terça-feira, 26 de abril de 2022

André Gide – Palavra Escrita, Audácia & Honestidade Intelectual.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                    Ubiracy de Souza Braga

                                                 Ele nos ensinou, ou lembrou, que tudo podia ser dito - essa a sua audácia, mas segundo certas regras do bem-dizer - essa a sua prudência”. Jean-Paul Sartre

            Jean-Paul Sartre era filho de Jean-Baptiste Marie Eymard Sartre, oficial da marinha francesa e de Anne-Marie Sartre, nascida Anne Marie Schweitzer. Quando seu filho nasceu, Jean-Baptiste tinha uma doença crônica adquirida em uma missão na Cochinchina. Após o nascimento de Jean-Paul, ele sofreu uma recaída e retirou-se com a família para Thiviers, sua terra natal, onde morreu em 21 de setembro de 1906. Jean-Paul, órfão de pai, e então com 15 meses, muda-se para Meudon com sua mãe, onde passam a viver na casa de seus avós maternos. O avô de Sartre, Charles Schweitzer nasceu em uma tradicional família protestante alsaciana da qual faz parte, entre outros, o famoso missionário Albert Schweitzer (1875-1965), sobrinho de Charles. Ao fim da Guerra Franco-Prussiana, Charles optou pela cidadania francesa e tornou-se professor de alemão em Mâcon onde conheceu e casou-se com Louise Guillemin, de origem grega, com quem teve sete filhos, George, Émile e Ana-Maria. Após o regresso de Anne-Marie, os quatro viveram em Meudon até 1911. O pequeno Poulou, como Jean-Paul era chamado, dividia o quarto com a mãe. Em seu romance autobiográfico Les Mots confessa que cedo a considerava mais como irmã mais velha do que como mãe. De sua infância ao fim da adolescência, Sartre vive uma vida típica burguesa de mimos e proteção.

Até os 10 anos de idade foi educado em casa por seu avô e por alguns preceptores contratados. Com pouco contato com outras crianças, o menino tornou-se, em suas próprias palavras, um “cabotino” e aprendeu a usar a representação para atrair a atenção dos adultos com sua precocidade. Em 1911, a família Sartre mudou-se para Nobres. Passa a ter acesso à biblioteca de obras clássicas francesas e alemãs pertencente ao seu avô. Após aprender a ler, alterna a leitura de Hugo, Flaubert, Mallarmé, Corneille, Maupassant e Goethe, com os quadrinhos e romances de aventura que sua mãe comprava semanalmente às escondidas do avô. Jean-Paul Sartre considerava serem essas as suas “verdadeiras leituras”, uma vez que a leitura dos clássicos era realizada ex-officio por obrigação educacional. A essas boas influências, junta-se posteriormente o cinema, que frequentava com sua mãe e que se tornaria mais tarde um de seus maiores interesses. A escrita consiste na utilidade de uso, de sinais, para exprimir o binômio produção-consumo das ideias humanas. A grafia é uma representação escrita e uma tecnologia poderosa de comunicação, historicamente criada e desenvolvida na sociedade humana que consiste em registrar marcas em um suporte. 

        Os instrumentos usados para se escrever e os suportes em que ela é registrada podem, em princípio, ser infinitos. Embora, tradicionalmente, conceba-se que a escrita tem durabilidade enquanto a fala seria mais volátil, os instrumentos, suportes, suportação, sentido e formas de circulação social, bem como a função comunicativa do texto escrito, são determinantes para sua durabilidade desde a origem inicial da escrita. Como meio de representação, a escrita é uma codificação sistemática de sinais gráficos que permite registrar com precisão a linguagem falada por meio de sinais regularmente dispostos; óbvia exceção a esta regra é a moderna escrita Braille, cujos sinais são táteis. É um sistema que foi oficializado em 1852 para possibilitar que pessoas portadoras de deficiência visual, parcial ou total, tivessem acesso à leitura. O sistema de conhecimento recebeu essa nomenclatura em homenagem ao francês Louis Braille (1809-1852), responsável pela criação desse código para cegos. Ele é utilizado em quase todos os países do mundo, com pequenas diferenças de uma região para outra. A escrita se diferencia dos pictogramas em que estes não só têm uma estrutura sequencial linear evidente. Existem dois tipos de escrita, essencialmente aquela baseada em ideogramas, que representa conceitos, e outrossim, aquela baseada em grafemas, que representam a percepção de sons ou grupos de sons; um tipo de escrita baseada em grafemas é a alfabética.

As escritas hieroglíficas são as mais antigas e originárias das escritas propriamente ditas: por exemplo; a escrita cuneiforme foi primeiramente hieroglífica até que certos hieróglifos obtiveram um valor fonético e se observam como uma transição entre os pictogramas e os ideogramas. Nos tempos modernos a escrita hieroglífica tem sido deixada de lado, existindo então atualmente dois conjuntos de escritas principais: as baseadas em grafemas, isto é, escritas “cujos sinais representam a percepção de sons”, e escritas ideogramáticas, melhor dizendo, escritas “cujos sinais são conceitos, ideias, representações”. Do primeiro conjunto, o das escritas grafêmicas, destacam-se, segundo a extensão atual de sua utilidade de uso, as escritas românicas, baseadas no alfabeto latino, arábicas, baseadas no alfabeto arábico, cirílicas, hebraicas, baseadas no alfabeto hebraico, helênicas, baseadas no alfabeto grego, hindus, em geral baseadas no devanagari , ou seja, no ensino prácrito, marata, sânscrito etc., e em menor medida as escritas alfabéticas de origem dentre os povos/tribos armênias, etiópicas, abugidas baseadas no ghez, coreanas, georgianas, birmaneses, coptas etc. As escrituras glagolíticas e gótica têm decaído crescentemente em desuso. Na maioria das vezes, a intenção da escrita é a reprodução de textos pontuais que serão alvos das atividades de leitura e de escrita.

André Paul Guillaume Gide (1869-1951) foi um escritor francês. Recebeu o Nobel de Literatura de 1947. Oriundo de uma família da alta burguesia, foi o fundador da revista Nouvelle Revue Française (1908) e da Editora Gallimard (1911) com sede na França.   André Gide não somente era homossexual assumido, como também falava abertamente em favor dos “direitos dos homossexuais”, tendo escrito e publicado, entre 1910 e 1924, um libelo “destinado a combater os preconceitos em torno da noção de homofobia da sociedade de seu tempo, Corydon. Liberdade e libertação recusando restrições morais e puritanas, a sua obra busca a permanentemente questão temática abstrata da “honestidade intelectual: como ser igual a si mesmo, ao ponto de assumir a sua pederastia e a sua homossexualidade”. Entre as suas obras mais importantes, fora de dúvida e ressentimentos estão Os Frutos da Terra (1897), O Imoralista (1902) A Sinfonia Pastoral (1919), Corydon (1924), e Os Moedeiros Falsos (1926).

Lembramos com Jurandir Freire Costa, médico psiquiatra, professor, escritor no ensaio: A Inocência e o Vício: Estudos sobre o Homoerotismo (1992):  - O termo homossexualismo nos vemos implicados no constructo histórico-político-econômico-libidinal burguês do século XIX, o qual caracteriza a humanidade como subdividida em “hetero e homossexuais”, correlativa à “normal/patológico” (cf. Canguilhem, 1995), que transforma as vivências da experiência sexual desses sujeitos em desvio de personalidade. Remete à construção histórica a figura imaginária do homossexual como uma modalidade do humano (ou desumano) com perfil psicológico único, fruto pari passu não só da sua natureza humana, como também do contexto social e político no qual nasceu, cresceu e desenvolveu , os espaços ocupados e a cultura como prática de liberdade a qual está inserido. Falar de homossexualidade é falar de uma personagem imaginária que teve historicamente a função de ser antinorma do ideal de masculinidade burguês”. As teses de Michel Foucault e de Píer Paolo Pasolini sobre a constituição do dispositivo discursivo da sexualidade encontram-se em uma dupla crítica analítica: histórica e metodológica – que leva à hipótese repressiva da sexualidade. O século XVII é o ponto de partida da repressão própria das sociedades burguesas, e da qual ainda não estivéssemos per se liberados. Denominar o sexo seria, nesse momento, inevitavelmente mais difícil e custoso.        

        Como se, para dominá-lo no plano real, tivesse sido necessário, primeiro, reduzi-lo ao nível da linguagem, controlar sua livre circulação no discurso, bani-lo das coisas ditas e extinguir as palavras que o tornam presente de maneira demasiado sensível. Dir-se-ia mesmo que essas interdições temiam chama-lo pelo nome. Sem mesmo ter que dizê-lo, o pudor moderno obteria que não se falasse dele, exclusivamente por intermédio de proibições, segundo Foucault (1984), que se completam mutuamente: mutismo que, de tanto calar-se, impõe o silêncio. Censura. Esse, o nó górdio entre Michel Foucault na filosofia e Píer Paolo Pasolini na arte cinematográfica. Pasolini era um artista solitário. Antes de ficar famoso como cineasta tinha sido professor, poeta e novelista. Entre seus livros mais reconhecidos estão: “Meninos da Vida”, “Uma Vida Violenta” e “Petróleo” (livro). De porte atlético e estatura média, Pasolini usava óculos com lentes muito grossas. Em 26 de janeiro de 1947 escreveu uma declaração polêmica, mas atual, para a primeira página do jornal Libertà: - Em nossa opinião, pensamos que, atualmente, só o comunismo é capaz de fornecer uma nova cultura. Após a adesão ao Partido Comunista Italiano (PCI), participou de manifestações e, em maio de 1949, do Congresso da Paz em Paris.

Considerando-se esses três últimos séculos em suas contínuas transformações, as coisas aparecem bem diferentes: em torno e a propósito do sexo há uma verdadeira explosão discursiva. É preciso ficar claro. Talvez tenha havido uma depuração – e bastante rigorosa – do vocabulário autorizado. Pode ser que se tenha codificado toda uma retórica da alusão e da metáfora. Novas regras de decência, sem dúvida alguma, ficaram nas palavras: polícia dos enunciados. Controle também das enunciações: definiu-se de maneira muito mais estrita onde e quando não era possível falar dele; em que situações, entre quais locutores, e em que relações sociais; estabeleceram-se assim, regiões, senão de silêncio absoluto, pelo mesmo de tato e descrição: entre pais e filhos, por exemplo, ou educadores e alunos, patrões e serviçais. É quase certo ter havido aí uma economia restritiva. Ela se integra nessa política da língua e da palavra – espontânea por um lado e deliberada por outro – que acompanhou as redistribuições sociais da época clássica. Em compensação, no nível dos discursos e de seus domínios, o fenômeno é quase inverso.

Sobre o sexo, os discursos específicos, diferentes tanto pela forma como pelo objeto de pensamento – não cessaram de proliferar: uma fermentação discursiva que se acelerou a partir do século XVIII. Foucault (1984) infere que não considera tanto, aqui, na multiplicação provável dos discursos “ilícitos”, discursos de infração que denominam o sexo cruamente por insulto ou zombaria aos novos pudores; o cerceamento das regras de decência provocou, provavelmente, como contra-efeito, uma valorização e uma intensificação do discurso indecente. Mas o essencial é a multiplicação dos discursos sobre o sexo no próprio campo do exercício do poder: incitação institucional a falar do sexo e a falar dele cada vez mais; obstinação das instâncias do poder a ouvir falar e fazê-lo falar sob a forma de articulação explícita e do detalhe infinitamente acumulado. Consideremos a evolução da pastoral católica e do sacramento da confissão, depois do Concílio de Trento. Cobre-se progressivamente, a nudez das questões que os manuais de confissão da Idade Média formulavam e grande número daquelas que eram correntes no século XVII. Evita-se entrar nessa enumeração que, durante muito tempo, alguns, como Solange Sanchez ou Thomas Tamburini, acreditaram ser indispensável para que a confissão fosse completa: posição respectiva dos parceiros, atitudes tomadas, gestos, toques, momento exato do prazer – todo um exame minucioso do ato sexual em sua própria execução. A discrição é recomendada cada vez com mais insistência.   

Mas, pode-se muito bem policiar a língua, a extensão da confissão e da confissão da carne não para de crescer. Pois a Contra-Reforma se dedica, em todos os países católicos, a acelerar o ritmo da confissão anual. Porque tenta impor regras meticulosas de exame de si mesmo. Mas, sobretudo, porque atribui cada vez mais importância, na penitência – em detrimento, talvez, de alguns ouros pecados – a todas as insinuações da carne: pensamentos, desejos, imaginações voluptuosas, deleites, movimentos simultâneos da lama e do corpo, tudo isso deve entrar agora, em detalhe, no jogo da confissão e da direção espiritual. O sexo, segundo a nova pastoral, não deve mais ser mencionado sem prudência, mas seus aspectos, suas correlações, seus efeitos devem ser seguidos até as mais finas ramificações: uma sombra num devaneio, uma imagem expulsa com demasiada lentidão, uma cumplicidade mal afetada entre a mecânica do corpo e a complacência do espírito: tudo deve ser dito. Uma dupla evolução tende a fazer, da carne, a origem de todos os pecados e a deslocar o momento mais importante do ato em si para a inquietação do desejo, tão difícil de perceber e formular; pois que é um mal que atinge todo o home e sob as mais secretas formas. Um discurso obediente e atento deve, portanto, seguir, segundo todos os seus desvios, a linha de junção do corpo e da alma: ele revela, sob a superfície dos pecados, a nervura ininterrupta da carne. Sob a capa de uma linguagem que se tem o cuidado de depurar de modo a não o mencionar diretamente, o sexo é açambarcado e como que encurralado por um discurso que pretende não lhe permitir obscuridade nem sossego. Este projeto de “colocação do sexo em discurso” formara-se numa tradição ascética e monástica. O século XVII fez dele regra para todos.  

Para Foucault, deve-se falar de sexo, e falar publicamente, de uma maneira que não seja ordenada em função da demarcação entre o lícito e o ilícito, mesmo se o locutor preservar para si a distinção, cumpre falar de sexo como de uma coisa que não se deve simplesmente ordenar, ou tolerar, mas gerir, inserir em sistemas de utilidade, regular para o bem de todos, fazer funcionar segundo um padrão ótimo. O sexo não se julga apenas, administra-se. No século XVIII o sexo se torna questão de “polícia”. Mas no sentido pleno e forte que se atribuía então a essa palavra – não como repressão da desordem e sim como “majoração ordenada das forças coletivas e individuais”. Enfim, é preciso, portanto, abandonar a hipótese de que as sociedades industriais modernas inauguraram um período de repressão mais intensa do sexo. Não somente assistimos a uma explosão visível das sexualidades heréticas, mas, sobretudo – e é esse o ponto importante – a um dispositivo bem diferente da lei: mesmo que se apoie localmente em procedimentos de interdição, ele assegura, através de uma rede de mecanismos entrecruzados, a proliferação de prazeres específicos e a multiplicação de sexualidades disparatadas.  Analisar a formação de um certo tipo de saber sobre o sexo, devemos ser nominalistas: o poder não é uma instituição e nem uma estrutura, não é uma certa potência de que alguns sejam dotados: é o nome dado a “uma situação estratégica complexa numa sociedade determinada”.

            Com a presença de 70 delegados, representando apenas a coligação dos 27 países vitoriosos na 1ª grande guerra (1914-18), inclusive o Brasil, foi inaugurada em 18 de janeiro de 1919 a Conferência de Paz de Paris. Até meados do ano, a conferência foi dominada pelos chamados “Quatro Grandes”: Estados Unidos da América, Grã-Bretanha, França e Itália. Em 28 de junho de 1919 os delegados assinaram o Tratado de Versalhes, que selou a paz com a Alemanha. Entre as disposições do Tratado de Versalhes, foram estabelecidas as novas fronteiras alemãs, com a cessão de regiões como a Alsácia-Lorena, que retornou à França, e a concessão a diversas outras regiões do direito de decidir em plebiscito sua permanência sob tutela germânica. Também a administração das colônias alemãs foi submetida ao controle internacional. O tratado determinou o desarmamento completo do Estado alemão, que manteve apenas o direito de possuir um Exército profissional poderoso em torno de 100 mil homens, e o pagamento de pesadas reparações indenizatórias de guerra, com base na disposição que considerou a Alemanha e seus aliados, “como agressores e responsáveis por todas as perdas sofridas pelos Aliados”.  

Em 10 de setembro de 1919 foi assinado o Tratado de Saint Germain-en-Laye, que selou a paz com a Áustria e estabeleceu, entre outras condições, que esta reconhecia a independência da Hungria, Tchecoslováquia e Iugoslávia. Seguiram-se os Tratados de Neuilly, assinado com a Bulgária em 27 de novembro de 1919; Trianon, com a Hungria, em 4 de junho de 1920; e Sèvres, com a Turquia, em 10 de agosto de 1920. Todos os Tratados, por sua vez, estabeleciam o efetivo “compromisso dos signatários com o pacto fundador da Liga das Nações”. A Conferência de Paris encerrou-se em 20 de janeiro de 1920, e embora tenha assegurado as condições concretas para a paz, estas foram vistas como uma imposição aos países derrotados, que disso se ressentiriam posteriormente. O Partido Comunista Italiano (PCI) nasceu em 21 de janeiro de 1921, de uma cisão da esquerda do Partido Socialista Italiano (PSI), liderada por Amadeo Bordiga (1889-1970) e Antônio Gramsci (1891-1937), que abandonaram o Teatro Goldoni, em Livorno, ocorrido durante o XVII Congresso Socialista, convocando o congresso constitutivo do novo partido, no Teatro San Marco. Nos seus primeiros anos, o partido foi dominado por uma tendência maioritária, mais à esquerda, constituída em torno de Amadeo Bordiga. 

Assim como os comunistas russos, o Partido Comunista da Itália tinha como objetivos destruir o Estado burguês, abolir o capitalismo e realizar o comunismo através da revolução e da ditadura do proletariado, nos termos definidos por V. I. Lenin. O livro mais famoso de Irineu Lyon, Sobre a Detecção e Refutação da Chamada Gnosis, também reconhecido como Contra Heresias (Adversus haereses, ca. 180 d.C.) é um ataque minucioso ao gnosticismo, que era então uma séria ameaça à Igreja primitiva e, especialmente, ao sistema proposto pelo gnóstico Valentim. Como um dos primeiros grandes teólogos cristãos, ele enfatizava os elementos da Igreja, especialmente o episcopado, as Escrituras e a tradição. Irineu escreveu que a única forma de os cristãos se manterem unidos era aceitarem humildemente uma autoridade doutrinária dos concílios episcopais. Mas, por ocasião do seu III Congresso, realizado clandestinamente em janeiro de 1926, na cidade de Lyon, ocorre uma decisiva mudança de orientação, com a aprovação das chamadas Teses de Lyon, de Gramsci, após o que a esquerda de Bordiga passa a ser minoritária, acusada de sectarismo, sendo posteriormente expulsa do partido, em 1930, sob a acusação de trotskismo. A vitória fulgurante do marxista Antônio Gramsci em 1926, porém, é logo impedida por sua prisão pela ascensão em torno do governo fascista, e Gramsci torna-se o principal prisioneiro de Mussolini. O partido contribui para a luta contra o regime fascista, na Resistência italiana e, em 1943, altera a sua denominação, após a dissolução da III Internacional.  

O presidente Wilson tinha por intuito impedir que a reunião decidisse por um desmembramento do Estado alemão, como era da vontade do Estado-Maior francês, e evitar-se uma indenização de guerra aos países vencedores. O Primeiro Ministro do Reino Unido David Lloyd George (1863-1945) temia um fortalecimento da França na política continental em virtude da derrota alemã, obviamente por conta disso também era contra o desmembramento da Alemanha. Os ingleses viam na permanência da unificação alemã um ponto chave na luta contra a lepra, além da manutenção de um grande mercado comprador de seus produtos; era também intuito dos ingleses conseguir na Conferência a anexação das colônias alemãs, no pacífico e na África. Entretanto, o Primeiro Ministro George Clemenceau (1841-1929), fundador do jornal La Justice (1904-64), um periódico de tendência radical, que aumentou consideravelmente a sua influência política. foi um jornal semanal francês da Nova Inglaterra publicado pela La Justice Publishing Company de Holyoke, Massachusetts, com edições quinzenais durante seus últimos seis anos. Em sua historicidade, o jornal relatou notícias locais e internacionais em francês, juntamente com colunas regulares de sua editoria discutindo identidade franco-americana.

Em 1897 foi o responsável pela publicação de L`Aurore, onde o escritor francês Émile Zola lançou J`accuse a propósito do Caso Dreyfus. Entre 1902 e 1920 Clemenceau foi eleito senador. Ocupou o cargo de primeiro-ministro da França nos períodos 1906-1909 e 1917-1920. Tinha um posicionamento político revanchista, com exigências de indenizações, mas também, o retorno da Alsácia-Lorena, e a criação de uma República Renana independente, e o governo francês além disso tinha intenções de conseguir a anexação de toda a margem esquerda do rio Reno. O principal documento produzido pela conferência foi o Tratado de Versalhes, assinado em 28 de junho de 1919, que definia os termos da paz com as nações derrotadas. A conferência foi encerrada em 20 de janeiro de 1920. O objetivo deste Tratado ao fim e ao cabo foi fixar mais uma vez após o armistício, um novo mapa político da Europa e com isso, as indenizações de guerra para definir as condições de desmilitarização dos vencidos, de forma a reduzir as suas forças militares.            

Em um caso e outro se quisermos insistir neste aspecto analítico, vejamos. Surgem dois modos possíveis de interpretação do uso do verbo “saber”. Na primeira, “saber” está ligado à crença, saber implica crer. Em sentido amplo, crer também significa “ter por verdadeiro”. Assim, crer significa, por exemplo, ter algo por existente ou ter um enunciado por verdadeiro. Em outras palavras, crer significa aceitar a verdade e a realidade sem que seja necessário apresentar provas. Em última instância é possível afirmar, que crer implica “dar por acordado que o mundo existe”. Há, portanto, uma dimensão prática que liga o saber (Foucault) ao mundo manifestado no “crer” (Pasolini). Esta dimensão social parece apontar para o segundo modo de interpretação do uso do verbo “saber”. Desta vez, ele pode ser associado a “poder” (Foucault). Dizer que “se sabe” é o mesmo que dizer que “se pode” (Pasolini). Aqui reside o ponto central da interpretação analítica que compreende “o saber como habilidade e disposição”, uma credibilidade do discurso é em primeiro, aquilo que faz os crentes se moverem. Ela produz praticantes. Fazer crer é fazer. Mas por curiosa circularidade a capacidade de fazer se mover – de escrever e maquinar os corpos – é precisamente o que faz crer (cf. Certeau, 2014: 219). Ela ganha fiabilidade segundo o fenomenólogo, ao dizer – “Este texto vos é ditado pela própria Realidade” .

Nos relatos etnográficos de “apartamento” ou de “rua” as manipulações de espaço ou “percursos” levam a melhor. Na maioria das vezes, essa forma de descritores determina o estilo inteiro da narração. Quando intervém a outra forma, ela tem como valor ou ser condicionada ou suposta pela primeira. Nos dois casos um fazer permite um ver. Mas há também casos em que um percurso supõe uma indicação de lugar. A cadeia das operações espacializante parece toda pontilhada de referências ao que produz uma representação de lugares ou ao que implica uma ordem local. Tem-se assim a estrutura do relato de viagem, histórias de caminhadas e gestas que são marcadas pela “citação” dos lugares que daí resulta ou que as autoridades simbólicas preconizam preconceitos. 

Dois pesos e duas medidas bem equilibradas. Os relatos antropológicos efetuam um trabalho que, seguindo extraordinária narrativa hic et nunc, incessantemente, transforma “lugares em espaços” ou peremptoriamente “espaços em lugares”. Organizam também os “jogos” de linguagem das relações sociais mutáveis que uns mantêm com os outros. São inúmeros esses jogos, num leque se estende desde a implantação de uma ordem imóvel e quase mineralógica até a sucessividade acelerada das ações multiplicadoras de espaços populares, no âmbito das representações da vida. Mas esse “frenesi espacializante” nem por isso é menos circunscrito pelo lugar textual. Seria possível uma tipologia desses relatos, em termos de identificação de lugares e de efetuações de espaços. Mas, para aí encontrar os modos segundo os quais se combinam essas distintas operações, onde precisa se ter critérios e categorias de análise, e a necessidade que reduz a relatos a leitura real do cotidiano não existe.

         As nossas sociedades contemporâneas são policulturais, mas per se comportam as culturas etno-regionais, temos uma cultura de massa sincrética, veiculada pelos meios de comunicação massivos e a cultura científica, que era considerada há dois séculos como a cultura, e que chamaremos aqui de “cultura humanista” que engloba as letras clássicas, a filosofia e, uma parte que pode ser denominada tecnicamente de ciências humanas. Ambas são oriundas da mesma fonte grega, matriz do pensamento ocidental, que se consolida com a emergência do mesmo fenômeno histórico (o Renascimento), obedecem a mesma regra fundamental: a troca de argumentos e a discussão crítica; bem como valores supremos: ética do conhecimento pelo conhecimento, busca da verdade. Elas se distinguem e dissociam progressivamente nos séculos XVII e XVIII, embora continuando a coexistir nos mesmos espíritos de filósofos e cientistas ou a dialogar entre “espíritos diferentes” (enciclopedistas), até que se opere radicalmente, a partir do século XIX, a grande disjunção entre as duas culturas, cada uma comportando desde o seu reino, o seu modo interno de organização, as suas instituições, a sua intelligentsia própria. A cisão entre as duas dimensões do saber corresponde a uma grave ruptura no interior da cultura. E isto ocorre entre a palavra escrita, a prática discursiva e a honestidade intelectual de A. Gide no ensaio:  O Imoralista (1902), reconhecido como Nobel de Literatura em 1947.

O Prêmio Nobel de Literatura, vale lembrar, é um prêmio literário sueco que é concedido anualmente, desde 1901, a um autor (a) de qualquer país que, nas palavras da vontade do industrial sueco Alfred Nobel, produziu “no campo da literatura o trabalho mais notável em uma direção ideal”. Embora os trabalhos individuais sejam muitas vezes citados como particularmente dignos de nota, o prêmio é baseado no “conjunto da obra de um autor como um todo”. A Academia Sueca é responsável por escolher o ganhador do prêmio e anunciar os nomes dos laureados, no início de outubro. É um dos 5 Prêmios estabelecidos pela vontade de Alfred Nobel em 1895. Em algumas ocasiões, o prêmio foi adiado para ano vindouro. Melhor dizendo, não foi concedido em 2018, mas dois prêmios foram concedidos em 2019. Embora o Prêmio Nobel de Literatura tenha se tornado o prêmio literário de maior prestígio, a Academia Sueca tem atraído críticas significativas por seu tratamento do prêmio. Muitos autores ganharam o prêmio e caíram no ostracismo. Ao tempo em que outros rejeitados pelo júri continuam amplamente lidos e estudados.  

O prêmio tornou-se amplamente visto como político - um prêmio de paz no disfarce literário, cujos juízes são preconceituosos contra autores com diferentes gostos políticos para eles. O professor britânico de literatura Tim Parks expressou ceticismo de que seria possível que “professores suecos comparem um poeta da Indonésia, talvez traduzido para o inglês, com um romancista dos Camarões, talvez disponível apenas em francês, e outro que escreve em africâner, mas é publicado em alemão e holandês”. Em 2016, curiosamente 16 candidaturas dos 113 laureados foram de origem escandinava. A Academia tem sido frequentemente acusada de ser “tendenciosa em relação aos autores europeus, e em particular aos suecos”. A formulação vaga de Nobel para os critérios do prêmio levou a controvérsias. No sueco original, a palavra idealisk é traduzida como “ideal”. A interpretação abstrata do Comitê do Nobel tem variado nos anos. Isso significa “uma espécie de idealismo defendendo os direitos humanos em larga escala”.

Friedrich Hegel, por exemplo, percebe que a certeza sensível não se apossa do verdadeiro, já que a verdade dela é o universal, mas a certeza sensível quer captar o isto. A percepção ao contrário, toma como universal o que para ela é o essente. Como a universalidade é seu princípio em geral, assim também são universais seus momentos, que nela distinguem imediatamente; o Eu é um universal, e o objeto é um universal. Esse princípio emergiu; por isso nosso apreender da percepção não é mais um aprender aparente, como da “certeza sensível”, mas sim um aprender necessário. No emergir do princípio, ao mesmo tempo vieram-a-ser os dois momentos que em sua aparição apenas ocorriam fora, a saber, - um, o movimento do indicar; outro, o mesmo movimento, mas como algo simples: o primeiro, o perceber; o segundo o objeto, conforme a essência, é o mesmo que o movimento: este é um desdobramento e a diferenciação dos momentos, enquanto o objeto é seu Ser-reunido-num-só. O universal como princípio é a essência da percepção, e frente a essa abstração os dois momentos diferenciados – o percebente e o percebido – são o inessencial. Por serem ambos o universal ou a essência, os dois são essenciais. Mas se relacionam como movimentos opostos um ao outro, somente um pode ser o essencial na relação; e repartir entre eles a distinção entre o essencial e o inessencial.    

Um, determinado como o simples – o objeto – é a essência, indiferente a ser ou não percebida; mas o perceber, como movimento, é o inconsistente, que pode ser ou não ser, e é o inessencial. O princípio do objeto – o universal – é em sua simplicidade um mediatizado; assim, tem de exprimir isso nele, como sua natureza: por conseguinte se mostra como a coisa de muitas propriedades. Pertence à percepção a riqueza do saber sensível, e não á certeza imediata, na qual só estava presente como algo em-jogo-ao-lado. Com efeito, só a percepção tem a negação, a diferença, ou a múltipla variedade em sua essência. Assim, o isto é oposto como não isto, ou como suprassumido; e, portanto, não como nada, e sim como um nada determinado, ou um nada de um conteúdo, isto é, uma nada disto. Em consequência ainda está presente o sensível mesmo, mas não como devia estar na certeza imediata – como um singular visado -, e sim como universal, ou como o que será determinado como propriedade. O suprassumir apresenta sua dupla significação verdadeira no negativo: é ao mesmo tempo um negar e um conservar. O nada, como nada disto, conserva imediatez e é ele próprio, sensível; porém é uma imediatez universal.

Para Marx, o todo, na forma em que aparece no espírito como um todo-de-pensamento, é um produto do cérebro pensante, que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível, de um modo que difere da apropriação desse mundo pela arte, pela religião, pelo espírito prático. Antes como depois, o objeto real conserva a sua independência fora do espírito; e isso durante o tempo em que o espírito tiver uma atividade meramente especulativa, meramente teórica. Por consequência, também no emprego do método teórico é necessário que o objeto, a sociedade, esteja constantemente presente no espírito como dado primeiro. Mas as categorias simples não terão também uma existência independente, de caráter histórico ou natural, anterior às categorias mais concretas? Depende. Hegel, por exemplo, tem razão em começar a filosofia do direito pelo estudo da posse, constituindo esta a relação jurídica mais simples do problema. Mas não existe posse antes de existir a família ou as relações entre senhores e escravos, que são relações muito mais concretas. Pelo contrário, seria correto dizer que existem famílias, comunidades de tribos, que estão ainda apenas no estágio da posse e não da propriedade. Em relação á propriedade, a categoria mais simples surge, pois, como a relação de comunidades simples de famílias ou de tribos. Na sociedade num estágio superior, ela aparece como a relação mais simples de uma organização mais desenvolvida.

Mas pressupõe-se sempre o substrato concreto que se exprime por uma relação de posse. Podemos imaginar um selvagem isolado que possua. Mas a posse não constitui neste caso uma relação jurídica. Não é exato que historicamente a posse evolua até a forma familiar. Pelo contrário, ela supõe sempre a existência dessa “categoria jurídica mais concreta”. Ipso facto, diz Marx, o dinheiro pode existir e existiu historicamente antes de existir o capital, os bancos, o trabalho assalariado, etc. Neste sentido, podemos dizer que a categoria mais simples pode exprimir relações dominantes de um todo menos desenvolvido ou, pelo contrário, relações subordinadas de um todo mesmo desenvolvido, relações que existiam já antes que o todo se desenvolvesse no sentido que encontra a sua expressão numa categoria mais concreta. A evolução do pensamento abstrato, que se eleva do mais simples ao mais complexo, corresponde ao processo histórico real. A abstração mais simples, que a economia política moderna coloca em primeiro lugar e que exprime uma relação antiga e válida para todas as formas de sociedades, só aparece, no entanto, sob esta forma abstrata como verdade prática enquanto categoria da sociedade mais moderna. Por causa de sua natureza abstrata – para todas as épocas, não são menos, sob a forma determinada desta abstração, o produto de condições históricas e só se conservam válidas nestas condições e no quadro destas.

André Gide nasceu em 22 de novembro de 1869 em Paris, filho de Paul Gide professor de direito na Universidade de Paris, e de Juliette Maria Rondeaux (1835 - 1895). O pai, natural de Uzès, uma comuna francesa na região administrativa de Occitânia, no departamento de Gard, descendia de família protestante. A mãe era filha de burgueses ricos de Rouen, uma cidade localizada na região histórica da Normandia, no noroeste da França. São católicos, mas depois convertidos ao protestantismo. A infância de Gide foi marcada por uma alternância de residência entre a Normandia (em Rouen) e La Roque, junto da família materna, e Uzés, na casa da sua avó paterna, onde se apaixona fortemente pela real paisagem campestre. Gide atribuirá grande importância a estas influências contraditórias, exagerando o seu carácter de antitético. Em Paris, os Gide residiram sucessivamente na Rue de Médicis e, posteriormente, na Rue de Tournon, a partir de 1875, junto ao Jardim do Luxemburgo, um grande parque público da cidade de Paris com mais de 22,4 hectares no 6º arrondissement. O Jardim do Luxemburgo atualmente pertence ao Senado da França, que está sediado no famoso Palácio do Luxemburgo. O jardim possui um enorme parterre decorado de coleção exuberante de estátuas e  com pequenos lagos destinados ao lazer infantil. O jardim inclui também um pequeno teatro de fantoches, um pomar e um restaurante. Fica nas proximidades do Teatro Odeon. 

Não muito longe se instalou Anna Shackleton (1826-1884), uma devota escocesa, que seria governanta e professora de Juliette, que acabaria per se por lhe dedicar uma amizade indefectível. Anna, pela sua delicadeza, jovialidade e inteligência, tem um papel importante na infância do jovem André Gide. Evocada na novela Porte Étroite (1909) e na autobiografia do escritor Si le Grain ne Meurt, (1924) a sua morte em 1884 marcará André Gide profunda e dolorosamente. O jovem André inicia a sua aprendizagem tendo contraído gosto pelo piano, que será a companhia de toda a sua vida. Pianista nato, Gide lamentará nunca poder ter tido professores que “o tivessem transformado num verdadeiro músico”. Em 1877, é admitido na École Alsacienne, um internato tradicional, iniciando uma “escolaridade irregular e descontínua”. Ipso facto, é rapidamente suspenso por três meses por se ter deixado levar pelos seus “maus hábitos” durante o período escolar. Pouco depois do seu regresso à escola – “curado” pelas ameaças de castração de um médico e pela tristeza dos seus pais - a “doença” reincide: a masturbação, a que ele chama “vício” e que “pratica sem deixar de se sentir pecador e tristemente defeituoso”, retomará o seu lugar praticado na sociedade entre os seus hábitos levando-o a escrever, aos 23 anos, que viveu até essa idade “completamente virgem e depravado”.  

Neste aspecto intramuros da vida social, não menos característico de um processo civilizador que a “racionalização” é a peculiar modelação da economia das pulsões que conhecemos, segundo Elias (1993: 242), pelos nomes de “vergonha” e “repugnância” ou “embaraço”, que se tornaram por vez em termos gerais, a cada dia mais perceptíveis na constituição do homem ocidental a partir do século XVI, foram dois lados de uma mesma transformação na estrutura da personalidade social. O sentimento de vergonha é uma exaltação específica. Uma espécie de ansiedade que automaticamente se reproduz na pessoa em certas ocasiões, por força do hábito. Considerado superficialmente, é um medo de degradação social ou, em termos mais gerais, os gestos de superioridade de outras pessoas. Mas é uma forma de desagrado ou medo que surge caracteristicamente nas ocasiões.  Nelas a pessoa receia cair em uma situação de inferioridade. Não pode evitar esse perigo nem por meios físicos diretos, nem por qualquer outra forma de ataque.

Nos adultos, a impotência resulta do fato de que as pessoas cuja superioridade se teme estão de acordo com o próprio superego da pessoa, com a agência de autolimitação implantada no indivíduo por outros de quem ele foi dependente, que exerciam poder e possuíam superioridade sobre ele. De conformidade com isso, a ansiedade que denominamos de “vergonha” é profundamente velada à vista dos outros. Por forte que seja, nunca é expressada em gestos violentos. A vergonha, segundo Norbert Elias, tira sua coloração específica do fato de que a pessoa que a sente ou está prestes a fazer alguma coisa que a faz entrar em choque com pessoas a quem está ligada de uma forma ou de outra, e consigo mesma, com o setor de sua consciência mediante o qual controla a si mesma. O conflito expressado no par vergonha-medo não é apenas um choque do indivíduo com a opinião social prevalecente: seu próprio comportamento colocou-o em conflito com a parte de si mesmo que representa essa opinião. É um conflito dentro de sua própria personalidade. Ele mesmo se reconhece como inferior. Teme perder o amor e respeito dos demais, a quem atribui ou atribuiu valor. A atitude dessas pessoas precipitou nela uma atitude dentro de si que ele automaticamente a dor em relação a si mesmo.  E é por isso o que o torna tão impotente diante de gestos de superioridade de outras pessoas que, de alguma maneira, deflagram nele esse automatismo. 

Outrossim, a tensão interna, a agitação que surge em todos os casos em que a pessoa se sente compelida a escapar desse “espaço fechado”, ou quando já fez isso, varia em força de acordo com a gravidade da proibição social e o grau de autocontrole. Na vida comum, chamamos essa agitação de vergonha apenas em certos contextos e, acima de tudo, quando ela se reveste de um certo grau de força, embora, em termos de sua estrutura, seja sempre, a despeito de suas muitas nuanças e graus, o mesmo evento. Tal como todas as autorrestrições, encontra-se em forma menos regular, menos uniforme e menos geral em níveis mais simples de desenvolvimento social. Tal como essas restrições, as tensões e medos desse tipo emergem mais claramente a cada arranco do processo civilizador e, finalmente, predominam sobre outras tensões e medos – principalmente, sobre o medo físico a outras pessoas. Dominam mais na medida em que são pacificadas áreas maiores e aumenta a importância, na modelação da pessoa, das limitações comuns que sobem a primeiro plano da sociedade quando os representantes do monopólio da força física passam a exercer regularmente seu controle social como se estivessem nos bastidores – na medida, na palavra, em que progride a civilização e descivilização da conduta.

Neste outro aspecto de dimensão social, recorremos brevemente a questão do “desenraizamento relativo” do intelectual que não acarreta, segundo Morin (2008: 80), necessariamente, o distanciamento cognitivo nem a adesão às ideias e valores universais. Esse desenraizamento pode criar um vazio, suscitar uma angústia e desespero, criar a nostalgia de uma grande comunhão e estimular a aspiração a uma verdade concreta, o que reativa, entre intelectuais, a produção de mitos de reenraizamentos e de reintegração. Por ouro lado e, ao mesmo tempo, o desenraizamento relativo pode determinar o afastamento das realidades vividas, a inconsciência dos problemas sociais radicais, em resumo, uma situação de frivolidade e de inexperiência. Os intelectuais correm o risco de permanecer “nas nuvens”, sem contato direto com o real. A experiência do real, físico ou social, comporta a experiência das provações, dos obstáculos e das limitações. Nunca é demais repetir: a experiência de opressão alimenta a ideia de liberdade. Mas nem a experiência pessoal nem a ausência de experiências decisivas: alguns podem ter passado pela com dição concentracionária sem tirar lições dessa experiência radical, enquanto outros, longe dos campos, foram capazes de sentir, compreender e conceber tal experiência vivida em outro lugar e outrem. As mesmas experiências comportam, simultaneamente, aspectos progressivos (de elucidação) e regressivos (de cegueira), bem como ambiguidades e instabilidades sociais que desafiam qualquer determinismo mecânico da situação crítica, de estatuto ou habitus. As condições socioculturais da lucidez são sempre incertas.

Bibliografia geral consultada.

FROMM, Erich, El Miedo a la Libertad. 3ª edición. Buenos Aires: Paidós, 1957; MAUROIS, André, De Gide a Sartre. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1966; GIDE, André, O Imoralista. Tradução de Theodomiro Tostes. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1983; FOUCAULT, Michel, História da Sexualidade. I. A Vontade de Saber. 5ª edição. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984; COSTA, Jurandir Freire, A Inocência e o Vício: Estudos Sobre o Homoerotismo. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editor Relume-Dumará, 1992; ELIAS, Norbert, Sobre el Tiempo.  México: Fondo de Cultura Econômica, 1989; Idem, O Processo Civilizador. Tradução de Ruy Jungmann; revisão, apresentação e notas, Renato Janine Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1993; CANGUILHEM, Georges, O Normal e o Patológico. Rio de Janeiro: Editora Forense-Universitária, 1995; MARTINS, Wilson, A Palavra Escrita. 3ª edição. São Paulo: Editora Ática, 1998; CASTELLS, Manuel, O Poder da Identidade. São Paulo: Editora Paz e Terra, 1999; RODRIGUES, José Albertino (Org.), Émile Durkheim. 9ª edição. São Paulo: Editora Ática, 2006; HEGEL, Friedrich, Fenomenologia do Espírito. 4ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2007; MORIN, Edgar, O Método. 4. As Ideias, Habitat, Vida, Costumes, Organização. 4ª edição. Porto Alegre: Editora Sulina, 2008; MARX, Karl, Contribuição à Crítica da Economia Política. 4ª edição. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011; CERTEAU, Michel de, A Invenção do Cotidiano. 1. Artes de fazer. 22ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2014; MATOS, Henrique Augusto Barbosa, Uma Crítica de Tradução à Luz da Desconstrução/Estudos Queer: O Corydon, de André Gide. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução. Brasília: Universidade de Brasília, 2014; HABERMAS, Jürgen, “Desobediência Civil – A Pedra de Toque do Estado Democrático de Direito”. In: A Nova Obscuridade. 1ª edição. São Paulo; Editora da Unesp, 2015; MARTINS, Lígia Márcia; MEIRE, Bruna Carvalho; DANGIÓ, Cristina Santos, “O Processo de Alfabetização: Da Pré-história da Escrita a Escrita Simbólica”. In: Psicol. Esc. Educ. 22 (2), Ago 2018; OLINTO, Antônio, O Diário de André Gide. Rio de Janeiro: Ediouro, 2021; entre outros.

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