sábado, 22 de maio de 2021

Cahiers du Cinéma - Produção Abstrata, Internalidade e Crítica Autoral.

              Trata-se da abertura de um espaço onde o sujeito que escreve não para de desaparecer”. Michel Foucault

           O dinheiro e o trabalho podem existir e existiram historicamente antes de explicar o capital, os bancos, o trabalho assalariado, etc. Neste sentido objetivo do desenvolvimento humano, podemos dizer que a categoria mais simples pode exprimir relações dominantes de um todo menos desenvolvido ou, pelo contrário, relações subordinadas de um todo mais desenvolvido. Relações que existiam antes que o todo se desenvolvesse no sentido que encontra a sua expressão numa categoria mais concreta. Nesta medida, lembra Marx, que a evolução do pensamento abstrato, que se eleva do mais simples ao mais complexo, corresponderia ao processo histórico real. Por outro lado, podemos dizer que há formas de sociedade muito desenvolvidas, mas a quem falta maturidade, e nas quais descobrimos as formas mais elevadas de economia, como, por exemplo, a cooperação, uma divisão do trabalho desenvolvida e assim por diante, sem que exista necessariamente nenhuma forma de moeda: o Peru, pré-capitalista, por exemplo. Também entre os eslavos, o dinheiro e a troca que o conduziu não aparecem (ou aparecem pouco) no interior de cada comunidade, mas aparecem nas suas fronteiras, no comércio com comunidades. A troca surge nas relações das diversas comunidades entre si, muito antes de aparecer nas relações dos membros no interior de uma só e mesma comunidade. Embora o dinheiro apareça muito cedo e desempenhe um papel múltiplo, é na Antiguidade, enquanto elemento dominante, apanágio das nações determinadas unilateralmente, de nações comerciais. E mesmo na Antiguidade de menor duração, claramente entre os gregos e os romanos, ele só atinge o seu completo desenvolvimento, postulado na aurora da sociedade burguesa moderna, no período de sua dissolução. Esta categoria social, no entanto, tão simples, só aparece com todo o seu vigor nos Estados mais desenvolvidos. O sistema monetário, por exemplo, situa ainda de forma perfeitamente objetiva, como coisa exterior a si, a riqueza do dinheiro.

            Um enorme progresso é devido ao talento do escocês Adam Smith, que rejeitou toda a determinação particular da atividade criadora de riqueza, considerando apenas o trabalho puro e simples, isto é, nem o trabalho industrial, nem o trabalho comercial, nem o trabalho agrícola, mas todas estas formas de trabalho no seu caráter comum. Com a generalidade abstrata da atividade criadora de riqueza igualmente se manifesta, então, a generosidade do objeto na determinação da riqueza, o produto considerado em absoluto, ou ainda o trabalho em geral, mas enquanto trabalho passado, objetivado num objeto. A indiferença em relação a um gênero determinado de trabalho pressupõe a existência de uma totalidade muto desenvolvida de gêneros de trabalho reais, dentre os quais nenhum é absolutamente predominante. Assim, as abstrações mais gerais só nascem, em resumo, com o desenvolvimento concreto mais rico, em que um caráter aparece como comum a muitos, como comum a todos. Esta abstração do trabalho em geral não é somente o resultado mental de uma realidade concreta de trabalhos. A indiferença em relação a esse trabalho determinado corresponde a uma forma de sociedade na qual os indivíduos mudam com facilidade de um trabalho para outro, e na qual o gênero preciso de trabalho é para eles fortuitos, logo indiferente. Aí o trabalho tornou-se não só no plano das categorias, mas na própria realidade, um meio de criar a riqueza em geral e deixou, enquanto determinação, de constituir um todo com os indivíduos, em qualquer aspecto particular.  

A abstração mais simples e válida para todas as sociedades, só aparece, no entanto, sob esta forma abstrata como verdade prática enquanto categoria da sociedade mais moderna. Mas precisamente por causa de sua natureza abstrata, para todas as épocas históricas da humanidade, não são menos, sob a forma determinada desta mesma abstração, o produto de condições históricas e só se conservam nestas condições e no quadro propriamente destas. A realidade é simplificadamente “tudo o que existe”. Em sentido mais livre, o termo inclui tudo o que é, seja ou não perceptível, acessível ou entendido pela filosofia, ciência, arte ou qualquer outro sistema de análise. O real é tido como aquilo que existe fora ou dentro da mente. A ilusão quando existente é real e verdadeira em si mesma. Ela não nega sua natureza. Ela diz sim a si mesma. A realidade interna ao ser, seu mundo das ideias, imaginário, individual e coletivo, idealizado no sentido de tornar-se ideia, e ser ideia, pode - ou não - ser existente e real também no mundo externo. O que não nega a realidade da sua existência enquanto ente imaginário, idealizado. Quanto ao externo - o fato de poder ser percebido só pela mente - torna-se sinônimo de interpretação da realidade, de uma aproximação com a verdade. A relação íntima entre realidade e verdade, o modo em como a mente apreende a realidade, está no cerne da questão da imagem como representação sensível do objeto e da ideia do objeto como interpretação ideal, mental. Portanto, ter a mente tranquila em meio à agitação e aos estímulos que estamos expostos na modernidade contemporânea não é uma atividade que pode parecer um luxo.



Enfatizando essas atividades sociais desenvolveu-se o conceito de indústria cultural. A linguagem do discurso autoral é vista numa ótica estreitamente unidimensional, onde a instrumentalização das coisas torna-se instrumentalização dos indivíduos, desconsiderando-se a intervenção dos homens na vida social e omitindo a complexidade da dimensão simbólica de apropriação do real omnipresente em todo o ato comunicativo. Perceber as sociedades de controle de forma unidimensional equivale a pensar as instituições como instância separadas e isoladas das dinâmicas sociais. A análise concreta das relações de poder nas instituições (família, Estado, universidade, etc.) que são par excellence, as protagonistas da inserção social, lideram o processo de constituição das identidades e regulam a sociedade. O processo ad infinitum de evolução social, envolve então a permanente produção de subjetividades modulada por instituições híbridas e diferentes combinações fora das instituições. A crise das instituições significa, justamente, que as fronteiras entre elas estão sendo derrubadas, de modo que a lógica capitalista de pensar que funcionava principalmente dentro das paredes institucionais se espalhava por todo o terreno social. Do ponto de vista da comunicabilidade o efeito social específico move a causa e a causalidade se move em espiral. Ipso facto, todo comportamento humano passa a ter valor comunicativo e, como a comunicação não ocorre sobre fatos sociais fora das relações sociais, entendemos que todo processo de trabalho é um processo de comunicação, embora nem todo processo de comunicação seja um processo de comunicação. Onde o processo de produção se caracteriza por elementos imateriais ligados às capacidades cerebrais e cognitivas, a cooperação entre trabalhadores, não pode realizar sua atividade na reprodutibilidade técnica, reduzida e confundida com a cooperação tecnológica e comercial.

A utilização da força de trabalho é o próprio trabalho. O processo de trabalho é o processo de sua valorização. O comprador da força de trabalho, o capitalista, a consome fazendo com que seu vendedor trabalhe. Desse modo, este último se torna actu aquilo que ante era apenas potentia, a saber, força de trabalho em ação, trabalhador. Para incorporar seu trabalho em mercadorias, ele tem de incorporá-lo, antes de mais nada, em valores de uso, isto é, em coisas que sirvam à satisfação de necessidades de algum tipo. Assim, o que o capitalista faz o trabalhador produzir é um valor de uso particular, um artigo determinado. A produção de valores de uso ou de bens não sofre nenhuma alteração em sua natureza pelo fato de ocorrer para o capitalista e sob seu controle, razão pela qual devemos, de início, considerar o processo de trabalho independentemente de qualquer forma social determinada. O trabalho é, antes de tudo, um processo entre o homem e a natureza, processo este em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele se confronta com a matéria natural como uma potência natural. Agindo sob a natureza externa modificando-a por esse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências que nela jazem latentes e submete o jogo de suas forças sociais a seu próprio domínio. Lembra Marx, que um incomensurável intervalo de tempo separa o estágio em que o trabalhador se apresenta no mercado como vendedor de sua própria força de trabalho daquele em que o trabalho humano ainda não se desvencilhou de sua forma instintiva. Quando um valor de uso resulta do processo de trabalho como produto, nele estão incorporados, como meios de produção, outros valores de uso, produtos de processos de trabalho anteriores. O mesmo valor de uso que é produto desse trabalho constitui o meio de produção de um trabalho ulterior, de modo que os produtos são não apenas resultado, mas também condição do processo de trabalho. 

O engajamento do cinema francês é o mais dinâmico da Europa continental em termos de público, números de filmes produzidos e de receitas tributárias geradas por suas produções cinematográficas. O cinema francês teve um desempenho importante na história social deste meio social de comunicação, tanto em termos técnicos como históricos. Os primórdios do cinema contam com vários nomes franceses, entre os quais os se destacam os irmãos Ampére, não só responsáveis pelo estudo da corrente elétrica, mas também a invenção das primeiras câmeras, feito geralmente erroneamente atribuído aos irmãos Auguste Marie e Louis Jean Lumiére, os inventores do cinématographe, sendo frequentemente referidos como “os pais do cinema”. No desenvolvimento do cinema como forma técnica de arte, muitos dos filmes realizados na França são considerados marcos relevantes. Após 1ª Grande Guerra (1914-18) o cinema francês entrou em crise, como de resto os países envolvidos no conflito, devido a falta de recursos financeiros para a criação de novos filmes, como aconteceu na maioria dos países europeus. A situação de crise permitiu que os filmes norte-americanos chegassem aos cinemas europeus. Mas os filmes de consumo mais baratos poderiam ser bem comercializados já que seus estúdios recuperavam os gastos dos filmes em seu próprio mercado. A França adotou um princípio de reserva de mercado (cf. Renzi, 2013) protecionista para diminuir a importação de filmes e estimular a produção interna e comercial francesa, onde proporcionalmente, a cada sete filmes importados um filme francês deveria ser produzido e exibido nos cinemas franceses.

O cinema francês estatisticamente tem o mais alto índice de participação de mercado na Europa, oscilando entre 35% e 40%. Eric Garandeau explicou que o país não tem cota de tela. – “Acreditamos que os outros mecanismos são suficientes para garantir a presença da produção francesa nas salas. O que temos são mecanismos de incitação à diversidade e algumas medidas de regulação. Há, por exemplo, uma limitação quanto ao número de salas em que um mesmo filme pode ser exibido em um único complexo. Essa regra chegou a provocar uma reclamação dos donos de cinemas de arte, já que muitos multiplex passaram a programar os mesmos filmes que o circuito especializado. Mas preferimos esse tipo de problema a ver uma grande concentração de um mesmo lançamento”. Ele destacou a digitalização dos cinemas e dos filmes como a principal nova demanda financeira do setor. O governo estabeleceu um padrão mínimo para a projeção digital e criou um “fundo de digitalização” no valor de € 200 milhões. Parte dessa quantia será destinada à um fundo de apoio à digitalização dos circuitos de pequeno e médio porte. – “Nosso desafio é que o vpf não estabeleça condições discriminatórias e não comprometa a diversidade que existe nos cinemas franceses. Precisamos garantir a liberdade total de programação e o acesso dos distribuidores a todas as salas, sem que se estabeleçam acordos privilegiados”. Em 2011, 3349 salas (60.8% do total) e 888 cinemas (43.2% do total) já haviam sido digitalizados, e o objetivo é que o circuito do país esteja 100% digitalizado. Parte do fundo é destinada à restauração e à digitalização, em 2K, de todos os filmes franceses desde a consagração cinematográfica dos irmãos Lumière.                                   

          Louis e Auguste eram filhos e colaboradores do industrial Antoine Lumière, fotógrafo e fabricante de películas fotográficas, proprietário da Usine Lumière, instalada na cidade francesa de Lyon. Antoine reformou-se em 1892, deixando a fábrica entregue aos filhos. O cinematógrafo era uma máquina de filmar e projetor de cinema, invento que lhes tem sido atribuído, mas que na verdade foi inventado por Léon Bouly, no ano de 1892, o qual teria perdido o registro dessa patente, sendo então de novo registrado pelos irmãos Lumière em 13 de fevereiro de 1895. São os inventores da chamada Sétima Arte junto com Georges Méliès, também francês, sendo este visto como “pai do cinema de ficção”. Louis e Auguste eram ambos engenheiros. Auguste ocupava-se da gerência da fábrica, fundada pelo pai. Dedicaram-se à produção cinematográfica realizando alguns documentários curtos, destinados à promoção do invento, embora acreditassem que o cinematógrafo fosse apenas um instrumento científico, talvez sem futuro comercial. Casaram-se com duas irmãs e moravam todos na mesma mansão. Mas houve também um investimento na formação teórica abstrata e de produção de ideias durante o período próspero de guerras 1914-1918, destacando-se Jacques Feyder, profissional policompetente, ator, roteirista e diretor de cinema belga que trabalhou principalmente na França, mas também nos Estados Unidos da América, Grã-Bretanha e Alemanha.

É um dos fundadores do chamado realismo poético francês no cinema. Ele também dominou o cinema impressionista francês junto com Jean Epstein, Abel Gance e Germaine Dulac. Desde o início, inventores e produtores cinematográficos tentaram casar a imagem com um som sincronizado. Mas nenhuma técnica deu certo até a década de 1920. Assim sendo, durante 30 anos os filmes eram praticamente silenciosos sendo acompanhados muitas vezes de música ao vivo, outras vezes de efeitos especiais e narração e diálogos escritos presentes entre cenas. Tendo destaque para Charles Chaplin, considerado uma das figuras mais importantes no cinema mudo. Em 1915, Chaplin assinou um contrato muito mais favorável com a Essanay Studios, e desenvolveu suas habilidades cinematográficas, adicionando novos níveis de sentimentalismo e pathos em seus filmes. A maioria dos filmes produzidos na Essanay foram ambiciosos, com uma duração duas vezes maior que os curtas-metragens da Keystone. Chaplin também desenvolveu o seu próprio elenco, no qual estava incluído a heroína Edna Purviance e os vilões cômicos Leo White e Bud Jamison. Visto que grupos de imigrantes chegavam constantemente nos Estados Unidos da América, os filmes mudos foram capazes de atravessar quase todas as barreiras de linguagem, principalmente por seu ineditismo comunicativo, sendo compreendidos por todos os níveis da Torre de Babel americana, simplesmente devido ao fato de serem mudos. Chaplin foi emergindo e tornando-se o exponente máximo do cinema mudo.

Foi dado a Chaplin o controle artístico quase total, produzindo doze filmes durante um período de dezoito meses, notando que estes estão entre os filmes de comédia mais influentes da história mundial do cinema. Praticamente todos os filmes de Chaplin produzidos na Mutual são clássicos: Easy Street, One A.M., The Pawnshop e The Adventurer são provavelmente os mais conhecidos. Edna Purviance continuou sendo a protagonista, e Chaplin adicionou Eric Campbell, Henry Bergman e Albert Austin ao seu elenco de primeira linha; Campbell, um veterano nas óperas de Gilbert e Sullivan, interpretou vilões soberbos, e os atores coadjuvantes Bergman e Austin permaneceram no elenco de Chaplin durante décadas. Chaplin considera o período em que esteve na Mutual como o mais feliz de sua carreira. Após a entrada dos Estados Unidos na 1ª grande guerra (1914-1918), Chaplin tornou-se um garoto-propaganda para a venda de “bônus da liberdade” junto com Mary Pickford e seu grande amigo Douglas Fairbanks. Mais do que isso, pelo fato de que Chaplin antecipa o mágico que está presente na literatura e na realidade, na arte, na história e no cinema, como reconhecemos, sugere a possibilidade de que corresponda a um “modo e olhar”, a um estilo de pensamento, e não somente a um estilo de criação artística, ainda que importante. Portanto, não se trata de indagar apenas sobre os nexos entre literatura e realidade, literatura e cinema a propósito da aura mágica que emana da escritura e da cultura. Cabe indagar se essa aura não só emana como também constitui o todo da cultura. É como se um fato insólito de repente desvendasse dimensões recônditas e significados críveis da cultura, vida social, biografia, história, mundo moderno. 

Para o sociólogo Octavio Ianni, é uma das mais extremas e cruéis sátiras sobre o Mundo Moderno. A Sociologia e a Modernidade surgem na mesma época, na mesma idade. Talvez se possa dizer que a revolução popular de 1848 despertou o Mundo para algo novo, que não havia sido ainda plenamente percebido. A multidão aparecia no primeiro plano, no horizonte da história. E aparecia como multidão, massa, povo e classe. A revolução de 48 em Paris repercutiu em toda a França, na Europa e em muitas partes do mundo. Via-se que a multidão se tornava classe revolucionária em conjunturas críticas. A metamorfose pode ser brusca, inesperada, assustadora, fascinante. Em Paris de 48 viviam, trabalhavam, produziam e lutavam Tocqueville, Proudhon, Comte, Marx, Blanqui e Baudelaire. Na capital do século XIX, quando se revelam os primeiros sinais de que a sociedade burguesa também é histórica, transitória, nesse momento nascem a Sociologia e a Modernidade. É daí que nasce o herói solitário e triste de Chaplin. Numa das mais avançadas expressões da Modernidade que é o cinema, surge o lumpen olhando espantado para os outros, as coisas, o mundo. Carlitos é um herói trágico. Solitário e triste, vaga perdido no meio da cidade, um deserto povoado pela multidão. Farrapo coberto de farrapos. Fragmento de um todo no qual não se encontra; desencontra-se. Caminha perdido e só, no meio da estrada sem-fim. Parece ele e outros, outros e muitos, todos os que formam e conformam a multidão gerada pela sociedade moderna. Um momento excepcional da épica da Modernidade. Carlitos revela a poética da vida e do mundo a partir da visão paródica do lúmpen que “olha a vida e o mundo a partir dos farrapos da extrema carência, de baixo-para-cima, de ponta-cabeça”. “É aí que se instaura o sentido trágico também presente na Modernidade. Agora o homem tudo sabe, sobre este e o outro mundo. Tem tanta razão que desvenda os fetiches que ele próprio recria e recria, no cotidiano do dia-a-dia. Mas se reconhece além dessa razão. Descobre que o seu entendimento não o emancipa de si, do que é como fabulação. Com o fetichismo das suas relações, entroniza visões e fantasmas, nos quais se conhece e desconhece, que alegram e o assustam” (Ianni, 1989: 7 e ss.).

Em 1931 Marcel Pagnol filmou sua trilogia marselhesa que é composta dos filmes Marius de 1931, Fanny de 1932 e César de 1936 é realmente uma joia rara motivada pelo ideário da sociologia das emoções. Pagnol tinha escrito as histórias originalmente para o teatro. A transposição para filme foi feita com os mesmos diálogos e atores. A trama entrelaçada dos três filmes é centrada no dia-a-dia dos habitantes da região do porto de Marseille, em especial os frequentadores do barzinho de César e o romance entre Marius e Fanny. Nos três filmes acompanhamos a trajetória lúdica dos personagens principais através dos anos, com porções saborosas de romance, simultaneamente comédia e melodrama. São filmes realizados com técnica, habilidade, proporcionando arte para se divertir e emocionar plateias ávidas para sublimar as tragédias das guerras europeias. Duas características técnicas bem notáveis são o formato de teatro dos filmes, com diálogos longos e pleno de detalhes, que não era muito comum no cinema mais popular de seu tempo transplantado pelos norte-americanos. Ainda na década de 1930 René Clair produziu Sous les Toits de Paris (1930), Feyder produziu La Kermesse Héroïque (1935), Julien Duvivier produziu Camaradas (1936) e Jean Renoir dirigiu a sua primeira obra prima, A Grande Ilusão. Dois anos depois Renoir dirigiu A Regra do Jogo, que é considerado um dos melhores filmes de todos os tempos. Conquanto durante a 2ª Guerra Mundial, Marcel Carné dirigiu o filme Les Enfants du Paradis, que foi lançado em 1945.

Foi considerado o melhor filme francês do século de acordo com uma votação realizada por críticos da comunicação e por profissionais do cinema. Historicamente o destaque é dado às escolas vanguardista da década de 1920, ao realismo poético das décadas de 1930 e 1940, e à nouvelle vague do fim da década de 1950. André Bazin fundou a revista Cahiers du Cinéma, onde amantes do cinema e críticos discutiam porque os filmes tinham dado certo. O cinema baseia-se em projeções públicas de imagens animadas. O cinema nasceu de várias inovações que vão desde do domínio fotográfico até a síntese do movimento. A esta foi atribuída como causa a persistência da visão ou “persistência retiniana”, por teóricos renomados e importantes. Mas o efeito de movimento do cinema não pode ser explicado pela “persistência retiniana”, onde na verdade, acontece em nível neural, já posterior à fase da retina no processo de percepção visual. A revista surge com um quadro de pensamento formado por jornalistas e cineastas como François Truffaut, Jean-Luc Godard, Eric Rohmer e Claude Chabrol. Na prática eles tornaram-se diretores e criaram a sensacional nouvelle vague. Outros diretores que mais tarde se consagrariam dentro da mesma vertente foram Alain Resnais e Agnès Varda.

A Nouvelle vague influenciou diretamente o futuro de Hollywood e, no início da década de 1960 começou seu declínio. Não queremos perder de vista no processo de formação Marx só pôde se tornar Marx fundando uma teoria da história e uma filosofia da distinção histórica entre ideologia e ciência e que em última análise essa fundação se tenha consumado na dissipação do que se chama “mito religioso da leitura”.  Mas é possível afirmar que na cultura da história humana nosso presente corre o risco de aparecer um dia como que assinalado pela provação mais dramática e mais laboriosa possível. A descoberta e o aprendizado do sentido dos atos mais “simples” da existência no âmbito das humanidades: ver, escutar, falar, ler. Não é à psicologia que devemos estes conceitos perturbadores, mas a homens como Marx, Nietzsche e Freud. Depois de Freud é que começamos a suspeitar do quer-dizer o escutar, e, portanto o falar (e o calar) e o que quer-dizer do falar e do escutar revela, sob a inocência do falar e do escutar, a profundidade de uma fala inteiramente diversa, independente, a fala do inconsciente. Freud refere-se aos aspectos que compõem um estado instintivo humano e que acaba por se tornar inibido em prol da convivência que ocorre do sentir em comunidade. A inibição destes aspectos instintivos, consiste numa privação de características que são inatas aos homens. Esta própria privação, acaba por consistir em determinados descontentamentos.  Atingimos na temporalidade da modernidade a compreensão do visível como visível e pari passu do invisível como invisível, enquanto vínculo orgânico que une o invisível ao visível concreto.  

É visível todo objeto ou problema que se situa no terreno, e no horizonte, isto é, no campo estruturado definido da problemática abstrata de determinada disciplina teórica. Impõe-se-nos tomar essas palavras ao pé da letra. Alguns autores ajudam-nos a elucidar esses termos. A visão já não é então a representação de uma pessoa individual, dotada da faculdade de “ver” a qual é exercida quer da atenção, quer da distração. A vista é o fato imediato de suas condições estruturais. A vista é a relação de reflexão imanente do campo da problemática sobre seus objetos e seus problemas. A visão perde então seus privilégios religiosos da leitura sagrada bíblica. Nada mais é que a reflexão da necessidade imanente que liga o objeto ou o problema às suas condições reais de existência, que têm a ver com as condições de sua produção. De fato, Marx percebeu que cada um não é imediatamente o outro, nem apenas o intermediário do outro: cada um, ao realizar-se, cria o outro; cria-se sob a forma do outro. Nada mais simples nesse caso, para um hegeliano, que admitir a identidade da produção e do consumo, proeza in abstracto, quando se conclui que sua produção é seu próprio consumo.  Em seu ersatz é o que realiza o ato da produção ao dar ao produto o seu caráter acabado, ao dissolvê-lo consumindo a forma objetiva independente que ele próprio reveste. Ao elevar à destreza, pela necessidade de repetição, a aptidão é desenvolvida no primeiro ato da produção. No emprego do método teórico, abstrato, devido a natureza humana é necessário que o objeto, a sociedade, esteja constantemente presente no espírito como dado primeiro.  A religião cristã só pode ajudar a compreender as mitologias anteriores, depois de ter feito, até certo grau, a sua própria crítica. Por essa razão, as formas pré-burguesas do organismo social de produção são tratadas mais ou menos do modo como as religiões pré-cristãs foram tratadas pelo Padres da Igreja. 

A dependência pessoal caracteriza tanto as relações de produção material quanto as esferas da vida erguidas sobre elas. Mas é justamente porque as relações pessoais de dependência constituem a base social dada que os trabalhos e seus produtos não precisam assumir uma forma fantástica distinta de sua realidade. Para uma sociedade de produtores  de mercadorias, cuja relação social geral de produção consiste em se relacionar com seus produtos como mercadorias, ou seja, como valores e, nessa forma reificada, confrontar mutuamente seus trabalhos privados como trabalho humano igual, o cristianismo, com seu culto do homem abstrato, é uma forma de religião mais apropriada, especialmente em seu desenvolvimento burguês, como protestantismo, deísmo etc. Nos modos de produção asiáticos, antigos etc., a transformação do produto em mercadoria e, com isso, a existência dos homens como produtores de mercadorias, desempenha um papel subordinado, que, no entanto, torna-se progressivamente mais significativo à medida que as comunidades avançam em seu processo de declínio. Povos propriamente comerciantes existem apenas nos intermúndios do mundo antigo, como os deuses de Epicuro, ou nos poros da sociedade polonesa, coo os judeus. Esses antigos organismos sociais de produção são extraordinariamente mais simples e transparentes do que o organismo burguês, mas baseiam-se ou na imaturidade do homem individual, que ainda não rompeu o cordão umbilical que o prende a outrem por um vínculo natural de gênero, ou em relações diretas de dominação e servidão. Eles são condicionados por um baixo grau de desenvolvimento das forças produtivas do trabalho e pelas relações correspondentemente limitadas dos homens no interior de seu processo material de produção da vida, ou seja, pelas relações limitadas dos homens entre si e de conhecimento com a mesma natureza.    

Reconhecer a verdade é vê-la com os olhos da alma, ou, com os olhos da inteligência no sentido pragmático acadêmico. Assim como o Sol dá sua luz aos olhos e às coisas para que haja “mundo visível”, assim também a ideia suprema, a ideia de todas as ideias, o Bem (isto é, a perfeição em si mesma) dá à alma e às ideias sua bondade (sua perfeição) para que haja “mundo inteligível”. Isto quer dizer que para o filósofo, o mundo inteligível era aquele que oferecia o conhecimento com base na razão. O mundo sensível é aquele baseado nas sensações do indivíduo e que não se baseia na razão. Assim como os olhos e as coisas participam da luz, assim também a alma e as ideias participam da bondade (ou perfeição) e é por isso que a alma pode conhecer as ideias. E assim como a visão é passividade e atividade do olho, assim também o conhecimento é passividade e atividade da alma: passividade, porque a alma precisa receber a ação das ideias para poder contemplá-las; atividade, porque essa recepção e contemplação constituem a própria natureza da alma. Assim como na treva não há visibilidade, assim também na ignorância não há verdade. A e a são para a alma o que a cegueira é  aos olhos humanos e a escuridão é para as coisas: são privações de visão e privação de conhecimento.

Vejamos o que nos diz o filósofo Foucault (2001): - “Que importa quem fala?”. Nessa indiferença se afirma o princípio ético, talvez o mais fundamental, da escrita contemporânea. O apagamento do autor tornou-se desde então, para a crítica, um tema cotidiano. Mas o essencial não é constatar uma vez mais seu desaparecimento; e precisa descobrir, como lugar vazio - ao mesmo tempo indiferente e obrigatório -, os locais onde sua função é exercida. 1) O nome do autor: impossibilidade de tratá-lo como uma discrição definida; mas impossibilidade igualmente de tratá-lo como um nome próprio comum. 2) A relação de apropriação: o autor não é exatamente nem o proprietário nem o responsável por seus textos; não é nem o produtor nem o inventor deles. Qual é a natureza do speech act que permite dizer que há obra? 3) A relação de atribuição. O autor é, sem dúvida, aquele a quem se pode atribuir o que foi dito ou escrito. Mas a atribuição - mesmo quando se trata de um autor conhecido - é o resultado de operações críticas complexas e raramente justificadas. As incertezas do opus. 4) A posição do autor. Posição do autor no livro (uso dos desencadeadores; funções dos prefácios; simulacros do copista, do narrador, do confidente, do memorialista). Posição do autor nos diferentes tipos de discurso (no discurso filosófico, por exemplo). Posição do autor em um campo discursivo (o que é o fundador de uma disciplina, o que pode significar o “retorno a...” como momento decisivo na transformação de um campo discursivo?). Quanto ao tema que propus, “O que é um autor?”, é preciso justificá-lo um pouco para vocês. Se escolhi tratar essa questão talvez um pouco estranha é porque gostaria de fazer uma certa crítica sobre o que antes me ocorreu escrever. E voltar a um certo número de imprudências que acabei cometendo.

Brigitte Bardot nasceu no ano de 1934, na França. Seu pai, Louis Bardot, foi um industrial da chamada alta burguesia, e casou-se com sua mãe, Anne-Marie, no ano de 1933. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, Brigitte Bardot (cf. Carli, 2007) tem uma irmã, Mijanou Bardot, que também foi atriz no cinema francês. Apenas em 1944, quando os franceses expulsaram os nazistas do território, é que a rotina da França foi, aos poucos, voltando à normalidade. Foi dentro desse cenário que aconteceu a Nouvelle Vague. Um grupo de jovens cineastas se uniram em um grupo liderado por François Truffaut para fazer um cinema diferente, autoral e próprio. Esses e muitos outros jovens críticos, reunidos ou inspirados pela revista Cahiers du Cinéma, fundada por André Bazin, representavam o movimento e, depois de muito redigirem críticas de filmes alheios, começaram a fazer os próprios. Aos 15 anos de idade, em 1949, incentivada por sua mãe, Bardot iniciou a vida artística de modelo, estreando na revista Elle, de estilo de vida de origem francesa, focada em moda, beleza, saúde e entretenimento. Foi fundada em 1945 por  Hélène Gordon-Lazareff e seu marido, o escritor Pierre Lazareff. O trabalho realizado pela modelo chamou atenção de diversos profissionais, inclusive do cineasta Roger Vadim, nome artístico de Roger Vladimir Plemiannikov que viria a tornar-se marido de Brigitte. Sua carreira entrou em ascensão. Os figurinos, os roteiros, representavam filósofos existencialistas e divas dos anos 1960 que emergiam em uma França pós-guerra. Jason Wu, estilista e idealizador das sandálias Melissa, foi também inspirado pelo movimento cultural durante sua coleção de primavera para a Target online. A inspiração veio da atitude tanto “travessa” e “indiferente” dos filmes da Nouvelle Vague francesa.            

Em As Palavras e as Coisas, afirma Foucault, eu tentara analisar as massas verbais, espécies de planos discursivos, que não estavam bem acentuados pelas unidades habituais do livro, da obra e do autor. Eu falava em geral da “história natural”, ou da “análise das riquezas”, ou da “economia política”, mas não absolutamente de obras ou de escritores. Entretanto, ao longo desse texto, utilizei ingenuamente, ou seja, de forma selvagem, nomes de autores. Falei de Buffon, de Cuvier, de Ricardo etc., e deixei esses nomes funcionarem em uma ambiguidade bastante embaraçosa. Embora dois tipos de objeções pudessem ser legitimamente formuladas, e o foram de fato. De um lado, disseram-me: você não descreve Buffon convenientemente, e o que você diz sobre Marx é ridiculamente insuficiente em relação ao pensamento de Marx. Essas objeções estavam evidentemente fundamentadas, mas não considero que elas fossem inteiramente pertinentes em relação ao que eu fazia; pois o problema para mim não era descrever Buffon ou Marx, nem reproduzir o que eles disseram ou quiseram dizer: eu buscava simplesmente encontrar as regras através das quais eles formaram um certo número de conceitos ou de contextos teóricos que se podem encontrar em seus textos. Fizeram também uma outra objeção: você forma, disseram-me, famílias monstruosas, aproxima nomes tão manifestamente opostos como os de Buffon e de Lineu, coloca Cuvier ao lado de Darwin, e isso contra o jogo mais evidente dos parentescos e das semelhanças naturais. Também aí, diria que a objeção não me parece convir, pois jamais procurei fazer um quadro genealógico das individualidades espirituais, não quis constituir um arquétipo do cientista ou do naturalista dos séculos XVII e XVIII; não quis formar família, nem santa nem perversa, simplesmente, as condições de funcionamento de práticas discursivas específicas.

A formulação do tema pelo qual gostaria de começar, eu a tomei emprestado de Beckett: “Que importa quem fala, alguém disse que importa quem fala”. Nessa indiferença, acredito que é preciso reconhecer um dos princípios éticos fundamentais da escrita contemporânea. Digo "ético", porque essa indiferença não é tanto um traço caracterizando a maneira como se fala ou como se escreve; ela é antes uma espécie de regra imanente, retomada incessantemente, jamais efetivamente aplicada, um princípio que não marca a escrita como resultado, mas a domina como prática. Essa regra é bastante conhecida para que seja necessário analisá-la longamente; basta aqui especificá-la através de dois de seus grandes temas. Pode-se dizer, inicialmente, que a escrita de hoje se libertou do tema da expressão: ela se basta a si mesma, e, por consequência, não está obrigada à forma da interioridade; ela se identifica com sua própria exterioridade desdobrada. O que quer dizer que ela é um jogo de signos comandado menos por seu conteúdo significado do que pela própria natureza do significante; e também que essa regularidade da escrita é sempre experimentada no sentido de seus limites; ela está sempre em vias de transgredir e de inverter a regularidade que ela aceita e com a qual se movimenta; a escrita se desenrola como um jogo que vai infalivelmente além de suas regras, e passa assim para fora.

O que é decisivo na escrita? Não se trata da manifestação ou da exaltação do gesto de escrever; não se trata da amarração de um sujeito em uma linguagem; trata-se da abertura de um espaço onde o sujeito que escreve não para de desaparecer. Inicialmente, a noção de obra. É dito, de fato (e é também uma tese bastante familiar), que o próprio da crítica não e destacar as relações da obra com o autor, nem querer reconstituir através dos textos um pensamento ou uma experiência; ela deve antes analisar a obra em sua estrutura, em sua arquitetura, em sua forma intrínseca e no jogo de suas relações internas. Ora, é preciso imediatamente colocar um problema: “O que é uma obra? O que é, pois, essa curiosa unidade que se designa com o nome obra? De quais elementos ela se compõe? Uma obra não é aquilo que é escrito por aquele que é um autor?”. Vemos as dificuldades surgirem. Se um indivíduo não fosse um autor, será que se poderia dizer que o que ele escreveu, ou disse, o que ele deixou em seus papéis, o que se pode relatar de suas exposições, poderia ser chamado de “obra”? Enquanto Sade não era um autor, o que eram então esses papéis? Esses rolos de papel sobre os quais, sem parar, durante seus dias de prisão, ele desencadeava seus fantasmas. Uma outra noção, acredito, bloqueia a certeza da desaparição do autor e retém como que o pensamento no limite dessa anulação; com sutileza, ela ainda preserva a existência do autor. É a noção de escrita. A rigor, ela deveria permitir não somente dispensar a referência ao autor, mas dar estatuto a sua nova ausência.

 No estatuto que se dá atualmente à noção de escrita, para Foucault (2001), não se trata, de fato, nem do gesto de escrever nem da marca (sintoma ou signo) do que alguém teria querido dizer; esforça com uma notável profundidade para pensar a condição geral de qualquer texto, a condição ao mesmo tempo do espaço em que ele se dispersa e do tempo em que ele se desenvolve. Eu me pergunto se, reduzida às vezes a um uso habitual, essa noção não transporta, em um anonimato transcendental, as características empíricas do autor. Ocorre que se contenta em apagar as marcas demasiadamente visíveis do empirismo do autor utilizando, uma paralelamente a outra, uma contra a outra, duas maneiras de caracterizá-la: a modalidade crítica e a modalidade religiosa. Dar, de fato, a escrita um estatuto originário não seria uma maneira de, por um lado, traduzir novamente em termos transcendentais a afirmação teológica do seu caráter sagrado e, por outro, a afirmação crítica do seu caráter criador? Admitir que a escrita está de qualquer maneira, pela própria história que ela tornou possível, submetida a prova do esquecimento e da repressão, isso não seria representar em termos transcendentais o princípio religioso do sentido oculto (com a necessidade de interpretar) e o princípio crítico das significações implícitas, das determinações silenciosas, dos conteúdos obscuros (com a necessidade de comentar). Pensar a escrita como ausência não simplesmente repetir em termos transcendentais o princípio religioso da tradição simultaneamente inalterável e jamais realizada, e o princípio estético da sobrevivência da obra, de sua manutenção além da morte, e do seu excesso enigmático em relação ao autor? Tal uso da noção de escrita arrisca manter os privilégios do autor sob a salvaguarda do a priori: ele faz subsistir, na luz obscura da neutralização, o jogo das representações que formaram uma certa imagem do autor.

A desaparição do autor, que após Stéphane Mallarmé, cujo verdadeiro nome era Étienne Mallarmé, é um acontecimento cotidiano que não cessa, encontra-se submetida ao bloqueio transcendental. Não existe atualmente uma linha divisória importante entre os que acreditam poder ainda pensar as rupturas atuais na tradição histórico-transcendental do século XIX e os que se esforçam para se libertar dela definitivamente? Mas não basta, evidentemente, repetir como afirmação vazia que autor simplesmente desapareceu. Igualmente, não basta repetir perpetuamente que Deus e o homem estão mortos de uma morte conjunta. O que seria preciso fazer é localizar o espaço assim deixado vago pela desaparição do autor, seguir atentamente a repartição das lacunas e das falhas e espreitar os locais, as funções livres que essa desaparição faz aparecer.  A realidade significa o ajuste que fazemos entre a imagem e a ideia da coisa, entre verdade e verossimilhança. O problema da realidade é matéria presente em todas as ciências e, com particular importância, nas ciências que têm como objeto de estudo o próprio homem: a antropologia e todas as disciplinas que nela estão implicadas: a filosofia, a psicologia, a semiologia e outras, além das técnicas e das artes visuais. Na interpretação ou representação do real, enquanto verdade subjetiva ou crença, a realidade está sujeita ao campo das escolhas, isto é, determinado, por ser um fato social, ato ou uma possibilidade, algo adquirido a partir dos sentidos e do conhecimento adquirido. Dessa forma, a constituição das coisas e as nossas relações dependem de um intrincado contexto, que ao longo da existência cria a lente entre a aprendizagem e o desejo: o que vamos aceitar como real na vida social?

A realidade é construída pelo sujeito consciente; ela não é dada pronta para ser descoberta. Entendemos que à fala pertence aquilo sobre o que se fala. A fala dá indicações sobre algo e isso numa determinada perspectiva condicionada socialmente. A fala retira o que ela diz como essa fala daquilo sobre que fala como tal. Na fala, enquanto processo social de comunicação, isso é o que se torna acessível à co-presença dos outros, na maior parte das vezes, através da verbalização da língua.  O que no apelo da consciência constitui o referido da fala, ou seja, o interpelado? Para Heidegger manifestamente a própria presença. Essa resposta é tão indiscutível quanto indeterminada. Mesmo que o apelo tivesse uma meta tão vaga, ele ainda seria para a presença um motivo de prestar atenção a si mesma. Pertence à presença, no entanto, de modo essencial, que, com a abertura de seu mundo, ela está aberta para si mesma, de tal modo que ela sempre já se compreende. O apelo alcança a presença nesse movimento de sempre já se ter compreendido na cotidianidade mediana das ocupações. O impessoalmente si mesmo do ser-com com os outros é alcançado exatamente pelo conteúdo do apelo.

Cahiers du Cinéma é uma revista sobre cinema editada na França e criada em março de    1951, por Jacques Doniol-Valcroze, André Bazin e Lo Duca. É uma das mais importantes revistas de cinema do mundo contemporâneo. Se trata, na verdade, da união entre a originária revista intitulada Revue du Cinéma e a participação dos membros dos cineclubes parisinos: Ciné-Club du Quartier Latin e Objectif 49, no qual contribuíam nomes como Bresson, Cocteau e Alexandre Astruc, entre outros. Nesta união, foram somados à equipe de edição que era inicialmente composta por Éric Rohmer e Maurice Scherer outros colaboradores: Jacques Rivette, Jean-Luc Godard, Claude Chabrol e François Truffaut. Estes jovens colaboradores estavam recém incursionando à direção de filmes nos fins da década de 1950, depois de ter desempenhado a profissão de roteiristas durante os anos anteriores. Em 1951, Doniol-Valcroze foi cofundador da renomada revista de cinema Cahiers du Cinéma, junto com André Bazin e Joseph-Marie Lo Duca. A revista foi inicialmente editada por Doniol-Valcroze entre 1951-1957. Como crítico, ele defendeu com razão vários cineastas, incluindo Orson Welles, Howard Hawks e Nicholas Ray. Em 1955, François Truffaut, com 23 anos, fez um curta-metragem no apartamento de Doniol-Valcroze, Une Visite. A filha de Jacques, Florence, desempenhou um papel menor nisso. Em 1955, foi membro do júri do 16º Festival Internacional de Cinema de Veneza, em 1963 ele apareceu em L`Immortelle, um filme de arte dramática internacional coproduzido dirigido por Alain Robbe-Grillet e em 1964 membro do júri do 14º Festival Internacional de Cinema de Berlim. A revista defendia a questão das ideias sociais sobre a política dos autores. Desde 10 de maio de 2007, já contava com edições em vários idiomas, é editada na Espanha (em idioma espanhol) pela Caimán Ediciones.

            Em 1948, Eric Rohmer tornou-se apresentador do clube de cinema Quartier Latin, rue Danton em Paris, nas tardes de quinta-feira. Este clube de cinema havia sido treinado por um de seus ex-alunos e apresentado cópias de filmes que iriam desaparecer. Muitos filmes norte-americanos dos anos 1930 foram exibidos, mas o objetivo deste cineclube era demonstrar o máximo possível, sem discriminação estética ou artística. É diferente de um certo Ciné-club universitário que, segundo Rohmer, tinha uma teoria estreita que afirmava a grandeza de um filme e não de outro conosco, exibíamos tudo e isso nos permitia, depende de nós e do nosso público para dizer: “A obra-prima, é isso e não é isso”, Rohmer explica quando fala sobre o clube de cinema do Quartier Latin. Foi assim que conheceu Eric Rivette e Francis Bouchet, com quem transformou o Bulletin du Ciné-club em Gazette du cinéma. Rivette havia escrito um artigo notável sobre cinema de montagem no boletim informativo. La Gazette du Cinéma representou uma resenha crítica em que os intelectuais amantes do cinema discutiram o cinema contemporâneo. Rivette publicou vários artigos lá e Jean-Luc Godard também escreveu sob o pseudônimo de Hans Lucas. François Truffaut não contribuiu para esta revisão. Desapareceu com o seu quinto número, seus dirigentes não conseguindo vendê-lo nas bancas, mas apenas para alguns sócios do cineclube, o que o tornou lucrativo a princípio, mas não para perpetuar a publicação. A Tela Francesa manteve um lugar importante no campo cinematográfico. 

            O movimento da sociedade cinematográfica originou-se na França no período entre as duas guerras mundiais. O organismo internacional das sociedades de cinema é a International Federation of Film Societies. Esta associação internacional foi criada em 1947 em Cannes (França) entre grupos de sociedades cinematográficas de países em quase todo o mundo e chama-se Fédération Internationale des Ciné-Clubs (FICC). Uma sociedade cinematográfica é um clube baseado em membros, onde as pessoas podem assistir a exibições de filmes que, de outra forma, não seriam exibidos nos cinemas convencionais. Na Espanha, Irlanda e Itália, eles são conhecidos como Cine-clubs, e na Alemanha são conhecidos como Filmclubs. Costumam ter um objetivo educacional, apresentando novos públicos a diferentes obras audiovisuais por meio de um programa organizado e preparado de exibições. A produção editorial reforça o trabalho dessas organizações, na medida em que produzem programas manuais, brochuras, agendas, fichas informativas e até ensaios, apoiando o significado de suas exposições. Uma característica comum que pode caracterizar uma projeção cinematográfica é que se iniciam com uma apresentação do filme ao público e terminam com a promoção de uma discussão sobre o filme, onde assistentes, organizadores e às vezes os próprios cineastas trocam pontos de vista. Existem redes em países diferentes e estão organizadas em federações, conselhos, coletivos e redes locais. As sociedades cinematográficas famosas incluem o Cinema 16 de Amos Vogel, a Cinémathèque Française e a Film Society of Lincoln Center, em Nova York.

Por outro lado, a produção motiva o consumo ao criar o modo determinado do consumo, e originando em seguida o apetite do consumo, faculdade de consumo sob a forma de necessidade. Importa apenas sublinhar que, quer se considere a produção e o consumo como atividades de um sujeito ou de numerosos indivíduos, ambos os atos surgem de qualquer modo como momentos de um processo em que a produção é o verdadeiro ponto de partida e por conseguinte também o fator que prevalece. O consumo enquanto necessidade produtiva; mas esta é o ponto de partida da realização e, por conseguinte, o seu fator predominante, o ato em que todo o processo novamente se desenvolve. O indivíduo produz um objeto, e pelo consumo deste regressa a si mesmo, mas o faz enquanto indivíduo produtivo e que se reproduz. O consumo surge assim como momento da produção.  A rigor, não é mais o olho do espírito de uma pessoa que vê o que existe no campo definido por uma problemática teórica abstrata. E esse próprio campo analítico que se vê nos objetos ou nos problemas que ele define, sendo a visão apenas a reflexão necessária do campo de análise em seus objetos. Mas na sociedade a relação entre o produtor e o produto, quando este último se considera acabado, como no caso da produção fílmica no âmbito da indústria cultural, é uma relação exterior, e o retorno do produto ao sujeito que produz, na prática, depende das relações sociais deste com outros indivíduos. Não se torna imediatamente proprietário. Tanto mais que a imediata apropriação do produto não é o objetivo do produtor ao produzir em sociedade. Entre o produtor e os produtos interpõe-se a distribuição, que obedecendo a leis sociais determina a parte que lhe pertence na totalidade dos produtos, colocando-se assim entre a produção e o consumo.

O Quartier Latin deve seu nome à época Medieval, quando os habitantes da zona eram estudantes que utilizavam o Latim para se comunicar. Desde a Idade Média, os estudantes do “Bairro Latino” tiveram uma grande influência sobre a França, e durante os séculos XIX e XX promoveram movimentos estudantis de grande transcendência política. O Quartier Latin foi um dos centros da Revolução de Maio de 68. Depois de atravessar a Praça de Saint Michel, na qual há uma enorme fonte com a figura de São Miguel lutando com um dragão, há pequenas e encantadoras ruazinhas que formam o Bairro Latino. A partir desse ponto, tudo que você verá são restaurantes e cafeterias que oferecem terraços agradáveis com preços acessíveis. Embora haja muitas ruas com restaurantes agradáveis, uma das principais artérias do bairro é a Rue Huchette. O Quartier Latin é um bairro que fica no quinto e no sexto distritos residenciais de Paris, na França. Localiza-se na margem esquerda (sul) do Rio Sena, em torno da Universidade de Sorbonne, uma das mais antigas instituições de ensino superior da Europa. O nome do bairro deriva do fato de o Latim ter sido amplamente falado próximo à universidade durante a Idade Média. Atualmente abriga vários estabelecimentos de ensino superior, como a École Normale Supérieure, a École des Mines de Paris e o Campus Universitaires de Jussieu. Durante os anos 1960, especialmente em maio de 1968, foi um grande palco de contestação da sociedade.                            

A Quarta República Francesa representou um governo republicano que administrou seu país de 1946 a 1958, exatamente no período em que esteve em vigor a quarta Constituição republicana nacional. É para muitos o renascimento da Terceira República (1870-1940), e enfrentou os mesmos problemas desta, como corrupção, autoritarismo e colonialismo. A nova República trouxe crescimento econômico para a França pós-segunda guerra mundial e reconstruiu sua infraestrutura e sedimentou as instituições nacionais. Na política externa, alinhou-se aos Estados Unidos da América (EUA) contra a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e buscou a Integração europeia, o que mudou as relações no continente. Houve políticas públicas prezando reformas sociais e desenvolvimento. Em 1946, o governo estabeleceu um sistema novo de seguridade social, garantindo direitos aos desempregados e incapacitados, e pensão para idosos, além da expansão do sistema de saúde para os cidadãos. No final da década de 1950, o país entrou em uma espiral de crise financeira, acelerada pelas derrotas nos conflitos nas colônias imperialistas, mais notavelmente na Indochina e na Argélia, especialmente na Crise de Maio. A situação só mudou quando Charles de Gaulle assumiu a presidência e uma quinta Constituição foi firmada, trazendo novamente a estabilidade à França.

No começo de 1958, o deputado democrata-cristão de Estrasburgo, Pierre Pflimlin, estava sendo sondado para o cargo de primeiro-ministro da Quarta República. Porém, havia a suspeita de que queria negociar um cessar-fogo com os rebeldes da Frente Nacional de Libertação (FNL) que lutavam pela Independência da Argélia. Os gaullistas que militavam de corpo e alma pelo retorno ideológico de De Gaulle ao poder encorajam os Pieds-noirs - população francesa representada das antigas colônias no norte da África - à sedição contra Pflimlin. Deixam entender que o general é a personalidade em melhores condições estratégicas de manter os três departamentos argelinos da República francesa. De Gaulle empreendeu o desenvolvimento de armas nucleares francesas e promoveu uma política externa pan-europeia, buscando livrar-se das influências norte-americana e britânica. Retirou da França, o comando militar da Organisation du Traité de l`Atlantique Nord (OTAN) apesar de continuar a ser membro da aliança ocidental - e por duas vezes vetou a entrada do Reino Unido na Comunidade Europeia. Viajou frequentemente pela Europa Oriental e por outras partes do mundo quando reconheceu a virada da China ao comunismo. Em 1967, durante uma visita oficial ao Canadá, incentivou publicamente o Movimento pela Independência de Quebec, o que causou a mais grave crise diplomática entre a França e o Canadá. Seu discurso pronunciado em Montreal, no dia 24 de julho, foi concluído exatamente com o slogan dos separatistas: “Viva o Quebec livre!”, o que foi interpretado pelas autoridades canadenses como apoio do presidente francês ao movimento autonomista. Foi alvo de três atentados confirmados, todos eles falhados.

O primeiro ocorreu em Paris, no ano de 1945, por atiradores furtivos alemães. Outro em 8 de setembro de 1961, organizado por Raoul Salan, uma bomba fabricada com explosivo plástico explodiu perto de seu carro. O último aconteceu em 22 de agosto de 1962, quando seu carro foi crivado de balas, ficando o vidro traseiro estilhaçado e os pneus estourados, num atentado político que mais tarde foi narrado no best-seller intitulado: The Day of the Jackal é um filme franco-britânico de 1973, dirigido por Fred Zinnemann, e com roteiro baseado no romance homônimo de Frederick Forsyth. Ainda em 1963, seria desbaratado um complô na Escola Militar para matá-lo. O general De Gaulle também enfrentou a oposição dos comunistas e socialistas. Apesar de ter sido reeleito presidente em 1965, desta vez por voto popular direto, em maio de 1968 parecia claramente provável que perdesse o poder, em meio a protestos públicos generalizados de estudantes e trabalhadores. No entanto, sobreviveu à crise política com uma ampliação da maioria na Assembleia. Em 1969, depois de perder um referendo sobre a reforma do Senado e a regionalização, renunciou. - “Morreu o general De Gaulle. A França ficou viúva”. Com essas palavras, o presidente Georges Pompidou ocupou o cargo de primeiro-ministro da França de 14 de abril de 1962 a 10 de julho de 1968 e de Presidente da República a partir de 20 de julho de 1969 até à sua morte em 10 de novembro de 1970, aos 80 anos, homem que libertou a França do nazismo, presidiu o país durante longos 11 anos e devolveu sua aparente grandeza. A notícia da morte, ocorrida na noite anterior em consequência de aneurisma cerebral, levou 14 horas para ser divulgada. A primeira reação social foi de surpresa e incredulidade para ser conforme, para imitar, um conjunto de práticas e saberes sociais.

O romance é baseado em uma tentativa de fato de assassinar o presidente francês Charles de Gaulle, que aconteceu em 1963, por obra de Jean Bastien-Thiry. O carro onde estava De Gaulle chegou a ser metralhado. Thiry era um funcionário público francês insatisfeito em perder seu cargo na Argélia, em virtude da independência do país promovida por De Gaulle. Estudantes esquerdistas ergueram vivas ao ser anunciada a morte do estadista. Eles enxergavam em De Gaulle um símbolo da “velha ordem” que precisava ser destruída. Georges Marchais, líder do Partido Comunista Francês (PCF), declarou ao Estado: - “De Gaulle representava a política contra a qual lutamos”. O general associou seu nome à resistência francesa que lutou contra os invasores nazistas. – “É disso apenas que desejo me lembrar neste momento”, acrescentou. Foi sepultado no túmulo da família em Colombey-les-deux-Eglises. O Maio de 68 representou uma grande onda de protestos que teve início com as manifestações estudantis para pedir reformas no meio educacional. A maioria dos insurretos era adepta das ideias esquerdistas, em geral comunistas ou anarquistas. Muitos viam os eventos como uma oportunidade para sacudir os valores conservadores, contrapondo ideias avançadas sobre a educação, a sexualidade e o prazer. Entre eles, uma barulhenta minoria, como o Occident, professava ideias de direita. O começo de tudo ocorreu com uma série de conflitos entre estudantes e autoridades da Universidade de Paris, em Nanterre, cidade próxima à capital francesa. No dia 2 de maio de 1968, a administração decidiu fechar a escola e ameaçou expulsar vários estudantes acusados de liderar o movimento social contra a instituição. As medidas provocaram a reação imediata dos alunos de uma das mais renomadas universidades do mundo ocidental, a vetusta Sorbonne, em Paris. Eles se reuniram no dia seguinte para protestar, saindo em passeata sob o comando do genial líder estudantil Daniel Cohn-Bendit. A polícia reprimiu estudantes com violência e durante os dias as ruas de Paris viraram cenário de brutais batalhas.

A partir do Maio de 1968 o “modelo profético do engajamento” passa a sofrer um acentuado declínio, atingindo em cheio os privilégios do intelectual que, autônomo em relação aos partidos políticos ou a quaisquer organismos políticos, se punha a representar os interesses gerais, uma universalidade personificada e estilizada pelo seu carisma. A especialização resultante do fortalecimento das ciências humanas, somada à crescente divisão do trabalho e a prevalência do paradigma científico, condicionou o cenário em que o engajamento profético dos intelectuais veio a ser substituído pelo modelo que conciliava o saber localizado e a luta concreta, estabelecidos mutuamente por limites estratégicos particulares, o “intelectual crítico especializado” ou, segundo seu nome foucaultiano de batismo, o “intelectual específico”. Daí a filosofia da diferença, embora avessa à teleologia dialética da história, ganhar repercussão no círculo acadêmico e, sem ajustamento ou adaptação, encontrar afinidade eletiva de princípios junto a determinadas franjas da esquerda extraparlamentar. Porque essa filosofia, inicialmente de corte deleuziano e depois esquizoanalítica, era portadora de categorias que remetiam ao sentido dos engajamentos em curso, ela demonstrava-se capaz de indexar, na sua própria linguagem conceitual, a disposição subjetiva de boa parte da militância gauchista, o “fundo rebelde irredutível” que permaneceria ativo sob as diferenças de toda representação política.

Vale lembrar que o filme Baisers volés (1968), de François Truffaut, se passa em Paris durante os protestos sociais. Embora não seja um filme abertamente político, ele contém referências e imagens das manifestações. O filme capta o sentimento revolucionário do período e descreve por que Truffaut e Jean-Luc Godard “pediram o cancelamento do festival de Cannes de 1968”. O filme Mourir d`aimer (1971), de André Cayatte, é baseado na história social de Gabrielle Roussier, uma professora de estudos clássicos interpretada no filme por Annie Girardot que cometeu suicídio após ter sido sentenciada culpada por ter tido um romance com um de seus alunos durante o maio de 1968. O filme Tout Va Bien (1972), de Jean-Luc Godard, examina a luta de classes que continuou na sociedade francesa após maio de 1968. O filme A Mãe e a Puta (1973), de Jean Eustache, vencedor do Grand Prix (Festival de Cannes), cita os eventos de maio de 1968 e explora as suas consequências. O filme Cocktail Molotov (1980), de Diane Kurys, narra a história de um grupo de amigos franceses que estavam em viagem a Israel, mas decidem voltar a Paris após ouvir notícias sobre as manifestações de Maio.

O filme Milou en mai (1990), de Louis Malle, é um retrato satírico sobre o impacto do fervor revolucionário de maio de 1968 sobre a burguesia de uma pequena cidade. Um filme de Bernardo Bertolucci de 2003, Os Sonhadores, baseado na novela The Holy Innocents, de Gilbert Adair, descreve a história de três jovens que, durante o parcours de Maio de 1968, veem a revolução “ocorrer pela janela do quarto”. O filme Les Amants Réguliers (2005), de Philippe Garrel, narra a história de um grupo de amigos que participa dos protestos, e suas vidas um ano após. No filme OSS 117: Rio ne répond plus (2009), o protagonista Hubert ironiza os estudantes hippies ao dizerː - “É 1968. Não haverá revolução. Cortem os cabelos”. É uma comédia francesa de 2009, dirigido por Michel Hazanavicius. É a sequência de OSS 117: Cairo, Nest of Spies, de 2006, do mesmo diretor. Parodia filmes com o personagem realizado por André Hunebelle e outros sobre espiões, principalmente os primeiros da série consagrada de James Bond. O Espião OSS 117, interpretado por Jean Dujardin, emerge como um desajeitado, racista, machista, chauvinista e politicamente incorreto. O filme Après Mai (2012), de Olivier Assayas, descreve a história social de um pintor e seus amigos que levam a ideia abstrata de revolução para suas escolas e têm que lidar com as consequências existenciais e legais do ato.

Enfim, os protestos do Maio de 1968 centraram sua luta tanto ideológica quanto política contra o que era percebido como os três pilares do capitalismo: a fábrica, a escola e a família. Como resultado, cada um destes domínios sociais foi submetido à transformação do mundo pós-industrial. O trabalho de fábrica torna-se cada vez mais terceirizado ou, no mundo desenvolvido, reorganizado na forma de trabalho de equipe interativo não-hierárquico pós-fordista. Enquanto isso, paralelamente uma educação privatizada flexível e permanente substitui crescentemente a educação pública universal, e múltiplas formas de arranjos sexuais flexíveis substituem a família tradicional. Ao mesmo tempo, apesar da extraordinária vitória, a esquerda perdeu: o inimigo direto foi derrotado, mas substituído por uma nova, e ainda mais direta, forma de dominação capitalista. No capitalismo pós-moderno, na falta de melhor expressão, o mercado invade novas esferas sociais, consideradas domínio privilegiado do Estado, da educação às prisões e à segurança. A terceirização afeta os trabalhadores que em geral trabalham em condições vezes a própria empresa tomadora, que além de lidar com o embate histórico entre capital & trabalho, vê-se a braços com uma contradição ideológica inédita entre trabalho & trabalho. No cinema os protagonistas individualmente não podem apreciar a beleza da estrutura em que habitam, ou se dar conta da coincidência de que seu número coincide com o número de faces da forma que os contem na dinâmica comunicativa.

Não pode ter janelas ou qualquer outro elemento que permita a passagem de luz e som do exterior. As suas ligações com o exterior devem ser feitas de forma a preservar de qualquer ruído e de luz, da mesma forma que deve preservar os demais ambientes em seu entorno do som dos filmes ali exibidos. Dada a grande diversidade de línguas existentes, é pela dublagem (dobragem) ou pelas legendas, que traduzem o diálogo noutras línguas, que os filmes se tornaram mundialmente populares. A experiência sonora diferenciada e a qualidade das imagens, estão entre as maiores razões e advertências que fazem os espectadores deixarem suas casas para compartilhar publicamente a experiência mais ampla e real/imaginária do filme em uma sala de cinema. Ipso facto, uma sala de cinema ou o ambiente de cinema é qualquer lugar praticado onde ocorrem projeções cinematográficas. Mas especialmente uma sala de caráter comercial construída e equipada para esta finalidade. Nas salas comerciais, cada espectador compra um bilhete para ter acesso ao filme a que irá assistir. Cinema representa a técnica de fixar e de reproduzir imagens que suscitam a interpretação de tempo e movimento, com a chamada “indústria cultural” que reproduz e vende estas imagens. As obras cinematográficas produzidas como filmes são imagens através da gravação de imagens do mundo social com câmeras adequadas. Ou na modernidade intrínseca ao cinema pela sua criação utilizando técnicas de animação ou efeitos visuais (cf. Canevacci, 2001). Os filmes, em sua reprodutibilidade técnica no cinema, são projetados em uma grande tela que fica diante do auditório, através de um projetor.

Os filmes são assim constituídos por uma série ininterrupta de imagens impressas em determinado suporte técnico, alinhadas em sequência, chamadas fotogramas. Quando essas imagens são projetadas de forma rápida e sucessiva, o espectador tem a ilusão de observar movimento reais. A cintilação entre os fotogramas não é percebida visualmente devido a um efeito conhecido como “persistência da visão”. O olho humano retém uma imagem durante uma fração de segundo após a sua fonte ter saído do campo da visão. O espectador tem a ilusão de movimento, devido a um efeito psicológico chamado movimento beta. O cinema é um artefato cultural criado por determinadas culturas contemporâneas que nele se complexificam e que, por sua vez, as afetam mutuamente. É uma arte poderosa, que movimenta riqueza e poder, mas fonte de entretenimento e, em certo sentido de “culto popular”, destinando-se a educar ou doutrinar. Pode tornar-se um método eficaz de persuasão e influenciar os cidadãos. É a imagem animada que confere aos filmes a eficácia simbólica de comunicação universal. A realidade significa o ajuste que fazemos entre a imagem e a ideia da coisa, entre verdade e verossimilhança. O problema da realidade é matéria presente em todas as ciências e, com particular importância, nas ciências sociais que têm como objeto de pensamento o próprio homem: a antropologia e todas as disciplinas que nela estão implicadas: a filosofia, a psicologia, a semiologia, a sociologia e muitas outras, além das técnicas e das artes visuais.

Quando o trabalho imaterial, como a educação, é celebrado como o trabalho que produz as relações sociais de forma direta, não se deve esquecer o que isso significa numa economia de commodities. Significa que novos domínios, até então excluídos do mercado, passam a ser comoditizados. Então, quando estamos com dificuldades, já não conversamos com um amigo, mas pagamos um psiquiatra ou um conselheiro para cuidar do problema. E, em vez dos pais, babás e educadores remunerados substitutos irão cuidar das crianças. Ninguém deve esquecer as conquistas reais de 1968. O movimento inaugurou uma mudança radical na forma como lidamos com os direitos sociais das mulheres, o homoerotismo e o racismo. Após a década simplesmente não se pode praticar atos ou proferir discursos racistas e homofóbicos como ainda se podia na década de 1950. Desse modo, o Maios de 68 não foi um evento único, mas utópico combinando tendências políticas: por isso, também foi uma pedra no sapato de muitos capitalistas conservadores. Seu verdadeiro legado reside na rejeição ao liberalismo, em um não quase absoluto, melhor traduzido na fórmula: Soyons réalistes, demandons l'impossible! Tem como representação um dos slogans mais contundentes de 1968. Por si só, não pode ser apenas compreendido como resume um programa político que classificaríamos como revolucionário ou utópico e que ainda simboliza o movimento estudantil e operário de maio e junho de 1968.

Ela causa aumento da rotatividade de mão de obra e os níveis de desemprego. Poder causar fraude das garantias dos trabalhadores, dificultando a criação de normas protetivas e facilitando a edição de normas que objetivam a pulverização e precarização do trabalho. Terceirização é uma forma ideológica e política de organização estrutural que permite a uma empresa, privada ou governamental, transferir às outras as suas atividades-meio razão pela qual constituem o objetivo para o qual a empresa foi criada. Com a terceirização, a empresa concentra-se no seu produto estratégico, naquilo que é capaz de fazer melhor, com competitividade e maior produtividade. As tarefas secundárias e auxiliares são realizadas por empresas que se especializaram de maneira mais racional e com menor custo. Há três propósitos básicos na mente de quem decide terceirizar: a diluição dos custos diretos e indiretos; a elevação do nível de eficiência dessa atividade, pela sua execução terceirizada; e a manutenção de um nível mínimo aceitável de lealdade à empresa, por parte dos novos executores das atividades terceirizadas. A terceirização do ponto de vista das relações de poder no trabalho ganha importância em um momento em que as empresas precisam racionalizar recursos, redefinir suas operações, funcionar com estruturas mais enxutas e flexíveis. Do ponto de vista econômico a expressão “empresa pública coligada”, é, por vezes, utilizada para se referir as pessoas jurídicas que podem ser privados ou públicas, listadas em bolsa de valores, onde um governo existente detém uma participação através do uso de uma holding, que não produz bens e serviços, destinando-se apenas ao controle de suas subsidiárias. 

Existem duas principais definições de empresa pública coligada dependente da proporção da incorporação da entidade ao governo. Uma definição propõe que uma empresa é classificada como uma empresa pública coligada se um governo é dono de um interesse efetivo de controle, isto é, possuem mais de 50% percentuais das ações da empresa, enquanto a segunda definição sugere que qualquer pessoa coletiva que tem um governo como acionista é uma empresa pública coligada. Uma organização quase governamental, corporação, empresa ou agência (estatal) ou uma “organização quase autônoma do governo nacional”, é uma entidade que é tratada pelas leis e regulamentos nacionais como estando sob a orientação do governo, mas, ao mesmo tempo, separada e autônoma do governo. Embora a entidade possa receber alguma receita pecuniária cobrada dos consumidores de seus serviços, estas organizações são, muitas vezes, parciais ou totalmente fomentadas pelo governo. Elas são, geralmente, consideradas muito importantes para o bom andamento da sociedade e, às vezes, são escoradas com injeções de dinheiro em tempos de crise para ajudar a superar situações que levariam à falência um negócio normal, de propriedade privada. Elas também podem fazer uso do poder extroverso, geralmente relacionado às suas funções. O trabalho real subsumido, desde a notável explicação abstrata de Marx, não usa os termos atividade-fim ou atividade-meio, permitindo a terceirização de todos os setores de uma empresa. Os opositores do projeto argumentam que isso provocará a precarização dos direitos trabalhistas e dos salários. Esse deve ser um dos pontos a serem debatidos por meio de destaques na próxima semana. O trabalho parece ser uma categoria muito simples. A ideia de trabalho, como trabalho em geral, é, também das mais antigas. Concebido no nível econômico nesta forma simples, o trabalho é uma categoria tão moderna como as relações que esta abstração simples engendra.

Bibliografia geral consultada.

CHAPLIN, Charles, Mis Primeros Años. Buenos Aires: Emecé Editores, 1981; FERRY, Luc & RENAUT, Alain, La Pensée 68. Essai sur l`Anti-humanisme Contemporain. Paris: Éditions Gallimard, 1985; BAZIN, André, Qu`est-ce que le cinéma. Paris: Les Editions de Cerf, 1994; LEVY, Pierre, Qu` este-ce que le virtuel? Paris: Editions La Découverte, 1995; FOUCAULT, Michel, “O que é um autor”. In: Ditos e Escritos: Estética – Literatura e Pintura, Música e Cinema. Volume III. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2001; CANEVACCI, Massimo, Antropologia della Comunicazione Visuale. Roma: Edizione Meltemi, 2001; CAWTHORNE, Nigel, A Vida Sexual dos Ídolos de Hollywood. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 2004; COMOLLI, Jean-Louis, Voir et Pouvoir. L'innoncence Perdue: Cinéma, Télévision, Fiction, Documentaire. Lagrasse (FR): Éditions Verdier, 2004; CARLI, Ana Meri Sehbe de, O Corpo no Cinema: Variações do Feminino. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007; DIDI-HUBERMAN, Georges, Quand les Images Prennent Position. L´Oiel de l´Histoire, 1. Paris: Les Editions de Minuit, 2009; IZERROUGENE, Bouzid, “A Relação Capital-Trabalho na Economia do Conhecimento”. In: Rev. Econ. Polit. Vol. 30, nº 4. São Paulo, Outubro; dezembro de 2010; HÉRCULES, Lana Carvalho, Sob o Domínio da Cor: Análise dos Filmes Pierre le Fou e Le Bonheur. Dissertação de Mestrado. Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Univesidade de São Paulo, 2013; CONRADO, Marcelo Miguel, A Arte nas Armadilhas dos Direitos Autorais. Uma Leitura dos Conceitos de Autoria, Obra e Originalidade. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação. Setor Ciências Jurídicas. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2013; ALVIM, Luíza Beatriz Amorim Melo, A Música Clássica Preexistente no Cinema de Diretores da Nouvelle Vague - Anos 50 e 60. Tese de Doutorado em Música. Programa de Pós-Graduação em Música. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2017; BERNARDET, Jean-Claude, O Autor no Cinema: A Política dos Autores: França Brasil – Anos 1950 e 1960. Colaboração de Francis Vogner dos Reis. 2ª edição atualizada. São Paulo: Edições Serviço Social do Comércio São Paulo, 2018; SILVA, Henrique Martins da, Diante de Godard: História, Imagem e Multiplicidade Temporal. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História. Faculdade de História. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019; GÓES, Vera Lúcia de, François Truffaut e Arthur Schopenhauer: Além do Amor e da Paixão. Tese de Doutorado em Educação, Arte e História da Cultura. Centro de Educação, Filosofia e Teologia. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2021; entre outros.

sábado, 15 de maio de 2021

Willka e Phaxsi - Vida Wiñaypacha & Técnica Cinematográfica.

La película también habla sobre la pérdida de identidad del poblador andino”. Óscar  Catacora

            Óscar Catacora, nascido em Ácora, em 18 de agosto de 1987 é um cineasta e roteirista aimará peruano. Aimará é um povo estabelecido desde a primazia pré-colombiana no sul do Peru, na Bolívia, na Argentina e no Chile. Na América pré-colombiana o poder político se legitimava na religião. Também reconhecidos como Quollas ou Kollas. No Peru os falantes da língua aimará somam mais de 300.000 pessoas, o que leva a supor estatisticamente que o grupo étnico é bem maior. Aí estão mais concentrados no Departamento Puno, próximo do Lago Titicaca, nas regiões Moquegua, Arequipa e Tacna. Na Bolívia existem cerca de 1.200.000 falantes do idioma aimará, sendo a forma corrente falada na capital La Paz, isto é, mais pura e estruturada da língua, havendo concentrações nos Departamentos de Oruro e Chuquisaca. No Chile, a população aimará não é tão grande, mas havendo cerca de 50.000 falantes também habitando nas regiões andinas do Norte do país, em Tarapacá e Antofagasta. Existem também cerca de 10.000 falantes do idioma aimará no oeste da Argentina. Na atualidade há quase 2,5 milhões de pessoas de etnia e língua aimará, na zona dos Andes. São o segundo grupo nativo, só superado pelos quíchuas com quase 15 milhões de pessoas espalhadas pelos Andes da Colômbia até a Argentina. Imperador inca também denominado Sapa Inca, é a expressão usada para referir-se aos governantes do Império Inca. É costume referir-se também a eles apenas como o Inca. Uma das qualidades mais notáveis do Império Incaico era curiosamente seu governo altamente organizado, centralizado em Cuzco, a capital, onde o imperador vivia.  

O imperador inca, o filho do Sol, era adorado como um deus. Tinha poderes absolutos sobre toda a sociedade, inclusive nobres e sacerdotes. Era cercado por milhares de servidores, que viviam dos tributos pagos pela população. O que se tem de considerar é que, embora adiantados e prósperos, os reinos aimarás originais acabaram sendo dominados pelo imperador inca Huayna Capac entre as duas décadas de 1493 a 1525. Embora a anexação tenha sido compulsória, mas não necessariamente violenta, a inclusão dos aimarás no império acabou influenciando a língua local pela adoção da língua oficial para alguns efeitos burocráticos. De resto, a influência lingüística quíchua é reflexo direto da influência cultural inca que impôs sua religião na qual o próprio imperador era tido como uma divindade: Huayna Capac mandou os arquitetos e artesãos aimarás irem para Cuzco para aprender as técnicas construtivas e estilo  para erigir templos e construções influentes religiosas imperiais. O processo não foi diferente do que ocorreu, comparativamente, no plano político, com a posterior dominação espanhola cruenta que impregnou no idioma com vários vocábulos e expressões da língua espanhola.

            O cinema latino-americano sofreu com o problema do isolamento econômico entre os diferentes países, o que impediu a criação de um mercado latino-americano de cinema. Desse modo, a maior parte de sua produção depende da capacidade econômica de cada país e do tamanho de seus mercados internos. Desde a origem do cinema sonoro em 1930, até 1996, 89% da produção total cinematográfica se concentrou somente em três países: Argentina, Brasil e México. Até meados do século XX, o cinema mexicano e, em menor medida, igualmente o argentino, tiveram considerável presença latino-americana, com expoentes como Cantinflas ou Libertad Lamarque. No entanto, com o decorrer da década de 1960, praticamente a presença internacional do cinema mexicano e argentino desapareceu. O início veio como o Festival do Cinema Latino-americano de Pesaro na década de 1960, porém o momento-chave foi o Encontro de Cinema Latino-americano de 1967, que teve seu motor no chileno Aldo Francia do Cine Club de Viña del Mar, no cubano Alfredo Guevara do Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (ICAIC) e no argentino Edgardo Pallero. Foi a primeira vez que se reuniram homens e mulheres do cinema de quase todos os países latino-americanos. Até o final da década, apareceram uma geração de cineastas de grande importância, como os brasileiros Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, os argentinos Fernando Solanas e Leonardo Favio, os cubanos Tomás Gutiérrez-Alea e Santiago Alvarez, e os chilenos Raúl Ruíz, Miguel Littin e Lautaro Murúa. Este movimento social foi chamado de “Novo Cinema Latino-americano”.



A década de 1960 foi demarcada pelo expressivo posicionamento social da população, o engajamento político e o reflexo da política nas artes, não foi diferente com o cinema. No círculo das artes é possível salientar as vozes de protesto que se dá através da música, do teatro, cinema e artes plásticas. Na música, o tropicalismo brasileiro se direcionava a problemática social em contexto latino-americano nos palcos, como: Arena conta Zumbi, Opinião, Barrela e Roda Vida, as adversidades da realidade do país. O cinema, se tornava algo diferente, sendo chamado em geral de Novo Cinema Latino-Americano, onde se era redefinindo sua poética, os diretores retrataram a seu modo, os sinais de um país em crise. Começa a ser transido a presença do pop e do novo realismo francês, com o disparo criativo dos artistas jovens da exposição que ficou conhecida como Opinião 65. Seguindo o espírito político contestador que percorreu por toda década, os movimentos cinematográficos dos anos 1960 são marcados pelo seu aspecto original, valorizando a criação de estilos próprio, no caso da América Latina. O Novo Cinema Latino-americano diferenciou-se notavelmente do cinema aparentemente nacional do período 1930-1960, por orientar-se muito mais o importante cinema independente e relativamente afastado dos mecanismos comerciais relacionados com os sistemas globais de entretenimento.

A retomada do cinema latino-americano foi o período em que os países do cone-sul voltaram aos poucos ao antigo ritmo de produções cinematográficas de antes dos períodos de repressão. A partir da segunda metade da década de 1990, o número de produções aumentou e  surgiu um novo gênero, os filmes que retratavam as ditaduras, como por exemplo: O que é isso, Companheiro?, é um filme de 1997, dirigido por Bruno Barreto, com roteiro parcialmente baseado no livro homônimo de Fernando Gabeira, escrito em 1979. Produzido por Luiz Carlos Barreto, é estrelado por Pedro Cardoso e Fernanda Torres. Foi lançado nos Estados Unidos com o título: Four Days in September, concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro daquele ano de 1998. O enredo narra, com diversas licenças ficcionais, a história política verídica do sequestro do embaixador dos Estados Unidos da América no Brasil, Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969, por integrantes dos grupos guerrilheiros de esquerda MR-8 e Ação Libertadora Nacional, que lutavam contra o regime militar instaurado no país em 1964.

Alguns nomes dos personagens ligados à guerra de guerrilha foram trocados em relação aos verdadeiros, tanto no livro como na vida real. O Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) foi uma organização política marxista que participou da luta armada contra a ditadura militar brasileira. Surgiu em 1964, no meio universitário da cidade de Niterói, no estado do Rio de Janeiro, com o nome de Dissidência do Rio de Janeiro (DI-RJ). Depois foi rebatizada em memória do dia em que Ernesto Che Guevara foi capturado, na Bolívia, em 8 de outubro de 1967. Atualmente o grupo de orientação política marxista dedica-se a participar do movimento social e político popular e a editar o jornal Hora do Povo. Também é responsável pelo Partido Pátria Livre, fundado em 2009, e fundido ao Partido Comunista do Brasil em 2019. Na década de 2000 o cinema nacional nos países latino-americanos comparativamente cresceu, retomando o fôlego inicial. Os principais países produtores de cinema são o Brasil e a Argentina, sendo que a Argentina possui uma maior percentagem de público consumidor do cinema nacional, porém isso vem mudando no Brasil. Segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), órgão oficial do governo federal, constituída como agência reguladora, com sede na cidade de Brasília, cujo objetivo é fomentar, regular e fiscalizar a indústria cultural cinematográfica e videofonográfica nacional, o público que assistiu a filmes nacionais em 2017, dobrou com relação a 2012, indo de dados estatísticos concretos em torno de 15 milhões, para 30 milhões de telespectadores. Argentina, Brasil e México lideram a produção, com o ingresso de uma considerável cinematografia de Cuba, Colômbia, Chile, Bolívia, Peru e Venezuela. 

Allincapac, é uma montanha nos Andes do Peru. É o pico mais alto da cordilheira de Carabaya, chegando a 5.805 metros. Allincapac está localizado na região de Puno, Província de Carabaya, distrito de Macusani, ao Sul de Huaynaccapac, a Nordeste de Chichicapac e ao Norte do Lago Chaupicocha. A província de Carabaya é uma das treze que conformam o Departamento de Puno no Sul do Peru. Limita pelo Norte com o Departamento de Madre de Dios; por Leste com a província de Sandia; pelo Sul com a província de Azángaro e a província de Melgar; e, pelo Oeste com o Departamento de Cusco. Desde o ponto de vista hierárquico da Igreja católica forma parte da prelatura de Ayaviri, que é poder pessoal e parte da Igreja Católica, composta por determinados fiéis e está estruturada de modo hierárquico, de sufrágio  da Arquidiocese de Arequipa. Dada sua localização, durante o período do Vice-Reino do Peru o território foi alvo de várias expedições destinadas a localizar a lendária cidade perdida de  Paititi, as mesmas que deixaram a sua marca na instalação de cidades e postos de missionários.  Reconhecidas são as expedições de Pedro de Candia, Anzúrez, Ñuflo de Chávez, Álvarez Maldonado, Recio de León e Diego de Zecenarro, as mesmas que lançaram as bases para incorporar esses territórios ao Peru, durante o conflito social e político de fronteira com a Bolívia nos primeiros anos do século XX. Parte deste território de origem pré-inca, embora sem delimitação precisa ad integrum, está atribuída à jurisdição do Puno na sua criação (1776), embora nunca deixasse de pertencer ao domínio do bispado de Cuzco.


O filme foi rodado em cinco semanas, na neve de Allincapac, no Puno, Peru.

A lhama, do quíchua llama, é um mamífero ruminante da América do Sul, da família dos camelídeos, gênero Lama. É um animal de pelagem longa e lanosa, domesticado para a utilização no transporte de carga e na produção de lã, carne e couro. A lhama é relacionada com o guanaco, a vicunha e a alpaca. Foram domesticadas pelo povo inca, tendo sido muito importantes para o desenvolvimento desse povo. As lhamas vivem na cordilheira dos Andes, onde as temperaturas são baixas. Assim, as pelagens servem para protegê-las do frio, além de arranhões e outros ferimentos. A Bolívia é o país em que se concentra o maior número de lhamas, com mais de 2 milhões de indivíduos. Estes animais conseguem sobreviver em locais onde não são encontrados outros animais. Muitas vezes os lhamas são associados a ovelhas e com elas são colocados para pastar em locais onde não é possível haver agricultura. Além disso, os lhamas são usados para transporte de mercadorias, e também são utilizadas a sua carne, o couro, as fibras e o estrume para cozinhar alimentos e como fertilizante natural.  O uso têxtil das fibras retiradas desses animais é cultural e acredita-se que se iniciou há 2.500 anos. Os produtos deste mamífero doméstico constituem o principal meio de apoio para produtores e com a escassez de recursos nos países centrais da América do Sul incluindo Equador, Peru, Bolívia, Argentina e Chile, tornou-se uma fonte de sobrevivência. O uso de fibras produzidas pelos espécimes selvagens ainda é naturalmente limitado, mas é potencial e importante para a sobrevivência de algumas populações. Estima-se que a produção de lhamas beneficia 37.000-50.000 famílias de produtores em locais escassos de recursos. No entanto, esta produção ainda não representa uma forma direta de reduzir a pobreza e marginalização dos seus produtores. O lhama tem pelagem longa e lanosa, a coloração varia bastante indo desde o branco, marrom e chegando a tons mais escuros, alimenta-se de capim e mato. Estes animais medem de 1,40 m a 2,40 m contando com a cauda de 25 cm e chegam a pesar 150 Kg. A gestação dura 11 meses e nasce normalmente 1 filhote chegando a pesar 11 kg. Os adultos chegam a viver até 24 anos.

É definitivamente parte da atual Região de Puno desde 1912. Antes, a Bolívia disputava  parte de Carabaya com base no uti possidetis da Audiência de Charcas em 1810; e o Peru finalmente afirmou o direito de filiação clerical ao bispado de Cuzco e integração de fato com  70% das comunicações anteriores ao século XX eram com Sicuani; 20% com Azángaro e 10% com Larecaja (Bolívia), relatado sobre Manuel Pando, na viagem para Carabaya (1902). As diferenças de critérios são esclarecidas com a arbitragem argentina, primeiro em 1902, e dez  anos depois é reconfirmada com a aceitação do protocolo binacional pelos congressos das Repúblicas. Isso acabaria com parte da precária condição de delimitação de territórios trinacionais do Brasil, Bolívia e Peru, com a qual as três Repúblicas haviam se formado no  início do glorioso século XIX. Os primeiros autores latino-americanos designam esta antiga cidade-território como a cidade dos grupos Callahuayas, Carwayas, Calabayas, Carabayas,  Kallawayas, todos topônimos do mesmo espaço e lugar, para diferenciá-lo dos igualmente antigos Canchis, Chunchos, Canas, Omasuyos, Collas, Muxus, ou outras cidades que existiram  e cujos vestígios arqueológicos ainda sobrevivem entre Cuzco, Madre de Dios, Larecaja, La Paz, Beni, Pando e a atual Puno Por ser uma província, este território dá provas de ter sido  habitado por uma população que se desenvolveu longe e diferente da influência dos Canchis de Sicuani (hoje), dos Canas ou dos Chunchos de Madre de Dios e Larecaja (Bolívia), e quase  sem contato com as relativamente remotas Collas de Puno e Omasuyos (Bolívia).

Óscar Quispe Catacora nasceu em 18 de agosto de 1987 na região de Huaychani, é uma vila no sudoeste do Peru, construída em torno de um pequeno oásis cercado por dunas de areia. Filho de camponeses, desde os 7 anos teve que trabalhar para ajudar no sustento da família. Em 2009 ingressou na Universidad Nacional do Altiplano (UNA), a Escola Profissional de Arte, representando uma universidade pública localizada na cidade de Puno, Peru. Foi fundada em 12 de maio 1551 por um decreto do rei Carlos I de Espanha, sendo, assim, a universidade mais antiga da América e uma das mais antigas do mundo. A origem desta universidade é mesma da origem da educação superior no Peru, pois foi o primeiro centro de conhecimento do país e do continente. É uma das primeiras universidades da América Latina públicas fundada em 1856 por iniciativa do Departamento de Puno. Inicialmente foi criada como uma escola de formação aristocrática. A criação da Universidade de Puno é produto das demandas de intelectuais e políticos. A sociedade puno é considerada o berço dos mais brilhantes intelectuais do Peru. São culturas circunvizinhas endógenas com as quais negociavam desde a hegemonia dos tempos pré-incas até meados do século XX, nessa ordem de prioridade em termos de volume comercial e com essa ordem de frequência ou mesmo de afinidade eletiva.

Em resposta às agressões e sofrimentos infligidos pela dura geografia, esta vila conseguiu sobreviver criando um rico patrimônio imaterial de artes e conhecimentos que compunham e constituem uma cultura da sua própria região. Um dos reconhecimentos mais singulares desta contribuição consiste na identificação cultural curandeira que se tem promovido regularmente na esfera regional desde meados do século XVIII aproximadamente, isto é, aparentemente, após o boom da Quina, uma árvore cujas variedades locais se destacavam pela qualidade do quinino antimalárico que continham. Em 1856, a Convenção Nacional regulamentou a Lei nº 406 de criação da Universidade de Puno, promulgada em 23 de agosto de 1856 e assinada em 29 de agosto do mesmo ano, pelo Presidente da República Dom Ramón Castilla. A Lei nº 406 contém 4 artigos: o primeiro que se destaca indica que, “é criada uma Universidade na cidade de Puno, para o ensino de Teologia, Jurisprudência, Medicina, Filosofia e Letras, Matemática e Ciências Naturais e para que em essas mesmas Faculdades são conferidas Graus Acadêmicos”. O segundo dispõe: “A Universidade observará o Regulamento da Instrução Pública de 7 de abril de 1855”. Como qualquer nova instituição, não possuía Estatuto próprio, a localização necessária e a respectiva dotação orçamentária.

O terceiro artigo indica que, “será regido pelo Estatuto da Universidade San Agustín de Arequipa, e que suas funções universitárias serão realizadas no Colégio Nacional de Puno”. Da mesma forma, prevê que as despesas originadas pelas Cátedras desta novíssima Universidade sejam imputadas às receitas do Colégio. As razões pelas quais a universidade parou de funcionar estão relacionadas a problemas sócio-políticos e econômicos. Outro motivo que determinou seu fechamento oficial é o fato de não ter sido contemplado no Regulamento Nacional da Instrução Pública de 1876. Óscar Catacora obteve formação superior para se especializar em Teatro, já que a questão da atuação havia chamado sua atenção. No entanto, ele desistiu no oitavo semestre devido a problemas políticos internos na Universidade Nacional do Altiplano. Em 2011 ingressou na área de conhecimento de Ciências da Comunicação Social na mesma instituição, graças aos conselhos de um de seus melhores amigos, e com o objetivo de se especializar em produção audiovisual do curso de comunicação social. Embora em 2007 tenha atuado e dirigido o longa-metragem El camiño del chulo. Em 2013, Óscar Catacora teve o incentivo de 400 mil soles concedido pelo Ministério da Cultura do Peru no Concurso Nacional de Cinema para a realização de seu projeto Wiñaypacha. O filme é sua estreia e depois de várias exibições internacionais, continua conquistando prêmios na América Latina.  

O aimará é uma língua falada por mais de dois milhões e meio de pessoas da etnia aimará, principalmente no Peru, na Bolívia, no Chile e na Argentina. No Peru e na Bolívia, a língua aimará é considerada língua oficial, junto com o idioma quíchua, que está estreitamente relacionado com aquela. Essas línguas não tiveram escrita até a introdução do alfabeto latino pelos espanhóis, que tinham interesse em empregar essas línguas para pregação religiosa e conversão dos ameríndios em trabalhadores. Na Bolívia há cerca de 1.200.000 falantes do aimará, sendo a forma falada na capital La Paz considerada a forma mais pura e estruturada da língua, havendo concentrações nos Departamentos de Oruro e Departamento Chuquisaca. No Chile, a população aimará é de cerca de 50.000 falantes, que também habitam nas regiões andinas do norte do país, em Tarapacá e Antofagasta. Há também cerca de 10.000 falantes do aimará no oeste da Argentina. Na atualidade há quase 2,5 milhões de pessoas de etnia e língua aimará, na zona dos Andes. São o segundo grupo nativo, só superado pelos quíchuas, com quase 15 milhões de pessoas espalhadas pelos Andes da Colômbia até a Argentina. O idioma aimará é único, mas existem diferenças regionais dependendo de onde é falado. Alguns etimologistas têm por análise que o idioma aimará é aparentado com o idioma quíchua, do Império Inca, não obstante fortes objeções de vários estudiosos. Os que defendem o parentesco linguístico baseiam-se nas semelhanças, por exemplo, a palavra condor é kuntura em aimará e kuntur em quíchua, ou mesmo “apu/apo”, que significam chefe em chilli, em quíchua, em aimará. Mas, estruturalmente, as línguas aimará e quíchua são efetivamente diferentes.

Isto é importante na medida em que com a revolução tecnológica do regadio abastece as bases tecnológicas que surgem primeiro na Mesopotâmia, com os impérios Acádio (2350 a. C.) e babilônico (1800 a.C.); no Egito, na Índia, na China, na Indochina. Posteriormente, estruturam-se nas Américas com os maias (300 E. C.), com os incas e os astecas. Entre os estudiosos da antropologia das civilizações, Ribeiro (1968) compreendeu que alguns processos civilizatórios brotaram da gestação autóctone, cumpridas passo a passo, como parece ter ocorrido analogamente na Mesopotâmia e nas Américas. Outros podem ter surgido da fecundação de um velho contexto cultural originalmente desenvolvido em diferentes lugares. Mas o fundamental nesta orientação é que todos se configuram como formações socioculturais “tão radicalmente diferenciadas da anteriores e das posteriores” que só podem ser compreendidas “como uma nova etapa da evolução humana ou como fruto amadurecido de uma nova revolução tecnológica, a do regadio. Esta percepção do real empurrou o etnólogo brasileiro em busca de “explicações terra-a-terra”, como ele dizia, para reconstituir o processo de formação dos povos americanos, com uma profunda reflexão para explicar as causas de seu desenvolvimento. - Salto assim, afirma, da escala de 10 mil anos de história geral para os quinhentos anos da história americana com uma novo livro: As América e a Civilização, em que proponho uma tipologia destes povos, na forma de uma ampla explanação explicativa.

Sua abordagem básica consistiu no desenvolvimento de uma metodologia própria que permitiu reunir os povos americanos em três categorias gerais explicativas do seu modo de ser e elucidativas de suas perspectivas de desenvolvimento. Essa tipologia possibilitou-lhe superar o nível de análise meramente histórico, incapaz de generalizações, e focalizar cada povo de forma mais ampla e compreensível do que seria praticável com as categorias antropológicas e sociológicas habituais. O que estes e outros esquemas marxistas têm de comum é a noção de componentes contrapostos dentro das classes dominantes e e classes dominadas bem como a divisão de umas e outras em diversos segmentos; e a existência de uma classe oprimida, cuja libertação pressupõe uma revolução social. Em qualquer caso trazem implícita a necessidade, na teoria, de “um estudo fatual das estratificações de classe que cristalizam historicamente em cada situação concreta”. A tipologia utilizada foi elaborada “com esse espírito”, O que nos faz compreender o seguinte aspecto, para ele da análise comparada, o fato que em lugar de transpor à América Latina esquemas desenvolvidos pela análise de distintas situações históricas, procuramos elaborar uma tipologia fundada na observação da realidade presente e na análise da formação das classes da América Latina, a partir da estratificação social registrada nas metrópoles ibéricas e do estudo de suas transformações posteriores. Nossa tipologia aqui apresentada de forma sumária nada mais é, na verdade, do que um esquema de posições correntes, e também mais fiel ao verdadeiro significado da teoria marxista de classes sociais.

Essa tipologia é de caráter étnico-nacional e enquanto povos extra-europeus do mundo moderno podem ser classificados em quatro grandes configurações, sendo que cada uma delas engloba populações mito diferenciadas, mas também suficientemente homogêneas quanto ás suas características básicas e quanto aos problemas de desenvolvimento com que se defrontam, para serem legitimamente tratadas como categorias distintas. Tais são os Povos-Testemunho, os meso-americanos que integram o México Asteca-Náhualtl; os Povos Novos, os brasileiros, os grã-colombianos, os antilhanos, os chilenos; os Povos-Transplantados, os anglo-americanos, os rio-platenses, e os Povos-Emergentes, os africanos e asiáticos. Os primeiros são constituídos pelos representantes modernos das velhas civilizações autônomas sob as quais se abateu a expansão europeia. O segundo bloco é representado pelos povos americanos plasmados nos últimos séculos como um subproduto da expansão europeia pela fusão e aculturação de matrizes indígenas, negras e europeias. O terceiro, é integrado pelas nações constituídas pela implantação de populações europeias no ultramar com a preservação do perfil étnico, da língua e da cultura originais. Finalmente, os últimos, representam as nações novas da África e da Ásia cujas populações ascendem de um nível tribal, onde a constatação poética, ou mais tarde psicológica da pluralidade da pessoa, distinta do indivíduo - “eu é um outro”, pode ser interpretada, de um ponto de vista antropológico como expressão de um continuum intangível, ou da condição de meras feitorias de representação coloniais para as etnias nacionais. Só temos valor sociologicamente pelo fato social e político de pertencermos a um grupo determinado culturalmente.

A primeira destas configurações ideal-típica designada Povos-Testemunho é integrada pelos sobreviventes de altas civilizações autônomas que sofreram o impacto da expansão europeia. São resultantes da ação imediata traumatizada daquela expansão e dos esforços de reconstituição como sociedades nacionais modernas. Reintegradas em sua independência, não voltam a ser o que eram, porque se haviam transfigurado profundamente. Mais do que povos considerados atrasados na história, eles são os povos espoliados da história. Contando originalmente com enormes riquezas acumuladas, que poderiam ser agora utilizadas, para custear sua integração nos sistemas industriais de produção, as viram saqueadas pelo europeu. Séculos de subjugação ou de fato dominação direta ou indireta impuseram-lhes profundas deformações que não só depauperaram seus povos nativos como também traumatizaram toda a sua vida cultural. Como problema básico, enfrenta a integração dentro de si mesmo das duas tradições culturais de quem se fizeram herdeiros, não apenas diversas, mas, em muitos aspectos, contrapostas. Atraídos ainda simultaneamente pelas duas tradições, mas incapazes de fundi-las numa síntese hegeliana significativa para toda a população, conduzem dentro de si o conflito entre a cultura original e a civilização europeia. Neste bloco, encontram-se a Índia, a China, o Japão, então Coreia unificada, a Indochina, os países islâmicos e alguns outros.

Nas Américas são representados pelo México, pela Guatemala, bem como pelos povos do Altiplano; sobreviventes das populações Asteca e Maia, os primeiros, e da civilização Incaica, os últimos. Dentre estes povos apenas o Japão e a China conseguiram incorporar suas  sociedades em novas bases. Os dois núcleos de povos da Américas, como povos conquistados e subjugados, sofreram um processo de compulsão europeizadora muito mais violento do que resultou sua completa transfiguração étnica. Seus perfis étnicos nacionais conformam perfis neo-hispânicos metidos nos descendentes da antiga sociedade, mestiçados com europeus e negros. Enquanto que os demais povos extra-europeus apenas coloriram sua figura étnico-cultural original com influências europeias, nas Américas, “a etnia neoeuropeia é que se tinge com as cores das antigas tradições culturais, tirando delas caraterísticas que as singularizam”.  A segunda configuração, os Povos-Novos constituíram-se pela confluência de contingentes díspares características pela confluência de contingentes distintos em suas características raciais, culturais e linguísticas. Reunindo negros, brancos e índios para abrir grandes plantações de produtos tropicais ou para a tenebrosa exploração mineira, visando tão-somente atender aos mercados europeus e gerar sucessivos lucros, as nações colonizadoras acabaram por plasmar povos profundamente diferenciados de si mesmas e de todas as outras matrizes formadoras.

As jazidas foram descobertas casualmente, em 1545, por um indígena chamado Hualpa ou Gualca. Neste mesmo ano foi registrada a descoberta de uma primeira mina, que o espanhol Juan de Villarroel denominou “Descoberta”. Ao final do século XVIII contavam-se cerca de 5 mil “bocas de mina”, produzindo anualmente 250 a 300 mil marcos de prata. Etnograficamente a boca da mina é sustentada por concreto e antigas pedras cobertas por sangue de lhama. Já nas minas mais recentes, as entradas são feitas com eucalipto. Na entrada existe uma lista, feita à mão, com a escala dos mineiros que trabalharão em cada dia da semana. Os mineiros vestem-se com calças, blusas, sandálias e capacetes com uma lâmpada sustentada por querosene. Existem também os tubos que conduzem ar comprimido para a perfuração e ventilação. Ao entrar-se pela galeria principal, percebe-se muita água, poeira e lama, que aumenta à medida que se caminha. Dentro da mina, existem várias galerias nas quais só se pode entrar arrastando-se e onde a temperatura varia de muito quente a muito fria. A sua exploração em grande escala foi possibilitada pela descoberta, em 1563, de jazidas de mercúrio em Huancavelica. O sistema de exploração mineira era baseado no trabalho indígena, por meio da mita, um sistema de trabalho existente na região conquistada pelo Império Espanhol na América do Sul.

Sua aplicação data do ano de 1573, sob o governo do Vice-Rei Francisco Toledo, tendo sido aplicado como um regime de trabalho assalariado forçado. Estima-se que 1/3 da produção tenha circulado às margens dos controles fiscais. Ainda existem pessoas trabalhando nas minas devotas á “el tio” (diabo) mesmo pertencendo a religião cristã, essas pessoas continuam lá porque querem obter dignidade para sua família. O papel político das mulheres indígenas nas sociedades andinas era caracterizado como uma relação colaborativa no âmbito do público e privado. Para entendermos o papel da mulher andina naquela sociedade, é importante notar que o governo espanhol buscou substituir o Império Inca sem desafiar abertamente as ordens morais e a hierarquia nativa. A partir do momento no qual a família do mitayo o acompanha na sua jornada, faz-se vital que a mulher exerça atividades em razão da lógica da complementariedade de gênero que guiava o pensamento social andino. Nesse sentido, enquanto os parceiros trabalhavam nas minas, as mulheres andinas realizavam uma série de atividades como empregadas dos espanhóis e mestiços, além de vender seus produtos nos mercados locais. Algumas mulheres que não conseguiam acompanhar seus maridos na viagem até a mina ficavam responsáveis pelo pagamento do sistema tributário, tendo em vista que o governo colonial buscou compensar a queda nos rendimentos da coroa a partir do retorno ao sistema tributário incaico, que eram cobrados a partir de um homem adulto, casado, com uma residência. As mulheres não exerciam trabalho nas minas em razão da lógica social masculina espanhola, na qual as atividades produtivas eram ligadas ao homem ao passo que as mulheres exerciam atividades com pouco reconhecimento social para a sociedade de seu tempo.

Domitila Barrios de Chungara foi uma líder operária. De família humilde deu numerosos depoimentos a respeito do sofrimento que tinham os mineiros de seu país. Tornou-se famosa por sua luta “pela via pacífica” contra as ditaduras de René Barrientos Ortuño e de Hugo Banzer Suárez. Domitila Barrios Chungara nasceu no dia 7 de maio de 1937 na comunidade Catavi, dentro da mina Siglo XX. Quando tinha dez anos, os rigores da vida do povo mineiro acabaram com a vida de sua mãe; teve então que cuidar das suas cinco irmãs menores, pois seu pai passava todo o dia trabalhando. Com o passar dos anos, deixou de ser uma mera vítima das circunstâncias convertendo-se em dona de seu próprio destino. Em 1952, como esposa de um trabalhador mineiro, fez parte do Comité de Amas de Casa del Distrito Minero Siglo XX, “um centro mineiro boliviano, produtor de estanho, pertencente ao Estado e administrado pela Corporación Minera de Bolívia (COMIBOL) desde 1952, quando as minas foram nacionalizadas. Anteriormente, pertencia aos assim chamados “barões do estanho”: Patiño, Hoscild e Aramayo. É um centro mineiro que se tem tornado famoso, não somente pela quantidade de mineral extraído da mina, senão por ser o maior do país, e pelo espírito de luta que tem caracterizado os trabalhadores, através da organização sindical e de vários líderes politicamente conscientes (cf. Viezzer, 1978). Sua liderança já era evidente, o que a levou a ser designada Secretária Geral dessa importante organização. Em junho de 1967, o presidente René Barrientos Ortuño enviou um contingente militar às comunidades de Catavi e Llallagua, para reprimir as reivindicações dos mineiros contra a exploração e os abusos dos grandes empresários. Depois da matança, Domitila Bairros Bacia foi presa e torturada pelos militares.

Em consequência destes abusos perdeu o bebê que levava dentro de seu ventre. Estes fatos conhecem-se como o Massacre de San Juan. No Natal de 1977, Barrios iniciou uma greve de fome junto com outras quatro mulheres mineiras contra a ditadura. Seguiram-lhes os sacerdotes Luís Espinal e Xavier Albó; e em pouco tempo, mais de 1.500 pessoas somaram-se à greve. Com o passar das horas, os grevistas multiplicaram-se por milhares, e ao regime militar não lhe ficou outra opção salvo senão a de recuar em favor da democracia. Conseguiu derrubar  a ditadura militar do general Hugo Banzer Suárez obrigando-lhe a iniciar uma verdadeira  abertura democrática e não um simulacro, como era originalmente planejado. Sua luta e determinação representou o início de uma nova era da história colonial. Mas é verdade que,  mesmo durante o estágio da huayara, toda a prata produzida pelos índios voltava á circulação no sistema colonial. Ou seja, os que iam trabalhar em Potosi, a fim de pagar o tributo, enviaram-  nos a seus encomenderos ou para a coroa. E à medida que, de seu lado, dominaram o restante do mercado, especialmente o da coca e do milho, os espanhóis recuperaram a prata que  continuava na posse dos trabalhadores livres através do comércio. Dessa forma, a introdução do dinheiro em última análise integrava os índios, no sistema econômico como “reserva de trabalho”. As mudanças no sistema econômico foram acompanhadas, tanto no Peru quanto no México, pelo desmantelamento da estrutura social, mas o processo assumiu diferentes formas em cada área. Não se sabe até onde ayllus e as calpulli foram afetadas pelas consequências da invasão europeia, mas ambas continuaram a ser as células básicas da sociedade indígena.

A natureza da sublevação se manifesta mais nos dois extremos da escala social: os índios, uma parcela cada vez maior da população, que não mais participavam do setor comunitário da economia, e aqueles senhores que haviam perdido muitos de seus poderes tradicionais. Durante os dois vice-reinados desenvolveu-se um padrão de migração de que os coletivos de trabalho que detinham o processo produtivo começaram a se queixar. No Peru, além de dos deslocamentos ocasionados pela própria conquista, as guerras civis entre os partidários de Pizarro e os de Almagro, que perduraram até 1548, ajudaram a desarraigar a população. Muitos índios, recrutados nos exércitos adversários e levados para longe de suas aldeias de origem, ou terminaram por um número grande de mendigos, ou permaneceram como yanaconas a serviço dos espanhóis. Deve-se lembrar de que em Tahuantinsuyo, o termo yana designava “os índios livres de vínculos familiares e pessoalmente dependentes do curaca ou do Inca”. Mas, enquanto antes da invasão dos espanhóis ainda constituíam uma pequena parcela da população, seu número começava agora a multiplicar. Seu status, no entanto, continuava a variar consideravelmente: se os yanaconas de Potosi, segundo pareceu, eram livres de dependência pessoal, não era o caso dos que foram trabalhar nas hacienda que surgiam, ou dos que eram empregados pelos espanhóis como servidores domésticos. Tirando essas diferenças, o grosso da população andina estava dividido em duas categorias: os hatunruna ou índios das comunidades que eram sujeitos ao tributo e à mita; e os yanaconas, considerados de status social inferior, mas que eram na prática livres das obrigações devidas pelos outros índios. Fora dessa distinção social desenvolveu-se uma diferença essencial entre os dois vice-reinados nos séculos posteriores. No Peru, o aumento do número dos yanaconas e, depois, de “forastero” criou um problema cuja seriedade, embora não fosse tão evidente no século XVI, se manifestou abertamente no século XVII e deveria persistir por todo o período colonial: continha o embrião do conflito entre, de um lado os haciendados que tinham controle sobre parte da força de trabalho e, de outro, os mineiros (privados de mitayos) e a coroa (privada de tributos): o problema de submeter os yanaconas e os forasteros às obrigações que presavam sobre o restante dos índios deveria dominar a história dos Andes entrais e meridionais.

No ano de 1551, houve a permissão de utilização da mão de obra indígena voluntária sob o esquema de jornais. O Acordo de Hacienda, assinado em 1570, fez do encomendero de Huamanga, Garci Diez de San Miguel, o grande ator no processo de convencimento dos indígenas a aderirem ao trabalho nas minas. No entanto, os caciques de Huamanga se negaram a ceder a mão de obra indígena para o trabalho mineiro e, em decorrência deste ato, a Junta de Notables, estabelecida no mesmo ano, aprovou o trabalho indígena. O continente ameríndio produziu, durante o período colonial, mais prata que ouro, sendo que o Vice-Reino da Nova Espanha foi o maior usurpador destes minérios durante todo o período. Não queremos perder de vista que o termo “índio” provém do fato de que o invasor Cristóvão Colombo, quando chegou à América, estava convencido de que tinha chegado à Índia, pois o gentílico espanhol à pessoa nativa da Índia é índio (índio), e dessa maneira chamou os povos indígenas que ali encontrou. Por essa razão também, ainda hoje se referem às ilhas do Caribe como Índias Ocidentais. O termo “ameríndio” é usado para o continente colonizado, em substituição às palavras “índios”, “indígenas” e outras consideradas racistas ou preconceituosas. Na colônia, dois períodos são reconhecidos como o auge da produção mineira, sendo eles o dos anos entre 1570 e 1630, no qual o Vice-reino do Peru foi o maior produtor e, em seguida, o período correspondente aos anos de 1770 e 1800, no qual a extração de minérios no México superou as áreas geográficas sul-americanas. A descoberta de Potosí em 1545 reorganizou a estrutura colonial espanhola. Em meados de 1570 o Cerro Rico foi fundamental para a dinâmica mercantil, pois a prata que brotava de Potosí marcou novo estágio capitalista.

O chamado Novo Mundo foi responsável pela produção de 74% da prata produzida no mundo durante o século XVI e, com isso, Potosí nascia como a maior cidade do mundo, ultrapassando cidades como Amsterdã, Londres, Sevilha e Veneza. No que se refere ao mundo do trabalho mitayo, faz-se vital apontar que não existia apenas um tipo de mita em todo o chamado Novo Mundo. No entanto, a mita potosina, aqui analisada, possuiu uma totalidade imensa de tributários, oriundos de 16 províncias, para trabalhar nas minas, assim como nos engenhos de moagem de metais. Os mitayos eram majoritariamente, responsáveis pela realização da retirada do mineral das minas e acabavam por carregar a sua produção em bolsas de couro em suas costas, podendo realizar a atividade de incorporar o metal selecionado para moer nos engenhos. Os responsáveis por essas atividades laborais eram reconhecidos como apiris. Melhor dizendo, a organização socioeconômica da região se apresentava, em conjunto articulada com as ordens política e institucional, sob o parâmetro religioso. Nesse sentido, naquele ano Toledo iniciou sua caminhada pela região que culminaria na instauração da mita. A utilização da mão de obra indígena no Cerro Rico de Potosí está intimamente ligada ao processo de recrutamento de índios minga, ou seja, indígenas alugados que cobravam de acordo com a atividade realizada. Muitos indígenas sobre o regime da mita optavam por trabalhar como mingas, pois com o salário que recebiam poderiam pagar sua “substituição” na mita, mas outros assentamentos possuíam aparentemente maiores vantagens no processo em relação aos indígenas. O trabalho de mineração em Potosí dependeu da força de trabalho indígena.

Somente quando foi introduzido o processo de trabalho em torno da amalgamação (cf. Oliveira, 2009), no governo do vice-rei Fernando Álvarez de Toledo y Pimentel, em 1574, é que os espanhóis puderam romper o controle indígena sobre a produção da prata. Com a queda da qualidade da prata existente em Potosí e, consequentemente, a queda na produção do minério, Toledo decide manter praticamente a huayra em casos pontuais, além de incentivar o desenvolvimento da prática de amálgama entre o mercúrio e prata (“azougue”). Com isso, prescreveu que o pagamento dos mitayos deveria ser feito em minério, não percebendo que a demanda técnica não poderia ser suprida pelos indígenas. Potosí, passa a ser construída a partir de moinhos movidos por energia humana, que foram rapidamente substituídos por máquinas de tração animal e, finalmente, por um maquinário movido por energia hidráulica. Durante os primeiros decênios da exploração das minas de Potosí, os métodos e técnicas de trabalho utilizado eram os mesmos da era pré-hispânica e, com isso, os primeiros trabalhadores eram oriundos das regiões mais antigas do Porco. Até o último terço do século XVII, a introdução de equipamentos de bronze ou cobre e a escavação no formato de galerias horizontais permitia desta forma a extração, drenagem e ventilação. A mita potosina implicava a migração forçada,  por um período de um ano de indígenas tributários de homens entre 18 e 50 anos, provenientes de diversas províncias das terras altas, localizadas entre o sul do Peru e da Bolívia.

Os indígenas das terras baixas não entravam neste sistema para evitar doenças e mortes em decorrência do clima frio e seco das altas terras potosinas. Estabeleceu-se que, em tese, cada indígena deveria cumprir seu turno de mita a cada 6 ou 7 anos, acompanhados de suas mulheres, filhos e recursos. Em 1575, houve a reestruturação do sistema total do trabalho mitayo (“mita gruesa”). Um terço, correspondente à mita ordinária, cumpriria seu turno semanal enquanto os outros estariam descansando. Há que se notar que este aspecto foi mais teórico que real. É importante notar que em torno de 3% dos homens adultos eram cotados para trabalhar no regime mitayo durante o século XVI, sendo essa estimativa considerada alta em decorrência da realização periódica deste trabalho. Durante o tempo livre que os mitayos possuíam, eles possivelmente trabalhavam como mingados. Outras questões étnicas e políticas que podem ser levantadas quanto a prática, é a transformação destes indígenas no seu ambiente. Com a migração forçada desta mão de obra, os indígenas passam a ser considerados “forasteros” naquela região, deixando de ser reconhecido como originário, além de ter que reestruturar sua formação institucional e cultural em razão da nova forma de organização socioeconômica. Se compararmos com a violência dos trabalhos forçados de negros escravos ou libertos, perceberemos que a participação social ativa deste contingente é muito inferior à dos povos autóctones durante o período de mineração de prata. Comparativamente o período de início da exploração de minérios colonial em Potosí (1545), a organização dos meios de trabalho e processo social da produção mineira mantiveram-se sob o controle indígena durante o período reconhecido huayra, a tradicional fundição nativa, geralmente situada nos morros para aproveitar o vento, como ocorrerá com a energia eólica posterior.

Foi fundada em 1546. Em 1611, já era a maior produtora de prata do mundo e tinha à volta de 150 000 habitantes. Alcançou seu apogeu durante o século XVII, tornando-se a segunda cidade mais populosa (atrás de Paris) e a mais rica do mundo, devido à exploração de prata enviada à Espanha. No entanto, em 1825, a maior parte da prata já se tinha esgotado e a sua população desceu até os 8 000 habitantes. No começo do século XX, a exploração de estanho se incrementou pela demanda mundial e, como consequência, Potosí voltou à experimentar um crescimento importante. Durante o período em que fora utilizada a huayra os espanhóis fizeram inúmeras tentativas de libertar-se do monopólio tecnológico indígena resultado da apropriação do minério; mas como descreve Garcilaso de la Vega, todas essas tentativas fracassaram. Coube na démarche de Garcilaso introduzir, em língua espanhola, as formas poéticas italianas. Sua morte vem cercada de uma série de circunstâncias trágicas: após acompanhar o imperador D. Pedro de Toledo numa expedição a Túnis, em 1535, tomou parte na invasão da Provença, sendo mortalmente ferido quando atacava um forte em Muy, próximo a Fréjus. Seu trabalho teórico tendo como escopo a relação social descrita nos poemas inclui três pastorais, 37 sonetos, cinco canções, duas elegias e uma epístola em versos brancos.

Estes contingentes básicos, embora exercendo papéis distintos, entraram a mesclar-se e a fundir-se culturalmente com maior intensidade do que em qualquer outro tipo de conjunção. Assim, ao lado do branco, “chamado a exercer os papéis de chefia na empresa” (por força das condições de dominação impostas aos demais); do negro, nela “engajado como escravo”; do índio, “também escravizado ou tratado como mero obstáculo a erradicar”, foi surgindo uma população mestiça que fundiam aqueles matizes nas mais variadas proporções. Os povos-Novos surgem hierarquizados, como os Povos-Testemunho, pela distância social que separa a sua camada senhorial de fazendeiros, mineradores, comerciantes, funcionários coloniais e clérigos da massa escrava engajada na produção. Constituíam-se de rudes empresários, senhores de suas terras e de seus escravos, forçados a viver junto a seu negócio e a dirigi-lo pessoalmente com a ajuda de uma pequena camada intermédia de técnicos, capatazes e sacerdotes. Onde a empresa prosperou, como nas zonas açucareiras e mineradoras do Brasil e das Antilhas, puderam dar-se ao luxo de residências senhoriais e tiveram de alargar a camada intermédia, tanto de engenhos como das vilas costeiras, incumbidas do comércio exterior.

Vale lembrar, segundo Ribeiro (1968), que nenhum dos povos deste bloco constitui uma nacionalidade multiétnica. Em todos os casos comparados, seu processo de formação foi suficientemente violento para compelir a fusão das matrizes originais em novas unidades homogêneas. Somente o Chile, por sua formação étnica peculiar, guarda no continente araucano, uma micro-etnia diferenciada nacional, historicamente reivindicante do direito de se ela própria, ao menos como modo diferenciado de participação na sociedade nacional. Os chilenos e os paraguaios contrastam também com os outros Povos-Novos pela ascendência principalmente indígena de sua população e pela ausência do contingente negro escravo, bem como do sistema de plantation, que tiveram papel tão saliente na formação dos brasileiros, dos antilhanos, dos colombianos e dos venezuelanos. Ambos conformaram, por isto, juntamente com a matriz étnica original dos rio-platenses, uma variante dos Povos-Novos. A composição predominante índio-espanhola dos Povos-Testemunhos se diferencia dessa variante porque suas populações indígenas originais não haviam alcançado um nível de desenvolvimento cultural equiparável aos dos mexicanos ou dos Incas. É o resultado da seleção de qualidades raciais e culturais das matrizes formadoras, que melhor se ajustaram às condições que lhes foram impostas. O papel decisivo em sua formação social foi representado pela escravidão que, operando como força distribalizadora, desgarrava as novas criaturas das tradições ancestrais. São produto tanto da deculturação redutora de seus patrimônios tribais indígenas e africanos, quanto da aculturação seletiva deles e da própria criatividade na vida e sobre as condições de trabalho face ao novo meio social.

A terceira configuração histórico-cultural é representada pelo Povos-Transplantados, correspondentes às nações modernas criadas pela migração de populações europeias para novos espaços mundiais, onde procuram reconstituir formas de vida essencialmente idênticas às de origem. Cada um deles estruturou-se segundo modelos de vida econômica e social da nação de que provinha, levando adiante, nas terras adotivas, processos de renovação que já operavam nos velhos contextos europeus. Suas características referem-se à homogeneidade cultural que mantiveram pela origem comum de sua população, ou que plasmaram pela assimilação dos novos contingentes. A maioria destes contingentes veio ter à América como trabalhadores rurais aliciados mediantes contratos, que os submetem a anos de trabalho servil, embora em sua grande parte tenha conseguido, mais tarde, ingressar na categoria de granjeiros livres e de artesãos também independestes. Integram o bloco de Povos-Transplantados a Austrália e a Nova Zelândia, em certa medida também os bolsões neo-europeus de Israel, da União Sul-africana e da Rodésia. Nas Américas são representados pelos Estados Unidos da América, pelo Canadá e também pelo Uruguai e Argentina. Nos primeiros casos tais povos nascem de projetos de colonização implantados sobre territórios, cujas populações tribais foram dizimadas ou confinadas em reservations para que uma nova sociedade neles se instalasse.

No caso dos países rio-platenses, encontramos a resultante de um empreendimento peculiaríssimo de uma “elite crioula” – inteiramente alienada e hostil à sua própria etnia de Povo-Novo – que adota como projeto nacional a substituição de seu próprio povo por europeus brancos e morenos, concebidos como gente com mais peremptória vocação para o progresso social. A Argentina e Uruguai resultam de um novo processo social de sucessão ecológica deliberadamente desencadeada pelas oligarquias nacionais, através da qual uma configuração de Povo-Novo se transforma em Povo-Transplantado. Neste processo, a população ladina e a gaúcha, originária da mestiçagem dos povoadores ibéricos com o indígena, foi esmagada e substituída, como contingente básico da nação, por um alude de imigrantes europeus. O quarto bloco de povos extra-europeus do mundo moderno é constituído pelos Povos-Emergentes. São integrados pelas populações africanas que ascendem da condição tribal à nacional. Na Ásia encontram-se também alguns casos de Povos-Emergentes que transitam da condição tribal à nacional. Esta categoria não surgiu na América, apesar do avultado número de populações tribais que, ao tempo da conquista, contavam com centenas de milhares e com mais de um milhão de habitantes. Este fator pari passu social e político, mais do que qualquer outro sentido, exprime a violência da dominação, primeiro europeia que se prolongou por quase quatro séculos, depois nacional, a que estiveram submetidos os povos tribais americanos.

Dizimados prontamente, alguns deles, outros mais lentamente, somente sobreviveram poucos que foram anulados como etnias e como base de novas nacionalidades, enquanto seus equivalentes africanos e asiáticos, apesar da violência d impacto sofreram, ascendem para a vida nacional. A consciência étnica percorre todo o mundo. Nunca as chamadas minorias nacionais forma tão combativas como agora. Isto se pode constatar pela luta de Bascos, Catalães, Galegos, Bretões, Flamengos e de outras nacionalidades fanaticamente apegadas a tudo que afirme seu caráter de etnias autônomas imersas em entidades multiétnicas. Os grupos nacionalistas da Catalunha e dos país Basco se opõem à visão celebrativa e triunfalista, por exemplo, do quinto centenário, porque estas duas comunidades autônomas estabelecem uma relação imediata entre a hispanidad do quinto centenário e o nacionalismo opressivo do Estado espanhol franquista. Na diada de l`onze de setembre, dia nacional catalão, ou dia do Eusko Gudari, o dia do soldado basco, não são raras as faixas contrárias à celebração dos quinhentos anos. Ipso facto Luís Maria Mugica Urdangarin‎ (1975), professor universitário de filosofia basca, expressa preocupação com relação ao tom triunfalista que se queria dar á celebração, e afirma que, em função da experiência específica das “pequenas nacionalidades”, estas estariam preparadas para realizar uma reflexão crítica em torno do quinto centenário. Enfim, existe uma “geografia imaginária” do império e nela considerada como ponto de chegada no Estado espanhol o dia 12 de outubro, onde comemora-se a presença de Colombo no chamado Novo Mundo e o inconsequente início de uma tragédia etnocida, o dia da hispanidad como queriam os franquistas, eludindo já ao que inequivocadamente desembocaria em ideias protofascistas. 

Bibliografia geral consultada.

ARGUEDAS, José María, Señores e Índios. Acerca de la Cultura Quechua. Buenos Aires: Acalanto Editorial, 1976;  BACIGALUPO, Ana Mariela, La Voz del Kultrún en la Modernidad: Tradición y Cambio en la Terapéutica de Siete Machi Mapucha. Santiago: Editorial Universidad Católica de Chile, 2001; MARTÍN-BARBERO, Jesús, Ofício de Cartógrafo: Travessias Latino-americanas da Comunicação na Cultura. São Paulo: Edições Loyola, 2004; ABSI, Pascale, Los Ministros Del Diablo: El Trabajo y sus Representaciones en las Minas de Potosí. La Paz: Instituto de Investigación para El Desarrollo; Instituto Francés de Estudios Andinos; Fundación para la Investigación Estratégica en Bolívia, 2005; RIBEIRO, Darcy, O Processo Civilizatório. Etapas da Evolução Sociocultural. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1968; Idem, Diários Índios: Os Urubus-Kaapor. São Paulo: Editora Companhia da Letras, 2006; WIERVORCKA, Annette, L` Ere du Témoin. Paris: Éditions de l`Atelier, 2009; GOUVEIA, Mariana Bonfati de Nobrega, As Contradições da Contemporaneidade Peruana a partir de El Zorro de arriba y El Zorro de abajo de José María Arguedas. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em História. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009; PORTALA, João Paulo, O Problema Indígena na Obra de José María Arguedas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2012; DELGADO, Ana Carolina Teixeira, Guerreiros do Arco-Íris: Os Caminhos e Descaminhos da Descolonização na Bolívia no Início do Século XXI. Tese de Doutorado. Instituto de Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2014; VARGAS, Berchman Alfonso Ponce, Entre o Estigma e o Reconhecimento: Práticas Culturais Aimarás na Cidade de Tacna-Peru. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Instituto de Ciências Sociais. Departamento de Sociologia. Brasília: Universidade de Brasília, 2017; CORREIA, Elayne Castro, Uma Leitura de Los Ríos Profundos, de José María Arguedas, a partir da Heterogeneidade e da Melancolia no Narrador. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2018; LUZ, David Antunes, O Indígena Andino e a Colonização no Alto Peru: Do Período Pré-Incaico até a Independência, num Prelúdio da Bolívia como Nação Inconclusa. Monografia de Bacharelado em Relações Internacionais. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2020; DOMÍNGUEZ, Maria Eugênia; MONTARDO, Deise Lucy Oliveira (Org.), Arte, Som e Etnografia. Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, 2021; entre outros.