridente empunhado por Netuno, o deus mitológico dos mares que aparece no distintivo dado a todos aqueles que entram para os Seals. O sigilo em torno da missão Bin Laden foi tão rigoroso que, de todos os 150 mil soldados dos Estados Unidos e da OTAN no Afeganistão, o único que sabia da operação era seu comandante geral, o general David Petraeus, que havia sido informado três dias antes. Como era comum no Afeganistão, dezenas de operações das Forças Especiais seriam realizadas naquela mesma noite do ataque para capturar ou matar líderes militantes. A incursão Bin Laden era diferente não apenas pelo seu alvo, mas também por acontecer em um país supostamente aliado dos Estados Unidos da América, por mais que suas autoridades não tivessem sido notificadas da operação. Caso fosse necessário, Petraeus estava pronto para despachar aeronaves ao Afeganistão contra jatos paquistaneses que tentassem interceptar ou mesmo atacar os helicópteros que agora entravam em seu espaço aéreo.
 É notoriamente difícil se tornar um Seal. Em primeiro, você precisa sobreviver ao que é considerado “o mais árduo treinamento do mundo”. Semana do Inferno é o adequado apelido pelo qual é conhecido o clímax do brutal processo de seleção, que envolve correr, fazer flexões, mover troncos maciços em equipes, nadar distâncias consideráveis no mar gelado e dormir apenas algumas horas durante a semana toda. Outros testes incluem nadar submersos por 45 metros com as mãos amarradas atrás do corpo e os pés atados. O índice de desistência do programa é de 90%. Durante esta prova, os que passam precisam permanecer calmos e descobrir como restabelecer o suprimento reserva de oxigênio enquanto os corpos estão desesperados por ar.  Se já é bastante desafiador se tornar um Seal, um desafio ainda maior é ser selecionado para a força principal de antiterrorismo dos Seals que recebeu o nome de “Grupo para o Desenvolvimento de Operações Especiais da Marinha”, baseado em Dam Neck, Virgínia, próximo ao movimentado balneário de Virgínia Beach. É reconhecido no métier militar como DevGru - popularmente, Equipe dos Seis Seals -, e é considerado a tropa de elite dos Seals. Seus homens giram em torno de 250 membros, são endurecidos ideologicamente por batalhas e têm geralmente a idade média de 30 anos.
É dividido em esquadrões nomeados por cores. Vermelho, Azul e Preto é a equipe de atiradores especiais. Estes esquadrões vasculham outras equipes de Seals, que possuem ao todo  dois mil homens, em busca dos que tenham habilidades específicas de que precisam. Sua base física em Dam Neck não chamava atenção. Por trás da alta cerca de arame que separa os Seals do resto mundo árabe fica um grande canil, onde vivem os cães altamente treinados que acompanham os homens em suas missões. Há um muro gigante para aperfeiçoar as habilidades técnicas de escalada; um hangar tomado de barcos excepcionalmente rápidos; outros hangares que abrigam buggies experimentais adequados para dirigir nos desertos e montanhas do Afeganistão, e depósitos de armamento lotados de armas de fogo letais que tornavam exóticos o cenário natural. Os principais líderes do grupo terrorista estavam baseados ou no Paquistão, um aliado volúvel, ou no Irã, um inimigo mortal, e as consequências políticas de colocar norte-americanos no território de qualquer um desses dois países eram imensas.

Enfim, em seu quarto no último andar, Bin Laden havia se tornado vítima de suas próprias medidas de segurança. As poucas janelas garantiam sua privacidade, mas agora, segundo Peter Bergen (2012), também impossibilitavam que ele visse o que estava acontecendo do lado de fora do pequeno quarto que ele dividia com sua esposa mais jovem Amal al-Sadah, quinta esposa de Osama bin Laden, que garantiu que nunca tivera ligações com a al-Qaeda. Amal al-Sadah, que foi ferida na perna durante a invasão da fortaleza por tropas americanas, no Paquistão, casou-se com Bin Laden em 2000, aos 18 anos de idade. Osama tinha 43. Ahmed diz que acompanhou o crescimento da menina, definida por ele como uma “adolescente, calma, educada, tranquila e confiante”. O casamento foi, aparentemente, uma aliança política para fortalecer o apoio de Bin Laden na terra de seus antepassados. Segundo Ahmed, parente da jovem viúva, eles descendem de uma família tradicional de Ibb, no Iêmen, e não tinham contato com a organização antes do casamento arranjado. – “Foi-me dito depois que eles se casaram porque Osama não queria cortar os laços com sua antiga casa, o Iêmen” - disse Ahmed.
Vestido com seus mantos shalwar kameez, o líder da Al-Qaeda esperou em silêncio alguns minutos, em aparente concentração e expectativa, enquanto os Seals invadiam seu último refúgio nacional. Com a eletricidade desligada, deve ter aumentado ainda mais a confusão no interior do quarto. Ele tinha várias centenas de euros e dois números de telefone, um para um celular do Paquistão e o outro de uma central de chamadas nas regiões tribais paquistanesas. O plano de fuga de Bin Laden para escapar se resumia a nada que pudesse ajudá-lo do fim da supremacia e de manutenção da “soberania do eu” naquele momento histórico. Três Seals deixaram a casa do Kuaitiano por um portão de metal em uma parede de dentro do complexo e chegaram a um pátio gramado em frente à casa principal de Bin Laden. Enquanto subiam até o segundo andar, os Seals encontraram Khalid, o filho de 23 anos de Bin Laden, e o mataram na escada. Ele parecia estar desarmado. Várias crianças estavam começando a se amontoar nas escadas e entre os andares. Em uma prateleira e seu quarto, estavam a AK-47 e uma pistola Makarov, duas constantes companheiras de Bin Laden, mas ele não as usara.
Em vez disso, ele abriu um portão de metal que bloqueava todo o acesso ao seu quarto e só podia ser aberto por dentro e pôs a cabeça para fora para ver que barulho era aquele. Osama Bin Laden foi atingido por uma bala na cabeça quando olhou pela porta de seu quarto para o corredor. O líder da Al Qaeda não portava nenhuma arma quando as tropas norte-americanas entraram no cômodo. Ao ouvir homens estranhos invadindo seu quarto, Amal gritou algumas palavras em árabe e se jogou na frente do marido. Os Seals pegaram o corpo de Bin Laden e o arrastaram escada abaixo para fora de sua casa, deixando um rastro de sangue pelo chão. Tudo sob o olhar atento de Sáfia, sua filha de 12 anos. Os corpos de três outros homens mortos, o mensageiro, seu irmão e Khalid bin Laden, ficaram espalhados pelo complexo com sangue escorrendo na carnificina. Bushra, a cunhada do mensageiro, estava ao lado de seu marido, que também havia sido morto. Era uma vingança dissimulada contra todo povo árabe. Ironicamente realizada sob custódia de um presidente negro de origem africana.   
Bibliografia geral consultada.

ATWAN, Abdel Bari, A História Secreta da Al-qaeda. São Paulo: Editora Larousse, 2008; MOREIRA, Deodoro José, Islã e Terror: Estratégias de Construção na Mídia Impressa. Tese de Doutorado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009; JORGE, Bernardo Wahl Gonçalves de Araújo, As Forças de Operações Especiais dos Estados Unidos e a Intervenção no Afeganistão: Um Novo Modo de Guerra Americano? Dissertação de Mestrado. São Paulo: Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Unesp, Unicamp e PUC-SP, 2009; SOUZA, Bruno Mendelski de, “A Morte de Osama Bin Laden e suas Implicações para o Futuro da Al-Qaeda”. In: Univ. Rel. Int. Brasília, Volume 9, n° 2, pp. 139-160, jul./dez. 2011; ROSA, Ana Paula da, Imagens-Totens: A Fixação de Símbolos nos Processos de Midiatização. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos sinos, 2012; BERGEN, Peter, Procurado: Do 11 de Setembro ao Ataque a Abbottab. Os Dez Anos de Caça a Osama Bin Laden. Tradução de Annal Lim, Lana Lim e Otávio Albuquerque. Barueri (SP): Editora Amarilus, 2012; ALARCON, Danillo, Os Meandros da Política Externa dos Estados Unidos para o Afeganistão: O 11 de Setembro e a Operação Liberdade Duradoura. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. Brasília: Universidade de Brasília, 2012; REGIO, Marília Schramm, Imagens e Memórias: A Representação do 11 de Setembro no Cinema Norte-Americano. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social FAMECOS. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2017; MORELLA JUNIOR, Jorge Hector, A Guerra do Terror Proposta após os Atentados Terroristas Transnacionais de 11 de Setembro de 2001 Coloca o Mundo (In) segurança Global. Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica. Tese de Doutorado. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2018; BEGERES BISNETO, Victor, Fronts Islamitas no Brasil: Prenúncios de uma Radicalização Incompleta Face ao Fundamentalismo Existencial. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História Social. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de História. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2019; entre outros.

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