domingo, 21 de julho de 2024

Justiça Desportiva – Arquétipo Político, Mídias & Espectador Globalizado.

          O desporto é o único meio de conservar no homem as qualidades do homem primitivo”. Jean Giraudoux

Com a necessidade de interação social, os produtores de televisão e de outras mídias começaram a adicionar elementos interativos socialmente para evitar perder espectadores. Atualmente existe uma mescla das mídias mais antigas com internet, telefone, celular e outros aparelhos de comunicação móvel, integrando essas diversas mídias, procurando aumentar ainda mais a interatividade. É possível que brevemente o conceito de “espectador” (cf. Augé, 1992; 1997) fique completamente ultrapassado e seja criado um novo termo para substitui-lo. A partir dos produtos culturais da história e das perspectivas futuras nos novos regimes de subjetividade proporcionados pelos games, pelas imagens em 3D e pelo ciberespaço, podemos pensar especialmente na perspectiva de mudança social da concepção de um sujeito/espectador para um sujeito/assujeitado na pulsão escópica, “satisfação” pulsional inerente ao seu objeto, o “olhar”, percurso que, para muitos, está ainda em seu começo. Os espectadores são aqueles que apreciam um evento. Utiliza-se o termo para denominar aqueles que apreciam as artes cênicas, a música, o esporte ou desporto, a televisão, o cinema e os espaços arquitetônicos. São pessoas que assistem, escutam e recebem informações.  

O conceito de “espectador” determina um persuasivo, o espectador interagindo através do ver, do calar e do falar, com o que está sendo transmitindo. Entretanto, como afirmou Peter Greenaway, cineasta, autor e artista multimídia britânico, que a invenção do controle remoto fez com que a passividade de quem assiste a um espetáculo diminuísse, o espectador de televisão passou a ter a possibilidade de interagir, selecionando o que provavelmente deseja assistir. Com a invenção do videocassete, o espectador passou a poder escolher o que deseja assistir. O estabelecimento da rede mundial de comunicação social “internet”, comercialmente possibilitou a que milhões de pessoas passassem a ter acesso a esse tipo de mídia massiva. A internet eliminou o conceito de passividade do espectador de mídias televisivas, tornando possível novas formas de interação social. O espectador passou a poder selecionar o que quer assistir, quando, onde e como quer assistir. A interatividade da internet é responsável pelas novas formas de linguagem das chamadas “mídias passivas”, que começaram a perder certa audiência.  

Escólio: Existem seis comissões disciplinares diferentes, cada qual com cinco auditores mais um auditor suplente. Os auditores de uma comissão não participam dos julgamentos de outra e não fazem parte do Tribunal Pleno. Pleno do tribunal, ou tribunal pleno são expressões empregadas, no Brasil, para referir-se ao órgão deliberativo de um tribunal composto por seus membros ministros dos tribunais superiores, desembargadores dos tribunais de justiça, ou conselheiros dos tribunais de contas. As decisões tomadas no pleno são consideradas decisões de todo o tribunal, e não apenas parte dele. Eles são escolhidos, por meio de votação baseada em lista apresentada com sugestões, pelos auditores do Pleno. Aqueles que obtiverem mais votos tomarão posse como auditores, prevalecendo, em caso de empate, aquele que for mais velho. Fazendo o comparativo com a justiça comum, eles fazem o papel social do júri. O Pleno, última instância da justiça desportiva brasileira, é composto por nove auditores: dois indicados pela Confederação Brasileira de Futebol (CBD), dois pela sociedade civil, representados pela Ordem dos Advogados Brasileiros (OAB), dois indicados pela Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (FENAPAF), dois indicados pelos clubes brasileiros e um pelo sindicato dos árbitros.  As decisões de primeira instância podem ter efeito de poder suspensivo do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD), que também tem o poder de reverter 50% das penas em multas ou cestas básicas.


O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) tem muitas de suas cadeiras ocupadas por filhos de juízes de tribunais do país e de juristas de renome, mesmo sem experiência na área do direito desportivo. O atualmente presidente, de apenas 37 anos de idade, é filho do ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça João Otávio de Noronha. Eduardo Mello, de apenas 36 anos, também é integrante da Corte e é, não por acaso, filho do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio de Mello, que por sua vez foi indicado ao cargo pelo primo, ex-presidente da República Fernando Collor de Mello (1990-1992). Luiz Zveiter, que elaborou a polêmica decisão que anulou 11 jogos do Campeonato Brasileiro de 2005, é filho de Waldemar Zveiter, ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, irmão de Sergio Zveiter, político e ex-presidente da Ordem dos Advogados Brasileiros (fluminense), e pai de Flavio Zveiter, que também presidiu o Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol, quando tinha somente 31 anos de idade para o cargo. O STJD replica tanto o “coronelismo” existente nas federações estaduais de futebol e na Confederação Brasileira de Futebol como o amadorismo da arbitragem brasileira, que atualmente não foi profissionalizada. É um brasileirismo usado para definir a complexa estrutura de poder que tem início no plano municipal, exercido com hipertrofia privada na figuração do coronel sobre o poder público, o Estado, e tendo como caracteres secundários o mandonismo, o filhotismo ou a fama do apadrinhamento, a fraude eleitoral e a desorganização dos serviços públicos que abrange inequivocamente o sistema político na República Velha. 

Era representado por lideranças que iam desde o “áspero guerreiro” Horácio de Matos (1882-1931-) ao letrado Veremundo Soares (1878-1973), possuindo linha-mestra o controle socialmente da população. Como forma de poder político consiste na figuração (cf. Elias, 2006) da liderança com indício nominal de representação local, o coronel, define as escolhas dos eleitores por ele enfeitiçados ou, fetichisadosSe me permitem uma digressão, o trabalho parece ser uma categoria muito simples. A ideia de trabalho nesta universalidade, segundo o pensamento conspícuo de Marx, como trabalho, em geral, é, também das mais antigas. No entanto, concebido do ponto de vista econômico nesta forma simples, o trabalho é uma categoria tão moderna como as relações que esta abstração simples engendra. Assim, a abstração mais simples, que a economia política moderna coloca em primeiro lugar e que exprime uma relação muito antiga e validada para todas as formas de sociedade, só aparece, no entanto, sob esta forma abstrata como verdade prática enquanto categoria da sociedade mais moderna. Poder-se-ia dizer que esta indiferença em relação a uma forma determinada de trabalho, que se apresenta nos Estados Unidos da América (EUA) como produto histórico, se manifesta na Rússia, por exemplo, como uma disposição naturalmente. Mas, por um lado, que extraordinária diferença entre os bárbaros que têm uma tendência natural para se deixar empregar em odos os trabalhos, e os civilizados que empregam a si próprios. E, por outro lado, a esta indiferença em relação a trabalho determinado corresponde na prática, entre os russos, a sua sujeição tradicional a um trabalho bem determinado, ao qual só as influências exteriores podem arrancá-los.

O todo, na forma em que aparece no espírito como todo-de-pensamento, é um produto do cérebro pensante, que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível, de um modo que difere da apropriação desse mundo pela arte, pela religião, pelo espírito prática. Antes como depois, o objeto real conserva a independência fora do espírito, e isso durante o tempo social necessário em que o espírito tiver uma atividade meramente especulativa, meramente teórica. Por consequência também no emprego do método teórico é necessário que o objeto, a sociedade, esteja constantemente presente no espírito como dado primeiro. Mas as categorias sociais simples não terão também uma existência independente, de caráter histórico e natural, anterior à das categorias sociais mais concretas? Depende! Friedrich Hegel, tem razão em começar a Filosofia do Direito inicialmente pelo estudo categorial da posse, constituindo esta a relação jurídica mais simples do problema. Em relação a este ponto de vista, fez-se um grande progresso quando o sistema industrial ou comercial transportou a fonte de riqueza do objeto para a atividade subjetiva - o trabalho comercial e fabril, concebendo esta atividade do trabalho - no âmbito da agricultura - como a forma de trabalho extraordinariamente criadora de riqueza, e admite o próprio objeto não sob a forma dissimulada do dinheiro, mas como produto enquanto resultado geral do trabalho (cf. Marx, 2011: 249).

Com o sugestivo título: Contribuição para o Estudo da Sociologia Política no Brasil, a socióloga apresentou no I Congresso Brasileiro de Sociologia, em 1954, as linhas gerais de uma agenda de pesquisas para o desenvolvimento da área, tendo como fulcro os estudos sociológicos de nosso passado político que serviriam de background para pesquisas empíricas efetuadas a partir do município. Expressivos dessa proposta foram os ensaios: O Mandonismo Local na Vida Política Brasileira (1956) e O Coronelismo numa Interpretação Sociológica (1975), nos quais a investigação das relações sociais de mando estabelecidas entre grupos no âmbito do poder local serviram de apoio para a interpretação de uma estrutura hierárquica mais ampla que conformou em diversas conjunturas históricas a formação da sociedade brasileira. Nesses estudos, Maria Isaura não queria perder de vista as respostas dos agentes no plano de análise individual (o sonho) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos) às estruturas de dominação que se inseriam, destacando a multiplicidade e complexidade da vida nominal rústica. Essas configurações de poder poderiam ser identificadas em entrevistas estruturadas no papel político de lideranças religiosas messiânicas e em grupos sociais como os típicos cangaceiros. Tendo em vista a formulação do objeto de pensamento Maria Isaura, ao lado de outros colegas do Departamento de Ciências Sociais criou o Centro de Estudos Rurais e Urbanos, da USP (1964) para formação de pesquisadores.

Sociologia representa o meio de trabalho da sociologia que analisa os efeitos sociais específicos - as práticas de poder, o Estado e o dever político. É o estudo das bases sociais de representação da política. A distinção entre ciência política e sociologia política, não se refere apenas a questão tópica de espaço, enquanto lugar praticado e lugar, que deve ser precisa do ponto de vista teórico da análise. Mas caracteriza-se pela explicação concreta dos fatos que têm determinada orientação nos processos do mundo político, mas que podem mudar de forma. O cientista político busca regularidades e conexões de sentido entre os fatos em torno do mundo político. Qualquer que seja o nível de estrutura da sociedade é sempre possível pensar como Montesquieu (1689-1755), isto é, analisar a forma própria da heterogeneidade de uma determinada sociedade pelo equilíbrio dos poderes em confronto, a garantia da moderação e da liberdade. Para os liberais, todos os indivíduos têm direitos humanos inatos. Muitos viram aí uma filosofia social implícita de representação do progresso socialmente inspirada por valores tipicamente liberais que, em última instância, desembocaram na fluidez da ideia de que, em verdade, o ser humano é capaz de descobrir tanto como reparar as injustiças fomentadas pelos retrocessos da história humana.

Seu interesse pelo messianismo se desdobrou mais tarde, na conturbada década de 1960, com o colapso do populismo, nos estudos sobre o campesinato brasileiro com a formulação do conceito de grupos rústicos. Seguindo a trilha do mestre francês, Maria Isaura dedicou-se a vários campos de saber, entrecortando a sociologia da religião, a sociologia política, a sociologia rural e a sociologia da cultura. Florestan Fernandes (1920-1995) destacou a amplitude e a diversidade de sua obra bem como o seu reconhecimento em relação à la Roger Bastide. Tais características podem ser encontradas na trajetória intelectual de Maria Isaura e na sua concepção. Influenciada por Roger Bastide (1898-1974), Maria Isaura Pereira de Queiroz também defendeu “a necessidade de utilizar diferentes métodos de investigação e análise não importando se eram reconhecidos como pertencentes a outras disciplinas ou teorias rivais”. Acredita Maria Isaura que a realidade é que indica o método mais apropriado para que o pesquisador possa melhor reconhecê-la, e não o contrário. Maria Isaura, diferentemente dos cientistas sociais de sua geração fez outras escolhas temáticas. Por outro lado, aproxima-se em grande medida dos mesmos pelo mesmo rigor analítico na elaboração de suas pesquisas. Observadora atenta, Glaucia Kruse Villas Bôas percebe que as escolhas de tema e de método de pesquisa pelas quais optou por Maria Isaura devem ser imiscuídas a partir da produção teórica das ciências sociais entre os anos 1940 e 1960. 

Um ano após a morte de Roger Bastide (1974), Maria Isaura Pereira de Queiroz escreveu a Jeanne Bastide, viúva de seu amigo, desculpando-se pelo atraso no envio de prefácio para a publicação, na França, de Arte e sociedade. As cartas de Maria Isaura à viúva Jeanne Bastide e à sua filha, Suzanne, são entremeadas de notícias do dia a dia político e econômico e que revelam aspectos da vida da intelectualidade brasileira na segunda metade da década de 1970. Maria Isaura começa a formular o projeto de publicação das obras completas de Roger Bastide em novembro de 1976, com o apoio de Manuel Diégues Júnior, diretor do Departamento de Assuntos Culturais do Ministério da Cultura e membro do Conselho Nacional de Cultura. Diégues ficou interessado na iniciativa conjunta do Centro de Estudos Rurais e Urbanos, que Maria Isaura criara e dirigia, e do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), dirigido por José Aderaldo Castelo (1921-2011). Ela pretendia reunir os artigos esparsos de Roger Bastide em volumes, a começar com os artigos publicados no Brasil, uma vez que estavam já traduzidos, e depois os artigos publicados em francês, de tal forma que pudessem integrar uma coleção de Obras Completas à qual daria o nome de Bastidiana (cf. Villas Bôas, 2014).

A ascensão dos regimes populistas (cf. Laclau, 2005) foi analisada com certa  desconfiança por determinados grupos políticos internos ou estrangeiros, dentro e fora do continente latino-americano. A capacidade de mobilização das massas estabelecidas por tais governos, o apelo resplandecente aos interesses nacionais e a falta de uma perspectiva política clara poderia colocar em risco  interesses defendidos pelas elites que controlavam a propriedade das terras ou das forças produtivas do setor industrial. Sob o aspecto teórico, o governante populista fundamentava seu discurso em projetos de inclusão social que, em seu modus operandi de interpelação democrática, legitimavam a crença na construção social de uma nação promissora. Definindo seus aliados imprescindíveis ao progresso nacional, o populismo saudava valores e ideias que colocavam num “grande líder”, seja masculino ou feminino como porta-voz masivo, não demonstrava natureza individual, mas transformava em “homem do progresso”, “defensor da nação” ou “representante do povo”.

Construía-se a imagem singular do indivíduo que desaparecia em prol de causas individuais e coletivas. Na América Latina, os inúmeros exemplos de experiência populistas podem ser compreendidos na ascensão dos governos populares de Juan Domingo Perón (1946-1955-1973-1974), Evita Perón (1946-1952) na Argentina; Lázaro Cárdenas (1934-1940), no México; Gustavo Rojas Pinilla (1953-1957), na Colômbia; e Getúlio Dornelles Vargas (1930-1937; 1951-1954), no Brasil. O mais impressionante na história da vida de Eva foi o caminho meteórico que ela percorreu na vida pública. Entre a total obscuridade ao mais absoluto resplendor pessoal e político da vida e em seguida a morte, tudo ocorreu em apenas 7 anos. Nesse curto período histórico-social ela saiu do anonimato para se tornar uma das mulheres mais importantes e poderosas do mundo. Na breve existência (morreu aos 33 anos de idade) há muitos mistérios, muitos fatos obscuros, mas há principalmente uma personalidade tragicamente marcante.

Apesar de se reportar a uma prática do passado recente, ainda podemos notar a presença de reconhecidas práticas populistas em governos estabelecidos na América Latina. Em verdade a Grande Depressão dos anos 1930 demarca a crise do domínio oligárquico, conservador (ou de direita), e a ascensão ao poder de governos e partidos políticos populistas. O populismo não é uma ideologia e uma prática política de esquerda, mas os partidos de esquerda na América Latina participaram dos governos populistas e com eles em grande parte se confundiram, ainda que alguns setores mais radicais da esquerda fossem frequentemente reprimidos por esses governos. A relativa identificação da esquerda com o ideário populista é válida para os setores políticos moderados, reformistas, mas é válida também para a esquerda comunista. Nos termos do chamado pacto populista essa ala esquerda aliava-se aos empresários industriais, a setores da oligarquia agrário-comercial, às classes médias tecnoburocrática do Estado e intelectualizadas, onde residia a força da esquerda e aos trabalhadores urbanos. E cabia à liderança estrategicamente na definição do diagnóstico político através da metáfora do subdesenvolvimento e no estabelecimento de novas estratégias de desenvolvimento.

O crescimento populacional brasileiro e a abertura dos novos desafios conviviam com a polarização da política internacional, que dividiu as nações do mundo entre o capitalismo versus o comunismo. Desta forma, grupos ultraconservadores e setores de esquerda se encontravam em pontos longínquos do cenário conciliador do fenômeno populista brasileiro. A ascensão da Revolução Cubana, em 1959, trouxe esperança e afeto político a diferentes grupos da nossa sociedade. Ao mesmo tempo, grupos militares instituíram a urgência de uma intervenção política que impedisse a formação de um governo socialista no Brasil. Viveu-se numa economia que sabia muito bem promover a prosperidade e aumentar a miséria. Nessa conjuntura que durante o governo popular de João Goulart (1961-1964), os movimentos sociais pró e antirrevolucionários eclodiram no país. A urgência de reformas sociais e políticas conviveram em conflito com o interesse do capital internacional. Em um cenário tenso os militares chegaram ao poder instaurando um governo autoritário e centralizador. Em 1964, o Estado de Direito escafedeu-se sem poder confirmar se vivemos no âmbito populista uma democracia.

O processo social de redemocratização compreendeu uma série de medidas que, progressivamente, foram ampliando novamente as garantias individuais e a liberdade de imprensa até culminar na eleição do primeiro presidente civil após 21 anos de ditadura militar. Esse processo, contudo, foi composto por momentos de avanço e recuo dos militares, uma vez que desejavam garantir uma transição controlada sem que os setores mais radicais da oposição chegassem ao poder. Por isso, medidas de distensão como a Lei de Anistia, conviveram com medidas de repressão, como o Pacote de Abril e a recusa da Emenda nº 05/1983 Dante de Oliveira (1952-2006), que pedia eleições diretas para presidente da República. O período chamado de redemocratização compreendeu os anos de 1975 a 1985, entre os governos dos generais reacionários Ernesto Geisel e João Figueiredo e as eleições indiretas que devolveram o poder às mãos de um presidente civil. Por mais que as Diretas Já tenham mobilizado milhões de pessoas em manifestações memoráveis em São Paulo, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, a Emenda Dante de Oliveira foi derrotada no Congresso Nacional e as eleições diretas só ocorreram em 1989. O primeiro presidente civil foi eleito, portanto, de forma indireta, sendo este Tancredo Neves (PMDB) que, devido a problemas de saúde que o levaram a óbito, deixou o cargo de primeiro presidente da chamada Nova República para seu vice-presidente, José Sarney.

A visão protocrítica de inúmeros cientistas sociais e historiadores articulados na zona estabelecida então entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, prevaleceram sobre as considerações favoráveis que também lhe foram feitas mediante a globalização do mercado, entre pesquisadores em Pesquisa & Desenvolvimento. Não obstante, a força expressiva das críticas analíticas, a crítica das armas e a realização de pesquisas funcionalistas estimuladas por instituições poderosas de financiamento de programas de pós-graduação, institucionalizados de fora para dentro do país, permitiu o avanço do processo de normalização metodológica das ciências sociais, com o treinamento de uma geração de pesquisadores mediante o condicionamento empírico de enquetes operárias e pesquisas ditas de campo. Dentre esses estudos, as ciências sociais revelaram importantes pensadores sobre questões econômicas, políticas e sociais contextualizadas histórica e teoricamente, para não falarmos das questões políticas remanescentes na década de 1920 por Caio Prado Jr. (1907-1990), visto que estiveram voltadas para comunidades eclesiais em processo de surgimento, numa conjuntura marcada pela transformação de um país agrário em uma região urbano e industrial automotivo.

Em maio de 1956, regressou ao Brasil, sem deixar de lado seu trabalho cooperativo na França e, pari passu na Universidade de São Paulo, quando se aposentou em 1982. Maria Isaura era sobrinha da primeira deputada federal da história do Brasil, eleita em 1934, Carlota Pereira de Queiroz, uma mulher feita, mas não por si mesma. Era neta por parte de pai de um proprietário de terras da região de Jundiaí (São Paulo), membro do Partido Republicano Paulista (PRP), uma das principais expressões políticas na queda da monarquia e também um dos fundadores do jornal A Província de São Paulo, precursor do liberal O Estado de S. Paulo. Do lado da mãe, um avô prócer regionalista de Lorena, filiado ao Partido Conservador. A mãe, Maria Vicentina de Azevedo Pereira de Queiroz, vinha de uma família católica, seu pai inversamente, contrariando Franz Kafka (1883-1824), o político José Pereira de Queiroz Neto, exibia convicções ateístas e anticlericais. É neto do Patrono da Escola Estadual. Dr. José Pereira de Queiroz, sobrinho de Carlota Pereira de Queiroz, primeira Deputada Federal do Brasil e irmão de Maria Isaura Pereira de Queiroz, nossa renomada socióloga.

Em 1952 formou-se agrônomo junto à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, trabalhou no Instituto Agronômico de Campinas até 1967, como pesquisador. O Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, começa a tomar conhecimento de suas ideias em 1964 quando é convidado pelo professor Aroldo Edgar de Azevedo (1910-1974), chefe do Departamento, para proferir palestras temáticas Conservação dos Recursos Naturais com ênfase nos solos e seus múltiplos usos e no ano seguinte quando, os Professores. Aziz Ab’ Saber e Ari França convidam-no a permanecer no quadro docente como professor Colaborador, função em que fica firmada em contratado por dois anos até que em 1967 vem a ingressar nos quadros permanentes desta Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, passando ao regime acadêmico de Dedicação Exclusiva (DE), integralmente ao ensino e à pesquisa. Assim constituiu imediatamente um Grupo de Trabalho sobre Solos, coordenando o Laboratório de Pedologia e Sedimentologia do Instituto de Geografia, tornando-se referência por se pautar em novas visões teóricas e metodológicas. Sua trajetória foi marcada pela coordenação de programas de pesquisa e ensino integrados e viabilizados mediante intercâmbios interinstitucionais, inclusive bilaterais França-Brasil, centrados na questão dos solos e que permitiram a capacitação de vários docentes e pesquisadores, posteriormente disseminados pelo país.                   

A obra analítica de Maria Isaura se divide em três níveis de análises temáticos: I - Análises sobre reforma e revolução (cf. Queiroz, 1968) por meio dos movimentos religiosos, messiânicos e do mandonismo local (cf. Queiroz, 1956); II - Os estudos rurais, com análise do campesinato brasileiro a partir da definição de grupos rústicos (cf. Queiroz, 1973); e, III - Os estudos sobre a cultura brasileira (cf. Kosminsky, 1999), com destaque para as histórias de vida (cf. Villas Boas, 2014), relações de gênero e o carnaval (cf. Queiroz, 1992). A ilustre socióloga faleceu em 29 de dezembro de 2018, no município de São Paulo aos 100 anos. O historiador marxista Eric Hobsbawm, como dizia Paulo Sérgio Pinheiro, o mais eminente historiador de língua inglesa era notável apreciador de sua literatura, traduzindo-a para o idioma inglês. Foi sepultada no Cemitério da Consolação, a mais antiga necrópole em funcionamento em São Paulo. Embora a teoria de Maria Isaura se aproxime de Antonio Candido, ela apresenta uma visão sobre grupos sociais rústicos um pouco diferente. Apesar de escolher também como objeto de análise a população do interior de São Paulo, ela chega a conclusões opostas. Ela reconhece uma maior capacidade de adaptação das populações rústicas ao processo de modernização e urbanização a partir da década de 1960, porque constatou que, por meio de seus próprios elementos dinâmicos, geravam autotransformações na busca da melhoria de sua vida. Ao reconhecer a capacidade de adaptação e acomodação das populações rústicas, não nega, contudo, que o processo de modernização provocava uma alteração dos meios e modos de vida dos grupamentos rústicos que poderia levá-los à extinção. A resposta metodológica que dá à indagação sobre se os sitiantes tradicionais estariam condenados à desorganização socioeconômica, com o advento do processo de modernização, é a de que não havia um comportamento-padrão quanto ao modo de reagir aos processos de transformação em curso a partir da década de 1960.

Os sitiantes tradicionais tanto se adaptavam a esse processo, utilizando-se do cabedal de sua própria cultura, quanto reagiam de forma incongruente às transformações socioeconômicas promovidas pela modernização, desenvolvendo comportamentos que geravam sua autodestruição. O aprofundamento do capitalismo no Brasil não promovia necessariamente a abolição das especificidades socioculturais comuns à sociedade brasileira afeita às relações de vizinhança. Seu estudo sobre a reação das populações rústicas ao processo modernização e a consideração da possibilidade de sua persistência fundamenta sua hipótese central: no Brasil, ainda não havia uma oposição rígida entre tradicional e moderno. A possibilidade de coexistência entre surto industrial e cultura caipira foi demonstrada por Queiroz através da dinâmica engendrada pelos chamados bairros rurais. Em seu livro: Bairros Rurais Paulistas (1963), ela faz um estudo sobre a socialização dos sitiantes tradicionais e modernos e sobre sua inserção na sociedade brasileira. Ela conclui que tanto um quanto outro independente da orientação que davam à produção continuava seguindo, apesar do aprofundamento do capitalismo, o padrão tradicional caipira de crenças e valores que tem como base os bairros rurais.

Deste modo, segundo (Vasconcellos, 2014: 312-13) identifica dois tipos de bairros rurais: o tradicional composto por camponeses, e o moderno, formado por agricultores que comercializavam sua produção, mas que também adotavam a dinâmica social mantida no interior dos bairros rurais. Ambos, a despeito de sua diferença no comportamento econômico, apresentavam a mesma cultura, a caipira. Esse fato comprovava que as relações de trabalho e as relações sociais, alicerçadas pelas ligações vicinais, permitiam que a população caipira (cortador de mato) fosse regulada ao mesmo tempo pelos princípios da população rústica e pelos princípios do modo de ser moderno. Afinal, tanto camponeses praticantes de uma economia fechada, como agricultores modernos, praticantes de uma economia aberta, adotavam a idêntica cultura rústica. A mudança no comportamento econômico dos sitiantes não implicava a ruína da população campesina. A partir deste estudo sobre bairros rurais paulistas, conclui que esse tipo socialmente de organização permitia a coexistência do modo de vida tradicional, associado às relações de vizinhança, e de vida moderno, mais afeito à dinâmica de racionalidade econômica.

Antropologicamente a humanidade sempre atravessa estágios em que: a) opressão da individualidade é o ponto de passagem obrigatório de seu livre desabrochar superior, em que a pura exterioridade das condições de vida se torna a escola da interioridade, b) em que a violência da modelagem produz uma acumulação de energia, destinada, em seguida, a gerar provavelmente toda a especificidade pessoal. Do alto desse ideal é que, c) a individualidade plenamente desenvolvida, tais períodos parecerão, é claro, grosseiros e indignos. Mas, para dizer alguma coisa sobre a verdade, além de semear os germes do progresso vindouro, já que é em si uma manifestação benvinda do espírito, exercendo uma dominação organizadora sobre a matéria-prima das impressões flutuantes, uma aplicação das personalidades especificamente humanas, ipso facto procurando-as fixar suas normas de vida - do modo mais brutal, exterior ou, mesmo, estúpido que seja - em vez de recebê-las das simples forças da natureza.  A horda, uma estrutura social e militar encontrada na estepe eurasiática “não protege mais a moça e rompe suas relações com ela, porque nenhuma contrapartida foi obtida por sua pessoa”.

Para o sociólogo Georg Simmel (1858-1918) diante do “conflito” (“Kampf”) os indivíduos vivem em relações sociais de cooperação, mas também de oposição, portanto, os conflitos são parte mesma da constituição da sociedade. É neste sentido que formam momentos de crise, um intervalo entre dois momentos de harmonia, vistos numa função positiva de superação das divergências. Fundamenta uma episteme em torno da ideia de movimento, da relação, da pluralidade, da inexorabilidade do conhecimento, de seu caráter construtivista, cuja dimensão central realça o fugidio, o fragmento e o imprevisto. Por isso, seu panteísmo estético, ancorado sob formas paradoxais de interpretação real, como episteme, no qual se entende que cada ponto, cada fragmento superficial e, portanto, fugaz é passível de significado estético absoluto, de compreender o sentido total, os traços significativos, do fragmento à totalidade. O significado sociológico do “conflito”, em princípio, nunca foi contestado. Conflito é admitido por causar ou modificar grupos de interesse, unificações, organizações. Por outro lado, pode parecer paradoxal na visão do senso comum se alguém pergunta se independentemente de quaisquer fenômenos que resultam de condenar ou que a acompanha, o conflito é uma forma de “sociação”. À primeira vista, isso soa como uma pergunta retórica. Se as interações entre os homens é sociação, o conflito, - afinal uma das interações mais vivas, que, além disso, não pode ser exercida por um indivíduo sozinho, - deve ser considerado como “sociação”. E, os fatores de dissociação, tais como ódio, inveja, necessidade, desejo, são as causas da condenação, que irrompe em função deles.

Conflito é, portanto, destinado a resolver “dualismos divergentes”, é a maneira de conseguir algum tipo de unidade, que seja através da aniquilação de uma das partes em litígio. A imagem está associada a conhecimentos pretéritos adquiridos e concernentes ao objeto que ela de fato representa. Ela não apreende nada além daquilo que nós podemos extrair da realidade durante o trabalho de percepção. A imagem não se relaciona com o mundo em si, ela só depende do processo de como podemos descobrir algo sobre ela. Portanto, se existe uma possibilidade de se observar o objeto através da imaginação, mesmo assim essa possibilidade ainda não nos permite apreender nada de novo em relação ao objeto sociológico de pensamento. A imagem, ato da consciência imaginante, é um elemento, identificado como o primeiro e incomunicável, como produto de uma atividade consciente atravessada de um extremo ao outro por uma corrente de “vontade criadora”. Trata-se de dar-lhe à consciência um conteúdo de sentido imaginante, próximo da analogia weberiana da interpretação da ciência que recria para si os objetos afetivos espontaneamente ao seu redor: ela é criativa.  

Daí a importância de se compreender no campo da imagem, de sua produção, recepção, influência, de sua relação com o sonho, o devaneio, a criação e a ficção, a substituição das mediações pelos meios de comunicação, posto que contenha em si uma possibilidade de violência, a partir da constituição do novo regime de ficção que hoje afeta, contamina e penetra a vida social. Temos a sensação de sermos colonizados, mas sem saber precisamente por quem. Não é facilmente identificável e, a partir daí é normal questionar-se sobre o papel da cultura ou da ideia que fazemos dela. O etnólogo Marc Augé reitera que as “etnociências” se atribuem sempre dois objetivos, proposto por ele ao final em seu libelo: “La Guerre des Rêves” (1997). Usado como prefixo, “etno” relativiza o termo que o segue e o faz depender da etnicamente ou da “cultura” que supõe ter práticas análogas às que chamamos ciências: medicina, botânica, zoologia etc. Desse ponto de vista, a etnociência tenta reconstituir o que serve na análise comparada de ciência aos outros, suas formas práticas sanitárias e propriamente do corpo, seus conhecimentos botânicos, mas suas modalidades de classificação, de relacionamento etc. É claro que, a partir do momento em que se generaliza a etnociência muda de ponto de vista. Ela tenta emitir uma apreciação sobre os modelos locais, indígenas, e compará-los a outros e, além disso, propor uma análise técnico-metodológica dos procedimentos cognitivos em ação num certo número de experiências vivenciadas socialmente. 

Ela leva então às vezes o nome de antropologia: fala-se assim em antropologia médica ou cognitiva. Em verdade, quando Augé recoloca a questão: “que é nosso imaginário, hoje?”, por outro lado, ele se indaga se nestes dias não estamos assistindo a uma generalização do fenômeno de fascínio da consciência que nos pareceu característico da situação colonial e de seus diferentes avatares? Trata-se de “exercícios de etnoficção”, em analisar o estatuto da ficção ou as condições etnológicas de seu surgimento numa sociedade, em seu ersatz num momento histórico particular, em analisar os diferentes gêneros que se irradiam sob formas ficcionais, sua relação com o imaginário individual e coletivo, as representações da morte etc., em diferentes sociedades ou conjunturas. Temos o que fica reservado como “lugar de representação” do conhecimento, posto que bem entendido o nível abstratamente ao qual se aplica a pesquisa antropológica, ela tem por objeto interpretar a interpretação que os outros fazem da categoria do Outro, nos diferentes níveis analíticos que situam o Lugar dele e impõem sua necessidade. Melhor dizendo, tendo como representação uma etnia, tribo, aldeia, linhagem ou outro modo de agrupamento até o átomo elementar de parentesco, do qual submete a identidade da filiação à necessidade da aliança, o individualismo, enfim; que os sistemas rituais definem como compósito e pleno de alteridade, figura literalmente impensável, como o são, em modalidades opostas, a do rei e a do feiticeiro.

 O fato social é que deste ângulo prático de análise há um princípio abrangente e primordial, porque norteador, pois “toda antropologia é antropologia da antropologia dos outros, além disso, que neste âmbito, o lugar antropológico, é simultaneamente princípio de sentido para aqueles que o habitam e princípio de inteligibilidade para quem o observa” (cf. Augé, 1992). Essa inteligibilidade, ao que nos parece, fornece e propõe no âmbito de apropriação dos saberes que as condições de uma antropologia da contemporaneidade devem ser deslocadas do método para o objeto. E além disso, que se deve estar atento às mudanças que afetaram as grandes categorias por meio das quais os homens pensam sua identidade e suas relações recíprocas em termos espaciais. Assim, se um lugar de análise pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um na etnologia da solidão de Marc Augé (1997), o que ele denominou analiticamente de “não-lugar”. A hipótese adjudicada na teoria, e, portanto, no pensamento, é o que o autor chama de extraordinariamente de surmodernité conquanto produtora de não-lugares, de espaços sociais que não são em si lugares (tradicionais) antropológicos. Isto é importante. Estas características comuns podem ser aplicadas a dispositivos institucionais diferentes e que constituem, de certo modo, as formas elementares de compreensão do espaço social. Entretanto, trata-se de aspectos gerais delineados e que se identificam enquanto itinerários ou eixos ou caminhos que, do ponto de vista etnológico conduzem de um lugar real a outro. Mas também em cruzamentos e praças, que satisfazem por assim dizer esferas de ação social, que nos mercados definem necessidades do intercâmbio econômico e, nesta progressão, centros mais ou menos monumentais. Sejam eles religiosos ou políticos construídos por homens e mulheres e que definem como outros, em relação a outros centros e outros espaços sociais.

Sustentamos a hipótese in statu nascendi de que organização técnica e tática no futebol é um conceito longinquamente anterior à consolidação do próprio esporte. Em 1529, por exemplo, dois grupos de 27 jogadores escolheram o “futebol para resolver um problema entre eles”. O duelo ocorreu na Piazza Santa Croce, em Florença, e houve o primeiro registro de organização tática. Numa época heteróclita em que todos os atletas eram defensores e atacantes ao mesmo tempo, as equipes começaram a dividir suas funções de trabalho para ocupar melhor os espaços no campo e melhorar a marcação ao adversário. Durante quase um século, prevaleceu a organização com 15 jogadores no ataque, uma linha de 5 homens no meio e 7 homens na defesa. Essa formação mudou para um 3-4-5-5 quando o número de atletas por equipe foi reduzido para 17, por volta do século XVII. A formação do futebol com 11 atletas em cada equipe se deu no decorrer do século XIX, e pela primeira vez ocorrendo em 1863, quando foram definidas as primeiras regras da modalidade desportiva. A existência de uma série de impedimentos legais estatais ou liberais criou mais exigências para as equipes, dando origem aos sistemas táticos para reduzir o número de erros. A evolução tática do futebol está diretamente ligada ao confronto entre defensores e atacantes, assim como a busca por espaços não utilizados no gramado. Como as equipes procuram persuadir através de jogadas e dribles para vencer seus adversários de uma forma mais facilmente, este aspecto deu origem a uma necessidade disciplinar de organização e controle social.

A tática, como já se disse alhures, é a arte do fraco. Carl von Clausewitz (1780-1831), militar do Reino da Prússia que ocupou o posto de general é considerado um grande estrategista militar e teórico da guerra por sua obra “Da Guerra” (“Vom Kriege”). Foi diretor da Escola Militar de Berlim, Alemanha, nos últimos treze anos de vida, em que escreveu a obra “Vom Kriege”, publicada postumamente. Nela ficou reconhecida a tese materialista em que ele define a associação clássica entre guerra e política: - “A guerra é a continuação da política por outros meios”. Especificamente, Clausewitz considerava fundamental que a guerra estivesse sempre submetida à política. Isso porque nenhuma guerra pode ser vencida sem a compreensão precisa dos objetivos e da disponibilidade de meios¸ em primeiro lugar, ou sem o cálculo de racionalidade das capacidades e das oportunidades críveis, assim como o estabelecimento dos limites éticos ao uso da força - sempre submetida aos objetivos políticos estabelecidos. Suas lições de tática e estratégia vão, porém, além dos exercícios militares propriamente ditos, para se constituírem, inclusive, numa profunda reflexão sobre a filosofia da guerra e da paz. A estratégia é compreendida na teoria como a elaboração técnica do planejamento. A tática faz parte convencimento da estratégia definida: isto é, fazer as ações corretas para atingir a estratégia escolhida. Produtores desconhecidos, poetas de seus negócios, inventores de trilhas nas selvas da racionalidade, produzem algo que se assemelha às trajetórias indeterminadas, desprovidas de sentido porque não são coerentes com o espaço constituído, escrito, ou que se movimentam. A divisibilidade infinita do espaço implica o tempo, evidente, pela natureza do movimento.

São frases imprevisíveis num lugar praticado ordenado pelas técnicas sociais organizadoras dos sistemas. Não queremos perder de vista que estratégias se referem ao cálculo ou manipulação das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder, por exemplo, uma empresa, um exército, a cidade, uma instituição científica pode ser isolado. A estratégia postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações técnicas, políticas ou meramente sociais, com uma exterioridade de alvos concretos ou ameaças. Gesto cartesiano, quem sabe: circunscrever um próprio num mundo global enfeitiçado pelos poderes invisíveis do outro. Mas que também pode ser interpretado como gesto da modernidade científica, política ou militar. É preciso recorrer a outro modelo quando interpretamos as imagens, tentando nos convencer a tomar decisões ou  mudando a forma de sentir, pensar e agir. Clausewitz compara a astúcia à palavra espirituosa: - “Assim como a palavra espirituosa é uma espécie de prestidigitação em face das ideias e das concepções, a astúcia é uma prestidigitação relativa a atos”.

Isto porque o modo pelo qual a tática, verdadeira prestidigitação, se introduz por surpresa numa ordem. A arte de “dar um golpe” é o senso de proporcional de ocasião. Mediante procedimentos que psicanaliticamente Sigmund Freud precisa a respeito do chiste, combina elementos audaciosamente reunidos para insinuar o insight de uma coisa na linguagem de um lugar para atingir o destinatário. Raios, relâmpagos, fendas e achados no reticulado de um sistema, as maneiras de fazer são os equivalentes práticos dos chistes. Contudo, sem lugar próprio, sem visão globalizante, cega e perspicaz, como se fica no corpo a corpo sem distância, comandada pelos acasos do tempo, a tática é determinada pela ausência de poder, assim como a estratégia é organizada pelo postulado de um poder. Deste ponto de vista, sua dialética poderá ser iluminada pela arte da sofística, de fortificar ao máximo a posição do mais fraco. Mas destaca a relação de forças que está no princípio de uma criatividade tão tenaz como sutil, incansável, mobilizada à espera da ocasião.  As estratégias são, portanto, ações que, graças ao postulado de um lugar de poder, elaboram lugares teóricos (sistemas e discursos totalizantes), capazes de articular um conjunto de lugares físicos onde as forças se distribuem. Elas combinam esses três tipos de lugar e visam dominá-los uns pelos outros. Privilegiam, portanto, as relações espaciais.

Ao menos procuram elas reduzir a esse tipo as relações temporais pela atribuição analítica de um lugar próprio a cada elemento particular e pela organização combinatória dos movimentos específicos a unidades ou a conjuntos de unidades. O modelo para isso emerge anteriormente do paradigma militar que científico. As táticas são procedimentos que valem pela pertinência que dão ao tempo – às circunstâncias que o instante preciso de uma intervenção transforma em situação favorável, à rapidez de movimentos que mudam a organização do espaço, às relações entre momentos sucessivos de um golpe, como na política, aos cruzamentos possíveis de durações e ritmos heterogêneos. As estratégias apontam para a resistência que o estabelecimento de um lugar oferece ao gasto do tempo; as táticas para uma hábil utilização do tempo, das ocasiões de um poder. Os métodos praticados pela arte da guerra cotidiana jamais se apresentam sob uma forma nítida, nem por isso - last but not least - menos certo que apostas feitas no lugar ou no tempo distinguem as maneiras “estruturantes” de sentir, pensar e agir. O técnico de futebol do Clube de Regatas Flamengo, Claudio Coutinho (1939-1981) cumprimentando o técnico do Palmeiras, Osvaldo Brandão, no estádio do Maracanã em abril de 1980.

Cláudio Pêcego de Moraes Coutinho (1939-1981) foi o único militar, preparador físico e treinador de futebol brasileiro do Flamengo e na seleção brasileira na década de 1970. Dirigiu o Brasil em 45 partidas com 27 vitórias, 15 empates e 3 derrotas. Pelo Flamengo, obteve 76 compromissos com 47 vitórias, 20 empates e nove derrotas, segundo o Almanaque do Flamengo, dos autores Clóvis Martins e Roberto Assaf. Nascido na cidade Dom Pedrito na fronteira com o Uruguai mudou-se para o Rio de Janeiro com quatro anos de idade. Com a maioridade ingressou na Escola Militar e seguiu carreira, chegando ao posto de capitão. Demonstrando interesse na área esportiva, se graduou na Escola de Educação Física do Exército que se destina a especializar oficiais em educação física e desportos e em esgrima, especializar oficiais médicos em Medicina Esportiva, sargentos para o exercício das funções de monitor de Educação Física, ministrado para os Sargentos das Forças Armadas, Forças Auxiliares e Nações Amigas, e por extensão comunicativa, de cooperar e realizar pesquisas no campo da Educação Física e Desportos a atividade física regulamentada, de carácter individual ou coletivo, cuja finalidade é alcançar o melhor resultado ou vencer leal em competição.

Para tal, é necessária uma interação socialmente correta do corpo, da inteligência e da vontade. O desejo de progresso tem de estar sempre presente, custe o que custar. Ipso facto, há que saber distinguir Educação Física de Desporto. A grande diferença passa por e na Educação Física quando temos a oportunidade de praticar várias modalidades. E como se trata de disciplina escolar, que consiste na conduta dos alunos num ambiente escolar, sendo que esta deve agir consoante as normas preestabelecidas pela instituição de ensino, praticam-se não só com os melhores, mas também os menos habilidosos. Enquanto que o Desporto se destina a uma só modalidade onde só os melhores são selecionados, é preciso grande dedicação e gosto para se prosseguir a carreira. A grande maioria dos atletas federados teve o seu primeiro contato social com a modalidade especificamente física que pratica nas aulas de educação física. A educação física é inclusiva, destinada a um público mais amplo, enquanto que o desporto é exclusivo, destinando-se fundamentalmente aos que têm uma habilidade especial. A educação física visa a saúde e o bem-estar, enquanto que o desporto tem como principal objetivo o rendimento e a obtenção de resultados. No desporto existe um quadro competitivo e regras muito formais, na educação física as competições e as regras podem ser mudadas e acordadas entre os membros participantes. Cláudio Coutinho em 1968 representou a escola no mundial sobre desportos realizado nos Estados Unidos.

Com a proximidade com o professor Kenneth Cooper, e seu método de avaliação física, foi convidado pelo pesquisador e frequentou o Laboratório de Estresse Humano da National Aeronautics and Space Administration (NASA), responsável pela pesquisa e desenvolvimento novas de tecnologias e programas de exploração espacial. Prosseguindo às suas experiências internacionais, defendeu dissertação de mestrado na Universidade de Fontainebleau, na França. Criado por Kenneth Cooper, médico norte-americano o método foi desenvolvido com base no preparo físico dos soldados norte-americanos da década de 1960, no ápice da guerra imperialista contra os comunistas que foram ardilosamente massacrados no Vietnã. Médico das Forças Armadas por 13 anos, o especialista desenvolveu um programa em que avaliava o desempenho físico e psicológico dos soldados durante 12 minutos. Na técnica posteriormente transplantada pela seleção brasileira, os jogadores tinham como meta que percorrer no mínimo 3,4 km para que a avaliação de seu desempenho psicofísico fosse considerada pelo médico bom.  No entanto, foi no Brasil que a palavra Cooper foi adotada culturalmente como tradução para o termo inglês: jogging, no final da década de 1960, quando os educadores físicos militares brasileiros adotaram o Cooper Test para medir níveis de aptidão física.

O Teste de Cooper foi idealizado pelo médico e preparador físico norte-americano Kenneth H. Cooper em 1968 para ser utilizado pelas Forças Armadas para verificar o nível geral de condicionamento físico. O teste empírico consiste em uma corrida em velocidade constante que varia de acordo com a faixa etária humana, sexo e seu desempenho profissional ou amador. Este método é adequado para atletas, pois exige 100% da velocidade (carga). Para um profissional exige-se um desempenho de 3400 metros em 12 minutos em sua boa forma. O sobrenome “Cooper” foi agregado ao seu famoso criador. Em passagem pelo Brasil para o Congresso Brasileiro de Medicina do Exercício e do Esporte, o médico norte-americano participou de uma caminhada de 3 km no campus do Butantã da Universidade de São Paulo (USP).  O termo se popularizou em 1970, quando o Dr. Cooper ajudou a seleção brasileira de futebol a ganhar a Copa do Mundo no México com seu programa de treinamento. - “O Cooper PT Mentorship é baseado em descobertas da ciência e experimentação com numerosas metodologias de treinamento”, explica Carla Sottovia, PhD, diretora de programas educativos de fitness e personal training, além de diretora e criadora do sistema CooperPT Mentorship. - “Acreditamos ter criado o mais avançado modelo de treinamento que o nosso setor tem para oferecer. Seja qual for a sua meta – aprender um sistema novo ou melhorar a sua metodologia atual – o CooperPT foi feito para você”, explica a doutora Carla Sottovia.

Para Carlos Alberto Parreira, preparador físico da equipe no Mundial de 1970, a conquista só foi possível devido à técnica que foi adaptada ao futebol. Além do título, a equipe foi eleita “a mais bem preparada fisicamente”. - Poderia nem ter dado resultado, mas deu. E deu muito resultado. Naquela ocasião, e acho que não houve outra repetição, a Organização Mundial de Saúde (OMS) fez um teste de avaliação física com todos os jogadores. Pegaram dois ou três de cada seleção e fizeram um teste. O Brasil foi indicado o mais preparado fisicamente antes da Copa. E não foi porque ganhou o título. Em 1970 Cláudio Coutinho foi convidado para ser preparador físico da seleção tricampeã mundial na Copa do Mundo de 1970, no México. Nos treinamentos, passou a trabalhar com o método Cooper, sendo a partir daí reconhecido por ser o introdutor de sua técnica no Brasil. Após a competição, trabalhou como supervisor na Seleção Peruana de Futebol, reconhecida como La Blanquirroja, no Vasco da Gama, como Coordenador Técnico do Brasil na Copa de 1974, e preparador físico do Olympique de Marseille.

O futebol foi introduzido no Peru no final do século XIX por marinheiros ingleses durante suas frequentes visitas ao porto de Callao. Durante os seus tempos livres, os marinheiros jogavam futebol e convidaram os “chalacos” a participar. O futebol cresceu graças à essa prática, depois, a pratica esportiva se desenvolveu entre os visitantes estrangeiros e os locais, chamando a atenção de Peruanos que vivem em outras cidades. A falta de uma organização centralizada muitas vezes levou a conflitos entre as equipes, razão pela qual em 1922 ocorreu a criação da FPF que se tornou filiada à Conmebol em 1925. Em 1927, foi criada a seleção peruana de futebol, que sediou o Campeonato Sul-Americano naquele mesmo ano, onde ficou em terceiro lugar após uma vitória (3 a 2 contra a Bolívia) e duas derrotas. (0-4 contra o Uruguai e 1-5 contra a Argentina). No Campeonato Sul-Americano de 1929 não conseguiu vitória e ficou em último lugar. Um ano depois, ela foi convidada a participar da primeira Copa do Mundo de Futebol.

Claudio Coutinho com seu bom desempenho nos cargos de preparador físico e supervisor da seleção brasileira olímpica, assumiu também o cargo de treinador em 1976, poucas semanas antes do início dos Jogos Olímpicos de Verão de 1976, em Montreal, com a demissão de Zizinho. A seleção obteria o 4° lugar. Estreou como treinador do Flamengo em 1976, substituindo Carlos Froner. Sua equipe venceu o Sport por 3 a 0, no Maracanã. Com seu histórico na Confederação Brasileira de Desportos (CBD), credenciaram Cláudio Coutinho para ser o substituto de Osvaldo Brandão na seleção brasileira de futebol, então postulante a uma vaga na Copa do Mundo de Futebol de 1978, na Argentina. Anunciado em 27 de fevereiro de 1977, sua escolha causou surpresa, já que era considerado, por ser militar pouco experiente para o cargo. Contudo, assumindo o comando, Cláudio Coutinho colocou em prática seu método revolucionário de trabalho. Em primeiro lugar o treinador demonstrou que era um ardoroso defensor da europeização dos métodos e técnicas de organização espacial do futebol. A seleção brasileira, renovada, já não dependia mais de craques “foras-de-série”, mas de esquema técnico em grupo, com disciplina tática coletiva. Em segundo lugar também reapropriaria terminologia científica nova para descrever seu novo estilo de trabalho.

Assim, com palavras como a representação do overlapping, um jargão do mundo futebolístico, que ocorre quando um jogador se desloca sem a posse da bola para atrair a marcação dos adversários, o “ponto futuro” que, etnograficamente, descrevia o procedimento do jogador e a jogada com seu companheiro se posicionando para receber a bola posteriormente, e neste exato sentido popularizou a ultrapassagem dos laterais exatamente no chamado e imaginário “ponto futuro”, e também desenvolveu a ideia da “polivalência”, em que individualmente “cada jogador passaria a exercer mais de uma função em campo”. Mas na verdade o conceito estava sendo influenciado pelo “futebol total” holandês de 1974, baseado um sistema em que os jogadores saem constantemente de suas posições de jogo originais e são substituídos por outros jogadores do time, sem perder a sua estrutura de jogo. Neste sistema, nenhum jogador tem uma posição de jogo fixa, qualquer um pode ser o atacante, o meio campista e o zagueiro. O futebol total depende da capacidade de adaptação de todos os jogadores. Para funcionar exige ainda uma classe de jogadores atentos taticamente, permitindo-os alternar posições em alta velocidade. Todo jogador está apto a desempenhar qualquer função no campo de futebol. Como exige esforço técnico e físico de desempenho dos jogadores, ao que parece, a apropriação do método teórico e sua prática levaram o brasileiro à fama mundial.

Metodologicamente as origens do chamado Futebol Total remontam a Jack Reynolds (1881-1962), treinador do Amsterdamsche Football Club Ajax por 33 anos no começo do século XX. Rinus Michels (1928-2005), que jogou sob o comando de Reynolds, se tornou o técnico do Ajax e trabalhou o conceito de seu ex-treinador no que se denominou mais tarde Futebol total, usando-o tanto para o Ajax quanto para a seleção dos Países Baixos nas décadas de 1960 e 1970. Marinus Jacobus Hendricus “Rinus” Michels foi um extraordinário treinador e futebolista holandês que atuou como atacante. A ele é creditado a invenção do “Futebol total” na década de 1970. Como o treinador da seleção holandesa liderou as campanhas do vice-campeonato da Copa do Mundo de 1974 e a vitória na Euro 1988. O Futebol total é baseado em uma total mobilidade e liberdade dos jogadores em campo, graças ao seu grande condicionamento e preparo físico. Ficou mais reconhecido ainda em língua portuguesa como “carrossel holandês”, embora possa também ser referida como Futebol total. O esquema parecia uma versão melhorada do esquema tático utilizado pela Hungria de 1954 e foi chamado de “carrossel” porque os jogadores não tinham posições fixas e circulavam pelo campo, buscando sempre o gol. O criador do esquema foi o treinador Rinus Michels. Sua equipe devolvia o futebol de seus grandes dias do passado, quando o gol era a “própria razão de ser do jogo”. Mas não residia apenas nisso seu encanto, era uma equipe extremamente tática, fazia a bola rolar de pé em pé, em jogadas ensaiadas com admirável talento coletivo.

O conceito de figuração distingue-se de outros conceitos teóricos da sociologia por incluir expressamente os seres humanos em sua formação social. Contrasta, portanto, decididamente com um tipo amplamente dominante de formação de conceitos que se desenvolve sobretudo na investigação de objetos sem vida, portanto no campo da física e da filosofia para ela orientada. Há figurações de estrelas, assim como de plantas e de animais. Mas apenas os seres humanos formam figurações uns com os outros. O modo de sua vida conjunta em grupos grandes e pequenos é, de certa maneira, singular e sempre co-determinado pela transmissão de conhecimento de uma geração a outra, por tanto por meio do ingresso singular do mundo simbólico específico de uma figuração já existente de seres humanos. Às quatro dimensões espaço-temporais indissoluvelmente ligadas se soma, no caso dos seres humanos, uma quinta, a dos símbolos socialmente apreendidos. Sem sua apropriação, sem, por exemplo, o aprendizado de uma determinada língua especificamente social, os seres humanos não seriam capazes de se orientar no seu mundo nem de se comunicar uns com os outros. Um ser humano adulto, que não teve acesso aos símbolos da língua e do conhecimento de determinado grupo estruturado permanece fora de todas as figurações humanas, pois não é um ser humano.

As definições de controle social são demasiado amplas e vagas, e, portanto, seria legítimo indagar, escolhendo-as mais ou menos ao acaso, para inferir que resultam em termos de um controle, isto é, qualquer estímulo ou complexo de estímulos que provoca uma determinada reação. Assim, pois, todos os estímulos são controles, pois representam a direção do comportamento por influências grupais, estimulando ou inibindo a ação individual ou grupal. O controle social pode ser definido como a soma total ou, antes, o conjunto de padrões culturais, símbolos sociais, signos coletivos, valores culturais, ideias e idealidades, tanto como atos quanto como processos diretamente ligados a eles, pelo qual a sociedade inclusiva, cada grupo particular, e cada membro individual participante superam as tensões e os conflitos entre si, através do equilíbrio temporário, e se dispõem a novos esforços criativos. Ipso facto, em toda a dimensão da vida associativa deverá haver algum ajustamento de relações sociais tendentes a prevenir a interferência de direitos e privilégios entre os indivíduos. De maneira mais específica, são três as funções do estabelecidas pelo controle social: a obtenção e a manutenção da ordem social, da proteção social e da eficiência social. O seu emprego hic et nunc na investigação sociológica contribuiu consideravelmente para produzir uma simplificação ou redução na análise dos problemas sociais, conseguida proporcionalmente, graças à compreensão positiva da integração das contradições correspondentes no sistema de organização das sociedades e da importância relativa de cada um deles, como e enquanto expressão de complexidade do jogo social.  Embora obscuro e equívoco, em seu significado corrente, o conceito de controle social é necessário à investigação social na modernidade, encontraram um sistema de referências propício à sua crítica científica, seleção lógica e coordenação metódica.  

O crescimento de um jovem convivendo e habitando comum em figurações humanas, como processo social e experiência, assim como o aprendizado de um determinado esquema de autorregulação na relação com os seres humanos, é condição indispensável ao desenvolvimento rumo à humanidade. Socialização e individualização de um ser humano, não são apenas nomes diferentes para a compreensão do processo social. Cada ser humano assemelha-se aos outros, e é, ao mesmo tempo, diferente de todos os outros. O mais das vezes, as teorias sociológicas deixam sem resolver o problema da relação entre indivíduo e sociedade. Quando se fala que uma criança se torna um indivíduo humano por meio da integração em determinadas figurações, como, por exemplo, em famílias, em classes escolares, em comunidades aldeãs ou em Estados, assim como mediante a apropriação e reelaboração de um patrimônio simbólico social, conduz-se o pensamento por entre dois grandes perigos da teoria e das ciências humanas: o perigo de partir de um indivíduo a-social, portanto como que de um agente que existe por si mesmo; e o perigo de postular um “sistema”, um “todo”, em suma, uma sociedade humana que existiria para além do ser humano singular, para além dos indivíduos. Embora não possuam um começo absoluto, não tendo nenhuma outra substância a não ser seres humanos gerados familiarmente por pais e mães, as sociedades humanas não são simplesmente um aglomerado cumulativo dessas pessoas. O convívio dos seres humanos em sociedades tem sempre, mesmo no caos, na desintegração, na maior desordem social, uma forma absolutamente determinada. Isso é o conceito de figuração que Norbert Elias exprime.

O processo de concentração fisicamente de força pública acompanhada de uma desmobilização da violência ordinária. A violência física só pode ser aplicada por um agrupamento especializado, especialmente mandatado para esse fim, claramente identificado no seio da sociedade pelo uniforme, portanto um agrupamento simbólico, centralizado e disciplinado. A noção de disciplina, sobre a qual Max Weber (1864-1920) escreveu páginas magníficas, é capital: não se pode concentrar a força física sem, ao mesmo tempo, controlá-la, do contrário representa o desvio da violência física, e o desvio está para a violência física assim como o desvio de capitais está para a dimensão econômica: é o equivalente da concussão. A violência pode ser concentrada num corpo formado para esse fim, identificado em nome da sociedade pelo uniforme simbólico, especializado e disciplinado, isto é, capaz de obedecer como um só homem a uma ordem central que, em si mesma, não é geradora de nenhuma ordem. O conjunto das instituições mandatadas para garantir a ordem, a saber, as forças públicas e de justiça, são, portanto, separadas pouco a pouco do mundo social corrente. Essa concentração do capital físico se realiza em um duplo contexto. Para uns, o desenvolvimento do exército profissional está ligado à guerra, assim como o imposto; mas há também a guerra interior, a guerra civil, a arrecadação do imposto como uma espécie de guerra civil.  

A Justiça Desportiva é fundamentada no artigo 217, §§ 2º e 3º da Constituição Federal, e regulamentada nos artigos 49 a 55 da Lei nº 9615/98 (Lei Pelé), sendo a sua organização, funcionamento e atribuições (ou competências), definidas pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva, aplicável para todas modalidades esportivas, e pelos regimentos internos dos respectivos Tribunais. Cada modalidade deve constituir o seu Tribunal de Justiça Desportiva (TJD), não sendo exclusividade do futebol. Modalidades como o basquete, o vôlei, o automobilismo, por exemplo, possuem (ou devem possuir) um tribunal com jurisdição no âmbito da sua entidade de administração do desporto, no caso, a Federação para as competições estaduais, e a Confederação para as competições nacionais; de acordo com o artigo 52 da Lei nº 9.615/98, junto às Federações se constituem os Tribunais de Justiça Desportiva, e junto às Confederações os Superiores Tribunais de Justiça Desportiva, ambos compostos por comissões disciplinares e por um Tribunal Pleno, e pela Procuradoria, responsável pela acusação. Aos TJD’s e STJD’s o julgamento das questões jurídicas e disciplinares relacionadas às competições desportivas da modalidade que está vinculado, ou seja, as instâncias da Justiça Desportiva detêm atribuição técnica (ou competência) para analisar e julgar as infrações disciplinares previstas no CBJD e o cumprimento das normas relacionadas à organização e realização das competições, como o Estatuto do Torcedor. E aos STJD’s cabe a competência recursal como última instância para análise das decisões proferidas pelos TJD’s.

A Lei 10.671/03, reconhecida como o Estatuto do Torcedor, foi uma lei brasileira sancionada em 15 de maio de 2003 que cria regramentos em relação ao público de estádios e ginásios esportivos. A lei tinha por objetivo proteger os interesses do consumidor de esportes no papel de torcedor, obrigando as instituições responsáveis a estruturarem o esporte no país de maneira organizada, transparente, segura, limpa e justa. É um resultado de um histórico conturbado no futebol brasileiro. De autoria do Poder Executivo e sancionada no Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, em 15 de maio de 2003-2011. A lei também criou a figura do Ouvidor da Competição, para receber sugestões e reclamações dos torcedores, penaliza os dirigentes e as entidades de administração do esporte que não cumprirem tais normas, entre outros. O art. 5º do Estatuto do Torcedor assegura ao torcedor a publicidade e transparência na organização das competições administradas pelas Entidades de Administração Desportivas e pelas ligas, que deverão publicar na internet, em sítio da EAD responsável pela organização do evento as seguintes informações: Regulamento completo da competição; Tabelas da competição, com as partidas que serão realizadas e sua data, local e horário; Nome e as formas de contato do ouvidor da competição; Borderôs completos das partidas (resultado financeiro de cada partida para cada time); Escalação de árbitros imediatamente após sua definição; Relação dos nomes dos torcedores impedidos de comparecer ao evento desportivo. As duas últimas devem ser afixadas em local visível, do lado externo das entradas onde se realiza o evento esportivo.

Os juízes de direito devem informar as EADs de decisões que proíbam torcedores de comparecerem aos estádios. O art. 6º do Estatuto do Torcedor institui a figura do ouvidor, que será designado pela entidade responsável pela organização da competição com amplo acesso dos torcedores aos meios de comunicação. Seus deveres são: Recolher as sugestões, propostas e reclamações que receber dos torcedores; examinar as informações coletadas; propor à respectiva entidade medidas necessárias ao aperfeiçoamento da competição e ao benefício do torcedor. Os direitos do torcedor são: Amplo acesso ao ouvidor da competição, mediante comunicação postal ou mensagem eletrônica; Finalmente, o direito de receber do ouvidor uma resposta dentro do prazo de 30 dias; divulgação, durante a realização da partida, da renda obtida pelo pagamento de ingressos e do número de espectadores pagantes e não-pagantes, por intermédio dos serviços de som e imagem instalados no estádio em que se realiza a partida, pela entidade responsável e pela organização da competição (art. 7º).

O art. 8º do Estatuto do Torcedor estabelece que as competições de atletas profissionais de que participem entidades integrantes da organização desportiva do país deverão ser promovidas de acordo com calendário anual de eventos oficiais, que (i) garanta às entidades de prática desportiva participação em competições durante pelo menos dez meses do ano, (ii) adote, em pelo menos uma competição de âmbito nacional, sistema de disputa em que as equipes participantes conheçam, previamente, a quantidade de partidas que disputarão e quais serão seus adversários. As tabelas da competição e o nome do ouvidor da competição devem ser divulgados em até 60 dias antes de seu início. Até 10 após a divulgação, qualquer pessoa poderá entrar em contato com o ouvidor e encaminhar propostas e sugestões. Deve encaminhar em 72 horas as informações para a entidade que deverá elaborar uma resposta em até 48 horas.

O Congresso Nacional decreta: Art. 1º A Lei nº 14,597, de 14 de junho de 2023, passa a vigorar acrescida do seguinte artigo: “Art. 212-A. No âmbito das entidades de administração do desporto e de prática desportiva e nas instâncias da justiça esportiva, não serão puníveis quaisquer manifestações, por palavras, gestos ou outra forma de expressão, salvo quando: I – também configurarem, em tese, ilícito definido na lei civil ou penal; ou II – importarem violação das regras inerentes à prática da modalidade esportiva, desrespeito à arbitragem ou às autoridades esportivas, ou ainda perturbação ao normal desenvolvimento da partida, prova ou equivalente”. A Secretaria do Supremo Tribunal de Justiça Desportiva promove, periodicamente, o levantamento de dados referentes às infrações disciplinares que foram objeto de denúncia e julgamento perante as Comissões Disciplinares, sendo apurado que a transgressão descrita no art. 206 do CBJD, com grande margem de diferença sobre as demais, é a que encabeça tal estatística. De maio de 2020 até abril de 2024 foram julgados, pelas seis comissões disciplinares e pelo Pleno do STJD, precisamente 1.028 processos que tratam do referido dispositivo, sendo aplicadas aos diversos clubes do futebol brasileiro as penas de multa que somam o considerável montante de R$ 1.642.120,00. Ainda diante do elevado dado estatístico de reincidência na prática de tal infração disciplinar por parte da ampla maioria das agremiações, o que se vê, sem maiores despesas de raciocínio, é que as punições ministradas corretamente pelos Tribunais de Justiça Desportiva não se mostram eficazes e sequer se aproximam da natureza educativa que a pena deve ter por finalidade.

Segundo Alcino Guedes (2024), os frequentes e reiterados atrasos para o início ou reinício das partidas, ressalvados casos fortuitos e de motivo de força maior, se deve, basicamente, ao desleixo das equipes que não observam o disposto nos Regulamentos Gerais de Competições da Confederação Brasileira de Futebol e das Federações de Futebol Estaduais quanto aos horários de ingresso e retorno ao campo de jogo. E tal conduta se revela excessivamente desrespeitosa com o público presente ao estádio, com o time adversário (fair play), com a equipe de arbitragem, com os patrocinadores do evento, com os meios de comunicação que transmitem as partidas, com todos os Tribunais de Justiça Desportiva, enfim, em relação a todos os agentes do grande espetáculo proporcionado pelo futebol brasileiro. Para ele cabe também frisar que, no tocante especificamente ao Supremo Tribunal de Justiça Desportiva, a postura reprovável das agremiações infratoras enseja uma sobrecarga às atribuições da Secretaria do Tribunal, da Procuradoria de Justiça Desportiva, dos Auditores das Comissões Disciplinares e do Pleno, bem como dos advogados que patrocinam as defesas dos denunciados, os quais geralmente sobem a tribuna para admitir o atraso e pedir a aplicação da pena mínima.  

E a pergunta que não quer calar: o que fazer para, ao menos, se reduzir o número da prática da infração disciplinar prevista no malsinado art. 206 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) e, consequentemente, desafogar as pautas de julgamento dos Tribunais de Justiça Desportiva? Uma sugestão, já por mim manifestada em sessões de instrução e julgamento de que participei, conforme o depoimento de Alcino Guedes, é a de que “a multa poderia ser aplicada administrativamente, de forma direta pela entidade promotora da competição e, na hipótese de irresignação justificada da agremiação infratora, que lhe seja conferida a oportunidade de recorrer aos Tribunais de Justiça Desportiva com a plena observância ao devido processo legal”. É certo que essa hipótese teria que passar pelo crivo da competente comissão que estuda a reforma do CBJD. Outro palpite que pode parecer trivial, seria de contratação pelos clubes de futebol de um fiscal ou vigia (como nas escolas), que estivesse atento aos horários determinados e e cumprir pelos atletas e membros da comissão técnica. Considerando os valores pagos a título de multa, tal providência seria menos onerosa para as agremiações desportivas.

As raízes do coronelismo – mutais mutandis - provêm da tradição patriarcal brasileira e do arcaísmo (cf. Janoti, 1992; Capparelli, 2002; Carvalho, 2005) da estrutura agropecuária no interior remoto do Brasil. Quando foi criada a Guarda Nacional em 1831 pelo governo imperial, as milícias e ordenanças foram extintas e substituídas pela nova corporação. A Guarda Nacional (1831-1922) passou a defender a integridade do império e a constituição. Como os quadros da corporação eram nomeados pelo governo central ou pelos presidentes de província, iniciou-se um longo processo de tráfico de influências e corrupção política. Como o Brasil se baseava estruturalmente em oligarquias, esses líderes, ou seja, os grandes latifundiários e oligarcas, começaram a financiar campanhas políticas de seus afilhados, e ao mesmo tempo ganhar o poder de comandar a Guarda Nacional. Devido a esta estrutura, a patente de coronel da Guarda Nacional, passou a ser equivalente a um título nobiliárquico, concedida de preferência aos grandes proprietários de terras. Desta forma conseguiram adquirir autoridade para impor a ordem sobre o povo e os escravos. Devido ao seu território continental, portanto à falta de mecanismos de vigilância direta dos coronéis pelo poder central, e pela população tolerante, pobre e ignorante, o Brasil passou a ser refém dos coronéis. Estes “personificaram a invasão particular da autoridade pública”. O sistema criado pelo coronelismo passou a favorecer os grandes proprietários que iniciaram a invasão, a tomada de terras pela força e a expulsão do pequeno produtor rural, que passou a se transformar numa figura servil em nome dos novos senhores. Portanto, surgiu a figura do coronel sem cargo, qualificado pelo prestígio e pela capacidade de mobilização eleitoral.

            Friedrich Engels nasceu em 28 de novembro de 1820 e morreu em 5 de agosto de 1895. Era o mais velho de nove filhos de um rico industrial de Barmen, Alemanha. Na juventude, fica impressionado com a miséria em que vivem os trabalhadores das fábricas de sua família. Fruto dessa indignação, Engels desenvolve um detalhado estudo sobre a situação da classe operária na Inglaterra. Em 1842, com 22 anos de idade foi enviado por seus pais para Manchester, para trabalhar para o Ermen e Engels Victoria Mill em Weaste que fazia linhas de costura. Após a estadia produtiva na Grã-Bretanha, Engels decidiu voltar para a Alemanha em 1844. No caminho, ele estabeleceu-se em Paris para atender um pedido de Marx, que lá se encontrava desde o final de outubro 1843 na sequência da proibição da “Gazeta Renana” em março de 1843. O mérito de Morgan, afirma Engels, é o fato social de ter descoberto e restabelecido em seus traços essenciais esse fundamento pré-histórico da nossa história escrita e o de ter encontrado, nas uniões gentílicas dos índios norte-americanos, a chave para decifrar importantíssimos enigmas, ainda não resolvidos, da história da Grécia, Roma e Alemanha.  Sua obra não foi trabalho de um dia. Levou cerca de 40 anos elaborando seus dados tanto qualitativos como quantitativos.

O estudo da história da família começa, de fato, socialmente em 1861, com o ensaio Direito Materno”, de Bachofen (1992). Nesse livro o autor formula as seguintes teses, resumidamente: 1. Primitivamente, os seres humanos viveram em promiscuidade sexual; 2. Estas relações excluíam toda possibilidade de estabelecer, com certeza, a paternidade; 3. Em consequência desse fato, as mulheres, como mães, como únicos progenitores reconhecidos da jovem geração, gozavam de grande apreço e respeito, chegando ao domínio feminino absoluto; 4. A passagem para a monogamia incidia na transgressão de uma lei religiosa antiga, em que devia ser castigada, ou cuja tolerância se compensava com a posse da mulher por outros homens. Bachofen encontrou as provas dessas teses em numerosos trechos da literatura clássica antiga, por ele reunidos com zelo singular. A contribuição Friedrich Engels conferiu ao marxismo que engloba uma teoria econômica, uma teoria sociológica, um método filosófico e uma visão revolucionária de mudança social, o caráter particular de Antropologia, contrariando a generalização metodológica. A partir das pesquisas antropológicas de L. H. Morgan, lidas e anotadas por Marx, formulou Engels a teoria antropológica do Estado, na obra: “Der Ursprung der Familie, des Privateigentums und des Staats”, cujos pressupostos não estavam em sua reflexão anterior, nem de forma sistêmica e embasada na história e na antropologia.

A sua importância na literatura de diversos países, ocorre que muitos antropólogos se valeram do arcabouço marxista para entender sociedades não capitalistas e sociedades camponesas. Não só a escola estruturalista francesa, da segunda metade do século XX, com Maurice Godelier e de Claude Meillassoux são exemplares. Mas também, no período de surgimento da Antropologia moderna como admite o antropólogo norte-americano Leslie White. Este influenciou uma geração de antropólogos coerentes com o marxismo, como Marshal Sahlins, antes de seu “acerto de contas” no ensaio: “Cultura e Razão Prática”, Erick Wolf e Elman Service. No prefácio à primeira edição (1884), Engels enfatiza três aspectos: a) As páginas seguintes vêm a ser, de certo, a execução de um testamento; b) A ordem social em que vivem os homens de determinada época ou determinado país está condicionada por essas duas espécies de produção: pelo grau de desenvolvimento do trabalho, de um lado, e da família, de outro; c) O grande mérito de Morgan é o de ter descoberto e restabelecido em seus traços essenciais esse fundamento pré-histórico da nossa história escrita e o de ter encontrado, nas uniões gentílicas dos índios norte-americanos, a chave para decifrar importantíssimos enigmas, ainda não resolvidos, da história antiga da Grécia, Roma e Alemanha. Sua obra não foi trabalho de um dia, mas cerca de 40 anos elaborando dados, até conseguir dominar inteiramente o assunto. Seu livro é um dos poucos destes dias que fazem época teórica e histórica.

O volumoso tomo de Bachofen estava escrito em alemão, isto é, na língua da nação que menos se interessava, então, pela pré-história da família contemporânea. Por isso permaneceu ignorado. O sucessor imediato de Bachofen nesse terreno entrou em cena em 1865, sem jamais ter ouvido falar dele. Esse sucessor foi J. F. Mac Lennan, o polo oposto de seu predecessor. Ao invés do místico genial, temos aqui um árido jurisconsulto; em lugar de uma exuberante e poética fantasia, as plausíveis combinações de um arrazoado de advogado. Mac Lennan encontra em muitos povos selvagens, bárbaros e até civilizados, dos tempos antigos e modernos, uma forma de matrimônio em que o noivo, só ou assistido por seus amigos, deve arrebatar sua futura esposa da casa dos pais, simulando um rapto com violência. Este costume deve ser vestígio de um costume anterior, pelo qual os homens de uma tribo obtinham mulheres tomando-as realmente de outras tribos, pela força. Mas como teria nascido esse “matrimônio por rapto”? Enquanto os homens puderam encontrar mulheres suficientes em sua própria tribo, não tiveram motivo para semelhante procedimento. Por outro lado, e com frequência não menor, encontramos em povos não civilizados certos grupos que, ipso facto em 1865 ainda eram muitas vezes identificados com as próprias tribos) no seio dos quais era proibido o matrimônio, vendo-se os homens obrigados a buscar esposas – e as mulheres, esposos – fora do grupo; enquanto isso, outro costume existe, em outros povos, pelo qual os homens só devem procurar suas esposas no seio de seu próprio grupo socialmente.

Mac Lennan chama as primeiras de tribos exógamas; e as segundas, de endógamas e, de imediato, sem maior investigação, estabelece uma antítese bem definida entre “tribos” exógamas e endógamas. E, ainda quando as suas próprias investigações sobre a exogamia lhe evidenciam que, em muitos casos, senão na maioria, ou mesmo em todos, essa antítese só existe na sua imaginação, nem por isso deixa de toma-la como base para toda a sua teoria. As tribos exógamas não podiam tomar mulheres senão de outras tribos, o que apenas podia ser feito mediante rapto, dada a guerra permanente entre as tribos, característica do estado selvagem. De onde provém a exogamia? Em sua opinião, as ideias de consanguinidade e incesto nascidas mais tarde nada têm a ver com ele. Sua causa poderia ser o costume entre eles de matar as crianças do sexo feminino logo após seu nascimento. Disso resultaria um excedente de homens em cada tribo, tomada separadamente, tendo como consequência imediata a posse de uma mesma mulher, em comum, por vários homens, isto é, a poliandria. Daí decorria, por sua vez, que a mãe de uma criança era conhecida, mas não o pai; por isso, a ascendência era contada pela linha materna, e não paterna pelo direito paterno. E da escassez de mulheres no interior da tribo, atenuada, mas não suprimida pela poliandria, ainda, outra consequência, que era o rapto sistemático de mulheres de outras tribos.

Para Mac Lennan, como a exogamia e a poliandria procedem de uma só causa, do desequilíbrio numérico entre os sexos, devemos considerar que, “entre todas as raças exógamas, existiu primitivamente a poliandria”. O mérito de Mac Lennan consiste em ter indicado a difusão geral e a grande importância do que ele chama de exogamia. Quanto ao fato da existência de grupos exógamos, não o descobriu e muito menos o compreendeu. Além disso, também Morgan observara e descrevera perfeitamente o mesmo fenômeno, em 1847, em suas cartas sobre os iroqueses, e em 1851 na Liga dos Iroqueses, ao passo que a mentalidade do advogado de Mac Lennan causou confusão ainda maior sobre o assunto do que a causada pela fantasia mística de Bachofen no terreno do direito materno. Outro mérito de Mac Lennan consiste em ter reconhecido como primária a ordem de descendência baseada no direito materno, conquanto, também aqui, conforme reconheceu mais tarde, Bachofen se lhe tenha antecipado. Mas, também neste ponto nevrálgico, ele não vê claro, pois fala, sem cessar, “em parentesco apenas por linha feminina”, empregando por vezes essa expressão, exata apara um período anterior, na análise de fases posteriores de desenvolvimento, em que, se é verdade que a filiação e o direito de herança continuam a contar-se exclusivamente segundo a linha materna, o parentesco por linha paterna também já está reconhecido e expresso na estreiteza de critério do jurisconsulto, que forja um termo jurídico socialmente fixo e continua aplicando-o, sem modifica-lo.

Não obstante, sua teoria foi “acolhida” na Inglaterra com grande aprovação e simpatia. Mac Lennan foi considerado por todos como o fundador da história da família e a primeira autoridade na matéria. Sua antítese entre as “tribos” exógamas e endógamas continuou sendo a base reconhecida das opiniões dominantes, apesar de certas exceções e modificações admitidas, e se transformou nos antolhos que impediam ver livremente o terreno explorado e, por conseguinte, todo progresso decisivo. Em face do exagero dos méritos de Mac Lennan, que ficou em voga na Inglaterra e, seguida a moda inglesa, em toda a parte, devemos assinalar que, ratifica Engels, com sua antítese de “tribos” exógenas e endógamas, baseada na mais pura confusão, ele causou um prejuízo maior do que os serviços prestados em suas pesquisas. Imediatamente depois, em 1871, apareceu em cena Morgan com documentos novos e, sob muitos pontos de vista, decisivos. Convencera-se que o sistema de parentesco próprio dos iroqueses, e ainda em vigor entre eles, era comum a todos os aborígenes dos Estados Unidos, quer dizer, estava difundido em todo o continente, ainda quando em condição formal com os graus de parentesco que resultam do sistema conjugal ali imperante. Incitou, então, o governo federal norte-americano a que recolhesse informes sobre os sistemas de parentesco dos demais povos, de acordo com um formulário e quadros elaborados por ele mesmo.

Morgan publicou os dados coligidos e as conclusões que deles tirou em seu extraordinário “Sistema de Consanguinidade e Afinidade da Família Humana” em 1871, levando, assim, a discussão para um campo infinitamente mais amplo. Tomou como ponto de partida os sistemas de parentesco e, reconstituindo as formas de família a eles correspondentes, abriu novos caminhos à investigação e criou a possibilidade de se ver muito mais longe na pré-história da humanidade. A aceitação desse método reduzia a pó as frágeis definições de Mac Lennan. Em uma palavra: a defesa de Mac Lennan foi miseravelmente fraca. Permanecia, contudo, um ponto no qual ele era invulnerável. A antítese das “tribos” exógamas e endógamas, base de seu sistema, longe de estremecer, continuava reconhecida universalmente como fundamento de toda a história da família. Admitia-se que a demonstração dessa antítese por Mac Lennan era insuficiente, e colidia com os dados que ele mesmo apresentava. Mas se considerava como um evangelho indiscutível a antítese em si, a existência de dois tipos, que mutuamente se excluíam, de tribos autônomas e independentes, num dos quais as mulheres eram tomadas no seio da própria tribo pelos homens, ao passo que no outro isso era terminantemente proibido.

O descobrimento da primitiva gens recursiva do direito materno, como etapa evolutivamente anterior à gens de direito paterno dos povos civilizados, tem, para a história primitiva, igualmente a idêntica importância sociogênica que a teoria da evolução de Darwin para a biologia e a teoria da mais-valia, enunciada por Marx, para a economia política. Essa descoberta permitiu a Morgan esboçar, pela primeira vez, uma história da família, onde pelo menos emergem fases clássicas da sua evolução, são provisoriamente estabelecidas, tanto quanto permitem inclusivamente os dados. Evidentemente, iniciou-se uma nova Era da pré-história da etnologia. Em torno da gens de direito materno, gravita, toda essa ciência; desde seu descobrimento, sabe-se em que a direção encaminhar as pesquisas e o que essencial estudar, assim como de que modo operandi ser classificados os resultados. Por isso, fazem-se nesse terreno, progressos muito mais rápidos que antes de aparecer o ensaio de Morgan, “Ancient Society”. Reconstituindo retrospectivamente a história da família, chega, de acordo com a maioria de seus colegas, à conclusão de que existiu uma época primitiva em que imperava, no seio da tribo, o comércio sexual promíscuo, de modo que cada mulher pertencia igualmente a todos os homens e cada homem a todas as mulheres. No século XIX, havia feito menção a esse estado primitivo, mas apenas de modo geral. Bachofen foi o primeiro, este é um dos seus maiores méritos. Quer dizer o levou a sério e procurou seus vestígios nas tradições históricas e religiosas. 

          O Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol (STJD) é o órgão autônomo, previsto no Código Brasileiro de Justiça Desportiva, custeado pela Confederação Brasileira de Futebol, que discute as legalidades/ilegalidades do futebol no Brasil e julga os acontecimentos críveis do esporte. O Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol se baseia num sistema semelhante ao do Poder Judiciário. Os casos a serem julgados podem vir de denúncias realizadas por procuradores da Justiça Desportiva do Futebol, da mesma forma que um promotor público, a respeito de fatos sociais e políticos ocorridos em competições interestaduais ou nacionais ou de recursos de casos julgados pelos Tribunais de Justiça Estaduais. A denúncia é analisada em primeira instância, em uma das cinco “Comissões Disciplinares”. Caso as partes se sintam insatisfeitas com o resultado, elas podem recorrer ao Pleno do STJD, última instância da Justiça Desportiva no Brasil. Se houver desejo de novo recurso, as partes devem ir ao Tribunal Arbitral do Esporte (Tribunal Arbitral du Sport (TAS), em francês / Court of Arbitration for Sport (CAS), em inglês). Esgotadas todas as instâncias ou níveis de analises desportivas, incluindo as internacionais, pode-se recorrer à justiça comum. O Superior Tribunal é composto pelo Tribunal Pleno e por seis Comissões Disciplinares. Além destes, também fazem parte do funcionamento do Tribunal os órgãos auxiliares Procuradoria e Secretaria.

            Se a Fenomenologia representa o itinerário da alma que se eleva ao espírito por meio da consciência, fora de dúvida a ideia de semelhante itinerário foi sugerida a Friedrich Hegel pari passu com a convergência entre as obras literárias, como também aquelas que nos parecem referidas como novelas de cultura tendo em vista a leitura feita sobre o ensaio Emílio, de J.-J. Rousseau e que nela encontrava uma primeira história da consciência natural elevando-se por si mesma a liberdade, através das experiências que lhe são próprias e que são particularmente formadoras. Se me permitem uma digressão, na Lettre à d`Alembert, Rousseau, além de ignorar a distinção metodológica entre o “possível e o real”, também fornece uma teoria explícita dos limites da perfectibilidade do teatro. Assim, Rousseau inova, quando recorta do ponto de vista heurístico a ideia social de gênero de todo fundamento ideal-transcendente, deixando-a à deriva no elemento móvel no âmbito da historicidade. O campo do possível é constituído na história: cada forma de sociabilidade, cada estilo de linguagem, escolhe, por assim dizer, os seus móveis possíveis; a cada abertura, esboçada por uma linguagem particular, corresponde um fechamento que lhe é indissociável. O gênio nada pode contra as regras que secreta cada estrutura histórica. Esta ideia foi suficiente ao desenho mais correto na inscrição como esta: “Isto não é um cachimbo”, para que logo a figura esteja obrigada a sair de si própria, isolar-se de seu próprio espaço e, finalmente, pôr-se a flutuar, longe ou perto de si mesma, não se sabe, se semelhante ou diferente de si.

No oposto de Isto não é um cachimbo, isto é, L`Art de la conversation: numa paisagem de começo do mundo ou mesmo de “gigantomaquia”, dois personagens minúsculos estão falando: discurso inaudível, murmúrio que é logo retomado no silêncio das pedras, no silêncio dessa parede em desaprumo que domina, com seus blocos enormes, os dois tagarelas mudos; ora esses blocos amontoados em desordem uns sobre os outros, formam a sua base, um conjunto de letras onde é fácil decifrar a palavra: rêve – sonho que é possível, olhando melhor, completar com trêve, trégua, ou crêve, morte, ou morra, arrebente, como se todas essas palavras frágeis e sem peso tivessem recebido o poder de organizar o caos das pedras. Ao contrário, pois por detrás da tagarelice despertada, mas logo perdida, dos homens, as coisas pudessem, em seu mutismo e em seu sono, compor uma palavra, estável que anda poderá apagar, palavra que designa a mais fugidia das imagens. Mas não é tudo: pois segundo Foucault, é no sonho que os homens, enfim, reduzida ao silêncio, comunicam com a significação das coisas, e se deixam impressionar por essas palavras enigmáticas, insistentes, que vem de outro lugar.

Isto não é um cachimbo, era a incisão do discurso na forma das coisas, era seu poder ambíguo de negar e de desdobrar: A arte da conversa é a gratidão autônoma das coisas que forma as suas próprias palavras na indiferença dos homens, impondo a eles, sem mesmo que saibam, em sua tagarelice cotidiana. Para o que importa entre esses dois extremos, a obra de René Magritte desdobra o jogo das palavras e imagens. Os títulos, frequentemente inventados a posteriori, como notícias nos jornais, e assim, se inserem nas figuras onde o ponto em que podem se agarrar, estava se não marcado, autorizado de antemão, onde representam um ambíguo. Michel Foucault nos coloca em dupla condição diante de um complexo esboço filosófico sobre a questão da arte que, ao mesmo tempo, é arte enquanto abstração. Dois sujeitos escapam ao marcado mundo das semelhanças: o leitor e o expectador. Este mesmo campo das semelhanças serve à representação e igualmente a ordena, enquanto a similitude se estabelece na incerteza e na flutuação. Tudo isso é necessário para afirmar que “em nenhum lugar há um cachimbo” (p. 34). O que importa saber para além da representação de Magritte é que os signos e as coisas, dois universos de semelhanças, estão unidos pelo mesmo jogo. A semelhança domina a trama do mundo das coisas. O que Foucault chamou de “um apagar do lugar-comum” não é mais que a ausência de espaço entre os signos da escrita e as linhas da imagem. A arte escreve algo em nós, discursa e apresenta enunciados de difícil compreensão.

Um objeto num quadro é um volume organizado e colorido de tal sorte que sua forma se reconhece logo e que não é necessário nomeá-lo, mas no objeto, a massa necessária é reabsorvida, o nome inútil é despedido; Magritte elide o objeto e deixa o nome imediatamente superposto à massa. O fuso substancial do objeto não é mais representado senão por seus dois pontos extremos, a massa que faz sombra e o nome que designa. L`Alphabet des révélations se opõe muito exatamente ao Personagem caminhando em direção do horizonte: para Foucault, um grande quadro de madeira dividido em dois painéis, à direitas, formas simples, perfeitamente reconhecíveis, um cachimbo , uma chave, uma folha, um copo; ora, embaixo do painel, a figuração de um rasgo mostra que essas formas não são nada além de recortes numa folha de papel sem espessura; sobre o outro painel, uma espécie de barbante torcido e inextricável não desenha nenhuma forma reconhecível. Sem massa, sem nome, forma e volume, recorte vazio, tal é o objeto, entenda-se, que havia desaparecido do quadro precedente.

            É preciso não se enganar: num espaço em que cada elemento parece obedecer ao único princípio de representação plástica e da semelhança, os sinais linguísticos, que pareciam excluídos, que rondavam de longe à volta da imagem, e que o arbitrário do título parecia ter afastado para sempre, se aproximaram sub-repticiamente: introduziram na solidez da imagem, uma desordem – uma ordem que só lhes pertence. Fizeram fugir o objeto, que revela a finura de sua película. Parece, grosso modo, que Magritte dissociou a semelhança da similitude e joga esta contra aquela. A semelhança tem um padrão impreciso, mas que funciona como elemento original que ordena e hierarquiza a partir de si todas as cópias, cada vez mais fracas, que podem ser tiradas. Assemelhar significa uma referência primeira que prescreve e classifica. O similar se desenvolve em séries que não tem começo nem fim, que é possível percorrer num sentido ou em outro, que não obedecem a nenhuma hierarquia, como num colegiado universitário, mas se propagam sob a forma de pequenas diferenças em inúteis pequenas diferenças.

           A semelhança serve à representação, que reina sobre ela; a similitude serve à repetição, que corre através dela. A semelhança se ordena segundo o modelo que está encarregada de acompanhar e de fazer reconhecer; a similitude faz circular o simulacro como relação indefinida e reversível do simular ao simular. Na Décalcomanie (1966), uma cortina vermelha de largas dobras que ocupa dois terços do quadro subtrai ao olhar uma paisagem do céu, do mar e de areia. Ao lado da cortina, dando como de costume, as costas ao espectador, o homem com chapéu-coco olha para o perigo. A cortina se encontra recortada com uma forma que é exatamente a do homem: como se fosse ele próprio um pedaço de cortina cortado com a tesoura. Nessa larga abertura, vê-se a praia. O que se deve compreender? É o homem destacado da cortina e, ao se deslocar permite ver o que ele provavelmente estava olhando quando se misturava com a dobra da cortina? Decalcomania? Deslocamento e mudança de elementos similares, mas de modo alguma reprodução em si semelhante: “corpo=cortina”, diz representação semelhante.

A semelhança comporta uma única asserção, sempre a mesma. A similitude as afirmações diferentes, que dançam juntas, apoiando-se e caindo umas em cima das outras. Expulsa do espaço do quadro, excluída da relação entre as coisas que reenviam uma à outa, a semelhança desaparece. Mas não era para reinar em outro lugar, onde estaria liberta do jogo indefinido da similitude. Não cabe à semelhança ser a soberania que faz surgir. A semelhança, não é uma propriedade das coisas, não é própria ao pensamento? “Só ao pensamento”, por isso diz Magritte, “é dado ser semelhante; ele assemelha sendo o que vê, ouve ou conhece; torna-se o que o mundo oferece”. O pensamento assemelha sem similitude, tornando-se ele próprio essas coisas cuja similitude entre si exclui a semelhança. A pintura é esse ponto onde está na vertical um pensamento que está sob o modo da semelhança e das coisas que estão nas relações de similitude. Isto não é um cachimbo é suficiente para a questão: quem fala a enunciação? Ou antes, de fazer falar, os elementos dispostos em “Isto não é um cachimbo”. Ela inaugura um jogo de transferências que correm, proliferam, se propagam, se respondem, no plano do quadro sem nada afirmar, nem representar nesses jogos da similitude.

            Em Les Liaisons Dangereuses uma mulher nua mantém diante de si um espelho que a esconde quase inteiramente: tem os dois olhos quase fechados, baixa a cabeça, que volta para a esquerda como se quisesse não ser vista e não ver que é vista. Esse espelho, que se encontra exatamente no plano do quadro e de frente para o espectador, envia a imagem da própria mulher que se esconde: a face refletidora do espelho faz ver essa parte do corpo (dos ombros às coxas) que a face cega esconde. O espelho funciona um pouco ao modo de uma tela radioscópica. Mas com todo um jogo de diferenças. A mulher é ali vista de perfil, inteiramente voltada para a direita, o corpo ligeiramente inclinado para a frente, o braço não estendido para carregar o espelho pesado, mas dobrado sobre os seios; a longa cabeleira que deve mergulhar por trás do espelho, à direita, escorre, na imagem do espelho, à esquerda, ligeiramente interrompida pela moldura do espelho, no momento desse ângulo brusco. A imagem é notavelmente menor do que a própria mulher, indicando assim, entre o espelho e o que ele reflete, uma certa distância que a atitude da mulher contesta, ou é por ela contestada, apertando o espelho contra seu próprio corpo para melhor escondê-lo. Esse pouco de distância por trás do espelho é manifestado ainda pela extrema proximidade da parede. Entre a parede e o espalho, o corpo escondido foi eliminado e a superfície opaca da parede, que recebe apenas sombras, não há nada.

Em todos esses planos, escorregam-se similitudes que nenhuma referência vem fixar; translações sem ponto de partida nem suporte. Dia virá no qual a própria imagem, com o nome que traz, é que será desidentificada pela relação social de similitude indefinidamente transferida numa série. Isto quer dizer que o objeto abstrato: “Isto não é um cachimbo”, silenciosamente escondido na representação semelhante, tornou-se o “Isto não é um cachimbo” das similitudes em circulação.  Les Liaisons Dangereuses, romance epistolar do século XVIII, da autoria de Choderlos de Laclos e publicado em 1782. A obra retrata as relações de um grupo de aristocratas através das cartas trocadas entre si, na época imediatamente anterior à Revolução Francesa, — nobres ociosos e sem escrúpulos dedicam-se prazerosamente a destruir as reputações de seus pares. O enredo tem como escopo o Visconde de Valmont e da Marquesa de Merteuil, que manipulam e humilham as restantes personagens através de intrigas e jogos de sedução. Quando lançado, o livro foi considerado calunioso, pois tratava de outro modo a nobreza francesa, mostrando a história de personagens vis, sem as idealizações da literatura anterior. Mais do que uma crítica à nobreza francesa, o livro é considerado uma obra-prima do gênero, pois adentrou muito a fundo a mente dos personagens, demonstrando seus temores, desejos e malícias. É a maneira como nas cartas conseguiu criar uma personalidade a cada personagem, visto primeiramente pela sua maneira de escrita, e posteriormente por suas atitudes. No decorrer do livro, ficam claras as intenções manipulativas dos protagonistas, ao mesmo tempo retrata suas fraquezas, como o inesperado amor do Visconde de Valmont pela Presidente de Tourvel; a carta que retrata a vida da Marquesa de Merteuil demonstra os motivos pelos quais ela se tornou tão vil. A Globo produziu entre 5 de janeiro a 15 de janeiro de 2016, num total de 10 episódios, uma minissérie inspirada neste clássico. Com autoria de Manuela Dias, recebeu o clássico nome Ligações Perigosas no elenco primordial a Marquesa de Merteuil foi interpretada pela renomada atriz Patrícia Pillar e o Visconde de Valmont pelo ator Selton Mello, a jovem Cecília foi interpretada por Alice Wegmann e Presidenta por Marjorie Estiano, ainda contando com Aracy Balabanian. A minissérie retratou com mais detalhes os acontecimentos dentro do livro em questão, se tornando um marco para a então emissora e tendo bons índices de audiência.

Bibliografia Geral Consultada.

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