sábado, 15 de maio de 2021

Willka e Phaxsi - Vida Wiñaypacha & Técnica Cinematográfica.

La película también habla sobre la pérdida de identidad del poblador andino”. Óscar  Catacora

            Óscar Catacora, nascido em Ácora, em 18 de agosto de 1987 é um cineasta e roteirista aimará peruano. Aimará é um povo estabelecido desde a primazia pré-colombiana no sul do Peru, na Bolívia, na Argentina e no Chile. Na América pré-colombiana o poder político se legitimava na religião. Também reconhecidos como Quollas ou Kollas. No Peru os falantes da língua aimará somam mais de 300.000 pessoas, o que leva a supor estatisticamente que o grupo étnico é bem maior. Aí estão mais concentrados no Departamento Puno, próximo do Lago Titicaca, nas regiões Moquegua, Arequipa e Tacna. Na Bolívia existem cerca de 1.200.000 falantes do idioma aimará, sendo a forma corrente falada na capital La Paz, isto é, mais pura e estruturada da língua, havendo concentrações nos Departamentos de Oruro e Chuquisaca. No Chile, a população aimará não é tão grande, mas havendo cerca de 50.000 falantes também habitando nas regiões andinas do Norte do país, em Tarapacá e Antofagasta. Existem também cerca de 10.000 falantes do idioma aimará no oeste da Argentina. Na atualidade há quase 2,5 milhões de pessoas de etnia e língua aimará, na zona dos Andes. São o segundo grupo nativo, só superado pelos quíchuas com quase 15 milhões de pessoas espalhadas pelos Andes da Colômbia até a Argentina. Imperador inca também denominado Sapa Inca, é a expressão usada para referir-se aos governantes do Império Inca. É costume referir-se também a eles apenas como o Inca. Uma das qualidades mais notáveis do Império Incaico era curiosamente seu governo altamente organizado, centralizado em Cuzco, a capital, onde o imperador vivia.  

O imperador inca, o filho do Sol, era adorado como um deus. Tinha poderes absolutos sobre toda a sociedade, inclusive nobres e sacerdotes. Era cercado por milhares de servidores, que viviam dos tributos pagos pela população. O que se tem de considerar é que, embora adiantados e prósperos, os reinos aimarás originais acabaram sendo dominados pelo imperador inca Huayna Capac entre as duas décadas de 1493 a 1525. Embora a anexação tenha sido compulsória, mas não necessariamente violenta, a inclusão dos aimarás no império acabou influenciando a língua local pela adoção da língua oficial para alguns efeitos burocráticos. De resto, a influência lingüística quíchua é reflexo direto da influência cultural inca que impôs sua religião na qual o próprio imperador era tido como uma divindade: Huayna Capac mandou os arquitetos e artesãos aimarás irem para Cuzco para aprender as técnicas construtivas e estilo  para erigir templos e construções influentes religiosas imperiais. O processo não foi diferente do que ocorreu, comparativamente, no plano político, com a posterior dominação espanhola cruenta que impregnou no idioma com vários vocábulos e expressões da língua espanhola.

            O cinema latino-americano sofreu com o problema do isolamento econômico entre os diferentes países, o que impediu a criação de um mercado latino-americano de cinema. Desse modo, a maior parte de sua produção depende da capacidade econômica de cada país e do tamanho de seus mercados internos. Desde a origem do cinema sonoro em 1930, até 1996, 89% da produção total cinematográfica se concentrou somente em três países: Argentina, Brasil e México. Até meados do século XX, o cinema mexicano e, em menor medida, igualmente o argentino, tiveram considerável presença latino-americana, com expoentes como Cantinflas ou Libertad Lamarque. No entanto, com o decorrer da década de 1960, praticamente a presença internacional do cinema mexicano e argentino desapareceu. O início veio como o Festival do Cinema Latino-americano de Pesaro na década de 1960, porém o momento-chave foi o Encontro de Cinema Latino-americano de 1967, que teve seu motor no chileno Aldo Francia do Cine Club de Viña del Mar, no cubano Alfredo Guevara do Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (ICAIC) e no argentino Edgardo Pallero. Foi a primeira vez que se reuniram homens e mulheres do cinema de quase todos os países latino-americanos. Até o final da década, apareceram uma geração de cineastas de grande importância, como os brasileiros Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos, os argentinos Fernando Solanas e Leonardo Favio, os cubanos Tomás Gutiérrez-Alea e Santiago Alvarez, e os chilenos Raúl Ruíz, Miguel Littin e Lautaro Murúa. Este movimento social foi chamado de “Novo Cinema Latino-americano”.



A década de 1960 foi demarcada pelo expressivo posicionamento social da população, o engajamento político e o reflexo da política nas artes, não foi diferente com o cinema. No círculo das artes é possível salientar as vozes de protesto que se dá através da música, do teatro, cinema e artes plásticas. Na música, o tropicalismo brasileiro se direcionava a problemática social em contexto latino-americano nos palcos, como: Arena conta Zumbi, Opinião, Barrela e Roda Vida, as adversidades da realidade do país. O cinema, se tornava algo diferente, sendo chamado em geral de Novo Cinema Latino-Americano, onde se era redefinindo sua poética, os diretores retrataram a seu modo, os sinais de um país em crise. Começa a ser transido a presença do pop e do novo realismo francês, com o disparo criativo dos artistas jovens da exposição que ficou conhecida como Opinião 65. Seguindo o espírito político contestador que percorreu por toda década, os movimentos cinematográficos dos anos 1960 são marcados pelo seu aspecto original, valorizando a criação de estilos próprio, no caso da América Latina. O Novo Cinema Latino-americano diferenciou-se notavelmente do cinema aparentemente nacional do período 1930-1960, por orientar-se muito mais o importante cinema independente e relativamente afastado dos mecanismos comerciais relacionados com os sistemas globais de entretenimento.

A retomada do cinema latino-americano foi o período em que os países do cone-sul voltaram aos poucos ao antigo ritmo de produções cinematográficas de antes dos períodos de repressão. A partir da segunda metade da década de 1990, o número de produções aumentou e  surgiu um novo gênero, os filmes que retratavam as ditaduras, como por exemplo: O que é isso, Companheiro?, é um filme de 1997, dirigido por Bruno Barreto, com roteiro parcialmente baseado no livro homônimo de Fernando Gabeira, escrito em 1979. Produzido por Luiz Carlos Barreto, é estrelado por Pedro Cardoso e Fernanda Torres. Foi lançado nos Estados Unidos com o título: Four Days in September, concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro daquele ano de 1998. O enredo narra, com diversas licenças ficcionais, a história política verídica do sequestro do embaixador dos Estados Unidos da América no Brasil, Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969, por integrantes dos grupos guerrilheiros de esquerda MR-8 e Ação Libertadora Nacional, que lutavam contra o regime militar instaurado no país em 1964.

Alguns nomes dos personagens ligados à guerra de guerrilha foram trocados em relação aos verdadeiros, tanto no livro como na vida real. O Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR8) foi uma organização política marxista que participou da luta armada contra a ditadura militar brasileira. Surgiu em 1964, no meio universitário da cidade de Niterói, no estado do Rio de Janeiro, com o nome de Dissidência do Rio de Janeiro (DI-RJ). Depois foi rebatizada em memória do dia em que Ernesto Che Guevara foi capturado, na Bolívia, em 8 de outubro de 1967. Atualmente o grupo de orientação política marxista dedica-se a participar do movimento social e político popular e a editar o jornal Hora do Povo. Também é responsável pelo Partido Pátria Livre, fundado em 2009, e fundido ao Partido Comunista do Brasil em 2019. Na década de 2000 o cinema nacional nos países latino-americanos comparativamente cresceu, retomando o fôlego inicial. Os principais países produtores de cinema são o Brasil e a Argentina, sendo que a Argentina possui uma maior percentagem de público consumidor do cinema nacional, porém isso vem mudando no Brasil. Segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine), órgão oficial do governo federal, constituída como agência reguladora, com sede na cidade de Brasília, cujo objetivo é fomentar, regular e fiscalizar a indústria cultural cinematográfica e videofonográfica nacional, o público que assistiu a filmes nacionais em 2017, dobrou com relação a 2012, indo de dados estatísticos concretos em torno de 15 milhões, para 30 milhões de telespectadores. Argentina, Brasil e México lideram a produção, com o ingresso de uma considerável cinematografia de Cuba, Colômbia, Chile, Bolívia, Peru e Venezuela. 

Allincapac, é uma montanha nos Andes do Peru. É o pico mais alto da cordilheira de Carabaya, chegando a 5.805 metros. Allincapac está localizado na região de Puno, Província de Carabaya, distrito de Macusani, ao Sul de Huaynaccapac, a Nordeste de Chichicapac e ao Norte do Lago Chaupicocha. A província de Carabaya é uma das treze que conformam o Departamento de Puno no Sul do Peru. Limita pelo Norte com o Departamento de Madre de Dios; por Leste com a província de Sandia; pelo Sul com a província de Azángaro e a província de Melgar; e, pelo Oeste com o Departamento de Cusco. Desde o ponto de vista hierárquico da Igreja católica forma parte da prelatura de Ayaviri, que é poder pessoal e parte da Igreja Católica, composta por determinados fiéis e está estruturada de modo hierárquico, de sufrágio  da Arquidiocese de Arequipa. Dada sua localização, durante o período do Vice-Reino do Peru o território foi alvo de várias expedições destinadas a localizar a lendária cidade perdida de  Paititi, as mesmas que deixaram a sua marca na instalação de cidades e postos de missionários.  Reconhecidas são as expedições de Pedro de Candia, Anzúrez, Ñuflo de Chávez, Álvarez Maldonado, Recio de León e Diego de Zecenarro, as mesmas que lançaram as bases para incorporar esses territórios ao Peru, durante o conflito social e político de fronteira com a Bolívia nos primeiros anos do século XX. Parte deste território de origem pré-inca, embora sem delimitação precisa ad integrum, está atribuída à jurisdição do Puno na sua criação (1776), embora nunca deixasse de pertencer ao domínio do bispado de Cuzco.


O filme foi rodado em cinco semanas, na neve de Allincapac, no Puno, Peru.

A lhama, do quíchua llama, é um mamífero ruminante da América do Sul, da família dos camelídeos, gênero Lama. É um animal de pelagem longa e lanosa, domesticado para a utilização no transporte de carga e na produção de lã, carne e couro. A lhama é relacionada com o guanaco, a vicunha e a alpaca. Foram domesticadas pelo povo inca, tendo sido muito importantes para o desenvolvimento desse povo. As lhamas vivem na cordilheira dos Andes, onde as temperaturas são baixas. Assim, as pelagens servem para protegê-las do frio, além de arranhões e outros ferimentos. A Bolívia é o país em que se concentra o maior número de lhamas, com mais de 2 milhões de indivíduos. Estes animais conseguem sobreviver em locais onde não são encontrados outros animais. Muitas vezes os lhamas são associados a ovelhas e com elas são colocados para pastar em locais onde não é possível haver agricultura. Além disso, os lhamas são usados para transporte de mercadorias, e também são utilizadas a sua carne, o couro, as fibras e o estrume para cozinhar alimentos e como fertilizante natural.  O uso têxtil das fibras retiradas desses animais é cultural e acredita-se que se iniciou há 2.500 anos. Os produtos deste mamífero doméstico constituem o principal meio de apoio para produtores e com a escassez de recursos nos países centrais da América do Sul incluindo Equador, Peru, Bolívia, Argentina e Chile, tornou-se uma fonte de sobrevivência. O uso de fibras produzidas pelos espécimes selvagens ainda é naturalmente limitado, mas é potencial e importante para a sobrevivência de algumas populações. Estima-se que a produção de lhamas beneficia 37.000-50.000 famílias de produtores em locais escassos de recursos. No entanto, esta produção ainda não representa uma forma direta de reduzir a pobreza e marginalização dos seus produtores. O lhama tem pelagem longa e lanosa, a coloração varia bastante indo desde o branco, marrom e chegando a tons mais escuros, alimenta-se de capim e mato. Estes animais medem de 1,40 m a 2,40 m contando com a cauda de 25 cm e chegam a pesar 150 Kg. A gestação dura 11 meses e nasce normalmente 1 filhote chegando a pesar 11 kg. Os adultos chegam a viver até 24 anos.

É definitivamente parte da atual Região de Puno desde 1912. Antes, a Bolívia disputava  parte de Carabaya com base no uti possidetis da Audiência de Charcas em 1810; e o Peru finalmente afirmou o direito de filiação clerical ao bispado de Cuzco e integração de fato com  70% das comunicações anteriores ao século XX eram com Sicuani; 20% com Azángaro e 10% com Larecaja (Bolívia), relatado sobre Manuel Pando, na viagem para Carabaya (1902). As diferenças de critérios são esclarecidas com a arbitragem argentina, primeiro em 1902, e dez  anos depois é reconfirmada com a aceitação do protocolo binacional pelos congressos das Repúblicas. Isso acabaria com parte da precária condição de delimitação de territórios trinacionais do Brasil, Bolívia e Peru, com a qual as três Repúblicas haviam se formado no  início do glorioso século XIX. Os primeiros autores latino-americanos designam esta antiga cidade-território como a cidade dos grupos Callahuayas, Carwayas, Calabayas, Carabayas,  Kallawayas, todos topônimos do mesmo espaço e lugar, para diferenciá-lo dos igualmente antigos Canchis, Chunchos, Canas, Omasuyos, Collas, Muxus, ou outras cidades que existiram  e cujos vestígios arqueológicos ainda sobrevivem entre Cuzco, Madre de Dios, Larecaja, La Paz, Beni, Pando e a atual Puno Por ser uma província, este território dá provas de ter sido  habitado por uma população que se desenvolveu longe e diferente da influência dos Canchis de Sicuani (hoje), dos Canas ou dos Chunchos de Madre de Dios e Larecaja (Bolívia), e quase  sem contato com as relativamente remotas Collas de Puno e Omasuyos (Bolívia).

Óscar Quispe Catacora nasceu em 18 de agosto de 1987 na região de Huaychani, é uma vila no sudoeste do Peru, construída em torno de um pequeno oásis cercado por dunas de areia. Filho de camponeses, desde os 7 anos teve que trabalhar para ajudar no sustento da família. Em 2009 ingressou na Universidad Nacional do Altiplano (UNA), a Escola Profissional de Arte, representando uma universidade pública localizada na cidade de Puno, Peru. Foi fundada em 12 de maio 1551 por um decreto do rei Carlos I de Espanha, sendo, assim, a universidade mais antiga da América e uma das mais antigas do mundo. A origem desta universidade é mesma da origem da educação superior no Peru, pois foi o primeiro centro de conhecimento do país e do continente. É uma das primeiras universidades da América Latina públicas fundada em 1856 por iniciativa do Departamento de Puno. Inicialmente foi criada como uma escola de formação aristocrática. A criação da Universidade de Puno é produto das demandas de intelectuais e políticos. A sociedade puno é considerada o berço dos mais brilhantes intelectuais do Peru. São culturas circunvizinhas endógenas com as quais negociavam desde a hegemonia dos tempos pré-incas até meados do século XX, nessa ordem de prioridade em termos de volume comercial e com essa ordem de frequência ou mesmo de afinidade eletiva.

Em resposta às agressões e sofrimentos infligidos pela dura geografia, esta vila conseguiu sobreviver criando um rico patrimônio imaterial de artes e conhecimentos que compunham e constituem uma cultura da sua própria região. Um dos reconhecimentos mais singulares desta contribuição consiste na identificação cultural curandeira que se tem promovido regularmente na esfera regional desde meados do século XVIII aproximadamente, isto é, aparentemente, após o boom da Quina, uma árvore cujas variedades locais se destacavam pela qualidade do quinino antimalárico que continham. Em 1856, a Convenção Nacional regulamentou a Lei nº 406 de criação da Universidade de Puno, promulgada em 23 de agosto de 1856 e assinada em 29 de agosto do mesmo ano, pelo Presidente da República Dom Ramón Castilla. A Lei nº 406 contém 4 artigos: o primeiro que se destaca indica que, “é criada uma Universidade na cidade de Puno, para o ensino de Teologia, Jurisprudência, Medicina, Filosofia e Letras, Matemática e Ciências Naturais e para que em essas mesmas Faculdades são conferidas Graus Acadêmicos”. O segundo dispõe: “A Universidade observará o Regulamento da Instrução Pública de 7 de abril de 1855”. Como qualquer nova instituição, não possuía Estatuto próprio, a localização necessária e a respectiva dotação orçamentária.

O terceiro artigo indica que, “será regido pelo Estatuto da Universidade San Agustín de Arequipa, e que suas funções universitárias serão realizadas no Colégio Nacional de Puno”. Da mesma forma, prevê que as despesas originadas pelas Cátedras desta novíssima Universidade sejam imputadas às receitas do Colégio. As razões pelas quais a universidade parou de funcionar estão relacionadas a problemas sócio-políticos e econômicos. Outro motivo que determinou seu fechamento oficial é o fato de não ter sido contemplado no Regulamento Nacional da Instrução Pública de 1876. Óscar Catacora obteve formação superior para se especializar em Teatro, já que a questão da atuação havia chamado sua atenção. No entanto, ele desistiu no oitavo semestre devido a problemas políticos internos na Universidade Nacional do Altiplano. Em 2011 ingressou na área de conhecimento de Ciências da Comunicação Social na mesma instituição, graças aos conselhos de um de seus melhores amigos, e com o objetivo de se especializar em produção audiovisual do curso de comunicação social. Embora em 2007 tenha atuado e dirigido o longa-metragem El camiño del chulo. Em 2013, Óscar Catacora teve o incentivo de 400 mil soles concedido pelo Ministério da Cultura do Peru no Concurso Nacional de Cinema para a realização de seu projeto Wiñaypacha. O filme é sua estreia e depois de várias exibições internacionais, continua conquistando prêmios na América Latina.  

O aimará é uma língua falada por mais de dois milhões e meio de pessoas da etnia aimará, principalmente no Peru, na Bolívia, no Chile e na Argentina. No Peru e na Bolívia, a língua aimará é considerada língua oficial, junto com o idioma quíchua, que está estreitamente relacionado com aquela. Essas línguas não tiveram escrita até a introdução do alfabeto latino pelos espanhóis, que tinham interesse em empregar essas línguas para pregação religiosa e conversão dos ameríndios em trabalhadores. Na Bolívia há cerca de 1.200.000 falantes do aimará, sendo a forma falada na capital La Paz considerada a forma mais pura e estruturada da língua, havendo concentrações nos Departamentos de Oruro e Departamento Chuquisaca. No Chile, a população aimará é de cerca de 50.000 falantes, que também habitam nas regiões andinas do norte do país, em Tarapacá e Antofagasta. Há também cerca de 10.000 falantes do aimará no oeste da Argentina. Na atualidade há quase 2,5 milhões de pessoas de etnia e língua aimará, na zona dos Andes. São o segundo grupo nativo, só superado pelos quíchuas, com quase 15 milhões de pessoas espalhadas pelos Andes da Colômbia até a Argentina. O idioma aimará é único, mas existem diferenças regionais dependendo de onde é falado. Alguns etimologistas têm por análise que o idioma aimará é aparentado com o idioma quíchua, do Império Inca, não obstante fortes objeções de vários estudiosos. Os que defendem o parentesco linguístico baseiam-se nas semelhanças, por exemplo, a palavra condor é kuntura em aimará e kuntur em quíchua, ou mesmo “apu/apo”, que significam chefe em chilli, em quíchua, em aimará. Mas, estruturalmente, as línguas aimará e quíchua são efetivamente diferentes.

Isto é importante na medida em que com a revolução tecnológica do regadio abastece as bases tecnológicas que surgem primeiro na Mesopotâmia, com os impérios Acádio (2350 a. C.) e babilônico (1800 a.C.); no Egito, na Índia, na China, na Indochina. Posteriormente, estruturam-se nas Américas com os maias (300 E. C.), com os incas e os astecas. Entre os estudiosos da antropologia das civilizações, Ribeiro (1968) compreendeu que alguns processos civilizatórios brotaram da gestação autóctone, cumpridas passo a passo, como parece ter ocorrido analogamente na Mesopotâmia e nas Américas. Outros podem ter surgido da fecundação de um velho contexto cultural originalmente desenvolvido em diferentes lugares. Mas o fundamental nesta orientação é que todos se configuram como formações socioculturais “tão radicalmente diferenciadas da anteriores e das posteriores” que só podem ser compreendidas “como uma nova etapa da evolução humana ou como fruto amadurecido de uma nova revolução tecnológica, a do regadio. Esta percepção do real empurrou o etnólogo brasileiro em busca de “explicações terra-a-terra”, como ele dizia, para reconstituir o processo de formação dos povos americanos, com uma profunda reflexão para explicar as causas de seu desenvolvimento. - Salto assim, afirma, da escala de 10 mil anos de história geral para os quinhentos anos da história americana com uma novo livro: As América e a Civilização, em que proponho uma tipologia destes povos, na forma de uma ampla explanação explicativa.

Sua abordagem básica consistiu no desenvolvimento de uma metodologia própria que permitiu reunir os povos americanos em três categorias gerais explicativas do seu modo de ser e elucidativas de suas perspectivas de desenvolvimento. Essa tipologia possibilitou-lhe superar o nível de análise meramente histórico, incapaz de generalizações, e focalizar cada povo de forma mais ampla e compreensível do que seria praticável com as categorias antropológicas e sociológicas habituais. O que estes e outros esquemas marxistas têm de comum é a noção de componentes contrapostos dentro das classes dominantes e e classes dominadas bem como a divisão de umas e outras em diversos segmentos; e a existência de uma classe oprimida, cuja libertação pressupõe uma revolução social. Em qualquer caso trazem implícita a necessidade, na teoria, de “um estudo fatual das estratificações de classe que cristalizam historicamente em cada situação concreta”. A tipologia utilizada foi elaborada “com esse espírito”, O que nos faz compreender o seguinte aspecto, para ele da análise comparada, o fato que em lugar de transpor à América Latina esquemas desenvolvidos pela análise de distintas situações históricas, procuramos elaborar uma tipologia fundada na observação da realidade presente e na análise da formação das classes da América Latina, a partir da estratificação social registrada nas metrópoles ibéricas e do estudo de suas transformações posteriores. Nossa tipologia aqui apresentada de forma sumária nada mais é, na verdade, do que um esquema de posições correntes, e também mais fiel ao verdadeiro significado da teoria marxista de classes sociais.

Essa tipologia é de caráter étnico-nacional e enquanto povos extra-europeus do mundo moderno podem ser classificados em quatro grandes configurações, sendo que cada uma delas engloba populações mito diferenciadas, mas também suficientemente homogêneas quanto ás suas características básicas e quanto aos problemas de desenvolvimento com que se defrontam, para serem legitimamente tratadas como categorias distintas. Tais são os Povos-Testemunho, os meso-americanos que integram o México Asteca-Náhualtl; os Povos Novos, os brasileiros, os grã-colombianos, os antilhanos, os chilenos; os Povos-Transplantados, os anglo-americanos, os rio-platenses, e os Povos-Emergentes, os africanos e asiáticos. Os primeiros são constituídos pelos representantes modernos das velhas civilizações autônomas sob as quais se abateu a expansão europeia. O segundo bloco é representado pelos povos americanos plasmados nos últimos séculos como um subproduto da expansão europeia pela fusão e aculturação de matrizes indígenas, negras e europeias. O terceiro, é integrado pelas nações constituídas pela implantação de populações europeias no ultramar com a preservação do perfil étnico, da língua e da cultura originais. Finalmente, os últimos, representam as nações novas da África e da Ásia cujas populações ascendem de um nível tribal, onde a constatação poética, ou mais tarde psicológica da pluralidade da pessoa, distinta do indivíduo - “eu é um outro”, pode ser interpretada, de um ponto de vista antropológico como expressão de um continuum intangível, ou da condição de meras feitorias de representação coloniais para as etnias nacionais. Só temos valor sociologicamente pelo fato social e político de pertencermos a um grupo determinado culturalmente.

A primeira destas configurações ideal-típica designada Povos-Testemunho é integrada pelos sobreviventes de altas civilizações autônomas que sofreram o impacto da expansão europeia. São resultantes da ação imediata traumatizada daquela expansão e dos esforços de reconstituição como sociedades nacionais modernas. Reintegradas em sua independência, não voltam a ser o que eram, porque se haviam transfigurado profundamente. Mais do que povos considerados atrasados na história, eles são os povos espoliados da história. Contando originalmente com enormes riquezas acumuladas, que poderiam ser agora utilizadas, para custear sua integração nos sistemas industriais de produção, as viram saqueadas pelo europeu. Séculos de subjugação ou de fato dominação direta ou indireta impuseram-lhes profundas deformações que não só depauperaram seus povos nativos como também traumatizaram toda a sua vida cultural. Como problema básico, enfrenta a integração dentro de si mesmo das duas tradições culturais de quem se fizeram herdeiros, não apenas diversas, mas, em muitos aspectos, contrapostas. Atraídos ainda simultaneamente pelas duas tradições, mas incapazes de fundi-las numa síntese hegeliana significativa para toda a população, conduzem dentro de si o conflito entre a cultura original e a civilização europeia. Neste bloco, encontram-se a Índia, a China, o Japão, então Coreia unificada, a Indochina, os países islâmicos e alguns outros.

Nas Américas são representados pelo México, pela Guatemala, bem como pelos povos do Altiplano; sobreviventes das populações Asteca e Maia, os primeiros, e da civilização Incaica, os últimos. Dentre estes povos apenas o Japão e a China conseguiram incorporar suas  sociedades em novas bases. Os dois núcleos de povos da Américas, como povos conquistados e subjugados, sofreram um processo de compulsão europeizadora muito mais violento do que resultou sua completa transfiguração étnica. Seus perfis étnicos nacionais conformam perfis neo-hispânicos metidos nos descendentes da antiga sociedade, mestiçados com europeus e negros. Enquanto que os demais povos extra-europeus apenas coloriram sua figura étnico-cultural original com influências europeias, nas Américas, “a etnia neoeuropeia é que se tinge com as cores das antigas tradições culturais, tirando delas caraterísticas que as singularizam”.  A segunda configuração, os Povos-Novos constituíram-se pela confluência de contingentes díspares características pela confluência de contingentes distintos em suas características raciais, culturais e linguísticas. Reunindo negros, brancos e índios para abrir grandes plantações de produtos tropicais ou para a tenebrosa exploração mineira, visando tão-somente atender aos mercados europeus e gerar sucessivos lucros, as nações colonizadoras acabaram por plasmar povos profundamente diferenciados de si mesmas e de todas as outras matrizes formadoras.

As jazidas foram descobertas casualmente, em 1545, por um indígena chamado Hualpa ou Gualca. Neste mesmo ano foi registrada a descoberta de uma primeira mina, que o espanhol Juan de Villarroel denominou “Descoberta”. Ao final do século XVIII contavam-se cerca de 5 mil “bocas de mina”, produzindo anualmente 250 a 300 mil marcos de prata. Etnograficamente a boca da mina é sustentada por concreto e antigas pedras cobertas por sangue de lhama. Já nas minas mais recentes, as entradas são feitas com eucalipto. Na entrada existe uma lista, feita à mão, com a escala dos mineiros que trabalharão em cada dia da semana. Os mineiros vestem-se com calças, blusas, sandálias e capacetes com uma lâmpada sustentada por querosene. Existem também os tubos que conduzem ar comprimido para a perfuração e ventilação. Ao entrar-se pela galeria principal, percebe-se muita água, poeira e lama, que aumenta à medida que se caminha. Dentro da mina, existem várias galerias nas quais só se pode entrar arrastando-se e onde a temperatura varia de muito quente a muito fria. A sua exploração em grande escala foi possibilitada pela descoberta, em 1563, de jazidas de mercúrio em Huancavelica. O sistema de exploração mineira era baseado no trabalho indígena, por meio da mita, um sistema de trabalho existente na região conquistada pelo Império Espanhol na América do Sul.

Sua aplicação data do ano de 1573, sob o governo do Vice-Rei Francisco Toledo, tendo sido aplicado como um regime de trabalho assalariado forçado. Estima-se que 1/3 da produção tenha circulado às margens dos controles fiscais. Ainda existem pessoas trabalhando nas minas devotas á “el tio” (diabo) mesmo pertencendo a religião cristã, essas pessoas continuam lá porque querem obter dignidade para sua família. O papel político das mulheres indígenas nas sociedades andinas era caracterizado como uma relação colaborativa no âmbito do público e privado. Para entendermos o papel da mulher andina naquela sociedade, é importante notar que o governo espanhol buscou substituir o Império Inca sem desafiar abertamente as ordens morais e a hierarquia nativa. A partir do momento no qual a família do mitayo o acompanha na sua jornada, faz-se vital que a mulher exerça atividades em razão da lógica da complementariedade de gênero que guiava o pensamento social andino. Nesse sentido, enquanto os parceiros trabalhavam nas minas, as mulheres andinas realizavam uma série de atividades como empregadas dos espanhóis e mestiços, além de vender seus produtos nos mercados locais. Algumas mulheres que não conseguiam acompanhar seus maridos na viagem até a mina ficavam responsáveis pelo pagamento do sistema tributário, tendo em vista que o governo colonial buscou compensar a queda nos rendimentos da coroa a partir do retorno ao sistema tributário incaico, que eram cobrados a partir de um homem adulto, casado, com uma residência. As mulheres não exerciam trabalho nas minas em razão da lógica social masculina espanhola, na qual as atividades produtivas eram ligadas ao homem ao passo que as mulheres exerciam atividades com pouco reconhecimento social para a sociedade de seu tempo.

Domitila Barrios de Chungara foi uma líder operária. De família humilde deu numerosos depoimentos a respeito do sofrimento que tinham os mineiros de seu país. Tornou-se famosa por sua luta “pela via pacífica” contra as ditaduras de René Barrientos Ortuño e de Hugo Banzer Suárez. Domitila Barrios Chungara nasceu no dia 7 de maio de 1937 na comunidade Catavi, dentro da mina Siglo XX. Quando tinha dez anos, os rigores da vida do povo mineiro acabaram com a vida de sua mãe; teve então que cuidar das suas cinco irmãs menores, pois seu pai passava todo o dia trabalhando. Com o passar dos anos, deixou de ser uma mera vítima das circunstâncias convertendo-se em dona de seu próprio destino. Em 1952, como esposa de um trabalhador mineiro, fez parte do Comité de Amas de Casa del Distrito Minero Siglo XX, “um centro mineiro boliviano, produtor de estanho, pertencente ao Estado e administrado pela Corporación Minera de Bolívia (COMIBOL) desde 1952, quando as minas foram nacionalizadas. Anteriormente, pertencia aos assim chamados “barões do estanho”: Patiño, Hoscild e Aramayo. É um centro mineiro que se tem tornado famoso, não somente pela quantidade de mineral extraído da mina, senão por ser o maior do país, e pelo espírito de luta que tem caracterizado os trabalhadores, através da organização sindical e de vários líderes politicamente conscientes (cf. Viezzer, 1978). Sua liderança já era evidente, o que a levou a ser designada Secretária Geral dessa importante organização. Em junho de 1967, o presidente René Barrientos Ortuño enviou um contingente militar às comunidades de Catavi e Llallagua, para reprimir as reivindicações dos mineiros contra a exploração e os abusos dos grandes empresários. Depois da matança, Domitila Bairros Bacia foi presa e torturada pelos militares.

Em consequência destes abusos perdeu o bebê que levava dentro de seu ventre. Estes fatos conhecem-se como o Massacre de San Juan. No Natal de 1977, Barrios iniciou uma greve de fome junto com outras quatro mulheres mineiras contra a ditadura. Seguiram-lhes os sacerdotes Luís Espinal e Xavier Albó; e em pouco tempo, mais de 1.500 pessoas somaram-se à greve. Com o passar das horas, os grevistas multiplicaram-se por milhares, e ao regime militar não lhe ficou outra opção salvo senão a de recuar em favor da democracia. Conseguiu derrubar  a ditadura militar do general Hugo Banzer Suárez obrigando-lhe a iniciar uma verdadeira  abertura democrática e não um simulacro, como era originalmente planejado. Sua luta e determinação representou o início de uma nova era da história colonial. Mas é verdade que,  mesmo durante o estágio da huayara, toda a prata produzida pelos índios voltava á circulação no sistema colonial. Ou seja, os que iam trabalhar em Potosi, a fim de pagar o tributo, enviaram-  nos a seus encomenderos ou para a coroa. E à medida que, de seu lado, dominaram o restante do mercado, especialmente o da coca e do milho, os espanhóis recuperaram a prata que  continuava na posse dos trabalhadores livres através do comércio. Dessa forma, a introdução do dinheiro em última análise integrava os índios, no sistema econômico como “reserva de trabalho”. As mudanças no sistema econômico foram acompanhadas, tanto no Peru quanto no México, pelo desmantelamento da estrutura social, mas o processo assumiu diferentes formas em cada área. Não se sabe até onde ayllus e as calpulli foram afetadas pelas consequências da invasão europeia, mas ambas continuaram a ser as células básicas da sociedade indígena.

A natureza da sublevação se manifesta mais nos dois extremos da escala social: os índios, uma parcela cada vez maior da população, que não mais participavam do setor comunitário da economia, e aqueles senhores que haviam perdido muitos de seus poderes tradicionais. Durante os dois vice-reinados desenvolveu-se um padrão de migração de que os coletivos de trabalho que detinham o processo produtivo começaram a se queixar. No Peru, além de dos deslocamentos ocasionados pela própria conquista, as guerras civis entre os partidários de Pizarro e os de Almagro, que perduraram até 1548, ajudaram a desarraigar a população. Muitos índios, recrutados nos exércitos adversários e levados para longe de suas aldeias de origem, ou terminaram por um número grande de mendigos, ou permaneceram como yanaconas a serviço dos espanhóis. Deve-se lembrar de que em Tahuantinsuyo, o termo yana designava “os índios livres de vínculos familiares e pessoalmente dependentes do curaca ou do Inca”. Mas, enquanto antes da invasão dos espanhóis ainda constituíam uma pequena parcela da população, seu número começava agora a multiplicar. Seu status, no entanto, continuava a variar consideravelmente: se os yanaconas de Potosi, segundo pareceu, eram livres de dependência pessoal, não era o caso dos que foram trabalhar nas hacienda que surgiam, ou dos que eram empregados pelos espanhóis como servidores domésticos. Tirando essas diferenças, o grosso da população andina estava dividido em duas categorias: os hatunruna ou índios das comunidades que eram sujeitos ao tributo e à mita; e os yanaconas, considerados de status social inferior, mas que eram na prática livres das obrigações devidas pelos outros índios. Fora dessa distinção social desenvolveu-se uma diferença essencial entre os dois vice-reinados nos séculos posteriores. No Peru, o aumento do número dos yanaconas e, depois, de “forastero” criou um problema cuja seriedade, embora não fosse tão evidente no século XVI, se manifestou abertamente no século XVII e deveria persistir por todo o período colonial: continha o embrião do conflito entre, de um lado os haciendados que tinham controle sobre parte da força de trabalho e, de outro, os mineiros (privados de mitayos) e a coroa (privada de tributos): o problema de submeter os yanaconas e os forasteros às obrigações que presavam sobre o restante dos índios deveria dominar a história dos Andes entrais e meridionais.

No ano de 1551, houve a permissão de utilização da mão de obra indígena voluntária sob o esquema de jornais. O Acordo de Hacienda, assinado em 1570, fez do encomendero de Huamanga, Garci Diez de San Miguel, o grande ator no processo de convencimento dos indígenas a aderirem ao trabalho nas minas. No entanto, os caciques de Huamanga se negaram a ceder a mão de obra indígena para o trabalho mineiro e, em decorrência deste ato, a Junta de Notables, estabelecida no mesmo ano, aprovou o trabalho indígena. O continente ameríndio produziu, durante o período colonial, mais prata que ouro, sendo que o Vice-Reino da Nova Espanha foi o maior usurpador destes minérios durante todo o período. Não queremos perder de vista que o termo “índio” provém do fato de que o invasor Cristóvão Colombo, quando chegou à América, estava convencido de que tinha chegado à Índia, pois o gentílico espanhol à pessoa nativa da Índia é índio (índio), e dessa maneira chamou os povos indígenas que ali encontrou. Por essa razão também, ainda hoje se referem às ilhas do Caribe como Índias Ocidentais. O termo “ameríndio” é usado para o continente colonizado, em substituição às palavras “índios”, “indígenas” e outras consideradas racistas ou preconceituosas. Na colônia, dois períodos são reconhecidos como o auge da produção mineira, sendo eles o dos anos entre 1570 e 1630, no qual o Vice-reino do Peru foi o maior produtor e, em seguida, o período correspondente aos anos de 1770 e 1800, no qual a extração de minérios no México superou as áreas geográficas sul-americanas. A descoberta de Potosí em 1545 reorganizou a estrutura colonial espanhola. Em meados de 1570 o Cerro Rico foi fundamental para a dinâmica mercantil, pois a prata que brotava de Potosí marcou novo estágio capitalista.

O chamado Novo Mundo foi responsável pela produção de 74% da prata produzida no mundo durante o século XVI e, com isso, Potosí nascia como a maior cidade do mundo, ultrapassando cidades como Amsterdã, Londres, Sevilha e Veneza. No que se refere ao mundo do trabalho mitayo, faz-se vital apontar que não existia apenas um tipo de mita em todo o chamado Novo Mundo. No entanto, a mita potosina, aqui analisada, possuiu uma totalidade imensa de tributários, oriundos de 16 províncias, para trabalhar nas minas, assim como nos engenhos de moagem de metais. Os mitayos eram majoritariamente, responsáveis pela realização da retirada do mineral das minas e acabavam por carregar a sua produção em bolsas de couro em suas costas, podendo realizar a atividade de incorporar o metal selecionado para moer nos engenhos. Os responsáveis por essas atividades laborais eram reconhecidos como apiris. Melhor dizendo, a organização socioeconômica da região se apresentava, em conjunto articulada com as ordens política e institucional, sob o parâmetro religioso. Nesse sentido, naquele ano Toledo iniciou sua caminhada pela região que culminaria na instauração da mita. A utilização da mão de obra indígena no Cerro Rico de Potosí está intimamente ligada ao processo de recrutamento de índios minga, ou seja, indígenas alugados que cobravam de acordo com a atividade realizada. Muitos indígenas sobre o regime da mita optavam por trabalhar como mingas, pois com o salário que recebiam poderiam pagar sua “substituição” na mita, mas outros assentamentos possuíam aparentemente maiores vantagens no processo em relação aos indígenas. O trabalho de mineração em Potosí dependeu da força de trabalho indígena.

Somente quando foi introduzido o processo de trabalho em torno da amalgamação (cf. Oliveira, 2009), no governo do vice-rei Fernando Álvarez de Toledo y Pimentel, em 1574, é que os espanhóis puderam romper o controle indígena sobre a produção da prata. Com a queda da qualidade da prata existente em Potosí e, consequentemente, a queda na produção do minério, Toledo decide manter praticamente a huayra em casos pontuais, além de incentivar o desenvolvimento da prática de amálgama entre o mercúrio e prata (“azougue”). Com isso, prescreveu que o pagamento dos mitayos deveria ser feito em minério, não percebendo que a demanda técnica não poderia ser suprida pelos indígenas. Potosí, passa a ser construída a partir de moinhos movidos por energia humana, que foram rapidamente substituídos por máquinas de tração animal e, finalmente, por um maquinário movido por energia hidráulica. Durante os primeiros decênios da exploração das minas de Potosí, os métodos e técnicas de trabalho utilizado eram os mesmos da era pré-hispânica e, com isso, os primeiros trabalhadores eram oriundos das regiões mais antigas do Porco. Até o último terço do século XVII, a introdução de equipamentos de bronze ou cobre e a escavação no formato de galerias horizontais permitia desta forma a extração, drenagem e ventilação. A mita potosina implicava a migração forçada,  por um período de um ano de indígenas tributários de homens entre 18 e 50 anos, provenientes de diversas províncias das terras altas, localizadas entre o sul do Peru e da Bolívia.

Os indígenas das terras baixas não entravam neste sistema para evitar doenças e mortes em decorrência do clima frio e seco das altas terras potosinas. Estabeleceu-se que, em tese, cada indígena deveria cumprir seu turno de mita a cada 6 ou 7 anos, acompanhados de suas mulheres, filhos e recursos. Em 1575, houve a reestruturação do sistema total do trabalho mitayo (“mita gruesa”). Um terço, correspondente à mita ordinária, cumpriria seu turno semanal enquanto os outros estariam descansando. Há que se notar que este aspecto foi mais teórico que real. É importante notar que em torno de 3% dos homens adultos eram cotados para trabalhar no regime mitayo durante o século XVI, sendo essa estimativa considerada alta em decorrência da realização periódica deste trabalho. Durante o tempo livre que os mitayos possuíam, eles possivelmente trabalhavam como mingados. Outras questões étnicas e políticas que podem ser levantadas quanto a prática, é a transformação destes indígenas no seu ambiente. Com a migração forçada desta mão de obra, os indígenas passam a ser considerados “forasteros” naquela região, deixando de ser reconhecido como originário, além de ter que reestruturar sua formação institucional e cultural em razão da nova forma de organização socioeconômica. Se compararmos com a violência dos trabalhos forçados de negros escravos ou libertos, perceberemos que a participação social ativa deste contingente é muito inferior à dos povos autóctones durante o período de mineração de prata. Comparativamente o período de início da exploração de minérios colonial em Potosí (1545), a organização dos meios de trabalho e processo social da produção mineira mantiveram-se sob o controle indígena durante o período reconhecido huayra, a tradicional fundição nativa, geralmente situada nos morros para aproveitar o vento, como ocorrerá com a energia eólica posterior.

Foi fundada em 1546. Em 1611, já era a maior produtora de prata do mundo e tinha à volta de 150 000 habitantes. Alcançou seu apogeu durante o século XVII, tornando-se a segunda cidade mais populosa (atrás de Paris) e a mais rica do mundo, devido à exploração de prata enviada à Espanha. No entanto, em 1825, a maior parte da prata já se tinha esgotado e a sua população desceu até os 8 000 habitantes. No começo do século XX, a exploração de estanho se incrementou pela demanda mundial e, como consequência, Potosí voltou à experimentar um crescimento importante. Durante o período em que fora utilizada a huayra os espanhóis fizeram inúmeras tentativas de libertar-se do monopólio tecnológico indígena resultado da apropriação do minério; mas como descreve Garcilaso de la Vega, todas essas tentativas fracassaram. Coube na démarche de Garcilaso introduzir, em língua espanhola, as formas poéticas italianas. Sua morte vem cercada de uma série de circunstâncias trágicas: após acompanhar o imperador D. Pedro de Toledo numa expedição a Túnis, em 1535, tomou parte na invasão da Provença, sendo mortalmente ferido quando atacava um forte em Muy, próximo a Fréjus. Seu trabalho teórico tendo como escopo a relação social descrita nos poemas inclui três pastorais, 37 sonetos, cinco canções, duas elegias e uma epístola em versos brancos.

Estes contingentes básicos, embora exercendo papéis distintos, entraram a mesclar-se e a fundir-se culturalmente com maior intensidade do que em qualquer outro tipo de conjunção. Assim, ao lado do branco, “chamado a exercer os papéis de chefia na empresa” (por força das condições de dominação impostas aos demais); do negro, nela “engajado como escravo”; do índio, “também escravizado ou tratado como mero obstáculo a erradicar”, foi surgindo uma população mestiça que fundiam aqueles matizes nas mais variadas proporções. Os povos-Novos surgem hierarquizados, como os Povos-Testemunho, pela distância social que separa a sua camada senhorial de fazendeiros, mineradores, comerciantes, funcionários coloniais e clérigos da massa escrava engajada na produção. Constituíam-se de rudes empresários, senhores de suas terras e de seus escravos, forçados a viver junto a seu negócio e a dirigi-lo pessoalmente com a ajuda de uma pequena camada intermédia de técnicos, capatazes e sacerdotes. Onde a empresa prosperou, como nas zonas açucareiras e mineradoras do Brasil e das Antilhas, puderam dar-se ao luxo de residências senhoriais e tiveram de alargar a camada intermédia, tanto de engenhos como das vilas costeiras, incumbidas do comércio exterior.

Vale lembrar, segundo Ribeiro (1968), que nenhum dos povos deste bloco constitui uma nacionalidade multiétnica. Em todos os casos comparados, seu processo de formação foi suficientemente violento para compelir a fusão das matrizes originais em novas unidades homogêneas. Somente o Chile, por sua formação étnica peculiar, guarda no continente araucano, uma micro-etnia diferenciada nacional, historicamente reivindicante do direito de se ela própria, ao menos como modo diferenciado de participação na sociedade nacional. Os chilenos e os paraguaios contrastam também com os outros Povos-Novos pela ascendência principalmente indígena de sua população e pela ausência do contingente negro escravo, bem como do sistema de plantation, que tiveram papel tão saliente na formação dos brasileiros, dos antilhanos, dos colombianos e dos venezuelanos. Ambos conformaram, por isto, juntamente com a matriz étnica original dos rio-platenses, uma variante dos Povos-Novos. A composição predominante índio-espanhola dos Povos-Testemunhos se diferencia dessa variante porque suas populações indígenas originais não haviam alcançado um nível de desenvolvimento cultural equiparável aos dos mexicanos ou dos Incas. É o resultado da seleção de qualidades raciais e culturais das matrizes formadoras, que melhor se ajustaram às condições que lhes foram impostas. O papel decisivo em sua formação social foi representado pela escravidão que, operando como força distribalizadora, desgarrava as novas criaturas das tradições ancestrais. São produto tanto da deculturação redutora de seus patrimônios tribais indígenas e africanos, quanto da aculturação seletiva deles e da própria criatividade na vida e sobre as condições de trabalho face ao novo meio social.

A terceira configuração histórico-cultural é representada pelo Povos-Transplantados, correspondentes às nações modernas criadas pela migração de populações europeias para novos espaços mundiais, onde procuram reconstituir formas de vida essencialmente idênticas às de origem. Cada um deles estruturou-se segundo modelos de vida econômica e social da nação de que provinha, levando adiante, nas terras adotivas, processos de renovação que já operavam nos velhos contextos europeus. Suas características referem-se à homogeneidade cultural que mantiveram pela origem comum de sua população, ou que plasmaram pela assimilação dos novos contingentes. A maioria destes contingentes veio ter à América como trabalhadores rurais aliciados mediantes contratos, que os submetem a anos de trabalho servil, embora em sua grande parte tenha conseguido, mais tarde, ingressar na categoria de granjeiros livres e de artesãos também independestes. Integram o bloco de Povos-Transplantados a Austrália e a Nova Zelândia, em certa medida também os bolsões neo-europeus de Israel, da União Sul-africana e da Rodésia. Nas Américas são representados pelos Estados Unidos da América, pelo Canadá e também pelo Uruguai e Argentina. Nos primeiros casos tais povos nascem de projetos de colonização implantados sobre territórios, cujas populações tribais foram dizimadas ou confinadas em reservations para que uma nova sociedade neles se instalasse.

No caso dos países rio-platenses, encontramos a resultante de um empreendimento peculiaríssimo de uma “elite crioula” – inteiramente alienada e hostil à sua própria etnia de Povo-Novo – que adota como projeto nacional a substituição de seu próprio povo por europeus brancos e morenos, concebidos como gente com mais peremptória vocação para o progresso social. A Argentina e Uruguai resultam de um novo processo social de sucessão ecológica deliberadamente desencadeada pelas oligarquias nacionais, através da qual uma configuração de Povo-Novo se transforma em Povo-Transplantado. Neste processo, a população ladina e a gaúcha, originária da mestiçagem dos povoadores ibéricos com o indígena, foi esmagada e substituída, como contingente básico da nação, por um alude de imigrantes europeus. O quarto bloco de povos extra-europeus do mundo moderno é constituído pelos Povos-Emergentes. São integrados pelas populações africanas que ascendem da condição tribal à nacional. Na Ásia encontram-se também alguns casos de Povos-Emergentes que transitam da condição tribal à nacional. Esta categoria não surgiu na América, apesar do avultado número de populações tribais que, ao tempo da conquista, contavam com centenas de milhares e com mais de um milhão de habitantes. Este fator pari passu social e político, mais do que qualquer outro sentido, exprime a violência da dominação, primeiro europeia que se prolongou por quase quatro séculos, depois nacional, a que estiveram submetidos os povos tribais americanos.

Dizimados prontamente, alguns deles, outros mais lentamente, somente sobreviveram poucos que foram anulados como etnias e como base de novas nacionalidades, enquanto seus equivalentes africanos e asiáticos, apesar da violência d impacto sofreram, ascendem para a vida nacional. A consciência étnica percorre todo o mundo. Nunca as chamadas minorias nacionais forma tão combativas como agora. Isto se pode constatar pela luta de Bascos, Catalães, Galegos, Bretões, Flamengos e de outras nacionalidades fanaticamente apegadas a tudo que afirme seu caráter de etnias autônomas imersas em entidades multiétnicas. Os grupos nacionalistas da Catalunha e dos país Basco se opõem à visão celebrativa e triunfalista, por exemplo, do quinto centenário, porque estas duas comunidades autônomas estabelecem uma relação imediata entre a hispanidad do quinto centenário e o nacionalismo opressivo do Estado espanhol franquista. Na diada de l`onze de setembre, dia nacional catalão, ou dia do Eusko Gudari, o dia do soldado basco, não são raras as faixas contrárias à celebração dos quinhentos anos. Ipso facto Luís Maria Mugica Urdangarin‎ (1975), professor universitário de filosofia basca, expressa preocupação com relação ao tom triunfalista que se queria dar á celebração, e afirma que, em função da experiência específica das “pequenas nacionalidades”, estas estariam preparadas para realizar uma reflexão crítica em torno do quinto centenário. Enfim, existe uma “geografia imaginária” do império e nela considerada como ponto de chegada no Estado espanhol o dia 12 de outubro, onde comemora-se a presença de Colombo no chamado Novo Mundo e o inconsequente início de uma tragédia etnocida, o dia da hispanidad como queriam os franquistas, eludindo já ao que inequivocadamente desembocaria em ideias protofascistas. 

Bibliografia geral consultada.

ARGUEDAS, José María, Señores e Índios. Acerca de la Cultura Quechua. Buenos Aires: Acalanto Editorial, 1976;  BACIGALUPO, Ana Mariela, La Voz del Kultrún en la Modernidad: Tradición y Cambio en la Terapéutica de Siete Machi Mapucha. Santiago: Editorial Universidad Católica de Chile, 2001; MARTÍN-BARBERO, Jesús, Ofício de Cartógrafo: Travessias Latino-americanas da Comunicação na Cultura. São Paulo: Edições Loyola, 2004; ABSI, Pascale, Los Ministros Del Diablo: El Trabajo y sus Representaciones en las Minas de Potosí. La Paz: Instituto de Investigación para El Desarrollo; Instituto Francés de Estudios Andinos; Fundación para la Investigación Estratégica en Bolívia, 2005; RIBEIRO, Darcy, O Processo Civilizatório. Etapas da Evolução Sociocultural. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1968; Idem, Diários Índios: Os Urubus-Kaapor. São Paulo: Editora Companhia da Letras, 2006; WIERVORCKA, Annette, L` Ere du Témoin. Paris: Éditions de l`Atelier, 2009; GOUVEIA, Mariana Bonfati de Nobrega, As Contradições da Contemporaneidade Peruana a partir de El Zorro de arriba y El Zorro de abajo de José María Arguedas. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em História. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2009; PORTALA, João Paulo, O Problema Indígena na Obra de José María Arguedas. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2012; DELGADO, Ana Carolina Teixeira, Guerreiros do Arco-Íris: Os Caminhos e Descaminhos da Descolonização na Bolívia no Início do Século XXI. Tese de Doutorado. Instituto de Relações Internacionais. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2014; VARGAS, Berchman Alfonso Ponce, Entre o Estigma e o Reconhecimento: Práticas Culturais Aimarás na Cidade de Tacna-Peru. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Instituto de Ciências Sociais. Departamento de Sociologia. Brasília: Universidade de Brasília, 2017; CORREIA, Elayne Castro, Uma Leitura de Los Ríos Profundos, de José María Arguedas, a partir da Heterogeneidade e da Melancolia no Narrador. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2018; LUZ, David Antunes, O Indígena Andino e a Colonização no Alto Peru: Do Período Pré-Incaico até a Independência, num Prelúdio da Bolívia como Nação Inconclusa. Monografia de Bacharelado em Relações Internacionais. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2020; DOMÍNGUEZ, Maria Eugênia; MONTARDO, Deise Lucy Oliveira (Org.), Arte, Som e Etnografia. Florianópolis: Editora da Universidade Federal de Santa Catarina, 2021; entre outros.

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