segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Memória de Ibiúna - Atomismo Clandestino Estudantil no Brasil.


                                                                                                   Ubiracy de Souza Braga

Estudantes presos em Ibiúna poderão sair até o Natal”. In: Folha de S. Paulo, 06/10/1968, p. 11.

               
            O sítio Muduru, localizado no bairro dos Alves, na cidade de Ibiúna, na Serra de São Sebastião a 70 km da capital de São Paulo, tornou-se destaque nas páginas dos jornais publicados em outubro de 1968, por ter sido escolhido para abrigar em torno de 700 estudantes no 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE). É uma organização estudantil representante de alunos do ensino superior do país, tendo sede em São Paulo, além das regionais no Rio de Janeiro e Goiás. Fundada em 11 de agosto de 1937, a instituição desempenha um papel singular na política desde o início do século XX, especialmente aqueles ligados à esquerda política. Essa propriedade, que pertencia a Domingos Simões, também chegou a ser utilizada para abrigo de militantes e disponibilizada ao congresso, após uma reunião com Therezinha Zerbini fundadora do Movimento Feminino pela Anistia e Frei Tito de Alencar, frade dominicano e estudante de Filosofia na Universidade de São Paulo (USP). A luta estudantil contra os governos autoritários, com o golpe de Estado de 1° de abril de 1964 contra o governo popular democrático de João Goulart (Jango), teve início nos primeiros momentos do golpe civil-militar.
            As atividades ideológicas e sociais da “elite orgânica”, na expressão de Dreifuss (1981: 231 e ss.), consistiam em doutrinação geral e doutrinação específica, ambas coordenadas com atividades político-ideológicas mais amplas no Congresso, sindicatos, movimento estudantil e clero. A doutrinação geral visava a apresentar as abordagens da elite aos responsáveis por tomadas de decisão políticas e ao público em geral, assim como causar um impacto ideológico em públicos selecionados e no aparelho do Estado. A doutrinação geral através da mídia era realizada pela ação encoberta e ostensiva, de forma defensiva e defensiva-ofensiva, onde  conflitos e tensões subsistem de forma necessária. Nessas situações, não há alternativas senão na confiança recíproca. Constituía-se basicamente numa medida neutralizadora. Visava infundir ou fortalecer atitudes e pontos de vista tradicionais na esfera de ação política de direita e estimular percepções negativas do bloco popular nacional-reformista. No ordenamento jurídico brasileiro, a abordagem pessoal por qualquer agente de segurança só é permitida quando há razões, concretas e objetivas, para a suspeita de que o indivíduo esteja portando bem ilícito ou praticando algum desvio ou delito.



        Ela atacava o comunismo, o socialismo, a oligarquia rural e a falsa ideia de “corrupção” do populismo. No aspecto positivo, argumentava que a prosperidade do país e a melhoria dos padrões de vida do povo se deviam à iniciativa privada e não se deviam, certamente, a métodos socialistas ou à inversão do Estado na economia. Sua abordagem negativa podia ser vista na  sua utilização de uma mesclagem de técnicas sofisticadas e uma grosseira propaganda anticomunista, constituindo uma pressão ideológica, que explorava representativamente o chamado “encurralamento pelo pânico organizado”. O objetivo geral da doutrinação específica era modelar as várias frações das classes dominantes e diferentes grupos sociais das classes médias em um momento de opinião com objetivos em curto prazo amplamente compartilhados, qual seja, a destruição de João Goulart da presidência e a contenção da mobilização popular,  às demandas históricas das esquerdas e, ipso facto pregadas por ele mesmo: as reformas de base. A elite institucionalmente publicava, diretamente ou através das editoras, uma série de trabalhos, incluindo livros, panfletos, periódicos, jornais, revistas e folhetos. Saturava o rádio e a televisão com  mensagens ideológicas.
             Frei Tito de Alencar Lima nasceu em Fortaleza, em 14 de setembro de 1945 e morreu enforcado em Éveux, em 10 de agosto de 1974. Foi um frade católico alvo de perseguição da ditadura militar após ser fichado pela polícia devido a sua participação no Congresso clandestino da União Nacional dos Estudantes (UNE), no ano de 1968. Nasceu em Fortaleza e estudou no Liceu do Ceará. Sua militância se iniciou na União Cearense de Estudantes Secundaristas e, em 1963, mudou-se para Recife, após ser escolhido como dirigente regional da região nordeste da Juventude Estudantil Católica (JEC). Em 1966, ingressou no noviciado dos dominicanos em Belo Horizonte, e fez a profissão dos votos no ano seguinte. Em 1968 mudou-se para São Paulo para estudar filosofia na Universidade de São Paulo (USP) e no mesmo ano, no dia 12 de outubro, foi preso por participar do 30º Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna após ser fichado pela polícia e se tornar alvo de perseguição da ditadura militar. Foi preso pela segunda vez dia 4 de novembro de 1968 junto com outros companheiros da ordem dos dominicanos pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS).
          Nessa ocasião foi acusado junto aos outros presos, de manter contatos com a Ação Libertadora Nacional (ALN) e seu dirigente, Carlos Marighella, um dos principais organizadores da luta armada contra a ditadura. Lá, Frei Tito foi submetido à palmatória e choques elétricos. Posteriormente foi transferido para o Presídio Tiradentes, onde permaneceu até 17 de fevereiro de 1970 e, em seguida, nas mãos da Justiça Militar, foi levado para a sede da Operação Bandeirantes (Oban). Na prisão, Frei Tito escreveu sobre a tortura com a qual conviveu, quando este documento  se transformou em um símbolo da luta pelos direitos humanos. Em dezembro de 1970, incluído na lista de presos políticos trocados pelo embaixador suíço Giovanni Bucher, sequestrado pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), um grupo de luta armada brasileira de extrema-esquerda que lutou contra a ditadura militar brasileira, visando à instauração de um governo de cunho socialista no país. Frei Tito foi banido do Brasil pelo governo militar de Emílio Garrastazu Médici seguindo para o Chile. Sob a ameaça de novamente ser preso, fugiu para a Itália. De Roma, foi para Paris, onde recebeu apoio afetivo dos dominicanos. Traumatizado pela tortura, Frei Tito submeteu-se a um tratamento psiquiátrico e, no dia 10 de agosto de 1974, cometeu suicídio.
No dia 1º de abril de 1964 a sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) foi invadida e incendiada por militares comandados pelo presidente cearense marechal Humberto Castelo Branco. A Lei Suplicy de Lacerda, decretada em novembro de 1964, colocou a UNE na clandestinidade. O novo regime político organizado em abril de 1964 tinha no movimento estudantil um forte elemento de antagonismo, razão por que o governo procurou substituir as entidades estudantis existentes, regidas pelo Decreto Café Filho, de 1955, por outras, controladas direta ou indiretamente pelo Ministério da Educação. O instrumento criado pelo Estado de Exceção dessa tentativa de controle foi baseado na Lei nº 4.464, de 9 de novembro de 1964, reconhecida como Lei Suplicy, devido ao nome do ministro da Educação que a patrocinou, Flávio Suplicy de Lacerda. Os acontecimentos posteriores a 1968, quando o regime assumiu sua feição ditatorial por meio do AI-5, fizeram com que se desse pouca importância à natureza da violência surgida a partir de 1964 e ao modo como ela foi enfrentada pelo governo Castello Branco. Ali estava a gênese da tortura e, frequentemente coberta por uma definição imprecisa do conceito nas legislações de organizações militares, sobretudo, de uma política que arruinaria as instituições políticas e militares do país.
Art. 1º: - Os órgãos de representação dos estudantes de ensino superior, que se regerão por esta Lei, têm por finalidade: a) defender os interesses dos estudantes; b) promover a aproximação e a solidariedade entre os corpos discente, docente e administrativo de ensino superior; c) preservar as tradições estudantis, a probidade da vida escolar, o patrimônio moral e material das instituições de ensino superior e a harmonia entre os diversos organismos da estrutura escolar; d) organizar reuniões e certames de caráter cívico, social, cultural, científico, técnico, artístico, e desportivo, visando o aprimoramento da formação universitária. Art. 2º - São órgãos de representação dos estudantes de ensino superior: a) o Diretório Acadêmico (D.A.), em cada estabelecimento de ensino superior; b) o Diretório Central de Estudantes (D.C.E.), em cada Universidade; c) o Diretório Estadual de Estudantes (D.E.E.), em cada capital de Estado, Território ou Distrito Federal, onde houver mais de um estabelecimento de ensino superior; d) o Diretório Nacional de Estudantes (D.N.E.), com sede na Capital Federal. E, principalmente: Art. 14. É vedada aos órgãos de representação estudantil qualquer ação, manifestação ou propaganda de carácter político-partidário, bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares.

Flávio Suplicy de Lacerda foi ministro da Educação no governo Castelo Branco (cf. Figueiredo, 1980), de 15 de abril de 1964 a 8 de março de 1965, e de 22 de abril de 1965 a 10 de janeiro de 1966. Durante sua gestão no Ministério de Educação e Cultura, estabeleceu um acordo de cooperação com a United States Agency for International Development (USAID), que visava transformar o ensino brasileiro num projeto tecnocrático. Essa estratégia político-ideológica foi reconhecida como um Acordo institucionalizado. Com ele as universidades seriam as maiores afetadas. Redutos de manifestações estudantis nas mais diversos matizes da esquerda brasileira, as universidades eram vistas “pelo comando da ditadura militar como focos de subversão ao regime”. O acordo serviria para transformar o jovem ensino superior brasileiro não mais numa formação crítica do cidadão na sociedade, mas tão somente em cursos de formação meramente profissional e técnica. Nessa mesma conjuntura golpista, surgiram os primeiros rumores de privatização das universidades federais e estaduais, que, tal qual todo o projeto previsto no acordo norte-americano, revoltou os estudantes. Com a crise de hegemonia civil-militar, o movimento estudantil brasileiro entrou na sua fase mais aguerrida, com uma série de revoltas realizadas entre 1966 e 1968, ano de seu auge nas organizações. Vários desses conflitos tiveram vítimas fatais entre os estudantes.
A lei determinava que os diretórios acadêmicos (DA) continuariam tendo existência obrigatória nos estabelecimentos de ensino público superior. Os estudantes das universidades teriam seu Diretório Central de Estudantes (DCE) composto de representantes dos diretórios. Estes se reuniriam, também, para organizar os Diretórios Estaduais de Estudantes (DEE), os quais, por sua vez, comporiam, por meio de representantes, o Diretório Nacional de Estudantes (DNE). A lei “assegurava” a participação de representantes discentes junto aos órgãos de deliberação coletiva e aos departamentos das instituições de ensino superior, designados pelos estudantes. Atendia, também, antiga reivindicação do movimento estudantil, tornando obrigatório o voto para a eleição das diretorias. Em compensação, vedava aos órgãos de representação estudantil “qualquer ação, manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares”, cujo objetivo, ainda que indireto, seja a promoção de uma pessoa, um partido político ou uma ideologia partidária.
 Mas em contrapartida a lei procurava limitar e desacelerar a participação social das diretorias das entidades estudantis, tornando inelegíveis “os estudantes repetentes, dependentes ou matriculados em regime parcelado, proibindo o abono de faltas pela participação nos diretórios”. Ao contrário do que acontecia com as entidades estudantis gerindo seu processo eleitoral, a lei determinava que as eleições para os diretórios devessem “ser acompanhadas por um professor designado pela direção da escola ou da universidade”. A fiscalização do cumprimento da lei deveria ser feita pelas Congregações ou Conselhos Departamentais, para os diretórios; pelos Conselhos Universitários (CU), no caso do Diretório Central do Estudantes (DCE), e pelo Conselho Federal de Educação (CFE), instituído pela lei nº 4024/61 reconhecida como Lei de Diretrizes e Bases de/1961, no caso respectivo do DEE e DNE. As universidades e as entidades estudantis deveriam adaptar seus Estatutos à lei em 60 dias. Para não deixar dúvidas sobre a determinação militar, a lei estipulava que os diretores de faculdade ou reitores de universidades incorreriam em “falta grave” se permitissem ou tolerassem o não cumprimento das normas por ação ou por omissão.
Diante da Lei Suplicy, os estudantes precarizaram as atividades políticas e se dividiram. Uma corrente era favorável à participação nos “Diretórios oficiais” mantendo-se ou não entidades “livres” paralelas. Outros defendiam o boicote aos “Diretórios oficiais”, anulando seus votos nas eleições obrigatórias. Esta última posição prevaleceu, fazendo com que após a contenção política iniciada pela promulgação do Ato Institucional nº 5, o Decreto Aragão, sucessor da Lei Suplicy, fosse aplicado com mais intensidade. Edson Luís de Lima Souto nascido em Belém, em 24 de fevereiro de 1950 e assassinado por policiais militares no Rio de Janeiro, em 28 de março de 1968.  foi um estudante secundarista morto, durante confronto no restaurante Calabouço, centro do Rio de Janeiro. Seu assassinato marcou o início de um ano turbulento de intensas mobilizações contra o regime militar que endureceu até decretar o chamado AI-5. Nascido em uma família pobre, iniciou os estudos na Escola Estadual Augusto Meira em Belém, no Pará. Mudou-se para o Rio de Janeiro para fazer o segundo grau no Instituto Cooperativo de Ensino, no qual funcionava o restaurante Calabouço.
Em 28 de março de 1968, os estudantes do Rio de Janeiro estavam organizando uma passeata-relâmpago para protestar contra a alta do preço da comida no restaurante Calabouço, que deveria acontecer no final da tarde do mesmo dia.  Por volta das 18 horas, a Polícia Militar chegou ao local e dispersou os estudantes que estavam na frente do complexo. Os estudantes se abrigaram dentro do restaurante e responderam à violência policial utilizando paus e pedras. Isso fez com que os policiais recuassem e a rua ficasse deserta. Quando os policiais voltaram, tiros começaram a ser disparado do edifício da Legião Brasileira de Assistência (LBA), o que provocou pânico entre os estudantes, que fugiram. Os policiais acreditavam – não se sabe por qual razão, que os estudantes iriam atacar a Embaixada dos Estados Unidos e invadiram o restaurante. Durante a invasão, o comandante da tropa da PM, aspirante Aloísio Raposo, atirou e matou o secundarista Edson Luís “com um tiro a queima roupa no peito”. Outro estudante, Benedito Frazão Dutra, também baleado, chegou a ser levado ao hospital, mas morreu. Temendo que a PM sumisse com o corpo, os estudantes não permitiram que ele fosse levado para o Instituto Médico Legal (IML), mas o carregaram em passeata diretamente para a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde foi velado. A necropsia foi feita no próprio local pelos médicos Nilo Ramos de Assis e Ivan Nogueira Bastos na presença do Secretário de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. Óbito n° 16.982 teve como declarante o estudante Mário Peixoto de Souza.
O registro de ocorrência n° 917 da 3ª Delegacia de Polícia informou que, no tiroteio ocorrido no restaurante Calabouço, outras seis pessoas ficaram feridas: Telmo Matos Henriques, Benedito Frazão Dutra (que morreu logo depois), Antônio Inácio de Paulo, Walmir Gilberto Bittencourt, Olavo de Souza Nascimento e Francisco Dias Pinto. Todos foram atendidos no Hospital Souza Aguiar. No período que se estendeu do velório até a missa da Igreja da Candelária, realizada em 2 de abril foram mobilizados protestos em todo o país. Em São Paulo, quatro mil estudantes fizeram uma manifestação na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Também foram realizadas manifestações no Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade São Francisco, na Escola Politécnica da Universidade de Sao Paulo e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.  O Rio de Janeiro parou no dia do enterro. Para expressar seu protesto, os cinemas da Cinelândia amanheceram anunciando três filmes: A noite dos Generais, À queima roupa e Coração de Luto. Centenas de cartazes foram colados nas paredes e postes da Cinelândia com frases como: “Bala mata fome?”, “Os velhos no poder, os jovens no caixão” e “Mataram um estudante. E se fosse seu filho?”. Edson Luis foi enterrado ao som do Hino Nacional, cantado pela multidão em vigília.
Diante do quadro de terror/horror no início de 1970, poucos eram os estabelecimentos de ensino superior onde existiam diretórios acadêmicos “oficiais” ou “livres”. Foi só a partir de 1973, que os estudantes começaram a organizar entidades livres que vingaram, instituindo o voto direto para o DCE, e fazendo as entidades “oficiais” saírem dos limites da Lei Suplicy. A lei determinava que os diretórios acadêmicos continuariam tendo existência obrigatória nos estabelecimentos de ensino superior. Os estudantes das universidades teriam seu Diretório Central de Estudantes (DCE) composto de representantes dos diretórios acadêmicos. Estes se reuniriam, também, para organizar os diretórios estaduais de estudantes que comporiam, por representantes, o Diretório Nacional de Estudantes (DNE). Durante a ditadura militar, o movimento estudantil ocupou um espaço destacado na estratégia política ao regime. Manifestações coordenadas pela UNE denunciaram os problemas da educação e expuseram o lado destes tempos sombrios do regime. Todos os eventos políticos da entidade eram organizados e realizados em clandestinidade
      A primeira ação da ditadura militar brasileira ao tomar o poder em 1964 e depor o presidente João Goulart foi, metralhar, invadir e incendiar a sede da UNE, na Praia do Flamengo 132, na fatídica noite de 30 de março para 1º de abril. Ficava clara a dimensão do incômodo que os militares golpistas e os grupos elitistas conservadores sentiam em relação à entidade. A ditadura perseguiu, prendeu, torturou e executou centenas de brasileiros, muitos deles estudantes. O regime militar retirou legalmente a representatividade da UNE por meio da Lei Suplicy de Lacerda e a entidade passou a atuar na ilegalidade. As universidades eram vigiadas, intelectuais e artistas reprimidos, o Brasil escurecia. Em 1966, um protesto em Belo Horizonte na Faculdade de Direito é brutalmente reprimido. No mesmo ano, também na capital mineira, a UNE realiza um congresso clandestino porão de uma igreja. Já no Rio de Janeiro, na Faculdade de Medicina da UFRJ, a ditadura reprimi com violência os estudantes no episódio conhecido como Massacre da Praia Vermelha. A UNE continuou a existir nas sombras da ditadura, em firme oposição ao regime, como aconteceu no ano de 1968, marcado por revoluções culturais e sociais em quase todo o mundo ocidental.  
  Decorre daí que estudantes e artistas engrossaram a Passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro, pedindo democracia, liberdade e justiça. No entanto, os militares endureciam a repressão em episódios como o assassinato do estudante secundarista Édson Luis e a invasão do Congresso da UNE em Ibiúna (SP), com a prisão de cerca de mil estudantes. No fim do mesmo ano, a proclamação do Ato Institucional nº 5 (AI-5) indicava uma violência ainda maior. Nos anos seguintes, a ditadura torturou e assassinou estudantes como a militante Helenira Rezende e o presidente da UNE, Honestino Guimarães, perseguido e executado durante o período de clandestinidade da entidade. Mesmo assim, o movimento estudantil continuou nas ruas, como nos atos e missa de 7º dia da morte do estudante da USP, Alexandre Vannucchi Leme, em 1973. Ao final dos anos 1970, com os primeiros sinais de enfraquecimento do regime militrar, a UNE começou a se reestruturar. O Congresso de reconstrução da entidade aconteceu Salvador, em 1979, reivindicando mais recursos para a universidade, defesa do ensino público e gratuito, assim como pedindo a libertação de estudantes presos do Brasil. No início dos anos 1980, os estudantes tentaram também recuperar sua sede na Praia do Flamengo, mas foram duramente reprimidos e os militares demoliram o prédio.
         Na manhã de 4 de abril foi realizada um missa na Igreja da Candelária em memória de Edson. Após o término da missa, as pessoas que deixavam a igreja foram cercadas e atacadas pela cavalaria da Polícia militar com golpes de sabre. Dezenas de pessoas ficaram feridas. Outra missa seria realizada na noite do mesmo dia. O governo militar proibiu a realização dessa missa, mas o vigário-geral do Rio de Janeiro, D. Castro Pinto, insistiu em realizá-la. A missa foi celebrada com cerca de 600 pessoas.  Temendo que o mesmo massacre da manhã se repetisse, os padres pediram que ninguém saísse da igreja. Do lado de fora havia três fileiras de soldados a cavalo com os sabres desembainhados, mais atrás estava o Corpo de Fuzileiros Navais e vários agentes do DOPS. Num ato de coragem, os clérigos saíram na frente de mãos dadas, fazendo um “corredor” da porta da igreja até a Avenida Rio Branco para que todos os que estavam na igreja pudessem sair com segurança. Apesar desse ato, a cavalaria militar em represália aguardou que todos saíssem e os encurralaram nas ruas apertadas da Candelária. Novamente o saldo negativo foi de dezenas de pessoas feridas. Percebe-se a impossibilidade de se ver o menino que vivia na rua, como uma criança ou a adolescente. Ele era visto como “menor”. Foram mortas crianças, adolescentes e jovens que viviam à margem de tudo que a sociedade imaginava constituir a infância. Eram nomeadas “de rua”. Como se o traço humano, o nascimento, fosse subtraído. Não tinham nomes, família, humanidade. Nasciam e morriam nas ruas.
A maior parte dos membros participantes do 30º Congresso estava dormindo quando a polícia chegou ao sítio Muduru, na pequena cidade de Ibiúna, no interior de São Paulo. Por volta das 7h30 daquele sábado, dia 12 de outubro de 1968, agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) invadiram à propriedade acompanhados por homens armados da Força Pública, como eram denominadas as tropas estaduais. Após anunciar o cerco com disparos de metralhadora, os policiais prenderam 739 estudantes que estavam hospedados no sítio para os debates do encontro.  Os estudantes tornaram-se alvo do Aparato Repressivo de Estado (ARE). Muitos foram monitorados, fichados, presos, torturados e mortos. O histórico da repressão militar em Sorocaba e região destaca o episódio icônico daquela conjuntura, a prisão de quase mil estudantes em outubro de 1968, num sítio em Ibiúna, durante o 30º Congresso Nacional da União Nacional dos Estudantes (UNE), dissolvido por ação conjunta de 215 policiais da Força Pública e do temido DOPS, comandado pelo coronel da PM de Sorocaba, Divo Barsotti do 7º Batalhão Policial.  O 30º Congresso da UNE foi finalizado com a invasão do sítio pela polícia às 07 horas e 15 minutos da manhã de 12 de outubro de 1968. - “Todos foram presos”, foi a frase utilizada pela imprensa para destacar o resultado da operação policial, que prendeu quase todos os estudantes participantes.
          A comissão criada pelo governo para definir o valor de indenização a ser paga a União Nacional dos Estudantes (UNE), pela perda de sua sede durante a ditadura, em 1964, estipulou em R$ 44,6 milhões a reparação. Esta é a primeira reparação coletiva do Estado brasileiro quando foram depositados R$ 30 milhões desse montante na conta da entidade. A segunda parcela restante, de R$ 14,6 milhões, foi também paga em 2011. O governo reconheceu a responsabilidade do Estado pelo incêndio que destruiu a sede da UNE. A comissão trabalhou durante 60 dias e apresentou seu Parecer aos ministros da Justiça, Luiz Paulo Barreto, e ao ministro da Secretaria Geral da Presidência, Luiz Dulci. Os dois acataram o Parecer da comissão. A lei sancionada por Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores (PT) previa indenização de até R$ 97,2 milhões, montante que representa seis vezes o valor do terreno, mas avaliado por baixo do valor de mercado pela Caixa Econômica Federal em torno de R$ 16,2 milhões. O valor fixado pela comissão representa pouco menos da metade do limite da lei. A indenização foi paga pela Comissão de Anistia. O presidente Lula participou de um ato simbólico de inauguração da pedra fundamental da reconstrução do prédio, na Praia do Flamengo. O projeto da arquitetura do prédio foi uma doação de Oscar Niemeyer.
A canção Menino, composta por Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, gravada no álbum Geraes (1976), e também por Elis Regina nas apresentações e no disco Saudade do Brasil (1980), refere-se a Edson Luís. A canção “Coração de Estudante”, composta por Wagner Tiso inicialmente sob o nome de “Tema de Jango” para um documentário sobre João Goulart, ganhou letra de Milton Nascimento lembrando a tragédia de Edson Luís e a canção foi rebatizada como “Coração de Estudante”. A canção foi gravada no álbum “ao vivo” em 1983. Em 28 de março de 2008, para lembrar os quarenta anos de sua morte, foi inaugurada uma estátua em homenagem ao estudante Edson Luís na Praça Ana Amélia, entre a Avenida Churchill e a Rua Santa Luzia, no Rio de Janeiro. O trevo viário que liga o Aterro do Flamengo às avenidas General Justo e Presidente Antônio Carlos, próximo ao Aeroporto Santos Dumont, passou a ser reconhecido como Trevo Estudante Edson Luís de Lima Souto. A trágica cena do seu violento assassinato foi representada na novela do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), Amor e Revolução, no dia 28 de setembro de 2011. Foi escrita por Tiago Santiago, com colaboração de Renata Dias Gomes, Miguel Paiva e Elliana Garcia, e dirigida por Reynaldo Boury, Luiz Antônio Piá e Marcus Coqueiro e produção-executiva de Sérgio Madureira.  A ditadura militar é o tema da trama, demonstrando as consequências do golpe militar que ocorreu no país entre os anos 1960 até o final dos anos 1980, envolvendo a moda, a música, a expansão da televisão na vida da família brasileira. Foram investidos 25 milhões de reais na produção da novela, entre cenários, a compra de novos equipamentos e gravações em externas.
Bibliografia geral consultada.

GOERTZEL, Ted, MEC-USAID: Ideologia de Desenvolvimento Americano Aplicada à Educação Superior Brasileira. In: Rio de Janeiro: Revista Civilização Brasileira. Ano III, 14,1967; DREIFUSS, René Armand, 1964: A Conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe. Tese de Doutorado. 2ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1981; LYRA FILHO, Roberto, A Constituinte e a Reforma Universitária. Brasília: Editora Nova Escola Jurídica Brasileira (NAIR), 1985; MAIA JUNIOR, Edimilson Alves, Memórias de Luta: Ritos Políticos do Movimento Etudantil Universitário (Fortaleza, 1962-1969). Fortaleza: Edições UFC, 2008; PAULA, Gil César Costa de, A Atuação da União Nacional dos Estudantes – UNE: Do Inconformismo à Submissão do Estado (1960-2009). Tese de Doutorado. Faculdade de Educação. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2009; MULLER, Angélica, A Resistência do Movimento Estudantil Brasileiro contra o Regime Ditatorial e o Retorno da UNE à Cena Pública (1969-1979). Tese Doutorado em História Social. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2010; SANTANA, Flávia de Angelis, Movimento Estudantil e Ensino Superior no Brasil: A Reforma Universitária no Centro da Luta Política Estudantil dos Anos 60. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2014; SIMÃO, Caio Ragazzi Pauli, O Movimento Estudantil na Produção Acadêmica no Campo da Educação: Uma Lacuna a ser Preenchida?. Dissertação de Mestrado. Centro de Ciências da Educação. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2015; SOUZA, Eliezer Felix de, Flávio Suplicy de Lacerda: Relações de Poder no Campo Acadêmico/Político Paranaense e o Processo de Federalização e Modernização da Universidade do Paraná (1930-1971). Tese Doutorado em Educação. Ponta Grossa: Universidade Estadual de Ponta Grossa, 2016; LIMA, Mateus da Fonseca Capssa, A Direita Estudantil Universitária no Rio Grande do Sul: Entre a Democracia e a Ditadura (1961-1968). Tese de Doutorado. Programa de Pòs-Graduação em História. São Leopoldo: Univeridade do Vale do Rio dos Sinos, 2017;  ROSSI, Pamela de Mattos, Os Acordos MEC-USAID no Jornal o Estado de S. Paulo (1962 -1973). Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2018; SILVA, Rosicleidee Henrique da, Golpe Civil-Militar: Apoio de Estudantes, Mulheres e Imprensa. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação - Doutorado. Centro de Educação. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2019; LIMA, Gilneide de Oliveira Padre, Do Corpo Insepulto à Luta por Memória, Verdade e Justiça: Um Estudo do Caso Dinaelza Coqueiro. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Memória, Linguagem e Sociedade. Vitória da Conquista: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, 2019; entre outros.

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