quarta-feira, 26 de março de 2025

Duplicidade – Diferença, Repetição & Representações Cinematográficas.

O corpo é a expressão de uma conduta e criador de seu sentimento”. Maurice Merleau-Ponty

A história da filosofia determina três momentos principais na elaboração da univocidade do ser. O primeiro é representado por Duns Scot, no Opus Oxoniense, o maior livro de ontologia pura, onde o ser é pensado como unívoco, mas o ser unívoco é pensado como neutro, neuter, indiferente ao infinito e ao finito, ao singular e ao universal, ao criado e ao incriado. Não por acaso merece, pois, o nome de “doutor sutil”, porque seu olhar discerne o ser aquém do entrecruzamento do universal e do singular. Para neutralizar as forças da analogia do juízo, ele toma a dianteira e neutraliza antes de tudo o ser num conceito abstrato. Eis por que ele somente pensou o ser unívoco. Vê-se o inimigo que se esforça por evitar, em conformidade com as exigências do cristianismo: o panteísmo, em que ele cairia se o ser comum não fosse neutro. Todavia, ele soube definir dois tipos de distinção que reportavam à diferença este ser neutro indiferente. A distinção formal, com efeito, é uma distinção real, pois é fundada no ser, ou na coisa, mas não é necessariamente uma distinção numérica, porque se estabelece entre essências ou sentidos, entre “razões formais”, que podem deixar subsistir a unidade do sujeito a que são atribuídas. Não só a univocidade do ser comparativamente na filosofia em relação à Deus e às criaturas se prolonga na univocidade dos “atributos”, mas, sob a condição de sua infinitude, Deus pode possuir esses atributos unívocos distintos sem nada perder de sua unidade.

Tal como na arte, a ideologia pode se expressar na ética de maneiras muito distintas. Pode, por exemplo, representar as manifestações de vida individual e coletiva na disposição subjetiva, como indicamos pistas na concepção de Georg Simmel, implícita ou explícita, no sentido de abandonar o envolvimento com a comunidade. E mesmo decorrente no sentido de cancelar qualquer compromisso com ela. Como a comunidade representa socialmente a matriz dos valores, basta lembrarmos historicamente que “ethos”, comparativamente, em grego, e “mores” em latim, significam costumes; normas de conduta estabelecidas pela comunidade, onde os indivíduos que negam o vínculo que os liga à comunidade são, de fato, pessoas que renegam por assim dizer a ética. É neste sentido que este tipo de distorção se liga a formas extremas de egoísmo, que ultrapassam amplamente o chamado “egoísmo saudável”, ligado à autopreservação e à afirmação pessoal de si mesmo. Os indivíduos cuja vida interior se enriquece em diálogo constante dialeticamente com os outros, não se resignam a ser apenas aquilo que já se tornaram, e querem ser mais do que estão sendo pelo fato de poder pensar juntos. Cultivam, um lado deles que os impele na direção de uma busca de universalização e sentido da vida. Historicamente a confiança nos amigos era frequente de importância central. Nas culturas tradicionais, com a exceção parcialmente de algumas vizinhanças citadinas em Estados agrários, havia uma divisão bem clara entre membros reconhecidos como “os de dentro e os de fora ou estranhos”. 

Hoje é comum nas universidades. As amplas arenas de interação não hostil com outros anônimos, característica da atividade social moderna, não existia. O símbolo não sendo já de natureza linguística deixa de se desenvolver numa só dimensão. As motivações que ordenam os símbolos não apenas já não formam longas cadeias de razões, mas nem sequer cadeias. A explicação linear do tipo de dedução lógica ou narrativa introspectiva já não basta para o estudo das motivações simbólicas. A classificação dos grandes símbolos da imaginação em categorias motivacionais distintas apresenta, com efeito, pelo próprio fato da não linearidade e do semantismo das imagens, grandes dificuldades. Metodologicamente, se se parte dos objetos bem definidos pelos quadros da lógica dos utensílios, como faziam as clássicas “chaves dos sonhos”, segundo as estruturas antropológicas do imaginário, cai-se rapidamente, pela massificação das motivações, numa inextricável confusão. Parecem-nos mais sérias as tentativas para repartir os símbolos segundo os grandes centros de interesse de um pensamento, certamente perceptivo, mas ainda completamente impregnado de atitudes assimiladoras nas quais os acontecimentos perceptivos não passam de pretextos para os devaneios imaginários. Tais são as classificações mais profundas de analistas das motivações do simbolismo religioso ou da imaginação de modo geral literária. 

Tanto escolhem como norma classificativa uma ordem de motivação cosmológica e astral, na qual são as grandes sequências das estações, dos meteoros e dos astros que servem de indutores à fabulação, tanto são os elementos de uma física primitiva e sumária que, pelas suas qualidades sensoriais, polarizam os campos de força no continuum homogêneo do imaginário; tanto, enfim, se suspeita que são os dados sociológicos do microgrupo ou de grupos que se estendem aos confins do grupo linguístico que fornecem quadros primordiais para os símbolos. Quer a imaginação estreitamente motivada seja pela língua, seja pelas funções sociais, se modele sobre essas matrizes sociológicas e antropológicas, quer pelos seus genes raciais intervenham bastante misteriosamente para estruturar os conjuntos simbólicos, distribuindo seja as mentalidades imaginárias, sejam os rituais religiosos, querem ainda, com uma matriz evolucionista, se tente estabelecer uma hierarquia das grandes formas simbólicas e restaurar a unidade no dualismo de Henri Bergson das Deux Sources, quer enfim que atravessando a técnica da psicanálise se tente encontrar uma síntese entre as pulsões de uma libido em evolução e as pressões recalcadoras do microgrupo familiar. São estas diferentes classificações das motivações simbólicas que precisamos criticar antes de estabelecer um método de análise pretensamente firme na ordem das motivações.

O ator social, queira ou não, está orientado de acordo com um conjunto de restrições culturais. Podemos citar também um processo social identificado pelo sociólogo norte-americano de institucionalização das máscaras, que seriam “expectativas abstratas e estereotipadas” sobre um papel específico. A máscara se converteria então, em uma “representação coletiva” uma vez que estas são construídas em “performances” individuais que não são mais do que a forma ou expressão dessas representações coletivas individualizadas e personalizadas com as características de cada indivíduo. Quando, por exemplo, um ator social adentra um grupo social específico, encontra correspondente a ele, a fixação de uma máscara particular. Goffman chega a sugerir o caráter abstrato e geral das máscaras sociais e as converte em veículos ideais no processo de socialização, pois o que as representações coletivas traduzem é o modo como o grupo se pensa em suas relações com os objetos que o afetam. Através das máscaras sociais a atuação é “modelada e adaptada à compreensão e as expectativas da sociedade na qual se apresenta”. E através deste ajustamento que não é constituído da mesma maneira que o indivíduo e as coisas que o afetam são de outra natureza.

Nestas circunstâncias sociais, a amizade era institucionalizada e vista como meio social objetivando criar alianças mais ou menos duradouras com outros contragrupos potencialmente hostis. Amizades institucionalizadas eram formas de camaradagem, assim como mormente ocorrem nas reconhecidas “fraternidades de sangue”, socialmente, ou dentre “companheiros de armas”. Institucionalizada ou não, a amizade era em geral baseada em valores sociais de sinceridade e honra. Alguns sentidos do termo, embora compartilhem amplas afinidades eletivas como é recorrente na literatura de Johann von Goethe e Max Weber, com outras utilidades de uso, são de implicação relativamente desimportante. Quer dizer, alguém que diz: “confio que você esteja bem”, normalmente quer dizer algo mais com esta fórmula de polidez do que “espero que você esteja com boa saúde” – embora mesmo aqui “confio” tenha uma conotação algo mais forte que “espero”, implicando algo mais próximo a “espero não ter motivos para duvidar”. A atitude de crença ou credulidade que entra em confiança em alguns contextos específicos mais significativos já se encontra aqui. Quando alguém diz, por exemplo: “confio em que X se comportará desta maneira”, esta implicação no nível de anaálise social é mais evidente, embora não muito além do nível social hierárquico do “conhecimento indutivo fraco”. É reconhecido normalmente que se conta com X para produzir o comportamento, dadas as circunstâncias normais apropriadas.

Uma forma de atividade generalizada que tomou lugar na vida social não pode, evidentemente, permanecer tão desregulamentada, em seu desempenho e atividade, sem que disso resulte os impactos sociais sobre a divisão do trabalho e as mais profundas perturbações. Mas sofrer no trabalho não é uma fatalidade, como assevera a psicopatologia do trabalho de Christophe Dejours. É, em particular, como decorre e testemunhamos, uma fonte de desmoralização geral real. Pois, precisamente porque as funções econômicas absorvem o maior número de cidadãos, para o pleno desenvolvimento da vida social, há uma “multidão de indivíduos”, como dizia Freud, cuja vida transcorre quase toda no meio industrial e comercial; a decorrência disso é que, como tal meio é pouco marcado pela moralidade, a maior parte da existência transcorre fora de toda e qualquer ação moral. A tese funcionalista expressa na pena de Émile Durkheim, como uma espécie de antídoto da civilização, e que o sentimento do dever cumprido se fixe fortemente em nós, é preciso que as próprias circunstâncias em que vivemos permanentemente desperto. A atividade de uma profissão só pode ser regulamentada eficazmente por “um grupo próximo o bastante dessa mesma profissão para conhecer bem seu funcionamento, para sentir todas as suas necessidades e poder seguir todas as variações destas”. O único grupo que corresponde a essas condições é o que seria formado por todos os agentes de uma mesma condição reunidos num mesmo corpo. E que a sociologia durkheimiana conceitua de corporação ou grupo profissional. É na ordem econômica que o grupo profissional existe tanto quanto a moral profissional. Desde que, com a supressão das antigas corporações, não se fizeram mais do que tentativas fragmentárias e incompletas para reconstituí-las em novas bases sociais.

Os únicos dotados de permanência são os que se chamam sindicatos, seja de patrões, seja de operários. Historicamente, temos aí in statu nascendi o começo e o princípio ético de uma organização profissional, mas ainda de forma rudimentar. Isto porque, em primeiro lugar, um sindicato é uma associação privada, sem autoridade legal, desprovida, por conseguinte, de qualquer poder regulamentador. O número deles é teoricamente ilimitado, mesmo no interior de uma categoria industrial; e, como cada um é independente dos outros, se não se constituem em federação e se unificam, não há neles nada que exprima a unidade da profissão em seu conjunto de práticas e saberes sociais. Não só os sindicatos de patrões e de empregados são distintos uns dos outros, o que é legítimo e necessário, como não há entre eles contatos regulares. Não existe organização comum que os aproxime sem fazê-los perder sua individualidade e na qual possam elaborar em comum uma regulamentação que, estabelecendo suas relações mútuas, imponha-se a ambas as partes com a mesma autoridade; por conseguinte, é sempre a “lei dos mais forte” que resolve os conflitos, e a conditio sine qua non o “estado de guerra” subiste inteiro. No caso de seus atos pertencentes à esfera moral comum estão na mesma situação. A tese sociológica é: para que uma moral e um direito profissionais possam se estabelecer nas diferentes profissões, é necessário, pois, que a corporação, em vez de permanecer um agregado confuso e sem unidade, se torne, ou antes, volte a ser, um grupo definido, organizado, uma instituição pública. A primeira observação familiar da crítica é que a corporação tem contra si seu passado histórico.

O outro tipo de “distinção”, a distinção modal, se estabelece entre o ser ou os atributos, por um lado, e, por outro, as variações intensivas de que são capazes. Essas variações, como os graus do branco, são modalidades individuantes das quais o infinito e o finito constituem precisamente as intensidades singulares. Do ponto de vista de sua própria neutralidade, o ser unívoco não implica, pois, somente formas qualitativas ou atributos distintos, eles mesmos unívocos, mas se reporta e os reporta a fatos intensivos ou graus individuantes que variam seu modo sem modificar-lhe a essência enquanto ser. Se é verdade que a distinção em geral reporta o ser à diferença, a distinção formal e a distinção modal sãos os dois tipos sob os quais o ser unívoco, em si mesmo, por si mesmo, se reporta à diferença. É com a distinção filosófica em Baruch Espinosa que o ser unívoco deixa de ser neutralizado, tornando-se decerto expressivo, tornando-se uma verdadeira proposição expressiva afirmativamente. Todavia, subsiste ainda uma indiferença entre a substância e os modos: a substância espinosista aparece independente dos modos, e os modos dependem da substância, mas de outra coisa. Seria preciso que a substância fosse dita dos modos e somente dos modos.

Tal condição só pode ser preenchida à custa de uma subversão categórica mais geral, segundo a qual o ser se diz do devir, a identidade se diz do diferente, o uno se diz do múltiplo e assim por diante. Que a identidade não é a primeira, que ela existe como princípio, que ela gira em torno do Diferente, tal é a natureza de uma revolução copernicana que abre à diferença a possibilidade de seu conceito próprio, em vez de mantê-la sob a dominação de um conceito geral já posto como idêntico. Com o eterno retorno, Nietzsche não queria dizer outra coisa. O eterno retorno não pode significar o retorno do Idêntico, pois ele supõe, ao contrário, um mundo (o da vontade de potência) em que toda as identidades prévias são abolidas e dissolvidas. Revir é o ser, mas somente o ser do devir. O eterno retorno não faz o mesmo retornar, mas o revir constitui o único Mesmo do que se torna. Revir é o devir-idêntico do próprio devir. Revir é, pois, a única identidade, mas a identidade como potência segunda, a identidade da diferença, o idêntico que se diz do diferente, que gira em torno do diferente. Tal identidade, produzida pela diferença, é determinada como repetição. Do mesmo modo a repetição do chamado “eterno retorno” consiste em pensar o mesmo a partir do diferente. Mas esse pensamento não é de modo algum a representação teórica: ele opera praticamente uma seleção das diferenças segundo sua capacidade de produzir, isto é, de retornar ou de suportar a prova do eterno retorno. A roda do eterno retorno é, produção da repetição a partir da diferença e seleção da diferença a partir da repetição. 

A primeira visita documentada as terras canadenses por navegadores europeus ocorreram em 1497 ou 1498, quando o veneziano ao serviço de Inglaterra Giovanni Caboto (1450-1499), reconhecido em inglês como John Cabot aportou à Terra Nova. Alguns historiadores compreendem que há indícios que a Terra Nova já teria sido “rebuscada” pelo navegador português João Vaz Corte Real (1420-1496) em 1472, ou antes e por Diogo de Teive (1415-1474) e o piloto Pero Vasques Saavedra, também conhecido por Pedro Vásquez de la Frontera, foi um navegador português, cavaleiro da Casa do Infante D. Henrique, ao serviço de quem navegou no Atlântico Norte. Esteve ligado à exploração dos Açores e à procura de ilhas situadas para Oeste do arquipélago. Estabeleceu-se em Barcelona, de 1473 a 1477, e residiu depois em Palos de la Frontera, historicamente em que ficou reconhecido por Pedro Vásquez de la Frontera. Reconhecido sobretudo por ser experiente na navegação nas ilhas do Atlântico, por nelas ter navegado ao serviço do Infante D. Henrique, e no Atlântico Noroeste, em sua casa realizaram-se reuniões de preparação para a viagem de de exploração do processo civilizatório de Cristóvão Colombo às Caraíbas em 1452.

A colonização europeia começou efetivamente no século XVI, quando os britânicos, e principalmente, os franceses estabeleceram-se pelo Canadá. Os britânicos não tiveram uma forte presença no antigo Canadá, instalando-se originalmente na Terra de Rupert, sendo que a região dos Grandes Lagos e do Rio São Lourenço, bem como a região que atualmente compõe as províncias de Nova Escócia e Novo Brunswick, estava sob domínio territorial dos franceses. A Nova França e a Acádia continuavam a se expandir. Essa expansão territorial não foi bem aceita pelos índios iroqueses, e, também pelos colonizadores britânicos e os colonos “rearranjados” das chamadas Treze Colônias, desencadeando uma série de batalhas que culminou, em 1763, no Tratado de Paris, no qual os franceses cederam seus territórios da Nova França e da Acádia aos britânicos. Em um mundo espiritual onde os laços de sangue são sagrados e envenenados, o regresso de uma mulher desvenda uma teia de segredos, mentiras e traições impensáveis. O Eurochannel estreia o filme Duplicidade. Desde a cena de abertura, a ideia de Duplicidade agarra você com a força da representação e se recusa a soltá-lo. Somos apresentados a Alice Minville, uma enfermeira nos confins de mundo do extraordinário Canadá, cujo mundo fica despedaçado quando ela recebe a notícia da trágica morte de sua mãe. Mas o que se encontra é um cenário geograficamente, confuso e inacreditável, do ponto de vista do enredo cinematográfico, quando Alice descobre que seu pai supostamente falecido está bem vivo e que uma mulher estranha está se passando por sua irmã, há muito tempo ausente. Mas não é só a força de sentido de Alice que cativa o promissor público consumidor de cinema; pois, cada personagem em Duplicidade (2017) é um enigma de ponta-cabeça esperando para ser resolvido.

De Alexandre Caussey, o enigmático pai com um passado sombrio, a Juliette Legrand, a astuta impostora tendo em mente a sordidez da vingança, cada membro do elenco acrescenta outra camada à intrincada trama de mentiras. À medida que os segredos se revelam, Alice se vê envolvida em um distorcido jogo per se de “gato e rato”, onde nada é o que parece. Os motivos de Juliette estão envoltos na obscuridade e a sua verdadeira identidade permanece uma incógnita, levando Alice a buscar respostas e até questionar sua própria sanidade. O enredo do filme entrelaça o passado e o presente, revelando os segredos assustadores que atormentam a família de Alice há décadas. Das cinzas de um trágico incêndio que ceifou a vida de um vizinho ao tórrido caso que separou seus pais, cada revelação íntima acrescenta profundidade e complexidade à narrativa, mantendo os espectadores tensos. À medida que o suspense aumenta, a busca de Alice pela verdade toma um rumo sombrio, levando-a por um caminho perigoso de mentiras, traições e até assassinatos. Com a escalada dos riscos, ela se vê envolvida em um arriscado jogo de “gato e rato” com Juliette, cujos motivos se tornam cada vez mais sinistros e imprevisíveis. Em meio ao caos, o filme explora os temas profundos da identidade, dos laços familiares e até onde se pode ir para descobrir o que há de verdade. A determinação inabalável de Alice em desvendar o emaranhado de mentiras é, ao mesmo tempo, admirável e perturbadora, enquanto ela navega em um mundo onde a confiança é invisível para ser estabelecida. À medida que o clímax de comunicação se aproxima, Duplicidade oferece uma série de reviravoltas angustiantes que desafiará sua percepção e fará você repensar o que já que sabia. Justamente quando você pensa que desvendou o mistério, o filme lança outra dúvida, mantendo você na expectativa até o final. No longa-metragem dirigido por Julien Despaux, ele vai penetrar na história de vida emocionante de Alice (Laura Smet), que descobre a morte acidentalmente da sua mãe enquanto realizava uma viagem para o Canadá. O corpo da mãe foi enviado para a França a pedido do pai de Alice.

No entanto, sua mãe sempre havia dito que o pai de Alice estava morto há duas décadas. Então quem seria esse homem? Dúvidas começam a surgir em Alice sobre a real identidade desse homem e ela levanta a possibilidade de qual poderia ser o motivo ou “conteúdo de sentido” pela mentira da sua mãe. As coisas pioram mil vezes mais quando ela descobre que há uma outra mulher se passando por filha do seu pai recém descoberto. Não queremos perder de vista o fato psíquico, a saber, quando um indivíduo desempenha um papel, implicitamente solicita de seus observadores que levem a sério a impressão sustentada perante eles. Segundo Goffman (2014) pede-lhes para acreditarem que o personagem que veem no momento possui os atributos qua aparenta possuir, que o papel que representa terá as consequências implicitamente pretendidas por ele e que, de um modo geral, as coisas são o que parecem ser. Concordando com isso, há o ponto de vista popular de que o indivíduo faz sua representação e dá seu espetáculo “para benefício de outros”. Será conveniente começar o estudo das representações invertendo a questão e examinando a própria crença do indivíduo na impressão de realidade que tenta dar àqueles entre os quais se encontra. Num dos extremos, encontramos o ator que pode estar inteiramente compenetrado de seu próprio número. Pode estar sinceramente convencido de que a impressão de realidade que encena é a verdadeira realidade. Quando seu público está também convencido a respeito do espetáculo que o ator encena – e esta parece ser a regra geral – pelo menos no momento, somente o sociólogo ou uma pessoa socialmente descontente terão dúvidas sobre a “realidade” do que é apresentado. 

   No outro extremo verificamos que o ator social pode não estar completamente compenetrado de sua própria prática. Esta possibilidade é compreensível, pois ninguém está em melhor posição para observar o número do que a pessoa que o executa. Aliado a isso o executante pode ser levado a dirigir a convicção de seu público apenas como um meio para outros fins, não tendo interesse final na ideia que fazem dele ou da situação. Quer dizer, quando o indivíduo em sua própria atuação e não se interessa em última análise pelo que seu público acredita, podemos chamá-lo de cínico, reservando o termo “sincero” para os que acreditam na impressão criada por sua representação. Mas que fique entendido que o cínico, com todo o seu descompromisso profissional, pode obter prazeres não profissionais da sua pantomina, experimentando uma espécie de jubilosa agressão espiritual pelo fato de poder brincar á vontade com alguma coisa que o público deve levar a sério. Nem todos os atores cínicos estão interessados em iludir sua plateia, tendo por finalidade o que se chama de “interesse pessoal” ou lucro privado. Um indivíduo cínico pode enganar o público pelo que julga ser o próprio bem deste, ou pelo bem da comunidade etc. Para exemplificar este caso, provisoriamente, não precisamos lembrar empresários teatrais tão tristemente esclarecidos como Marco Aurélio ou Hsun Tsu. No primeiro caso, o imperador romano de 161 até sua morte em 180. Era filho de Domícia Lucila e do pretor Marco Ânio Vero, sobrinho do imperador Adriano. Seu pai morreu quando tinha três anos e ele foi criado por sua mãe e avô. Adriano adotou Antonino Pio, tio de Marco Aurélio, como novo herdeiro em 138. Antonino, por sua vez, adotou Marco Aurélio e Lúcio Vero, filho de Élio. Adriano morreu no mesmo ano e Antonino tornou-se o imperador. Marco Aurélio, agora como herdeiro do trono, estudou grego e latim com tutores como Herodes Ático e Marco Cornélio Frontão. Ele se casou com Faustina, a Jovem, a única de Antonino Pio, em 145, com quem teve pelo menos catorze filhos.

No segundo caso, foi um general, estrategista e filósofo chinês e principal nome relacionado à escola militar de filosofia chinesa. É mais reconhecido por seu tratado militar, A Arte da Guerra, composto por 13 capítulos de estratégias militares. Sun Tzu, também grafado como Sunzi, foi uma figura histórica cuja existência é questionada in partibus infidelium por vários historiadores. Seu nome de nascimento era Sun Wu, sendo Sun o seu sobrenome e Tzu um título que significa Mestre. Tradicionalmente, Sun Tzu vivera no Período das Primaveras e Outonos da China (722 a.C. – 481 a.C.) como general do Rei Hu Lu. Historiadores mais recentes, que admitem a sua existência, datam o seu trabalho, A Arte da Guerra, do Período dos Reinos Combatentes (476 a.C. – 221 a.C.), baseado nas descrições da guerra desse livro, e pela semelhança da forma de redação do texto com outros trabalhos realizados no início do período dos Reinos Combatentes. Os historiadores tradicionais acreditam que o seu descendente, Sun Pin, também escreveu um tratado sobre táticas militares, intitulado A Arte da Guerra de Sun Pin. Ambos são mencionados como Sun Tzu nos textos tradicionais chineses, e alguns historiadores acreditavam que Sun Wu era Sun Pin até a descoberta de seus trabalhos em 1972. Nos séculos XIX e XX A Arte da Guerra, de Sun Tzu, ganhou popularidade, sendo adaptado na prática pelo mundo Ocidental, continuando os seus trabalhos a influenciar as culturas e políticas tanto do mundo Asiático como do Ocidental.

Mutatis mutandis, o primado da identidade, seja qual for a maneira pela qual esta é concebida, como sabemos, define o mundo da representação. Mas o pensamento moderno nasce da falência da representação, assim como da perda das identidades e da descoberta de todas as forças que agem sob a representação do idêntico. O mundo moderno é o dos simulacros. Nele, o homem não sobrevive a Deus, nem a identidade do sujeito sobrevive à identidade da substância. Todas as identidades são apenas simuladas, produzidas como um “efeito” ótico por um jogo mais profundo, que segundo Gilles Deleuze, é o da diferença e da repetição. Isto é, diz o filósofo, queremos pensar a diferença em si mesma e a relação do diferente com o diferente, independentemente das formas da representação que as conduzem ao Mesmo e as fazem passar pelo negativo. Metodologicamente, nossa vida moderna é tal que, quando nos encontramos diante das repetições mais mecânicas, mais estereotipadas, fora de nós e em nós, não cessamos de extrair delas pequenas diferenças, variantes e modificações. Inversamente, repetições secretas, disfarçadas e ocultas, animadas pelo deslocamento perpétuo de uma diferença. No simulacro, já incide sobre repetições e a diferença já incide sobre diferenças. São repetições que se repetem e é o diferenciador que se diferencia. A tarefa da vida é fazer com que coexistam todas as repetições num espaço em que se distribui a diferença.

Há duas diferenças de pesquisa para Deleuze, na origem deste livro: uma diz respeito a um conceito de diferença sem negação, precisamente porque a diferença, não sendo subordinada ao idêntico, não iria ou “não teria que ir” até a oposição e a contradição; a outra diz respeito a um conceito de repetição tal que as repetições físicas, mecânicas ou nuas (repetição do Mesmo) encontrariam sua razão nas estruturas mais profundas  de uma repetição oculta, em que se disfarça e se desloca um “diferencial”. Essas duas pesquisas juntaram-se espontaneamente, pois esses conceitos de uma diferença pura e de uma repetição complexa sempre pareciam reunir-se e confundir-se. À divergência e ao descentramento perpétuos da diferença correspondem rigorosamente um deslocamento e um disfarce da repetição. Há muitos perigos em invocar diferenças puras, libertadas do idêntico, tornadas independentes do negativo. O maior perigo é cair nas representações da bela-alma: apenas diferenças, conciliáveis e federáveis, longe das lutas sangrentas. A bela-alma diz: somos diferentes, mas não opostos... E a noção de problema, que veremos estar ligada à noção de diferença, também parece nutrir os estados de uma bela-alma: só contam os problemas e as questões... Todavia, acreditamos que, quando os problemas atingem o grau de positividade que lhes é próprio, é quando a diferença se torna objeto de uma afirmação correspondente, eles liberam uma potência de agressão e de seleção que destrói a bela-alma, destituindo-a de sua própria identidade e aniquilando sua boa vontade. O problemático e o diferencial determinam lutas ou destruições, relativamente às quais as do negativo não passam de aparências, e os votos da bela-alma, de mistificações apreendidas na aparência. Não é próprio do simulacro ser uma cópia, mas subverter todas as cópias, subvertendo também os modelos: todo pensamento torna-se uma agressão. Um livro de filosofia deve ser, um tipo muito particular de romance policial e, por outro, uma espécie de ficção científica.

Bibliografia Geral Consultada.

ULPIANO, Cláudio, “Afetos: Um Sorriso, Um Gesto”. In: Pontos de Fuga: Visão, Tato e Outros Pedaços. Rio de Janeiro: Taurus Editora, 1996; BACHELARD, Gaston, A Formação do Espírito Científico: Contribuição para uma Psicanálise do Conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 1996; MACIEL, Sonia Maria, Corpo Invisível: Uma Nova Leitura na Filosofia de Merleau-Ponty. 1ª edição. Porto Alegre: Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1997; MERLEAU-PONTY, Maurice, A Prosa do Mundo. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1974; Idem, Textos Selecionados. 2ª edição. São Paulo: Editora Abril Cultural, 1984; Idem, Fenomenologia da Percepção. 2ª edição. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1999; LOPES, Luiz Manoel, “Teoria do Sentido em Deleuze”. In: An. Filos. São João del-Rei, n°10, pp. 203-220, jul. 2003; AGAMBEN, Giorgio, Profanaciones. 1ª edición. Buenos Aires: Adriana Hidalgo Editora, 2006; BOUANICHE, Arnaud, Gilles Deleuze – Une Introduction. Paris: Les Editions Pocket, 2007; FERREIRA, Adelino Alcides Abrunhosa, Cuidado de Si e Metanoia em Michel Foucault. Tese de Doutoramento em Filosofia Moral e Política. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2015; DELEUZE, Gilles, Diferença e Repetição. 1ª edição. Rio de Janeiro; São Paulo: Editora Paz e Terra, 2018; particularmente ver: “Introdução – Repetição e Diferença”, pp. 17-49; CARVALHO, Érika Rayanne Silva de; LEITE, Fernando César Lima, “Diferenças na Produção, no Compartilhamento e no (re)uso de Dados de Pesquisa: A Percepção de Pesquisadores de Química, Antropologia e Educação”. In: Em Questão. Porto Alegre, vol. 25, n° 3, pp. 321–347, 2019; DONGO-MONTOYA, Adrien Oscar, Pensamento e Linguagem: Vygotsky, Wallon, Chomsky e Piaget. São Paulo: Editora Unesp, 2021; BHAMBRAE, Gurminderk; NEWEL, Pedro, “More Than a Methaphor: ´Climate Colonialismo`. Bristol University Press, pp. 179-287, 2023; QUEIROZ, Susanna Pinto, Helena sem Troia: Travessia de uma Diretora-criadora em Movimento de Oroboro Cênico. Dissertação de Mestrado. Instituto de Artes. Rio de Janeiro:  Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2024; Artigo: “Por que Donald Trump é o símbolo de uma nova era de autoritarismo global”. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/rfi/2025/01/25/; entre outros.

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