domingo, 6 de julho de 2025

O Dia da Colheita – Athina Rachel Tsangari & Ficcionalização Tabuizada.

     A competição é a lei da selva, a cooperação é a lei da civilização”. Piotr Kropotkin  

           

         Harvest representa um filme de drama de 2024 dirigido por Athina Rachel Tsangari. Adaptado por Joslyn Barnes e Tsangari do livro de 2013 de Jim Crace, o filme é estrelado por Caleb Landry Jones. O filme estreou no 81º Festival Internacional de Cinema de Veneza, onde competiu pelo Leão de Ouro. Athina Rachel Tsangari nascida em 2 de abril de 1966 é uma cineasta grega cujos filmes, entre seus trabalhos mais notáveis, incluem seus longas-metragens The Slow Business of Going (2000), Attenberg (2010) e Chevalier (2015), bem como a coprodução dos filmes Kinetta (2005), Dogtooth (2009) e Alps (2011), de Yorgos Lanthimos. Em seu diversificado e versátil trabalho para o cinema, fundou e foi diretora do Festival Internacional de Curtas-Metragens Cinematexas. Em 2014-2015, foi convidada para o departamento de Estudos Visuais e Ambientais da Universidade de Harvard como professora Visitante em Arte, Cinema e Estudos Visuais. Tsangari nasceu em Atenas, Grécia. Possui um diploma universitário da Faculdade de Filosofia da Universidade Aristóteles de Tessalônica, fundada em 1925 durante o governo de Alexandros Papanastasiu (1876-1936). Foi a segunda universidade grega, após a Universidade de Atenas, fundada em 1837, e obtenção de dois diplomas de pós-graduação: um de Mestrado em estudos de performance pela Tisch School of the Arts da Universidade de Nova York e Mestrado em direção de cinema pela Universidade do Texas em Austin.

         Um monstro representa um tipo de criatura fictícia per se simbolicamente encontrada em horror, fantasia, ficção científica, filosofia, folclore, cinema, mitologia e religião. Monstros são muitas vezes descritos como perigosos e agressivos com uma aparência estranha e grotesca que causa terror e medo. Monstros geralmente se assemelham a animais bizarros, deformados, sobrenaturais e/ou mutantes ou criaturas inteiramente únicas de tamanhos variados, mas também podem assumir uma forma humana, como mutantes, fantasmas e espíritos, zumbis ou canibais, entre outras coisas. Eles podem ou não ter poderes sobrenaturais, mas geralmente são capazes de matar ou causar alguma forma de destruição, ameaçando a ordem social ou moral do mundo humano no processo. Monstros animais estão fora da ordem moral, mas às vezes têm sua origem em alguma violação humana da lei moral, por exemplo, no mito grego, Minos não sacrifica a Posídon “o touro branco que o deus lhe enviou”, então como punição Posídon faz a esposa de Minos, Pasífae, apaixonar-se pelo touro, copula ou seja, a união de dois indivíduos de sexos opostos para a reprodução sexual, com a fera e dá à luz o homem com cabeça de touro, o extraordinário Minotauro. Seu devenir e seu pensamento demonstram similitude de um importante grau coletivo de coincidência, mas também de autonomia relativa das instâncias ou níveis sociais e de independência de raciocínio.     

          Chloe e seu filho Jules, de seis anos de idade, se mudam para uma afastada zona rural francesa para começar uma nova vida. Pretendendo se distanciar de um passado ainda muito doloroso, ela aceita assumir o cargo de professora na escola da vila que está abalada pelo fato socialmente inexplicável do desaparecimento de um menino meses atrás. Mathieu, o médico do local, logo se aproxima de Chloe, mas Jules sente que o homem é um monstro, quer devorá-lo e levar sua mãe embora.  A literatura moderna sobre monstros escrita após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) difere de obras anteriores, pois as peças modernas adotam explicações mais técnicas para ocorrências sobrenaturais. Além disso, a literatura sobre monstros, desde a virada do século, tem estado intimamente ligada ao conceito de Antropoceno, um termo geológico descrito por Eugene Stoermer (1934-2012), um pesquisador em diatomáceas, com especial ênfase em espécies de água doce dos Grandes Lagos da América do Norte e Paul Crutzen (1933-2021), laureado com o prêmio Nobel de Química de 1995, pelo seu trabalho na química atmosférica, distingue-se por ter centrado sua pesquisa no impacto significativo do homem no meio ambiente e nas formas sociais como os seres humanos, e o ambiente estão realmente imbrincados. O Antropoceno inspirou metodologicamente uma série de bons autores a criar uma variedade de histórias que utilizam conceitos de humanos, reconhecidos como direitos civis e ambiente tecnologicamente de diferentes maneiras, tem sido a reformulação da literatura sobre monstros.       

 

O paradoxo de consequências não-intencionais, para lembramos de C. Wright Mills (1861; 1969; 2019), constatado no plano global que constitui a coexistência da homogeneização e dos particularismos é encontrado também no plano local que tem por campo de ação o planeta no seu conjunto, considerado como um mercado, uma zona de extensão, um local de concorrência ou de parceria, apesar de coexistirem de maneira espetacular diferentes origens, línguas e culturas. A particularidade diz respeito ao fato de saber o que acontece na relação com o real quando mudam as condições da simbolização. Daí a importância de se compreender e descreve e explicar no campo da imagem, de sua produção social, recepção, influência, de sua relação com o sonho, o devaneio, a criação e a ficção, a substituição das mediações complexas pelos meios de comunicação, posto que contenha em si uma possibilidade de violência, que hoje afeta, contamina e penetra a vida social. A sociologia analiticamente não confunde a prática dos rituais com seu sentido na vida cotidianamente. Seria preciso mencionar, assim, todos os casos de ficcionalização do real, dos quais a televisão/cinema é um instrumento essencial, e que correspondem a uma verdadeira revolução, a partir do momento em que não é mais a ficção que imita o real, mas o real que reproduz a ficção. Essa ficcionalização liga-se à abundância de imagens e à abstração do olhar que a precede. 

A imagem televisiva equaliza os acontecimentos sem poder jogar, como a imprensa escrita, com a paginação e a diferença de caracteres: as imagens se sucedem ininterruptamente. Constatamos simplesmente que a fronteira entre real e ficção, imaginário e sociedade se faz menos nítida e o autor mesmo que exista, está ausente da consciência do telespectador. O princípio é o concreto abstrato que é a natureza. Só a unidade, a totalidade de ambos é real. A totalidade, que era uma ideia, torna-se uma hipótese científica destinada a analisar e a interpretar os fatos sociais. Torna-se a categoria fundamental que permite pensar não a irrealidade de um Estado ideal, mas a diversidade concreta possibilitada pela constituição pragmática da história humana. A história deixa de ser espaço infinito onde são atiradas as inúmeras obras da fantasia e acaso, de lugar praticado que faz esmorecer a vontade de conhecimento. Na história o tema filosófico do “cativeiro da razão”, expresso através da alegoria da caverna é tão antigo quando a formação do pensamento humano. Ele surgiu quando os primeiros filósofos se deram conta das ilusões provocadas pelas interferências constituída pelo afeto, e das ilusões provocadas pelos sentidos, sempre falíveis, ou pela razão, sempre   as sofísticas intencionais ou involuntárias. O que é novo, contrariamente ao que não quer dizer novidade e pode ser datado do período moderno, é a tentativa de situar no mundo social, mediado pelas relações, a fonte das ilusões da consciência. Essa tentativa nasceu em circunstâncias paradoxais. Tema conspícuo da falsa consciência, concebido como incapacidade “cognitiva condicionada”, é constituído no século XIX, e durante o século XX, que o desloca (ilusão), no instante em que o condensa (alusão). É o aspecto central da relação imaginária do homem.

O esquema é uma generalização dinâmica e afetiva da imagem, constitui a factividade e a não-substantividade geral do parcours imaginário. O esquema aparenta-se ao que Jean Piaget, na esteira de Herbert Silberer, chama “símbolo funcional” e ao que Gaston Bachelard na filosofia chama de “símbolo motor”. Faz a junção ente dos gestos inconscientes da sensório-motricidade, entre as dominantes reflexas e as representações. São esses esquemas que na antropologia do imaginário formam o “esqueleto dinâmico”, o esboço funcional da imaginação. A diferença entre os gestos reflexológicos que Gilbert Durand descreve analogamente e os esquemas é que estes últimos já não são apenas abstratos engramas teóricos, mas trajetos encarnados em representações concretas bem mais precisas. Os gestos diferenciados em esquemas vão determinar, em contato com o ambiente natural e social, os grandes arquétipos que Jung os definiu. Os arquétipos constituem as substantificações dos esquemas. Carl Jung vai buscar esta noção em Jakob Burckhardt e faz dela sinônimo de origem primordial, de enagrama, de margem original, de protótipo social. O pensador evidencia claramente o caráter de trajeto antropológico dos arquétipos quando escreve que a imagem primordial deve incontestavelmente estar em relação com certos processos perceptíveis da natureza que se reproduzem sem cessar e são sempre ativos, mas por outro lado é igualmente indubitável que ela diz respeito também a certas condições inferiores da vida do espírito e da dinâmica da vida em geral. 

A primeira experiência de Athina Rachel Tsangari trabalhando no cinema ocorreu com um pequeno papel social no filme Slacker de Richard Linklater, de 1991. Desde então, Tsangari assumiu vários papéis na indústria cinematográfica. Seu primeiro curta-metragem, Fit (1994), foi criado para seus estudos na NYU e foi selecionado para o Annual Student Academy Awards. Para sua dissertação de Mestrado, criou seu primeiro longa-metragem, The Slow Business of Going (2000), um road movie lo-fi/sci-fi, filmado em vários formatos em quartos de hotel de nove cidades ao redor do mundo e, em seguida, transferiu o corte final do filme para 35 mm. O filme estreou no Festival Internacional de Cinema de Thessaloniki em 2000 e ganhou o prêmio de melhor filme no New York Underground Film Festival em 2002. O filme foi descrito por Domitila Bedel em Senses of Cinema como “uma ereção permanente para os olhos”. A pesquisa de críticos do Village Voice de 2002 o listou como um dos “melhores primeiros filmes” do ano e agora pertence à coleção permanente de filmes do MoMA. Seu segundo longa-metragem, Attenberg (2010), estreou na competição principal do 67º Festival Internacional de Cinema de Veneza, onde ganhou o Prêmio Coppa Volpi de Melhor Atriz para sua protagonista, Ariane Labed. Inscrição oficial da Grécia para Melhor Filme Estrangeiro no 84º Oscar. Seu curta-metragem The Capsule (2012), encomendado pela Deste Foundation for Contemporary Art, foi exibido nos festivais de cinema de Locarno, Toronto e Sundance e aclamado pela crítica. É uma fundação de artes em Nea Ionia, um subúrbio ao Norte de Atenas, Grécia. Abrigando a coleção de arte do empresário cipriota grego Dakis Joannou, que organiza exposições com a coleção e encomenda novos trabalhos de artistas contemporâneos internacionais emergentes e prontamente estabelecidos.

Em 2013, foi uma das setenta realizadoras convidadas pelo Festival de Cinema de Veneza para participar no projeto Venezia 70 - Future Reloaded, para o qual realizou a curta-metragem de ficção científica 24 Frames Per Century (2013). Ainda em 2013, também criou um filme de arrecadação de fundos para o Museu Benaki, o museu pioneiro do patrimônio grego, narrado por ninguém menos que Willem Dafoe. Em 2015, seu terceiro longa-metragem, Chevalier (2015), foi lançado — uma comédia ambientada em um iate no Mar Egeu e estreou no Festival de Cinema de Locarno. Ganhou o prêmio de Melhor Filme na competição oficial do BFI-London Film Festival 2015. Também recebeu o prêmio de Melhor Ator por seu elenco totalmente masculino e uma Menção Especial do Júri pela direção, do Sarajevo IFF. Teve sua estreia norte-americana no Toronto IFF, seguido pelo Festival de Cinema de Nova York, com aclamação da crítica. O filme foi a entrada oficial da Grécia para Melhor Filme Estrangeiro no 89º Oscar. O próximo projeto de direção de Tsangari é uma adaptação cinematográfica do romance Harvest, de Jim Crace, com data de lançamento estimada para 2024. Autores notaram a extrema confusão que reina na demasiado rica terminologia do imaginário social: signos, imagens, símbolos, alegorias, emblemas, arquétipos, esquemas (schémas), esquemas (schèmes), ilustrações, representações, diagramas e sinepsias empregados pelos analistas do imaginário social. Longe de se obter a primazia absoluta sobre a imagem, a ideia seria socialmente tão-somente o comprometimento pragmático do arquétipo imaginário num contexto histórico e epistemológico dado. 

Neste sentido, o mito representa um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas, sistema dinâmico que, sob o impulso de um esquema tende a compor uma narrativa. O mito é já um esboço de racionalização, dado que utiliza o fio do discurso, no qual os símbolos se resolvem em palavras e os arquétipos em ideias culturais. O mito explicita um esquema ou um grupo de esquemas. Do modo que o arquétipo promovia a ideia, o símbolo o nome, concordamos com Gilbert Durand (1921-2012) que o mito promove a doutrina religiosa, o sistema filosófico ou, como bem anteviu Émile Bréhier (1876-1952), a “narrativa histórica e lendária”.  Foi este princípio, que o psicólogo Carl Jung (1875-1961) sentiu abrangido por seus conceitos de “Arquétipo” e “Inconsciente coletivo”, justamente o que uniu o médico psiquiatra Jung ao físico Wolfgang Pauli (1900-1958), dando início às pesquisas interdisciplinares em física e psicologia. A sincronicidade, vale lembrar, se manifesta muitas vezes atemporalmente e/ou em eventos energéticos acausais, e em ambos são violados princípios associados ao paradigma científico vigente. A origem da palavra colheita pode ser rastreada na história do pensamento até o verbo reconstruído kelə- ou kel- no Protoindo-europeu. Presume-se que o verbo tivesse o significado de reunir ou juntar. O verbo colligĕre, cuja forma substantiva colēcta deu origem à palavra atualmente colheita. Na evolução da língua latina o termo colēcta passou a ser utilizado para se referir ao ato de recolher os frutos ou produtos da terra quando estes estão maduros e prontos para serem utilizados. Colheita é o processo de coleta de plantas, animais e fungos como alimento, em destaque o processo de coleta de safras maduras. 

A colheita também se refere às safras coletadas. Colher é o corte de grãos ou leguminosas para colheita, normalmente com o uso de gadanhas, foices ou ceifadeiras. Em explorações agrícolas mais pequenas com pouco uso de mecanização, a colheita é a atividade mais intensiva em mão-de-obra da estação de cultivo. A colheita geralmente se refere a grãos e produtos agrícolas, mas também tem outros usos: pesca e extração de madeira podem também ser chamadas de colheita. O termo colheita também é utilizado em referência à colheita de uvas para vinho, juntamente ao termo vindima. Colheita silvestre refere-se à coleta de plantas e outros suprimentos para o consumo que não foram cultivados. No contexto da irrigação, captação de água refere-se à coleta do escoamento de água da chuva para uso agrícola ou doméstico. Em vez de colheita, entretanto, o termo exploração também pode ser usado, em análise comparada, como na exploração da pesca ou de recursos hídricos. A colheita de energia é o processo de captura e armazenamento de energia (como energia solar, energia térmica, energia eólica, gradientes de salinidade e energia cinética que de outra forma ficaria inexplorada. Colheita de corpos, ou colheita de cadáveres, é praticamente o processo de coleta e preparação de cadáveres para estudos anatômicos.

No mesmo sentido, colheita de órgãos é a remoção de tecidos ou órgãos de um doador para fins de transplante. Num sentido econômico, a palavra “colheita” é um princípio conhecido como evento de saída ou evento de liquidez. Por exemplo, caso uma pessoa ou empresa se retirasse de uma posição de propriedade numa empresa ou eliminasse o seu investimento em algum produto, isso é conhecido como uma estratégia de colheita. Nas grandes fazendas mecanizadas, a colheita utiliza máquinas agrícolas, como a colheitadeira. A automação aumentou a eficiência de ambos os processos de trabalho de semeadura e colheita. Equipamentos especializados de colheita, que utilizam esteiras transportadoras para uma pegada suave e transporte em massa, substituem a tarefa manual de retirada manual de cada muda. O termo colheita em uso geral técnico-metodológico inclui o manuseio imediato pós-colheita, incluindo limpeza, triagem, embalagem e resfriamento. A conclusão da colheita marca o fim da estação de cultivo, ou do ciclo de cultivo de plantio específico, e a importância deste evento o torna foco de celebrações sazonais, como festivais da colheita, percebidos em culturas e religiões.

Um parâmetro de diferenciação importante entre a agricultura urbana e a rural é o contexto espacial em que as atividades de cultivo são realizadas. A agricultura urbana acontece dentro do perímetro urbano definido em leis municipais, ainda que em zonas metropolitanas ou periféricas. Mas a atividade rural é realizada nas zonas externas ao perímetro urbano. A prática da agricultura urbana abarca também atividades como: compra e venda de insumos para cultivo, o processamento e o comércio dos resultados da produção. Inclui desde o cultivo totalmente comercial, iniciativas comunitárias entre a vizinhança, até uma produção doméstica para consumo próprio. A agricultura urbana, em sua pluralidade, possibilita criar novos modos para as pessoas envolvidas se relacionarem socialmente. Além disso, afirmam que essa prática traz consigo uma nova maneira de se apropriar e conceber o espaço urbano, motivando outras reivindicações e reverberando simbologias político-ideológicas. Esses fatores apontam, então, o papel da agricultura urbana para a manutenção e melhoramento da coesão social uma vez que as formas que as cidades se apresentam colaboram na moldagem do comportamento econômico, político e social de seus cidadãos. Desse modo, o conhecimento tácito advindo da práxis da agricultura urbana ao mesmo tempo provoca e sofre influências na configuração humana da cidade. Adaptam-se as técnicas, comportamentos das pessoas envolvidas e objetivos simbólicos de cada iniciativa, originando um saber-fazer próprio.

O conceito de figuração distingue-se de outros conceitos abstratos da sociologia por incluir expressamente os seres humanos em sua formação social. Contrasta, portanto, decididamente com um tipo amplamente dominante de formação de conceitos que se desenvolve sobretudo na investigação de objetos sem vida, portanto no campo da física e da filosofia para ela orientada. Há figurações de estrelas, analogamente, assim como de plantas e de animais. Mas apenas os seres humanos formam figurações uns com os outros. O modo de sua vida conjunta em grupos grandes e pequenos é, de certa maneira, singular e sempre co-determinado pela transmissão de conhecimento de uma geração a outra, por tanto por meio do ingresso singular do mundo simbólico específico de uma figuração já existente de seres humanos. Às quatro dimensões espaço-temporais indissoluvelmente ligadas se soma, no caso dos seres humanos, uma quinta, a dos símbolos apreendidos. Sem sua apropriação, sem, por exemplo, o aprendizado de determinada língua especificamente social, os seres humanos não seriam capazes de se orientar no seu mundo concretamente nem de se comunicar uns com os outros. Um ser humano adulto, que não teve acesso aos símbolos da língua e do conhecimento de determinado grupo social permanece fora de todas as figurações humanas, pois não é um ser humano. As definições são amplas e vagas, e seria legítimo indagar, escolhendo-as mais ou menos ao acaso, para inferir que resultam em termos de um controle, qualquer estímulo ou complexo de estímulos que provoca uma reação. Todos os estímulos são controles, representam a direção do comportamento por influências grupais, estimulando ou inibindo a ação individual (os sonhos) ou coletivamente (mitos, ritos, símbolos).

O controle social pode ser definido como a soma total ou, antes, o conjunto de padrões culturais, símbolos sociais, signos coletivos, valores culturais, ideias e idealidades, tanto como atos quanto como processos diretamente ligados a eles, pelo qual a sociedade de forma inclusiva, opera em cada grupo particular, e cada membro individual participante superam as tensões e os conflitos entre si, através do equilíbrio temporário, e se dispõem a novos esforços criativos. Ipso facto, em toda a dimensão da vida associativa deverá haver algum ajustamento de relações sociais tendentes a prevenir a interferência de direitos e privilégios entre os indivíduos. De maneira mais específica, são três as funções do estabelecidas pelo controle social: a obtenção e a manutenção da ordem social, da proteção social e da eficiência social. O seu emprego hic et nunc na investigação sociológica contribuiu consideravelmente para produzir uma simplificação ou redução na análise dos problemas sociais, conseguida proporcionalmente, graças à compreensão positiva da integração das contradições correspondentes no sistema de organização das sociedades e da importância relativa de cada um deles, como e enquanto expressão do jogo social.  Embora obscuro e equívoco, em seu significado, o conceito de controle social é necessário à investigação sociológica na modernidade, encontraram um sistema de referências propício à sua crítica, seleção lógica e coordenação metódica.   

O crescimento de um jovem convivendo e habitando comum em figurações humanas, como processo social e experiência, assim como o aprendizado de um determinado esquema de autorregulação na relação com os seres humanos, é condição indispensável ao desenvolvimento rumo à humanidade. Socialização e individualização de um ser humano, são nomes diferentes para o processo. Cada ser humano assemelha-se aos outros, e é, ao mesmo tempo, diferente de todos os outros. O mais das vezes, as teorias sociológicas deixam sem resolver o problema da relação entre indivíduo e sociedade. Quando se fala que uma criança se torna um indivíduo humano por meio da integração em determinadas figurações, como, por exemplo, em famílias, em classes escolares, em comunidades aldeãs ou em Estados, assim como mediante a apropriação e reelaboração de um patrimônio simbólico social, conduz-se o pensamento por entre dois grandes perigos da teoria e das ciências humanas: o perigo de partir de um indivíduo a-social, portanto como que de um agente que existe por si mesmo; e o perigo de postular um “sistema”, um “todo”, em suma, uma sociedade humana que existiria para além do ser humano singular, para além dos indivíduos. Embora não possuam um começo absoluto, não tendo nenhuma outra substância a não ser seres humanos gerados familiarmente por pais e mães, as sociedades humanas não são simplesmente um aglomerado cumulativo dessas pessoas. O convívio dos seres humanos em sociedades tem sempre, mesmo no caos, na desintegração, na maior desordem, uma forma absolutamente determinada. É isso que o conceito de figuração exprime na vida social.

É um objeto cuja inteligibilidade está alhures, lugar vazio cujo verdadeiro lugar “está em outro lugar”. A falsa consciência é o produto exclusivo das relações sociais. E qualquer tentativa de buscar nela própria as leis do seu funcionamento, abstraindo dessas relações, já é em si uma falsa consciência da filosofia de Hegel, que a define ainda-não-consciência do Espírito, dos jovens hegelianos que combatem no pensamento os grilhões imaginários, deixando intactos os grilhões reais. Fato da consciência, ela não pode ser tratada no plano da consciência: tendo em vista que é um objeto ausente, espaço em branco que só pode ser preenchido por algo que não está nele. O espaço pleno é o das estruturas sociais: espaço extraterritorial, externo à problemática da consciência, mas ao qual se atribui o privilégio de revelar a verdade do que está situado fora dos seus limites. Pode-se perguntar se uma estratégia de libertação que consiste em ignorar a existência do objeto a ser libertado é das mais lúcidas. Falsa consciência como epifenômeno da base material, falsa consciência como forma de percepção própria a cada suporte (Träger) do processo social global, falsa consciência como o produto de uma “pedagogia” exercida pelos efeitos dos Aparelhos de Estado – em todos os casos, a análise se concentra num mais além da consciência, a história, a economia, as relações de produção, a instância ideológica. Casos de investigação são objetivos, palpavelmente materiais, só é tranquilizador em que é fácil proteger-se das mistificações idealistas.

Nesse campo, tudo pode ser investigado, e tudo foi investigado – exceto a falsa consciência – a consciência em que se refratam esses fatores. Ela foi tabuizada, pela razão que leva o primitivo a traçar um “círculo no chão”, e a proibir-se de atravessa-lo, neste caso representa o medo animista dos demônios. Esse medo não era totalmente infundado. Era de fato importante precaver-se contra a tese de que “a consciência determina a existência”, defendendo a tese oposta de que a existência determina a consciência. Mas ao proclamar o primado da consciência, a ideologia produziu um efeito social inesperado, que foi a ocultação da problemática da consciência. Ocultação sui generis, cuja técnica é expor à luz do dia a realidade que se pretende dissimular, estimulando a questão tópica da “razão cativa” que irá exemplificar no conto de Allan Poe, The Purloined Letter (1884), o que a polícia parisiense procura em vão na casa do personagem influente: uma carta politicamente comprometedora, que teria sido roubada pelo próprio dono da residência. A polícia procura o documento roubado, e obviamente nada encontra. Em desespero de causa, o chefe de Polícia pede o auxílio de C. Auguste Dupin, precursor historicamente de todos os detetives da literatura policial, que encontra a carta. E explica ao chefe de polícia que ela não estava em nenhum esconderijo, mas de fato se encontrava disponível à nossa vista. E nisto consiste, justamente, a astúcia. A carta era totalmente visível, e seu ocultamento consistia em sua visibilidade.

Outros sinais indicam que a ficcionalização do mundo está a caminho e que ela não passa unicamente pela imagem. Monstros humanos são aqueles que por nascimento nunca foram totalmente representados por humanos, a Medusa e suas irmãs Górgonas, ou que por algum ato medonho ou sobrenatural ou não natural perderam sua própria humanidade, isto é, enquanto lobisomens, o monstro de Frankenstein, e assim quem não pode mais, ou quem nunca pode seguir a lei moral da sociedade humana. Os monstros também podem ser descritos como criaturas incompreendidas e amigáveis ​​que assustam os indivíduos sem querer, ou podem ser tão grandes, fortes e desajeitados que causam danos não intencionais ou morte. Alguns monstros na ficção são descritos como travessos e violentos, mas não necessariamente ameaçadores (como um goblin astuto), enquanto outros podem ser dóceis, mas propensos a ficarem com raiva ou com fome, precisando ser domados e ensinados a resistir a impulsos selvagens ou mortos se eles não podem ser manuseados ou controlados com sucesso. Na literatura são frequentemente descritos como criaturas pequenas, grotescas, travessas ou maliciosas, presentes em diversos folclores europeus, o inglês, escocês, galês e irlandês. Os monstros são anteriores à história documentada, e o estudo acadêmico das noções culturais particulares expressas nas ideias de monstros da sociedade é reconhecido como monstruosidade. A literatura impõe sentimentos de isolamento socialmente aos seus personagens. A literatura, como toda a arte, é uma confissão de que a vida não basta. A literatura sobre monstros apresenta seus personagens como seres solitários e indefesos.

Uma corrente social da comunidade científica defende que as alterações provocadas pela humanidade na natureza são suficientes para marcar historicamente uma nova era geológica, o Antropoceno. É um termo conceitual usado por cientistas para descrever o período na história tecnológica da Terra. Ainda não há data de início precisa e oficial apontada. Mas muitos consideram que começa no final do século XVIII, inclusive o extraordinário Michel Foucault (1926-1984), relativamente à questão da analítica do poder, quando as atividades humanas começaram a ter um impacto global significativo na sociedade europeia e sobre o conjunto no climatológico da Terra e, além disso, no funcionamento dos seus ecossistemas. Um conjunto de fatores climáticos vai definir um tipo de clima de determinado lugar. Ressalta-se que esses fatores não podem ser estudados isoladamente para a definição de um clima, mas sim de forma integrada. Esta data coincide com a aprimoração técnica do vapor por James Watt em 1784. Outros cientistas consideram que o Antropoceno começa mais cedo, como no advento da agricultura. As tentativas de datação precisas revelam, porém, o problema do necessário distanciamento histórico na ponderação de eventos e grandezas relevantes de tempo geológico. Um observador distanciado milhões de anos no futuro poderá, munido de suficiente informação, melhor determinar uma data e uma tipologia para o Antropoceno. Perante o alcance das consequências da ação do Homem na evolução do Planeta Terra, o Antropoceno poderá ser reconhecido e classificado, por exemplo, como “um novo período ou era geológica”.

Nesta perspectiva, é plausível apontar o seu início a partir do surgimento do Homo sapiens. O biólogo Eugene F. Stoermer (1934-2012) originalmente cunhou o termo, mas foi o químico vencedor do Prêmio Nobel Paul Crutzen (1995) que independentemente o reinventou e popularizou. Era um professor de biologia da Escola de Recursos Naturais e Meio Ambiente da Universidade de Michigan. Obteve seu bacharelado em Ciência em 1958 e seu doutorado em 1963, ambos na Universidade do Estado de Iowa. Stoermer escreveu: “eu comecei a usar o termo antropoceno na década de 1980, mas nunca formalizei até ser contatado pelo Paul”. Isto é, Crutzen explicou, eu estava numa conferência onde alguém disse alguma coisa sobre o Holoceno. De repente, eu pensei que isso estava errado. O mundo mudou demais. Então eu disse: - Não, nós estamos no Antropoceno. Eu criei a palavra no calor do momento. Todos se chocaram. Mas ela parece ter ficado. O termo foi usado pela primeira vez em uma publicação por Paul Crutzen & Eugene, em 2000, e F. Stoermer em um informativo técnico-científico do importante Programa Internacional da Geosfera-Biosfera. Ainda em 1873, o geólogo italiano Antônio Stoppani (1824-1891), curiosamente um padre católico italiano, patriota, geólogo e paleontólogo. Ele estudou a geologia da região italiana e escreveu um tratado popular, Il Bel Paese, sobre o desenvolvimento da geologia e história natural.

Ele reconheceu o aumento do poder e do efeito da humanidade nos sistemas da Terra e se referiu assim a uma “era antropozoica”. Um termo similar, Homogenoceno, foi usado pela primeira vez por Michael Samways em seu primeiro artigo editorial no Journal of Insect Conservation (1999) intitulado: “Translocating fauna to Foreign lands: here comes the Homogenocene”. Samways utilizou o termo para definir a geológica atualmente, na qual a biodiversidade está diminuindo e os ecossistemas ao redor do globo se tornaram mais similares uns aos outros, usado por John L. Curnutt em 2000 em Ecology, em uma lista intitulada: “A Guide to the Homogenocene”. Andrew Revkin criou o termo Antroceno em: Global Warming: Understanding the Forecast (1992), no qual escreve, “nós estamos entrando em uma era que pode um dia ser referida como, poderia dizer, o Antroceno. No final das contas, é uma era geológica de nossa própria autoria”. O nome evoluiu para “Antropoceno” e é considerado como um termo técnico mais apropriado no sentido global e inclusivo ao homem. Inúmeras espécies foram extintas devido ao ser humano. A maioria dos especialistas concorda que as atividades humanas têm acelerado progressivamente a taxa de extinção de inúmeras espécies.

A taxa exata é controversa, sendo muitas vezes situada entre 100 a 1000 vezes a taxa considerada normal. Em 2010 um estudo publicado na revista Nature refere que o fitoplâncton declinou substancialmente nos oceanos do mundo ao longo do século XX. Desde a década 1950, a biomassa de algas diminuiu cerca de 40%, em resposta ao aquecimento do oceano, sendo que o declínio ganhou ritmo nos últimos anos. Alguns autores postulam que sem impactos atribuído das atividades humanas a biodiversidade do planeta continuaria a crescer a um ritmo exponencial. Inseparável do declínio da biomassa, para não falarmos no problema da paz central em Jiddu Krishnamurti e o Dalai Lama. É também preocupação de Edgar Morin, essa pela primeira vez expressa no seu livro Terre-Patrie (1993), “a nossa casa e o nosso jardim”, pondo em destaque uma questão com implicações globais.  Na edição aberta de 13 de julho de 2012 do jornal New York Times, o ecologista Roger Bradbury (1355-1398) previu o “fim da biodiversidade marinha”, que estão condenados, “os recifes de coral serão os primeiros, mas certamente não o último grande ecossistema, a sucumbir ao Antropoceno”. 

Este artigo gerou discussão entre os famosos ambientalistas e foi aparentemente refutada no site da The Nature Conservancy, defendendo sua posição de proteger os recifes de coral, apesar de impactos humanos continuaram causando quedas de recife. Destaca-se uma mudança na variedade de animais, já que áreas onde várias espécies superiores viviam anteriormente foram modificadas para a criação de animais que servissem para a alimentação, diminuindo a diversidade da área em sua extensão geográfica; isto é especialmente verdade para pastos e fazendas marinhas. Alteração similar houve nas regiões urbanas, onde alguns animais foram expulsos de seus habitats, enquanto outros se adaptaram, tornando-se por vezes pragas. A diversidade de plantas comestíveis e não-comestíveis foi afetada pela seleção gradativa, que priorizou poucos cultivares em detrimento da diversidade natural; enormes áreas povoadas com centenas de espécies vegetais diferentes são degradadas para originar plantações de um só ou de poucos espécimes de plantas, o que também afeta a fauna, em um outro plano biológico.

Se a injustiça social é parte inevitável do atrito no funcionamento da máquina governamental, pois que seja assim: talvez ela acabe suavizando-se com o desgaste - certamente a máquina ficará desajustada. Se a injustiça for uma peça dotada de uma mola exclusiva - ou roldana, ou corda, ou manivela -, aí então talvez seja válido julgar se o remédio não será pior do que o mal; mas se ela for de tal natureza que exija que você seja o agente de uma injustiça para outros, digo, então, que se transgrida a lei. Faça da sua vida um contra-atrito que pare a “máquina”. O que é preciso fazer é cuidar para que de modo algum participe das misérias que condeno. Mas nesse caso o Estado não forneceu outra via: o mal está na sua própria Constituição. Isto pode parecer grosseria, teimosia e intransigência, mas só quem merece ou pode apreciar a mais fina bondade e consideração deve receber este tipo de tratamento. Todas as mudanças para melhor são assim, tais como o nascimento e a morte, que produzem convulsões nos corpos. O coletor de impostos é meu vizinho e concidadão, e é com ele que tenho de lidar porque afinal de contas estou lutando contra homens, e não contra o pergaminho das leis, e sei que ele voluntariamente optou por ser um agente governamental. Haverá outro modo dele ficar sabendo o que é e o que fiz enquanto agente do governo, ou homem, a não ser quando forçado a decidir que tratamento vai dar a mim, o vizinho que ele respeita como tal e como homem de boa índole, ou que ele considera um maníaco e desordeiro?   

Sob um governo que prende qualquer homem injustamente, o único lugar digno para um homem justo é também a prisão.  Se há alguém que pense ser a prisão um lugar de onde não mais se pode influir, no qual a sua voz deixa de atormentar os ouvidos do Estado, no qual não conseguiria ser tão hostil a ele, esse alguém ignora o quanto a verdade é mais forte que o erro e também não sabe como a injustiça pode ser combatida com muito mais eloquência e efetividade por aqueles que já sofreram na carne um pouco dela. Manifeste integralmente o seu voto e exerça toda a sua influência; não se deixe confinar por um pedaço de papel na sociedade. Uma minoria é indefesa quando se conforma à maioria; não chega nem a ser uma minoria numa situação dessas; mas ela é irresistível quando intervém com todo seu peso. Se a alternativa ficar entre manter todos os homens justos na prisão ou desistir da guerra e da escravidão, o Estado não hesitará na escolha.  Se no ano corrente mil homens não pagassem seus impostos, isso não seria iniciativa tão violenta e sanguinária quanto o próprio pagamento, pois neste caso o Estado fica capacitado para cometer violências e para derramar o sangue dos inocentes. Esta é a definição da revolução pacífica, se é que é possível uma coisa dessas.

O dinheiro acalma muitas perguntas que de outra forma ele se veria pressionado a fazer; de outro lado, a única pergunta nova que o dinheiro suscita é difícil, embora supérflua: - “Como gastá-lo?”. Um homem assim fica, portanto, sem base para uma moralidade. As oportunidades sociais de viver diminuem proporcionalmente ao acúmulo daquilo ao qual se chama de meios de trabalho. A melhor coisa a ser feita em prol da cultura do seu tempo por um homem rico é realizar os planos que tinha quando era pobre. Cristo respondeu aos seguidores de Herodes de acordo com a situação deles. – “Mostrem-me o dinheiro dos tributos, disse ele; e um deles tirou do bolso uma moeda. Disse então Jesus Cristo: - Se vocês usam o dinheiro com a imagem de César, dinheiro que ele colocou em circulação e ao qual ele deu valor; se vocês são homens do Estado e estão felizes de se aproveitar das vantagens do governo de César, então paguem-no por isso quando ele o exigir. Portanto, “dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”; Cristo não lhes disse nada sobre como distinguir um do outro; eles não queriam saber isso.  Confúcio disse: - “Se um Estado é governado pelos princípios da razão, a pobreza e a miséria são fatos acabrunhantes; se um Estado não é governado pelos princípios da razão, a riqueza e as honrarias são os fatos acabrunhantes”. Não! Até que eu solicite um remoto porto sulino, que a proteção do Estado de Massachusetts, Estados Unidos da América, me seja estendida com o fim de preservar a liberdade, ou até que me dedique apenas a construir pacificamente um patrimônio aqui no meu Estado, posso negar a minha lealdade ao governo e negar o seu direito à minha propriedade e à minha vida. Em todos os sentidos, sofrer a penalidade pela desobediência do que obedecer.

O Estado enquanto práticas que produzem efeitos de poder habitualmente nunca confronta intencionalmente o sentimento intelectual ou moral de um homem, mas apenas o seu corpo, os seus sentidos. Ele não é dotado de gênio superior ou de honestidade, apenas de mais força física. Estava claro que eles não sabiam como lidar comigo e que se comportavam como pessoas pouco educadas. Havia um erro crasso em cada ameaça e em cada saudação, pois eles pensavam que o meu maior desejo era o de estar do outro lado daquela parede de pedra. Não pude deixar de sorrir perante os cuidados com que fecharam a porta e trancaram as minhas reflexões - que os acompanhavam porta afora sem delongas ou dificuldade; e o perigo estava de fato contido nelas. Como eu estava fora do seu alcance, resolveram punir o meu corpo; agiram como meninos incapazes de enfrentar uma pessoa de quem sentem raiva e que então dão um chuto no cachorro do seu desafeto. Percebi que o Estado era um idiota, tímido como uma solteirona às voltas com a sua prataria, incapaz de distinguir os seus amigos dos inimigos; perdi todo o respeito que ainda tinha por ele e passei a considerá-lo apenas lamentável.

É nesta medida que decorre a analogia - Não sou individualmente responsável pelo bom funcionamento da máquina da sociedade. Não sou o filho do maquinista. No meu modo de ver quando sementes de carvalho e de castanheira caem lado a lado, uma delas não se retrai para dar vez à outra; pelo contrário, cada uma segue as suas próprias leis, e brotam, crescem e florescem da melhor maneira possível, até que por acaso acaba superando e destruindo a outra. Se uma planta não pode viver de acordo com a sua natureza, ela morre; o mesmo acontece com um homem. Se outros resolvem pagar o imposto que o Estado exige, nada mais fazem além do que já fizeram quando pagaram o seu imposto, ou melhor dizendo, estimulam a injustiça além do limite que o Estado lhes pediu. Se eles pagam o imposto alheio a partir de um equivocado interesse pela sorte daquele que não paga, isto é, para salvar a sua propriedade ou para evitar o seu encarceramento, isso só ocorre porque não meditaram seriamente no quanto estão permitindo que os seus sentimentos particulares interfiram no bem de consumo geral. 

Acredito que logo o Estado será capaz de aliviar-me de todos os encargos deste tipo e então não serei mais patriota do que o resto dos meus conterrâneos. Encarada de um ponto de vista menos elevado, a Constituição, com todos os seus defeitos, é muito boa; a lei e os tribunais são muito respeitáveis; mesmo o Estado de Massachusetts e o governo são, em muitos aspectos, coisas admiráveis e bastante raras. Mas se elevarmos um pouco o nosso ponto de vista, quem será capaz de dizer o que são elas, ou quem poderá dizer que sequer vale a pena observá-las ou refletir sobre elas? Mesmo no mundo contemporâneo tal como é, não passo muitos momentos sujeito a um governo. Se um homem é livre de pensamento, para fantasiar, livre de imaginação, de modo que aquilo que nunca é lhe parece ser na maior parte do tempo, admite extraordinariamene Henry David Thoreau (1817-1862), “governantes ou reformadores insensatos não são capazes de lhe criar impedimentos fatais”. A autoridade do governo, mesmo do governo que estou disposto submeter é ainda impura; para ser inteiramente justa, ela precisa contar com a sanção e com o consentimento dos governados.

Ele não pode ter sobre a minha pessoa e meus bens qualquer direito puro além do que eu lhe concedo. O progresso de uma monarquia absoluta para uma monarquia constitucional, e desta para uma democracia, é um progresso no sentido do verdadeiro respeito pelo indivíduo. Será que a democracia tal como a conhecemos é o último aperfeiçoamento possível em termos de construir governos? Não será possível dar um passo a mais no sentido de reconhecer e organizar os direitos do homem? Nunca haverá um Estado realmente livre e esclarecido até que ele venha a reconhecer no indivíduo um poder maior e independente - do qual a organização política deriva o seu próprio poder e a sua própria autoridade - e até que o indivíduo venha a receber um tratamento correspondente. Fico imaginando, e com prazer, um Estado que possa enfim se dar ao luxo de ser justo com todos os homens e de tratar o indivíduo respeitosamente, como um vizinho; imagino um Estado que sequer consideraria um perigo à sua tranquilidade a existência de alguns poucos homens que vivessem à parte dele, sem nele se intrometerem nem serem por ele abrangidos, e que desempenhassem todos os deveres de vizinhos e de seres humanos. Um Estado que produzisse esta espécie de fruto, e que estivesse disposto a deixá-lo cair logo que amadurecesse, abriria caminho para um Estado ainda mais perfeito e provavelmente glorioso; já fiquei afirma Henry Thoreau a imaginar um Estado desses, mas nunca o encontrei em qualquer lugar.

Bibliografia Geral Consultada.  

MAY, Rollo, Amor y Voluntad. Las Fuerzas Humanas que dan Sentido a Nuestra Vida. 1ª edición. Barcelona: Editorial Gedisa, 1985; BRANDÃO, Junito de Souza, Mitologia Grega. Volume 1. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1986; THOREAU, Henry, Walden: Seguido del Deber de la Desobediencia Civil. Barcelona: Ediciones Parcifal, 1989; DURAND, Gilbert, As Estruturas Antropológicas do Imaginário: Introdução à Arquetipologia Geral. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997; AUGÉ, Marc, La Guerre des Rêves. Exercices d’Ethno-Fiction. Paris: Éditions du Seuil, 1997; BECKER, Sergio, A Fantasia da Eleição Divina: Deus e o Homem. Rio de Janeiro: Editora Companhia de Freud, 1999; MARTINS, José de Souza, La Reforme Agraire et la Mondialisation de l`Économie: Le Cas du Brésil. Brasília: Editor Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2000; STOWE, Harriet Beecher, Uncle Tom`s Cabin. Massachusetts: Editor Spark Publishers, 2002; PASQUETTI, Camila Alvares, A Reding of Thoreau`s Walking as a Travel Narrative. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras/Inglês e Literatura Correspondente. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2005; PEREIRA, Marcio da Silva, O Leitmotiv: Da Ópera ao Cinema, à Televisão. Tese de Doutorado em Música. Centro de Letras e Artes. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2007; SOLOMON, Andrew, O Demônio do Meio-dia: Uma Anatomia da Depressão. 2ª edição. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2014; COSTA, Grasielle Aires da, Ritual em Richard Schechner e Victor Turner: Aspectos de um Diálogo Interdisciplinar. Programa de Pós-graduação em Performance Cultural. Escola de Música e Artes Cênicas. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2015; MILLS, Charles Wright, Escucha Yanqui. La Revolución Cubana. México: Fondo de Cultura Económica, 1961; Idem, L’Élite du Pouvoir. Paris: Éditions François Maspéro 1969; Idem, Critiques Sociologiques. Paris: Éditions du Croquant, 2019; ROMANETTO, Matheus Capovilla, Clínica e Política: Bases Subjetivas da Transformação Social em Erich Fromm. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Departamento de Sociologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2021; DIDYME-DÔME, André, “Athina Rachel Tsangari: La Silenciosa Violencia del Progreso en “Harvest”. Disponível em: https://es.hollywoodreporter.com/10/06/2025; entre outros.     

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