sábado, 5 de março de 2022

A Espera de Liz – Impeachment & Dispositivo de Individualização.

                                                O mal da grandeza é quando ela separa a consciência do poder”. William Shakespeare                       


          A Espera de Liz tem como representação social um filme de drama dirigido por Bruno Torres. O roteiro é uma parceria entre o diretor e a atriz Simone Iliescu: ambos interpretam os protagonistas do filme. Também fazem parte do elenco Rosanne Mulholland, Zécarlos Machado, Murilo Grossi e Ingra Lyberato. Em 2023, o filme A Espera de Liz foi finalista do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro – a premiação mais importante do segmento no país - em quatro categorias, dentre elas Melhor Roteiro Original e Melhor Primeira Direção de Longa-Metragem. uma premiação da Academia Brasileira de Cinema, concedida anualmente com o intuito de reconhecer os melhores filmes e destacar a excelência dos profissionais em diversas especialidades da indústria cinematográfica. A cerimônia é atualmente transmitida pelo Canal Brasil e considerada a maior honraria nacional para o cinema. Ao longo de sua história, o prêmio contou com diferentes patrocinadores em seu nome. Em 2002, o evento contou com o apoio da BR Distribuidora, tendo o nome “BR” incorporado ao título da premiação naquele ano. No ano seguinte, “o prêmio foi realizado sem patrocinador”. Em 2004, a TAM Airlines, atualmente LATAM Airlines Brasil assumiu o patrocínio, adicionando “TAM” ao nome do prêmio. Entre 2008 e 2009, o patrocínio foi fornecido pela Vivo. Desde 2010, o prêmio não conta com patrocínio de empresas em sua nomenclatura. Em novembro de 2023, a premiação foi renomeada para Prêmio Grande Otelo do Cinema Brasileiro, em homenagem ao ator Grande Otelo e passou a vigorar a partir de sua 23ª edição.

Escólio: Liz vive um momento de incertezas. Silenciada, ela procura compreender o motivo do desaparecimento de seu companheiro Miguel. Tentando encontrar respostas, Liz sente a necessidade do apoio de Lara, sua irmã mais nova. Aos poucos, o resgate da relação das duas se torna mais intenso e ambas revisam valores, fortalecendo o amor e a admiração. Mas Lara guarda um segredo que desvenda o desaparecimento de Miguel, enquanto Liz faz brotar de dentro de si o poder de sua individualização. Após um decreto do governo do presidente Fernando Collor de Mello que aboliu o apoio governamental à produção cinematográfica, o início da década de 1990 foi marcado por uma drástica redução na produção de filmes no Brasil. Em 1991, apenas 1% dos filmes exibidos no país eram nacionais e, no ano seguinte, apenas três filmes brasileiros foram lançados. Com o impeachment de Collor em 1992, o cenário começou a mudar. Em 1993, o governo instituiu incentivos fiscais para a produção cinematográfica, dando início à Retomada do Cinema Brasileiro, que marcou o renascimento das produções audiovisuais nacionais. Em 1998, filmes brasileiros representavam 5% das produções exibidas nos cinemas. Como parte dos esforços para fortalecer o cinema nacional, o Ministério da Cultura criou, em novembro de 1999, o Grande Prêmio Cinema Brasil, com 16 categorias e um prêmio especial. O objetivo era reconhecer obras e personalidades do setor audiovisual e o crescimento da indústria cultural, e aumentar a audiência de filmes nacionais. A meta estabelecia até 2002, “20% dos filmes exibidos no Brasil fossem produzidos no país”.

O processo de impeachment de Fernando Collor transcorreu no final de 1992 e foi o terceiro processo de impeachment do Brasil, resultando no afastamento definitivo de Fernando Collor de Mello do cargo de presidente da República. O processo, antes de aprovado, fez com que Collor renunciasse ao cargo em 29 de dezembro de 1992, deixando o cargo para seu vice-presidente Itamar Franco (1930-2011). Mesmo assim, o processo continuou e os parlamentares se reuniram em plenário para a votação do impeachment e decidiram que o presidente não poderia evitar o processo de cassação pela apresentação tardia da carta de renúncia. Com o julgamento, Collor ficou inelegível por 8 anos. Collor foi acusado de corrupção pelo seu próprio irmão, Pedro Collor de Mello, em matéria de capa da revista Veja, em 1992. O empresário Paulo César Farias (1945-1996), tesoureiro de campanha de Collor, e personalidade-chave do impeachment. O “testa de ferro” em diversos esquemas de corrupção divulgados de 1992 em diante. A investigação do Esquema PC Farias demonstrou que o artifício ilegal usado pelos envolvidos arrecadou cerca de 15 milhões de reais durante o governo de Fernando Collor, sendo que mais de um bilhão de reais chegou a ser movimentado nos cofres públicos. Nenhuma destas contribuições teve qualquer ligação com benefício ao “cliente” por conta de favor prestado por Collor. O esquema movimentou mais de US$ 1 bilhão dos cofres públicos.                        


Em 1989, depois de 29 anos da eleição direta que levou Jânio Quadros (1917-1992) à presidência da República, o carioca Fernando Collor de Mello (PRN-AL) foi eleito por pequena margem de votos (42,75% a 37,86%) sobre Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), em campanha que opôs dois modelos de atuação estatal: um pautado na redução do papel do Estado (Collor) e outro de forte presença do Estado na economia (Lula). A campanha foi marcada pelo tom emocional adotado pelos candidatos e pelas críticas ao governo de José Sarney. Collor se autodenominou “caçador de marajás”, que combateria a inflação e a corrupção, e “defensor dos descamisados”. Lula, por sua vez, apresentava-se à população como entendedor dos problemas dos trabalhadores, notadamente por sua história no movimento sindical. Nos primeiros 15 dias de mandato, Collor lançou um “pacote econômico” com seu nome e que bloqueou o dinheiro depositado nos bancos (caderneta de poupança e contas correntes) de pessoas físicas e jurídicas (confisco). Entre as primeiras medidas para a economia, houve uma “reforma administrativa” que extinguiu órgãos e empresas estatais e que promoveu as primeiras privatizações, abertura do mercado brasileiro às importações, congelamento de preços e prefixação dos salários.

Embora inicialmente tenha reduzido a inflação, o plano trouxe a maior recessão da história brasileira, até então, resultando no aumento do desemprego e nas quebras de empresas. Aliado ao plano, o presidente imprimia uma série de atitudes características de sua personalidade, que ficou conhecida como o “jeito Collor de governar”. Era comum se assistir a exibições de Collor fazendo cooper, praticando esportes, voando em caças da Força Aérea Brasileira e subindo a rampa do Palácio do Planalto, comportamentos estes que exaltavam sua suposta jovialidade, arrojo, combatividade e modernidade. Todos expressos em sua notória frase “Tenho aquilo roxo”. Por trás do jeito Collor, montava-se um esquema de corrupção e tráfico de influência que veio à tona em seu terceiro ano de mandato. Em reportagem publicada pela revista Veja, na sua edição de 13 de maio de 1992, Pedro Collor de Mello acusava o tesoureiro da campanha presidencial de seu irmão, o empresário PC Farias, de articular um esquema de corrupção de tráfico de influência, loteamento de cargos públicos e cobrança de propina dentro do governo. O “esquema PC” teria, como beneficiários, integrantes do alto escalão do governo e o próprio presidente. No mês seguinte, o Congresso Nacional instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso. Durante o processo investigatório, personagens como Ana Acioli, secretária de Collor, e Francisco Eriberto, seu ex-motorista, prestaram depoimento à comissão confirmando as acusações e dando detalhes do esquema.

Um dos expedientes utilizados por PC era abrir contas “fantasmas” para realizar operações de transferência de dinheiro arrecadado com o pagamento de propina e desviado dos cofres públicos para as contas de Ana Acioli. Além disso, gastos da residência oficial de Collor, a Casa da Dinda, eram pagos com dinheiro de empresas de PC Farias. Aprovado por 16 votos a 5, o relatório final da comissão constatou, também, que as contas de Collor e PC não haviam sido incluídas no confisco de 1990. Foi pedido, então, o impeachment do presidente. Em agosto, durante os trabalhos da comissão, a população brasileira começou a sair às ruas para pedir o impeachment. Com cada vez mais adeptos, os protestos tiveram, como protagonista, a juventude, que pintou no rosto o “Fora Collor” (com um “l” verde e o outro amarelo) e o “Impeachment Já”: era o movimento dos “caras-pintadas”. O presidente da Câmara dos Deputados Ibsen Pinheiro, dá início à votação do pedido de impeachment. Em votação aberta, após tentativa de manobra do presidente para uma sessão secreta, os deputados votaram pela abertura de processo de impeachment de Collor. Foram 441 votos a favor (eram necessários 336), 38 contra, 23 ausências e uma abstenção. Collor renunciou ao cargo, mas, com o processo já aberto, teve seus direitos políticos suspensos por oito anos até o início de 2000. Após seu impeachment, assinou carta para a população afirmando que saiu da presidência com consciência limpa e que foi vítima de perseguição política. Menos de duas horas depois, reuniu-se em um churrasco na Casa da Dinda com nomes como Ricardo Fiuza, Lafaiete Coutinho, Álvaro Mendonça, Odacir Soares, Gilmar Mendes, José Guilherme Villela, Arthur Castilho, Paulo Octávio, Luiz Estevão e Marcos Coimbra para preparar sua defesa no senado. Durante o processo, Collor chegou a pedir asilo em Portugal.

A Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais (ABCAA), fundada em 20 de maio de 2002 e sediada no Rio de Janeiro, foi criada visando promover, discutir e fortalecer o cinema brasileiro como manifestação artística e setor industrial. Entre suas principais atribuições estava a instituição de uma premiação nacional, o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, voltado a reconhecer a excelência na produção cinematográfica do país. Atualmente, a Academia conta com mais de 300 membros. A primeira edição do prêmio ocorreu em 12 de setembro de 2002, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, sob o nome de Grande Prêmio BR do Cinema Brasileiro, como vimos, em alusão ao patrocínio da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. O grande destaque da cerimônia inaugural foi o filme Bicho de Sete Cabeças, dirigido por Laís Bodanzky, que conquistou sete prêmios. Em 2003, com o encerramento do patrocínio da BR, a cerimônia foi financiada por recursos de exibidores e distribuidores. Nessa edição, o filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles e Kátia Lund, foi o principal vencedor, levando seis prêmios, incluindo o de Melhor Filme de Ficção. A partir de 2004, a premiação passou a se chamar Grande Prêmio TAM do Cinema Brasileiro, após a assinatura de um contrato de patrocínio com a companhia aérea TAM (LATAM Airlines Brasil), válido por quatro anos.

Após o término do patrocínio da TAM em 2008, a premiação contou com o apoio da companhia de telecomunicações Vivo nas edições de 2008 e 2009. A partir de 2010, a premiação deixou de associar nomes de patrocinadores à sua nomenclatura, mantendo-se apenas como Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Em 2019, a 18ª edição foi realizada pela primeira vez fora do Rio de Janeiro, ocorrendo no Theatro Municipal de São Paulo, na capital paulista. Em novembro de 2023, a ABCAA anunciou a mudança oficial do nome da premiação para Prêmio Grande Otelo do Cinema Brasileiro, em homenagem ao ator Grande Otelo, um ícone do cinema nacional. A 23ª edição, em 2024, ocorreu já sob a nova denominação. O prêmio é representado por uma estatueta banhada a ouro que retrata um cavaleiro segurando uma espada sobre um pedestal, criada em homenagem ao ator brasileiro Grande Otelo. Originalmente, desde a primeira edição, o troféu tinha um design abstrato, composto por uma esfera preta sobre um suporte entreaberto, embora já levasse o nome do artista. Em 2015, no ano do centenário de nascimento de Grande Otelo, a Academia Brasileira de Cinema decidiu reformular o prêmio para refletir as feições de seu homenageado. O novo desenho foi criado pelo cartunista Ziraldo, que convidou o escultor Altair Souza para dar forma à peça. A estatueta atual representa um tributo visual mais direto à memória e à contribuição do ator para o cinema brasileiro.

O prêmio caracteriza-se por ser uma premiação na qual os próprios profissionais da indústria cultural têm a responsabilidade de votar promovendo o reconhecimento mútuo e celebrando os talentos do setor. Desde 2004, o processo de votação ocorre de forma online, por meio do site oficial da Academia. Cada sócio recebe uma senha eletrônica individual para participar. A apuração dos votos é realizada pela PricewaterhouseCoopers (PwC), renomada empresa de auditoria que também supervisiona o processo de votação do Óscar. A seleção ocorre em duas etapas. Na fase inicial, os membros do Conselho Acadêmico da Academia votam eletronicamente em uma cédula contendo a lista completa de todos os concorrentes. Os cinco mais votados em cada categoria avançam para a etapa final. Em seguida, os mesmos membros votam para definir os vencedores entre os indicados. A votação é realizada secretamente em ambas as etapas, e a apuração é conduzida pela PwC, que mantém os resultados em sigilo até o momento da cerimônia. Os nomes dos vencedores são revelados apenas durante o evento, quando os envelopes lacrados são abertos ao vivo no palco. Conforme informado pela Academia Brasileira de Cinema, os prêmios concedidos exatamente em 2000 e 2001, organizados pelo Ministério da Cultura, não são reconhecidos como parte da premiação oficial da Academia. O troféu Grande Otelo começou a ser entregue em 2002 e segue sendo concedido anualmente desde então até o presente ano.  

A origem do cinema em Brasília (DF) está intrinsecamente ligada à construção da capital, com o Cine Brasília inaugurado em 22 de abril de 1960 durante as festividades de inauguração da cidade. O local, marco cultural, tornou-se palco para a consolidação da produção audiovisual local, que cresceu junto com a nova capital federal. A Espera de Liz é o primeiro longa-metragem dirigido pelo ator e cineasta brasiliense Bruno Torres. As gravações do filme ocorreram na cidade de Gramado, no Rio Grande do Sul. Segundo o diretor, a escolha da cidade como cenário do filme se deu pelo fato de que “o clima [da cidade] contribuiria dramaticamente com o roteiro que escreveu”. Além da cidade gaúcha, o filme também contou com cenas rodadas no Monte Roraima, localizado na fronteira entre o Brasil, Venezuela e Guiana. A Espera de Liz é o primeiro filme da história do cinema brasileiro a compensar todas as emissões de carbono da sua produção. A ação de compensação das emissões do filme partiu de uma iniciativa conjunta das empresas Aquarela Midwest, Ecooar e Emplac, com transparência e auditoria pública online. Portanto, além de um produto audiovisual, a produção é também amiga do clima, com responsabilidade socioambiental. A Espera de Liz é também a única produção do cinema brasileiro a desbravar e filmar no topo do Monte Roraima. Uma saga particular deste filme, que trouxe um caráter imagético extraordinário. Através de uma plataforma inovadora, utilizando a Tecnologia da Informação e algoritmos, foram calculadas as quantidades Gases de Efeito Estufa (GEE) geradas durante a produção.

O monte Roraima é um monte localizado na América do Sul, na tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana. Constitui um tepui, um tipo de monte em formato de mesa bastante característico do planalto das Guianas. Delimitado por falésias de cerca de 1 000 metros de altura, seu planalto apresenta um ambiente totalmente diferente da floresta tropical e da savana que se estende a seus pés. Assim, o alto índice pluviométrico promoveu a formação de pseudocarstes e de numerosas cavernas, além do processo de lixiviação do solo. A flora adaptou-se a essas condições climáticas e geológicas com um elevado grau de endemismo, onde encontram-se diversas espécies de plantas carnívoras – que retiram dos insetos capturados os nutrientes que faltam no solo. A fauna também é marcada por um acentuado endemismo, especialmente entre répteis e anfíbios. Esse ambiente é protegido no território venezuelano pelo Parque Nacional Canaima e no território brasileiro pelo Parque Nacional do Monte Roraima. Seu ponto culminante eleva-se no extremo Sul, no Estado venezuelano de Bolívar, a 2 810 metros de altitude.

O segundo ponto mais alto, com 2 772 metros, localiza-se ao norte do planalto, em território guianense, próximo ao marco de fronteira entre os três países. Reconhecido pelos ocidentais apenas no século XIX, o monte Roraima foi escalado pela primeira vez em 1884, por uma expedição britânica chefiada por Everard Ferdinand im Thurn (1852-1932). Entretanto, apesar das diversas expedições posteriores, sua fauna, flora e geologia permanecem largamente desconhecidas. A história de uma dessas incursões inspirou sir Arthur Conan Doyle a escrever O Mundo Perdido, em 1912. Com o desenvolvimento do turismo na região, especialmente a partir da década de 1980, o monte Roraima tornou-se um dos destinos mais populares para os praticantes de trekking, devido ao ambiente singular e às condições relativamente fáceis de acesso e escalada. O trajeto mais utilizado é feito pelo lado Sul da montanha, através de uma passagem natural à beira de um despenhadeiro. A escalada por outros pontos, no entanto, exige bastante técnica, mas permite a abertura de novos acessos. O monte Roraima está localizado no norte da América do Sul, na porção leste do planalto das Guianas, mais precisamente na serra de Pacaraíma, na região do planalto coberto pela Gran Sabana.

Divide-se entre três países: Brasil a Leste (5% de sua área), Guiana ao Norte (10%) e Venezuela ao Sul e Oeste (85%). Administrativamente, é parte do estado brasileiro de Roraima localizado no município de Uiramutã, da região de guianense do conselho de vizinhança de Mazaruni/Lower Berbice Essequibo e do Estado venezuelano de Bolívar (município de Gran Sabana). A parte venezuelana do monte está inserida no Parque Nacional Canaima e a brasileira no Parque Nacional do Monte Roraima. Outros tepuis ao redor do monte Roraima: tepui Kukenán a Oeste, tepui Yuruaní a Noroeste e tepui Wei-Assipu a Leste. Apesar de estar localizado numa região remota da América do Sul, o acesso ao monte Roraima é relativamente fácil pelo lado venezuelano. Isso ocorre pela proximidade com uma rota internacional composta pela Autopista 10 na Venezuela e pela Rodovia BR-174 no Brasil que liga a cidade venezuelana de Carúpano, na costa do Caribe, à cidade brasileira de Cáceres, na divisa com a Bolívia. Essa rota passa a Oeste do monte Roraima, cruzando a Gran Sabana, e serve muitas vilas e aldeias. Porém, tanto pelo lado brasileiro quanto pelo lado guianense, a região é isolada e pouco povoada, acessível por dias de caminhada pela floresta ou por pequenas pistas de pouso.

Etnograficamente o monte Roraima é um tepui, um “tipo de platô cercado por falésias, típico do planalto das Guianas”. A montanha tem formato de arco no sentido Norte-Sul-Leste-Oeste com um estreitamento central causado pela presença de um grande circo natural em seu flanco Noroeste. Falésias retilíneas de até 1 000 metros de altura compõem a maior parte de suas outras faces, como a Sul, Sudeste, Leste, Nordeste e Noroeste – essas duas últimas faces imitam a proa de um navio avançando sobre floresta, sendo por isso mesmo denominado “a proa”. No extremo Sul da montanha, uma parte da falésia rompeu-se e formou um imponente monólito natural: o Tök-Wasen. As falésias tem suas bases cercadas por encostas íngremes, mas pouco elevadas nas faces Sul e Leste, que se estendem rapidamente em altas planícies de cerca de 1 200 metros de altitude, cobertas pela Gran Sabana. Por outro lado, as faces Norte e Oeste formam vales curtos que conduzem a um planalto de cerca de 600 metros, ocupados pela floresta tropical.

O cume sub-horizontal do platô tem pouco mais de dez km de comprimento e largura máxima de cinco km – para uma superfície de trinta e três a cinquenta km² – e mantem-se acima dos 2 200 metros com uma média de 2 600 a 2 700 metros. Sua superfície exibe formações pseudocársticas esculpidas pelas condições climáticas, estruturas ruiniformes, grutas e desfiladeiros, “batizados” com nomes como Labirinto, Vale dos Cristais, as Jacuzzis, etc. Uma dessas formações, a “Maverick Stone”, corresponde ao ponto culminante da montanha, com 2 810 metros de altitude. Localizada na extremidade Sul do planalto, a formação é também o ponto mais alto do estado de Bolívar – o ponto mais alto da Venezuela é o Pico Bolívar, com 4 978 metros de altitude e da Gran Sabana, sendo o quarto ponto mais alto do planalto das Guianas, isto é, respectivamente, atrás do Pico da Neblina, Pico 31 de Março e do Cerro Marahuaca. A 8,25 km ao Norte do cume, uma outra elevação, com 2 772 metros de altitude, determina o ponto mais alto da Guiana, na fronteira com a Venezuela. Ao Norte do planalto, a 2 734 metros encontra-se o marco da tríplice fronteira entre Brasil, Venezuela e Guiana.

Nascido no Rio de Janeiro, Niemeyer estudou na Escola Nacional de Belas Artes, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro e durante seu terceiro ano estagiou com seu futuro colega na construção de Brasília Lúcio Costa, com quem acabou colaborando no projeto para o Ministério de Educação e Saúde, atual Palácio Gustavo Capanema, no Rio de Janeiro. Contando com a presença de Le Corbusier, Niemeyer teve a chance de trabalhar junto com o mestre suíço, sendo ele uma grande influência em sua arquitetura. O primeiro grande trabalho de arquitetura individual de Niemeyer foram os projetos de uma série de edifícios na Pampulha, um subúrbio planejado no Norte de Belo Horizonte (MG), tendo como parceiro o engenheiro Joaquim Cardozo - que viria a ser o autor dos cálculos de suas principais obras em Brasília. Esse trabalho, especialmente a Igreja São Francisco de Assis, recebeu elogios da crítica nacional e estrangeira, chamando a atenção internacional para Oscar Niemeyer. Ao longo dos anos 1940 e 1950, Niemeyer se tornou um dos arquitetos mais prolíficos do Brasil, projetando uma série de edifícios, tanto no país como no exterior. Isso incluiu o projeto de diversas residências e edifícios públicos, e ainda a colaboração com Le Corbusier (e outros) no projeto da sede das Nações Unidas em Nova Iorque, o que provocou convites para ensinar na Universidade Yale e na Escola  de Design da Universidade Harvard, Estados Unidos da América.   

          Em 1956, Oscar Niemeyer foi convidado pelo novo presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, para projetar os prédios públicos da nova capital do Brasil, que seria construída no centro do país. Seus projetos exclusivamente do Brasil, o Palácio da Alvorada, o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal e a Catedral de Brasília, todos concluídos anteriormente a 1960, foram em grande parte de natureza experimental e foram ligados por elementos de design comuns. Esse trabalho levou à sua nomeação como diretor do departamento de arquitetura da Universidade de Brasília, bem como membro honorário do Instituto Americano de Arquitetos. Devido à sua ideologia de esquerda e sua militância no Partido Comunista Brasileiro (PCB), Niemeyer deixou o país após o golpe militar de 1964 e, logo abriu um escritório em Paris. Ele retornou ao Brasil em 1985 e foi premiado com o prêmio Pritzker de arquitetura, em 1988. Entre seus projetos mais recentes se destacam deste período já de consagração o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (1996), Rio de Janeiro, o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba (2002), a Cidade Administrativa de Minas Gerais (2010), o Centro Cultural Internacional Oscar Niemeyer, na Espanha (2011) e o Memorial Luiz Carlos Prestes (projeto de 2012). 

Niemeyer continuou a trabalhar até dias antes de sua morte, em 5 de dezembro de 2012, aos 104 anos. Seu último projeto foi idealizado pouco antes de morrer: a “cidade das artes e da cultura”, em Essaouira, chamada Mogador, é uma cidade da costa Sudoeste de Marrocos, capital da província, que faz parte de Marraquexe-Safim, região litorânea. O rei Mohammed VI esperou oito anos para dar aval ao projeto. Existe uma conexão notável entre o rei Mohammed VI e Oscar Niemeyer, centrada na aprovação e desenvolvimento do último projeto do arquiteto brasileiro no Marrocos: a “Cidade das Artes e da Cultura” em Essaouira. Poucos meses antes de sua morte em 2012, aos 104 anos, Oscar Niemeyer esboçou e doou um projeto para um grande complexo cultural na cidade costeira de Essaouira, no Marrocos. O projeto, que inclui vários edifícios, tinha como representação social um sonho do conselheiro do rei, André Azoulay, que o discutiu com o então embaixador do Brasil no Marrocos, Frederico Meyer. Como conselheiro da monarquia marroquina desde 1991, Azoulay contribuiu amplamente para a implementação das reformas econômicas que foram aplicadas em todo o reino desde o seu início, no começo da década de 1990. Ele também desempenhou um papel significativo nos programas de privatização e desregulamentação que começaram em 1993, enfatizando a necessidade de manter o papel do setor privado e primordialmente incentivar o investimento internacional para sustentar o crescimento econômico em Marrocos.  Azoulay também contribuiu amplamente para a promoção de Marrocos em todo o mundo contemporâneo.

Somando as horas, foram 124 dias gastos entre a filmagens e a pós-produção, com 89 pessoas envolvidas em emprego direto, e mais de 200 outras empregadas indiretamente como figurantes e/ou estagiários, levando-se em conta também a equipe e população local. Durante as gravações foram utilizados 18 veículos, desde carros, ônibus, caminhões e uma moto de cena. Somam-se a esses impactos também 63 viagens de avião, com grandes distâncias percorridas por toda a equipe. Levando-se em conta todos esses impactos foram compensados, “através do plantio de 130 árvores, em áreas de preservação permanente, previamente mapeadas via satélite, com eficiência e transparência”. Por essas ações de mitigação dos impactos gerados durante a produção do filme A Espera de Liz foi concedido o Selo Verde Ecooar que atesta essa compensação de 16,9 toneladas de GEE. Após o lançamento do filme será disponibilizado um relatório de sustentabilidade, contendo o detalhamento das emissões, das compensações e todos os dados técnicos dos impactos gerados. Visando aplicar os pilares da sustentabilidade são: socialmente justo, ecologicamente correto e economicamente viável, a produção favoreceu uma equipe equilibrada entre homens e mulheres, oferecendo condições justas de trabalho. Do ponto de vistas do gênero 59% da equipe é formada por mulheres e 41% homens, sendo a maior parte dos cargos de chefia ocupado por profissionais mulheres. Esta foi a forma que os gestores do filme encontraram para o socialmente justo no arrojado modelo de produção sustentável, além de doar mantimentos e ferramentas essencias de trabalho para a comunidade Taurepang do Monte Roraima.

Ator, cineasta, fotógrafo e músico, Bruno Torres conquistou mais de 30 prêmios individuais em sua carreira. Seus curtas metragens: “O Último Raio de Sol”, “Pequena Paisagem do Meu jardim”, “Encontro das Águas” e “A Noite por Testemunha”, conquistaram juntos mais de 100 prêmios em festivais de cinema nacionais e internacionais, tendo também concorrido em festivais internacionais, como por exemplo: Huesca International Film Fest, o Festival del Nuevo Cine Americano de Havana, International Film Festival of Valencia, Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo, entre outros. No início de sua carreira como produtor e diretor, conquistou o respeitado prêmio SIGNIS OCIC, por seu trabalho de direção no curta metragem “O Último Raio de Sol”. Pelo sucesso de bilheteria “Somos Tão Jovens”, de Antônio Carlos da Fontoura, Bruno Torres foi finalista na categoria de melhor ator coadjuvante ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, o mais importante prêmio do segmento no país. Bruno será produtor da série documental “A Sustentável Leveza do Ser”, para o Canal Futura. Além dos já citados, trabalhou em mais de 40 filmes em funções distintas, e foi ator em mais de 40 obras audiovisuais, entre curtas longas, novelas e séries. Bruno Torres tem atuado como ambientalista, realizando trabalhos de fotografia em projetos socioambientais em diversos países, além de ter recebido importantes prêmios de fotografia de natureza, como por exemplo a menção honrosa no Concurso Itaú BBA - Árvore Florida, recebendo a honraria das mãos do fotógrafo Araquém Alcântara. Em 2020, Bruno Torres se tornou o primeiro ator brasileiro a compensar o carbono de todas as suas atividades profissionais e pessoais, através das empresas Ecooar, Sustainable Carbon e Iniciativa Verde. No Brasil, o filme conta com distribuição da Pandora Filmes. Após alguns adiamentos, o lançamento comercial do filme foi marcado para 17 de março de 2022.

O conceito de figuração distingue-se de outros conceitos abstratos da sociologia por incluir expressamente os seres humanos em sua formação social. Contrasta, portanto, decididamente com um tipo amplamente dominante de formação de conceitos que se desenvolve sobretudo na investigação de objetos sem vida, portanto no campo da física e da filosofia para ela orientada. Há figurações de estrelas, analogamente, assim como de plantas e de animais. Mas apenas os seres humanos formam figurações uns com os outros. O modo de sua vida conjunta em grupos grandes e pequenos é, de certa maneira, singular e sempre co-determinado pela transmissão de conhecimento de uma geração a outra, por tanto por meio do ingresso singular do mundo simbólico específico de uma figuração já existente de seres humanos. Às quatro dimensões espaço-temporais indissoluvelmente ligadas se soma, no caso dos seres humanos, uma quinta dimensão, a dos símbolos apreendidos. Sem sua apropriação, sem, por exemplo, o aprendizado de determinada língua especificamente social, os seres humanos não seriam capazes de se orientar no seu mundo concretamente nem de se comunicar uns com os outros. Um ser humano adulto, que não teve acesso aos símbolos da língua e do conhecimento de determinado grupo social permanece fora de todas as figurações humanas, pois não é um ser humano. As definições são amplas e vagas, e seria legítimo indagar, escolhendo-as mais ou menos ao acaso, para inferir que resultam em termos de um controle, qualquer estímulo ou complexo de estímulos que provoca uma reação. Todos os estímulos são controles, representam a direção do comportamento por influências grupais, estimulando ou inibindo a ação individual (os sonhos) ou coletivamente (mitos, ritos, símbolos).

            Mormente as estruturas sociais de classe, gênero e etnia são reduzidos às imagens do social e vividos através do meio de reprodução das imagens e de estilo de vida. Observou que os “meios realizadores” estão em coisas muito diferentes às expectativas geradas, e, ainda segundo ele, que atendam satisfações mais superficiais, mas jamais aspectos profundos da vida humana como geralmente propõem. Sob este aspecto radicalizou ao desenvolver a ideia que os indivíduos imersos nas práticas e relações de consumo, não combatem nem condenam, mas exploram ao máximo as tendências figuradas. As sensações imediatas, as experiências ardentes e isoladas, tanto quanto as intensidades da sociedade-cultura de consumo. Sem procurar significados obtém prazer estético de intensidades superficiais. Na ordem da produção, o objeto carece de unicidade e singularidade, pois, objetos tornam-se simulacros indefinidos uns dos outros como objetos, os homens que os produzem. A pretensa objetividade do mundo erigido pela racionalização corresponde à universalização arbitrariamente advindo da generalização da economia política na forma da lei do valor. A partir do código, considerado como sistema de signos generalizados, a simulação opera a inversão das relações entre pessoas, identificada entre o real e sua representação, estabelecendo oposições binárias que permitem a objetividade do discurso e o controle dos objetos.

O símbolo não sendo já de natureza linguística deixa de se desenvolver numa só dimensão da sociedade. As motivações que os ordenam não apenas já não formam longas cadeias de razões, mas nem sequer cadeias. A explicação linear do tipo de dedução lógica ou narrativa introspectiva já não basta essencialmente para o estudo das motivações simbólicas. A classificação dos símbolos da imaginação em categorias motivacionais distintas apresenta, com efeito, pelo próprio fato da não linearidade e do semantismo das imagens, grandes dificuldades. Metodologicamente, se se parte dos objetos bem definidos pelos quadros da lógica dos utensílios, como faziam as clássicas “chaves dos sonhos”, segundo as estruturas antropológicas do imaginário, cai-se muito rapidamente, pela massificação das motivações, numa inextricável confusão. Parecem-nos mais sérias as tentativas para repartir os símbolos segundo os grandes centros de interesse humano de um pensamento, certamente perceptivo, mas ainda completamente impregnado de atitudes assimiladoras nas quais os acontecimentos perceptivos não passam de pretextos para os devaneios imaginários. Tais são as classificações mais profundas de analistas das motivações do simbolismo religioso ou da imaginação de modo geral literária.

Tanto escolhem como norma classificativa uma ordem de motivação cosmológica e astral, na qual são as grandes sequências das estações, dos meteoros e dos astros que servem de indutores à fabulação, tanto são os elementos de uma física primitiva e sumariamente que, pelas suas qualidades sensoriais, polarizam os campos de força no continuum homogêneo do imaginário individual e coletivo; tanto, enfim, se suspeita que são os dados sociológicos do microgrupo ou de grupos que se estendem aos confins do grupo linguístico que fornecem quadros primordiais para os símbolos. Quer a imaginação estreitamente motivada pela língua ou funções sociais, se modele sobre essas matrizes sociológicas e antropológicas e seus genes raciais intervenham bastante misteriosamente para estruturar os conjuntos simbólicos, distribuindo seja as mentalidades imaginárias, sejam os rituais religiosos, querem ainda, com uma matriz evolucionista, se tente estabelecer uma hierarquia das grandes formas simbólicas e restaurar a unidade no dualismo de Henri Bergson das Deux Sources, quer enfim que “atravessando a técnica da psicanálise se tente encontrar uma síntese entre as pulsões de uma libido em evolução e as pressões recalcadoras do microgrupo familiar”. São estas diferentes classificações das motivações simbólicas que precisamos criticar na sociedade antes de estabelecer um método pretensamente firme na ordem das motivações.         

A trajetória social evoca um movimento, mas resulta ainda de uma projeção sobre um plano, de uma redução. Estratégia refere-se ao cálculo das relações de força que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder é isolável em um ambiente. Ela postula um lugar capaz de ser circunscrito como um próprio e, portanto, capaz de servir de base a uma gestão de suas relações com uma exterioridade distinta. A nacionalidade política, econômica ou científica foi construída segundo esse modelo estratégico. Para descrever essas práticas cotidianas que produzem sem capitalizar, isto é, sem dominar o tempo, segundo a fenomenologia de Michel de Certeau, impunha-se um ponto de partida por ser o foco exorbitado da cultura contemporânea e de seu consumo: a leitura. Da televisão ao jornal, da publicidade a todas as epifanias mercadológicas, a nossa sociedade canceriza à vista, mede a realidade por sua capacidade de mostrar ou de se mostrar e transforma as comunicações em viagens do olhar. Até a economia, transformada em “semiocracia”, fomenta uma hipertrofia da leitura. O binômio produção-consumo substituído por seu equivalente: escritura-leitura. A leitura da imagem ao texto parece, aliás, constituir o ponto máximo de passividade que caracterizaria a relação de inexorabilidade entre o consumidor, constituído em voyeur (troglodita ou nômade) em uma sociedade do espetáculo.  Os gestos diferenciados vão determinar, em contato com o ambiente natural, os grandes arquétipos mais ou menos como Jung os definiu.

            Os arquétipos constituem as substantificações essenciais dos esquemas. Esta noção em Jacob Burckhardt é sinônima de “origem primordial”, de “enagrama”, de “imagem original”, de “protótipo”. Metáforas de guerra quando Carl Jung evidencia claramente o caráter de trajeto antropológico dos arquétipos quando escreve: - “A imagem primordial deve incontestavelmente estar em relação com certos processos perceptíveis da natureza que se reproduzem sem cessar e são sempre ativos, mas por outro lado é igualmente indubitável que ela diz respeito também a certas condições interiores da vida do espírito e da vida em geral”. Este arquétipo, intermediário entre os esquemas subjetivos culturalmente e as reproduções de imagens fornecidas pelo ambiente perceptivo, é como representar o número da linguagem que a intuição percebe. Decerto, Jung insiste, sobretudo, no caráter coletivo e inato das imagens primordiais, mas sem entrar nessa metafísica das origens e sem aderir à crença em “sedimentos mnésicos” acumulados do decurso da filogênese podemos fazer nossa uma observação capital do psicanalista, que vê nesses substantivos simbólicos que são os arquétipos “o estádio preliminar, a zona matricial da ideia”. Contudo, bem longe de ter a primazia sobre a imagem, a ideia seria tão-somente o comprometimento pragmático do arquétipo imaginário num contexto histórico e epistemológico dado. No âmbito da guerra, sublinhamos a importância essencial dos arquétipos que constituem o ponto de junção entre o imaginário individual (os sonhos) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos) e os processos racionais. É que pensando assim, com efeito de poder, os arquétipos se ligam a imagens individuais e coletivas diferenciadas pelas culturas e nas quais vários esquemas se vêm imbricar.            

Encontramo-nos então em presença do símbolo em sentido estrito, símbolos que assumem tanto mais importância quanto são ricos em diversidade de sentidos diferentes. No prolongamento dos esquemas explicativos, arquétipos e simples símbolos modernos podem-se considerar o mito. Lembramos, todavia, que não estamos tomando este termo na concepção restrita que lhe dão os etnólogos, que fazem dele apenas o reverso representativo de um ato ritualmente. Entendemos por mito, antropologicamente “um sistema dinâmico de símbolos, arquétipos e esquemas, sistema dinâmico que, sob o impulso de um esquema, tende a compor-se na narrativa”. O mito é já um esboço de racionalização, dado que utiliza o fio do discurso, no qual os símbolos se resolvem em palavras e os arquétipos em ideias. O mito explicita um esquema ou um grupo de esquemas. Do mesmo modo que o arquétipo promovia a ideia e o símbolo engendrava o nome, podemos dizer que o mito promove a doutrina religiosa, o sistema filosófico ou, como observou Bréhier, a narrativa histórica e lendária. O método de convergência evidencia o mesmo isomorfismo, comparativamente, na constelação de objeto e propriamente na disseminação do mito. Este isomorfismo dos esquemas, arquétipos e símbolos dos sistemas míticos ou de constelações estáticas pode levar-nos a verificar a existência de protocolos normativos das representações imaginárias, bem definidos e agrupados em torno dos esquemas e filosoficamente a literatura refere-se como estruturas.

Aí se mesclam diversidades e desigualdades de todos os tipos e narrativas, compreendendo manifestações religiosas e linguísticas, mas sempre envolvendo alguma forma de racialização das relações étnicas e sociais. Produzidas ao longo de migrações, escravismos e outras formas de trabalho forçado, convívios pacíficos, conflitos inesperados, pogroms, genocídios, revoluções, guerras. Assim, não é difícil admitir, sociologicamente, que o tribalismo, adormecido por séculos, reacende para destruir nações e nacionalidades. Sempre que há um contexto de crise social, há o risco de que as intolerâncias se acentuem. Aliás, está acontecendo uma incrível “racialização do mundo”, embora ocorram desde as grandes navegações, os acontecimentos nos últimos anos do século XX estão acentuando a intolerância racial em escala mundial. Em 1978 Edward Said publicou a sua obra provavelmente mais reconhecida, Orientalismo, na qual analisa a visão ocidental arquetípica oriental, mais concretamente do mundo árabe. Segundo o autor, o Ocidente criou uma visão distorcida do Oriente como o “Outro”, numa tentativa de diferenciação que servia os interesses do colonialismo. Na construção do argumento central do livro Said analisou uma série de discursos literários, políticos e culturais que iam desde textos das Cruzadas ou de Shakespeare, nos quais encontrou um denominador comum: a representação dos habitantes do mundo oriental como bárbaros.

O que determina a escolha de um ponto de vista sobre o sujeito e o mundo são os objetivos pragmáticos. Deixamos de lado a posse de uma teoria fundada em exigências lógicas ou achados empíricos incontestáveis. Poder, interesse, dominação, realidade material, são indispensáveis à análise que nos habituaram a aceitar como verdadeira, pela força ou pela persuasão dos costumes. Para efeitos da ação, só existem eventos descritivos. A descrição preferida do intérprete será a mais adequada às suas convicções morais e não a mais iluminada pela razão. Política é regulação da existência coletiva, poder decisório, disputa por posições de mando no mundo, confrontos entre mil formas. Violência em última análise. Assim, é também diferente da produção simbólica porque se exercita sobre o interesse dos agentes sociais, quando não sobre o seu próprio corpo. Não produz mensagens, discursos cotidianos, produz obediências, obrigações, submissões, controles. Poder, na modernidade, é uma relação de mando e obediência. São decisões tomadas que se impõe a todos num dado território ou unidade social. Todavia, convertem-se em atividades coercitivas, administrativas, jurídico-judiciárias e deliberativas. Eis a grande questão: o processo político diz respeito a pergunta: - Quem pode o quê sobre quem? A mesma pulsão escópica, analogamente, frequenta a ficção real ou imaginária individual e coletiva que cria leitores, que muda de legibilidade a complexidade urbana.

Não é mais suficiente para compreender as estruturas de poder deslocar para os dispositivos e os procedimentos técnicos uma multiplicidade humana, capaz de transformar, disciplinarmente e depois gerir, para consumar o delito: classificar e hierarquizar os desvios concernentes à aprendizagem, saúde, justiça, forças armadas ou trabalho social. Na política contemporânea o que faz andar são relíquias de sentido e às vezes seus detritos, os restos invertidos de grandes ambições. Nome que no sentido preciso da memória deixaram de ser próprios. Nesses núcleos simbolizadores se esboçam e talvez se fundem três funcionamentos distintos (mas conjugados) das relações políticas entre práticas espaciais e significantes: o crível, o memorável e o primitivo. Em relação ao discurso, reduzindo o signo ao puro jogo dos significantes, anula a relação entre significante e significado necessária ao processo de significação. Assim, diferentemente da ordem da produção, o controle das relações do homem com as “coisas” não mais advém do agir racional-com-respeito-a-fins, pois a predominância do código inaugura o monopólio da palavra como característica básica da dominação contemporânea. Da mesma forma, enquanto técnica de controle do objeto, o processo de simulação opera uma completa inversão, de forma que o real se torne efeito ou reflexo de modelos gerativos. Simulacros e Simulação representam historicamente um tratado filosófico de Jean Baudrillard que discute a relação entre realidade, símbolos e sociedade. Simulacros são cópias que representam níveis de análise que nunca existiram ou que não possuem mais o seu equivalente na realidade. Simulação é a imitação de um processo virtual existente no mundo real. Se a visão de Jean Baudrillard é problemática e pessimista porque não depreende nos mass media a possibilidade real da comunicação e da troca, estando restrita ao encontro “face a face”, por outro lado, ela é profícua na medida em que, já no início da década de 1970, o autor ergue-se contra o domínio da semiologia italiana e francesa, relativizando a prática teórica no que respeita à comunicação social.

O controle social pode ser definido como a soma total ou, antes, o conjunto de padrões culturais, símbolos sociais, signos coletivos, valores culturais, ideias e idealidades, tanto como atos quanto como processos diretamente ligados a eles, pelo qual a sociedade de forma inclusiva, opera em cada grupo particular, e cada membro individual participante superam as tensões e os conflitos entre si, através do equilíbrio temporário, e se dispõem a novos esforços criativos. Ipso facto, em toda a dimensão da vida associativa deverá haver algum ajustamento de relações sociais tendentes a prevenir a interferência de direitos e privilégios entre os indivíduos. De maneira mais específica, são três as funções do estabelecidas pelo controle social: a obtenção e a manutenção da ordem social, da proteção social e da eficiência social. O seu emprego hic et nunc na investigação sociológica contribuiu consideravelmente para produzir uma simplificação ou redução na análise dos problemas sociais, conseguida proporcionalmente, graças à compreensão positiva da integração das contradições correspondentes no sistema de organização das sociedades e da importância relativa de cada um deles, como e enquanto expressão do jogo social.  Embora obscuro e equívoco, em seu significado, o conceito de controle social é necessário à investigação sociológica na modernidade, encontraram um sistema de referências propício à sua crítica, seleção lógica e coordenação metódica.  

O crescimento de um jovem convivendo e habitando comum em figurações humanas, como processo social e experiência, assim como o aprendizado de um determinado esquema de autorregulação na relação com os seres humanos, é condição indispensável ao desenvolvimento rumo à humanidade. Socialização e individualização de um ser humano, são nomes diferentes para o processo. Cada ser humano assemelha-se aos outros, e é, ao mesmo tempo, diferente de todos os outros. O mais das vezes, as teorias sociológicas deixam sem resolver o problema da relação entre indivíduo e sociedade. Quando se fala que uma criança se torna um indivíduo humano por meio da integração em determinadas figurações, como, por exemplo, em famílias, em classes escolares, em comunidades aldeãs ou em Estados, assim como mediante a apropriação e reelaboração de um patrimônio simbólico social, conduz-se o pensamento por entre dois grandes perigos da teoria e das ciências humanas: o perigo de partir de um indivíduo a-social, portanto como que de um agente que existe por si mesmo; e o perigo de postular um “sistema”, um “todo”, em suma, uma sociedade humana que existiria para além do ser humano singular, para além dos indivíduos. Embora não possuam um começo absoluto, não tendo nenhuma outra substância a não ser seres humanos gerados familiarmente por pais e mães, as sociedades humanas não são simplesmente um aglomerado cumulativo dessas pessoas. O convívio dos seres humanos em sociedades tem sempre, mesmo no caos, lembra Norbert Elias, na desintegração, na maior desordem, uma forma absolutamente determinada. É isso que o conceito de figuração exprime na vida social.

É um objeto cuja inteligibilidade está alhures, lugar vazio cujo verdadeiro lugar “está em outro lugar”. A “falsa consciência” é o produto exclusivo das relações sociais. E qualquer tentativa de buscar nela própria as leis do seu funcionamento, abstraindo dessas relações, já é em si uma falsa consciência da filosofia de Friedrich Hegel, que a define ainda-não-consciência do Espírito, dos jovens hegelianos que combatem no pensamento os grilhões imaginários, deixando intactos os grilhões reais. Fato da consciência, ela não pode ser tratada no plano da consciência: tendo em vista que é um objeto ausente, espaço em branco que só pode ser preenchido por algo que não está nele. O espaço pleno é o das estruturas sociais: espaço extraterritorial, externo à problemática da consciência, mas ao qual se atribui o privilégio de revelar a verdade do que está situado fora dos seus limites. Pode-se perguntar se uma estratégia de libertação que consiste em ignorar a existência do objeto a ser libertado é das mais lúcidas. Falsa consciência como epifenômeno da base material, falsa consciência como forma de percepção própria a cada suporte (Träger) do processo social global, falsa consciência como o produto de uma “pedagogia” exercida pelos efeitos dos Aparelhos de Estado – em todos os casos, a análise se concentra num mais além da consciência, a história, a economia, as relações de produção, a instância ideológica. Casos de investigação são objetivos, palpavelmente materiais, só é tranquilizador em que é fácil proteger-se das mistificações idealistas.

Nesse campo de saber, tudo pode ser investigado, e tudo foi investigado – exceto a falsa consciência – a consciência em que se refratam esses fatores. Ela foi tabuizada, pela razão que leva o primitivo a traçar um “círculo no chão”, e a proibir-se de atravessa-lo, neste caso representa o medo animista dos demônios. Esse medo não era totalmente infundado. Era de fato importante precaver-se contra a tese de que “a consciência determina a existência”, defendendo a tese oposta de que a existência determina a consciência. Mas ao proclamar o primado da consciência, a ideologia produziu um efeito social inesperado, que foi a ocultação da problemática da consciência. Ocultação sui generis, cuja técnica é expor à luz do dia a realidade que se pretende dissimular, estimulando a questão tópica da “razão cativa” que irá exemplificar no conto de Allan Poe, The Purloined Letter (1884), o que a polícia parisiense procura em vão na casa do personagem influente: uma carta politicamente comprometedora, que teria sido roubada pelo próprio dono da residência. A polícia procura o documento roubado, e obviamente nada encontra. Em desespero de causa, o chefe de Polícia pede o auxílio de C. Auguste Dupin, precursor historicamente de todos os detetives da literatura policial, que encontra a carta. E explica ao chefe de polícia que ela não estava em nenhum esconderijo, mas de fato se encontrava disponível à nossa vista. E nisto consiste, justamente, a astúcia. A carta era totalmente visível, e seu ocultamento consistia em sua visibilidade.

Outros sinais indicam que a ficcionalização (cf. Augé, 1997) do mundo está a caminho e que ela não passa unicamente pela imagem. Monstros humanos são aqueles que por nascimento nunca foram totalmente representados por humanos, a Medusa e suas irmãs Górgonas, ou que por algum ato medonho ou sobrenatural ou não natural perderam sua própria humanidade, isto é, enquanto lobisomens, o monstro de Frankenstein, e assim quem não pode mais, ou quem nunca pode seguir a lei moral da sociedade humana. Os monstros também podem ser descritos como criaturas incompreendidas e amigáveis ​​que assustam os indivíduos sem querer, ou podem ser tão grandes, fortes e desajeitados que causam danos não intencionais ou morte. Alguns monstros na ficção são descritos como travessos e violentos, mas não necessariamente ameaçadores (como um goblin astuto), enquanto outros podem ser dóceis, mas propensos a ficarem com raiva ou com fome, precisando ser domados e ensinados a resistir a impulsos selvagens ou mortos se eles não podem ser manuseados ou controlados com sucesso. Na literatura são frequentemente descritos como criaturas pequenas, grotescas, travessas ou maliciosas, presentes em diversos folclores europeus, o inglês, escocês, galês e irlandês. Os monstros são anteriores à história documentada, e o estudo acadêmico das noções culturais particulares expressas nas ideias de monstros da sociedade é reconhecido como monstruosidade. A literatura impõe sentimentos de isolamento socialmente aos seus personagens. A literatura, como toda a arte, indiscutivelmente é uma confissão de que a vida não basta. A literatura sobre monstros apresenta seus personagens como seres solitários e indefesos.

Uma corrente social da comunidade científica defende que as alterações provocadas pela humanidade na natureza são suficientes para marcar historicamente uma nova era geológica, o Antropoceno. É um termo conceitual usado por cientistas para descrever o período na história tecnológica da Terra. Ainda não há data de início precisa e oficial apontada. Mas muitos consideram que começa no final do século XVIII, inclusive o extraordinário Michel Foucault (1926-1984), à questão da analítica do poder, quando as atividades humanas começaram a ter um impacto global significativo na sociedade europeia e sobre o conjunto no climatológico da Terra e, além disso, no funcionamento dos seus ecossistemas. Um conjunto de fatores climáticos vai definir um tipo de clima de determinado lugar. Ressalta-se que esses fatores não podem ser estudados isoladamente para a definição de um clima, mas sim de forma integrada. Esta data coincide com a aprimoração técnica do vapor por James Watt em 1784. Outros cientistas consideram que o Antropoceno começa mais cedo, como no advento da agricultura. As tentativas de datação precisas revelam, porém, o problema do necessário distanciamento histórico na ponderação de eventos e grandezas relevantes de tempo geológico. Um observador distanciado milhões de anos no futuro poderá, munido de suficiente informação, melhor determinar uma data e uma tipologia para o Antropoceno.        

Perante o alcance das consequências da ação do Homem na evolução do Planeta Terra, o Antropoceno poderá ser reconhecido e classificado, por exemplo, como “um novo período ou era geológica”. Nesta perspectiva, é plausível apontar o seu início a partir do surgimento do Homo sapiens. O biólogo Eugene F. Stoermer (1934-2012) originalmente cunhou o termo, mas foi o químico vencedor do Prêmio Nobel Paul Crutzen (1995) que independentemente o reinventou e popularizou. Era um professor de biologia da Escola de Recursos Naturais e Meio Ambiente da Universidade de Michigan. Obteve seu bacharelado em Ciência em 1958 e seu doutorado em 1963, ambos na Universidade do Estado de Iowa. Stoermer escreveu: “eu comecei a usar o termo antropoceno na década de 1980, mas nunca formalizei até ser contatado pelo Paul”. Isto é, Crutzen explicou, eu estava numa conferência onde alguém disse alguma coisa sobre o Holoceno. De repente, eu pensei que isso estava errado. O mundo mudou demais. Então eu disse: - Não, nós estamos no Antropoceno. Eu criei a palavra no calor do momento. Todos se chocaram. Mas ela parece ter ficado. O termo foi usado pela primeira vez em uma publicação por Paul Crutzen & Eugene, em 2000, e F. Stoermer em um informativo técnico-científico do importante Programa Internacional da Geosfera-Biosfera. Ainda em 1873, o geólogo italiano Antônio Stoppani (1824-1891), curiosamente um padre católico italiano, patriota, geólogo e paleontólogo. Ele estudou a geologia da região italiana e escreveu um tratado popular, Il Bel Paese, sobre o desenvolvimento da geologia e história natural.

Ele reconheceu o aumento do poder e do efeito da humanidade nos sistemas da Terra e se referiu assim a uma “era antropozoica”. Um termo similar, Homogenoceno, foi usado pela primeira vez por Michael Samways em seu primeiro artigo editorial no Journal of Insect Conservation (1999) intitulado: “Translocating fauna to Foreign lands: here comes the Homogenocene”. Samways utilizou o termo para definir a geológica atualmente, na qual a biodiversidade está diminuindo e os ecossistemas ao redor do globo se tornaram mais similares uns aos outros, usado por John L. Curnutt em 2000 em Ecology, em uma lista intitulada: “A Guide to the Homogenocene”. Andrew Revkin criou o termo Antroceno em: Global Warming: Understanding the Forecast (1992), no qual escreve, “nós estamos entrando em uma era que pode um dia ser referida como, poderia dizer, o Antroceno. No final das contas, é uma era geológica de nossa própria autoria”. O nome evoluiu para “Antropoceno” e é considerado como um termo técnico mais apropriado no sentido global e inclusivo ao homem. Inúmeras espécies foram extintas devido ao ser humano. A maioria dos especialistas concorda que as atividades humanas têm acelerado progressivamente a taxa de extinção de inúmeras espécies.

A taxa exata é controversa, sendo muitas vezes situada entre 100 a 1000 vezes a taxa considerada normal. Em 2010 um estudo publicado na revista Nature refere que o fitoplâncton declinou substancialmente nos oceanos do mundo ao longo do século XX. Desde a década 1950, a biomassa de algas diminuiu cerca de 40%, em resposta ao aquecimento do oceano, sendo que o declínio ganhou ritmo nos últimos anos. Alguns autores postulam que sem impactos atribuído das atividades humanas a biodiversidade do planeta continuaria a crescer a um ritmo exponencial. Inseparável do declínio da biomassa, para não falarmos no problema da paz central em Jiddu Krishnamurti e o Dalai Lama. É também preocupação de Edgar Morin, essa pela primeira vez expressa no seu livro Terre-Patrie (1993), “a nossa casa e o nosso jardim”, pondo em destaque uma questão com implicações globais.  Na edição aberta de 13 de julho de 2012 do jornal New York Times, o ecologista Roger Bradbury (1355-1398) previu o “fim da biodiversidade marinha”, que estão condenados, “os recifes de coral serão os primeiros, mas certamente não o último grande ecossistema, a sucumbir ao Antropoceno”.

Este artigo gerou discussão entre os famosos ambientalistas e foi aparentemente refutada no site da The Nature Conservancy, defendendo sua posição de proteger os recifes de coral, apesar de impactos humanos continuaram causando quedas de recife. Destaca-se uma mudança na variedade de animais, já que áreas onde várias espécies superiores viviam anteriormente foram modificadas para a criação de animais que servissem para a alimentação, diminuindo a diversidade da área em sua extensão geográfica; isto é especialmente verdade para pastos e fazendas marinhas. Alteração similar houve nas regiões urbanas, onde alguns animais foram expulsos de seus habitats, enquanto outros se adaptaram, tornando-se por vezes pragas. A diversidade de plantas comestíveis e não-comestíveis foi afetada pela seleção gradativa, que priorizou poucos cultivares em detrimento da diversidade natural; enormes áreas povoadas com centenas de espécies vegetais diferentes são degradadas para originar plantações de um só ou de poucos espécimes de plantas, o que também afeta a fauna, em um outro plano biológico.

Se a injustiça social é parte inevitável do atrito no funcionamento da máquina governamental, pois que seja assim: talvez ela acabe suavizando-se com o desgaste - certamente a máquina ficará desajustada. Se a injustiça for uma peça dotada de uma mola exclusiva - ou roldana, ou corda, ou manivela -, aí então talvez seja válido julgar se o remédio não será pior do que o mal; mas se ela for de tal natureza que exija que você seja o agente de uma injustiça para outros, digo, então, que se transgrida a lei. Faça da sua vida um contra-atrito que pare a “máquina”. O que é preciso fazer é cuidar para que de modo algum participe das misérias que condeno. Mas nesse caso o Estado, enquanto práticas, não forneceu outra via: o mal está na sua própria Constituição. Isto pode parecer grosseria, teimosia e intransigência, mas só quem merece ou pode apreciar a mais fina bondade e consideração deve receber este tipo de tratamento. Todas as mudanças para melhor são assim, tais como o nascimento e a morte, que produzem convulsões nos corpos. O coletor de impostos é meu vizinho e concidadão, e é com ele que tenho de lidar porque afinal de contas estou lutando contra homens, e não contra o pergaminho das leis, e sei que ele voluntariamente optou por ser um agente governamental. Haverá outro modo dele ficar sabendo o que é e o que fiz enquanto agente do governo, ou homem, a não ser quando forçado a decidir que tratamento vai dar a mim, o vizinho que ele respeita como tal e como homem de boa índole, ou que ele considera um maníaco e desordeiro?  

Sob um governo que prende qualquer homem injustamente, o único lugar digno para um homem justo é também a prisão.  Se há alguém que pense ser a prisão um lugar de onde não mais se pode influir, no qual a sua voz deixa de atormentar os ouvidos do Estado, no qual não conseguiria ser tão hostil a ele, esse alguém ignora o quanto a verdade é mais forte que o erro e também não sabe como a injustiça pode ser combatida com muito mais eloquência e efetividade por aqueles que já sofreram na carne um pouco dela. Manifeste integralmente o seu voto e exerça toda a sua influência; não se deixe confinar por um pedaço de papel na sociedade. Uma minoria é indefesa quando se conforma à maioria; não chega nem a ser uma minoria numa situação dessas; mas ela é irresistível quando intervém com todo seu peso. Se a alternativa ficar entre manter todos os homens justos na prisão ou desistir da guerra e da escravidão, o Estado não hesitará na escolha.  Se no ano corrente mil homens não pagassem seus impostos, isso não seria iniciativa tão violenta e sanguinária quanto o próprio pagamento, pois neste caso o Estado fica capacitado para cometer violências e para derramar o sangue dos inocentes. Esta é a definição da revolução pacífica, se é que é possível uma coisa dessas. O dinheiro acalma perguntas que de outra forma ele se veria pressionado a fazer; de outro lado, a única pergunta nova que o dinheiro suscita é difícil, embora supérflua: - “Como gastá-lo?”.

Um homem assim fica sem base para uma moralidade. As oportunidades sociais de viver diminuem proporcionalmente ao acúmulo daquilo ao qual se chama de meios de trabalho. A melhor coisa a ser feita em prol da cultura do seu tempo por um homem rico é realizar os planos que tinha quando era pobre. Cristo respondeu aos seguidores de Herodes de acordo com a situação deles. – “Mostrem-me o dinheiro dos tributos, disse ele; e um deles tirou do bolso uma moeda. Disse então Jesus Cristo: - Se vocês usam o dinheiro com a imagem de César, dinheiro que ele colocou em circulação e ao qual ele deu valor; se vocês são homens do Estado e estão felizes de se aproveitar das vantagens do governo de César, então paguem-no por isso quando ele o exigir. Portanto, “dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”; Cristo não lhes disse nada sobre como distinguir um do outro; eles não queriam saber isso.  Confúcio disse: - “Se um Estado é governado pelos princípios da razão, a pobreza e a miséria são fatos acabrunhantes; se um Estado não é governado pelos princípios da razão, a riqueza e as honrarias são os fatos acabrunhantes”. Não! Até que eu solicite um remoto porto sulino, que a proteção do Estado de Massachusetts, Estados Unidos da América, me seja estendida com o fim de preservar a liberdade, ou até que me dedique apenas a construir pacificamente um patrimônio aqui no meu Estado, posso negar a minha lealdade ao governo e negar o seu direito à minha propriedade e à minha vida. Em todos os sentidos, sofrer a penalidade pela desobediência do que obedecer. Essencialmente, é uma forma concisa de expressar a ideia de que o custo da obediência é maior que o custo da desobediência civil.

O Estado enquanto práticas que produzem efeitos de poder habitualmente nunca confronta intencionalmente o sentimento intelectual ou moral de um homem, mas apenas o seu corpo, os seus sentidos. Ele não é dotado de gênio superior ou de honestidade, apenas de mais força física. Estava claro que eles não sabiam como lidar comigo e que se comportavam como pessoas pouco educadas. Havia um erro crasso em cada ameaça e em cada saudação, pois eles pensavam que o meu maior desejo era o de estar do outro lado daquela parede de pedra. Não pude deixar de sorrir perante os cuidados com que fecharam a porta e trancaram as minhas reflexões - que os acompanhavam porta afora sem delongas ou dificuldade; e o perigo estava de fato contido nelas. Como eu estava fora do seu alcance, resolveram punir o meu corpo; agiram como meninos incapazes de enfrentar uma pessoa de quem sentem raiva e que então dão um chuto no cachorro do seu desafeto. Percebi que o Estado era um idiota, tímido como uma solteirona às voltas com a sua prataria, incapaz de distinguir os seus amigos dos inimigos; perdi todo o respeito que ainda tinha por ele e passei a considerá-lo apenas lamentável. É nesta medida que decorre a analogia - Não sou individualmente responsável pelo bom funcionamento da máquina da sociedade. Não sou o filho do maquinista. No meu modo de ver quando sementes de carvalho e de castanheira caem lado a lado, uma delas não se retrai para dar vez à outra; pelo contrário, cada uma segue as suas próprias leis, e brotam, crescem e florescem da melhor maneira possível, até que por acaso acaba superando e destruindo a outra.  Se uma planta não pode viver de acordo com a sua natureza, ela morre; o mesmo acontece com um homem.              

Se outros resolvem pagar o imposto que o Estado exige, nada mais fazem além do que já fizeram quando pagaram o seu imposto, ou melhor dizendo, estimulam a injustiça além do limite que o Estado lhes pediu. Se eles pagam o imposto alheio a partir de um equivocado interesse pela sorte daquele que não paga, isto é, para salvar a sua propriedade ou para evitar o seu encarceramento, isso só ocorre porque não meditaram seriamente no quanto estão permitindo que os seus sentimentos particulares interfiram no bem de consumo geral. Acredito que logo o Estado será capaz de aliviar-me de todos os encargos deste tipo e então não serei mais patriota do que o resto dos meus conterrâneos. Encarada de um ponto de vista menos elevado, a Constituição, com todos os seus defeitos, é muito boa; a lei e os tribunais são muito respeitáveis; mesmo o Estado de Massachusetts e o governo são, em muitos aspectos, coisas admiráveis e bastante raras. Mas se elevarmos um pouco o nosso ponto de vista, quem será capaz de dizer o que são elas, ou quem poderá dizer que sequer vale a pena observá-las ou refletir sobre elas? Mesmo no mundo contemporâneo tal como é, não passo muitos momentos sujeito a um governo. Se um homem é livre de pensamento, para fantasiar, livre de imaginação, de modo que aquilo que nunca é lhe parece ser na maior parte do tempo, admite extraordinariamente Henry David Thoreau (1817-1862), “governantes ou reformadores insensatos não são capazes de lhe criar impedimentos fatais”. A autoridade do governo, mesmo do governo que estou disposto submeter é ainda impura; para ser inteiramente justa, ela precisa contar com a sanção e com o consentimento dos governados.

Ele não pode ter sobre a minha pessoa e meus bens qualquer direito puro além do que eu lhe concedo. O progresso de uma monarquia absoluta para uma monarquia constitucional, e desta para uma democracia, é um progresso no sentido do verdadeiro respeito pelo indivíduo. Será que a democracia tal como a conhecemos é o último aperfeiçoamento possível em termos de construir governos? Não será possível dar um passo a mais no sentido de reconhecer e organizar os direitos do homem? Nunca haverá um Estado realmente livre e esclarecido até que ele venha a reconhecer no indivíduo um poder maior e independente - do qual a organização política deriva o seu próprio poder e a sua própria autoridade - e até que o indivíduo venha a receber um tratamento correspondente. Fico imaginando, e com prazer, um Estado que possa enfim se dar ao luxo de ser justo com todos os homens e de tratar o indivíduo respeitosamente, como um vizinho; imagino um Estado que sequer consideraria um perigo à sua tranquilidade a existência de alguns poucos homens que vivessem à parte dele, sem nele se intrometerem nem serem por ele abrangidos, e que desempenhassem todos os deveres de vizinhos e de seres humanos. Um Estado que produzisse esta espécie de fruto, e que estivesse disposto a deixá-lo cair logo que amadurecesse, abriria caminho para um Estado ainda mais perfeito e provavelmente glorioso; já fiquei afirma Henry Thoreau a imaginar um Estado desses, mas nunca o encontrei em qualquer lugar.

Bibliografia Geral Consultada.

CARDOSO, Miriam Limoeiro, Ideologia do Desenvolvimento - Brasil: JK-JQ. Tese de Doutorado em Sociologia. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1977; MAY, Rollo, Amor y Voluntad. Las Fuerzas Humanas que dan Sentido a Nuestra Vida. 1ª edición. Barcelona: Editorial Gedisa, 1985; THOREAU, Henry, Walden: Seguido del Deber de la Desobediencia Civil. Barcelona: Ediciones Parcifal, 1989; DURAND, Gilbert, As Estruturas Antropológicas do Imaginário: Introdução à Arquetipologia Geral. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997; AUGÉ, Marc, La Guerre des Rêves. Exercices d’Ethno-Fiction. Paris: Éditions du Seuil, 1997; MARTINS, José de Souza, La Reforme Agraire et la Mondialisation de l`Économie: Le Cas du Brésil. Brasília: Editor Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2000; STOWE, Harriet Beecher, Uncle Tom`s Cabin. Massachusetts: Editor Spark Publishers, 2002; NIEMEYER, Oscar, Oscar Niemeyer – Minha Arquitetura 1937-2004. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2004; PASQUETTI, Camila Alvares, A Reding of Thoreau`s Walking as a Travel Narrative. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras/Inglês e Literatura Correspondente. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2005; PEREIRA, Marcio da Silva, O Leitmotiv: Da Ópera ao Cinema, à Televisão. Tese de Doutorado em Música. Centro de Letras e Artes. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2007; COSTA, Grasielle Aires da, Ritual em Richard Schechner e Victor Turner: Aspectos de um Diálogo Interdisciplinar. Programa de Pós-graduação em Performance Cultural. Escola de Música e Artes Cênicas. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2015; MILLS, Charles Wright, Escucha Yanqui. La Revolución Cubana. México: Fondo de Cultura Económica, 1961; Idem, L’Élite du Pouvoir. Paris: Éditions François Maspéro 1969; Idem, Critiques Sociologiques. Paris: Éditions du Croquant, 2019; ROMANETTO, Matheus Capovilla, Clínica e Política: Bases Subjetivas da Transformação Social em Erich Fromm. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Departamento de Sociologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2021; PRACIANO, Emerson Ellano Dutra, Alienação em Karl Marx e o Cinema como Formação Prático-crítica. Dissertação de Mestrado Profissional em Filosofia. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Instituto de Cultura e Arte.  Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2022; GUIMARÃES, Luís Gustavo Faria, Impeachment: Aspectos Jurídicos, Políticos e Institucionais. Tese de Doutorado. Program de Pós-Graduação em Direito. Faculdade de Direito. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2022; entre outros.

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