terça-feira, 16 de março de 2021

E. P. Thompson - Fazer-se Pessoa & Consciência de Classe.


      “A relação precisa estar sempre encarnada em pessoas e contextos reais”. E. P. Thompson

            Edward Palmer Thompson (1924-1993) foi provavelmente o historiador marxista de maior repercussão nas lutas operárias ocorridas no continente europeu no século XX. Seu livro A Formação da Classe Operária Inglesa é reconhecido como clássico da historiografia marxista. Como humanista foi dedicado ativista da paz, tendo atuado no British Peace Committee e lutado contra as guerras da Coréia, Quênia, Malásia, Chipre e Argélia. Ingressou no Partido Comunista durante a 2ª guerra mundial (1939-1945). Após a revolta na Hungria deixou o Partido e fundou a revista socialista humanista New Reasoner que após fundir-se com outra publicação deu origem ao New Left Review. Em sua démarche para pôr fim a chamada Guerra Fria, Thompson passou uma década como “um embaixador itinerante no circuito internacional da paz”. Thompson nasceu na cidade de Oxford, na Inglaterra, em uma família de missionários metodistas, o que lhe possibilitou o contato social com a religião, a diversidade cultural e a “marginalidade de massa”, as quais podem ter influenciado as suas convicções. Seus anos de formação prática e teórica foram realizados no colégio Corpus Christi, em Cambridge, estabelecido em 1352 pela Guild of Corpus Christi e pela Guild of the Blessed Virgin Mary o que significa que é o sexto College mais antigo em Cambridge, época em que, aos 17 anos de idade se tornou militante, entendido como aquele membro que está em exercício ativo, desempenhando uma atividade dentro do Communist Party of Great Britain (CPGB).

O partido comunista foi criado em 1920 após a fundação da Terceira Internacional (1919), como fruto das tentativas maiores de estabelecer Partidos Comunistas pelo mundo globalizado. O CPGB foi formado pela união de vários partidos marxistas: o Partido Socialista Britânico, o Grupo de Unidade Comunista do Partido Trabalhista Britânico e a Sociedade Socialista Sul-Galesa. Sendo eleito Arthur McManus como primeiro presidente do partido. Após a dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas no ano 1991, a última presidente do partido comunista, Nina Claire Temple. Nasceu em Westminster, Londres, filha de Barbara J. (Rainnie) e Landon Roy Temple. Nascida em uma família comunista, seu pai dirigia a Progressive Tours e era membro do Partido Comunista da Grã-Bretanha, ela se juntou à Young Communist League quando tinha 13 anos, mais tarde protestando em Londres contra a Guerra do Vietnã.  No final dos anos 1970, ela foi secretária geral da Liga dos Jovens Comunistas e se tornou um membro proeminente do agrupamento eurocomunista dentro do partido. Ela se tornou membro do Executivo do CPGB em 1979, e depois membro do Comitê Político em janeiro de 1982. Foi assessora de imprensa e publicidade de janeiro de 1983 a 1989, quando se tornou a última secretária geral do partido em janeiro de 1990, aos 33 anos. Ela prometeu torná-lo “feminista e verde, bem como democraticamente socialista”. Temple tornou-se um dos proponentes da dissolução do PCGB em novembro de 1991 e da fundação de seu sucessor legal, o Democrata. Esquerda.

Edward Palmer Thompson formou-se em história na Universidade de Cambridge, em 1946. No interior da universidade, constituiu um núcleo de pensamento social e estudos em torno dos Marxistas Humanistas, integrado por historiadores notáveis como Christopher Hill, Raymond Willians, Raphael Samuel, John Saville, Eric Hobsbawm, Dorothy Thompson, entre outros. A convivência com esse grupo magnífico de intelectuais despertou nele o interesse social e o desejo real de se tornar um historiador profissional da classe operária. Edward Thompson não fez carreira acadêmica tradicional, mas lecionou como professor convidado em diversas universidades. Aos 24 anos, foi admitido na Universidade de Leeds, onde atuou como docente em cursos “não acadêmicos”, mas que historicamente e de certa forma estes cursos passaram a ser chamados erroneamente “cursos de extensão”, cujas aulas eram frequentadas por homens e mulheres comuns, trabalhadores de diversos ofícios profissionais quando ele teve na educação de trabalhadores adultos a sua forma privilegiada de inserção propriamente educacional. Ele conquistou espaço e lugar para poder lecionar por considerável tempo e espaço singular em diversas Universidades. Mas sua experiência acadêmica mais gratificante ocorreu na Universidade de Leeds, quando se dedicou à elaboração de cursos noturnos especificamente para a formação da classe trabalhadora. A história da Universidade está ligada com o desenvolvimento de Leeds como um centro  de indústria têxtil na Era Vitoriana. Suas raízes remontam ao século XIX, e antes na educação superior, somente quatro universidades: Oxford, Cambridge, London e Durham na Inglaterra.

   

A universidade tem origem em 1824 quando o Instituto de Mecânica de Leeds foi fundado. O instituto mais tarde passou a se chamar Instituto de Ciência, Arte e Literatura de Leeds e em 1927 mudou de nome para Colégio de Tecnologia de Leeds. Em 1970, o colégio se uniu com o Colégio de Comércio de Leeds, fundado em 1845, parte do Colégio de Arte de Leeds, fundado em 1846 e o Colégio de Educação e Economia Doméstica de Yorkshire, fundado em 1874, formando a extraordinária Politécnica de Leeds. Em 1976, o Colégio de James Graham e o Colégio de Educação da Cidade de Leeds, fundado em 1907 como parte do Colégio de Treinamento da Cidade de Leeds, se uniram a Politécnica de Leeds. Em 1987, a Politécnica de Leeds se tornou um dos membros fundadores do Northern Consortium. Após o Further and Higher Education Act passar a valer institucionalmente em 1992, a Politécnica de Leeds se tornou Universidade Metropolitana de Leeds, com o direito de conceder graus acadêmicos. Em 1998, a universidade se reuniu ao Colégio de Harrogate, estabelecendo o campus de Harrogate até 2008, quando o colégio se uniu ao Colégio de Hull. Em 2008, a universidade criou uma petição para mudar para Universidade de Leeds Carnegie; eventualmente desistiram da mudança regimental. Em 2009, uma parceria com a Universidade da Flórida do Norte foi criado um programa de intercâmbio de estudantes. A universidade também tem um Acordo com o Colégio de Bradford para validar graus acadêmicos para o colégio. O nome é recente e adotado em setembro de 2014.

Desta experiência, ao lado de Raymond Williams e Richard Hoggart (cf. Cunha, 2014), nasceram as raízes teóricas dos “estudos culturais” quando faz profunda imersão sobre a natureza da pedagogia, pretendendo, com estas “mediações complexas” sobre a educação, possibilitar a transcendência dos padrões culturais representados pela elite social e política. A transição de uma escola pública frequentada por filhos do operariado para uma grammar school era um sinal de mudança, porque significaria, desde logo, que Hoggart iria frequentar, um dia, uma universidade. O futuro financiamento através de uma bolsa da LEA permitiria que Hoggart viesse a integrar o Departamento de Inglês na Universidade de Leeds, tornando-se aluno de Bonamy Dobrée, amigo pessoal do poeta inglês Thomas S. Eliot. Depois de servir na II Guerra Mundial, no Norte de África e em Itália, onde ensinou os soldados que aguardavam pela desmobilização, Hoggart juntou-se ao Departamento de Extra-Mural Studies da Universidade de Hull, onde permaneceu até 1959, como “tutor de educação para adultos”. O declínio cultural na classe trabalhadora do pós-guerra diagnosticado e criticado na sua obra coloca-o no quadro de pensamento teórico da tradição em torno do tema “Cultura e Sociedade”, cartografada por Raymond Williams que desta parceria multidisciplinar elaborou o mapa dessa tradição, de 1780 a 1950, de Edmund Burke a George Orwell, com base no princípio segundo o qual a ideia moderna de cultura surgiu no pensamento inglês com a Revolução Industrial, e sendo, portanto, classe, cultura, indústria, democracia e arte coordenadas que são inseparáveis. Segundo Patrick Brantlinger, Hoggart encontra-se, no quadro da tradição “cultura & sociedade”, na temporalidade empirista britânica etnográfica, onde se incluem Henry Mayhew, Charles Dickens, Benjamin Disraeli, Elizabeth Gaskell e Friedrich Engels.

            Edward Thompson desejava estabelecer uma rede de interação social profissional entre aprendizes e mestres, e sua subversione contra a ordem social, transformando as metodologias desenvolvidas nas escolas de tradição como o principal meio de aprendizado. Assim, ele destacava o talento individual (teoria) e a vivência da pessoa (prática) como um como um dos elementos essenciais na elaboração de uma didática disciplinar para a formação da consciência. O historiador mantém seu ponto de vista teórico centrado na formação da classe trabalhadora, argumentando que a démarche coletiva desta fração da classe trabalhadora não é empreendida apenas no sentido econômico, mas principalmente na edificação de suas vivências históricas. Thompson lecionou na Universidade de Warwich, de 1965 a 1971. Mas durante a década de 1970 também ministrou aulas e conferências temáticas para as Universidades norte-americanas de Pittsburg, Rutgers, Brown, e Dartmoth College. Na década de 1980 ele se engajou no movimento pacifista antinuclear. Em 1988 retomou a carreira acadêmica, assumindo o magistério no Queen`s University de Kingston, no Canadá.
           Mas retorna à Londres, para lecionar na Universidade de Manchester. Entre 1989 e 1990 ele atuou na Universidade de Rutgers, Universidade Estadual de Nova Jérsei, a maior instituição de ensino superior de Nova Jérsei, Estados Unidos da América. É também a oitava universidade fundada nos Estados Unidos da América, tendo originalmente recebido o nome de Queen`s College em 1766. Thompson morreu aos 69 anos, no dia 28 de agosto de 1993, na cidade inglesa de Worcester,  localizada no condado de Worcestershire, localizada na região de Midlands Ocidental. Uma grande atração na história da religião da cidade e do país é a Catedral de Worcester. oficialmente denominada The Cathedral Church of Christ and the Blessed Virgin Mary, é uma catedral anglicana; situa-se no alto de uma das margens do rio Severn e foi fundada em 680.

Para refletir acerca das contribuições de Edward Thompson para a pesquisa no campo da formação abstrata de professores implica explicitar as principais categorias exploradas pelo autor que se referem essencialmente as noções conceituais de experiência, cultura e classe social. Comecemos então, metodologicamente, pelo emprego conceitual de classe, e portanto, no fazer-se, enquanto consciência histórica da classe trabalhadora inglesa. Por “classe”, afirma E. P. Thompson, em seu prefácio da trilogia: A Formação da Classe Operária Inglesa (1987; 204 páginas; 1987; 347 páginas; 1987; 440 páginas) “entendo um fenômeno histórico, que unifica uma série de acontecimentos díspares e aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na consciência”. Mas ressalta que é um fenômeno histórico. Distanciando-se no marxismo estruturalista de Louis Althusser (cf. Thompson, 1981), o que nos dispensa comentários, pois não compreende a classe como uma “estrutura”, nem mesmo como uma “categoria”, mas como algo que ocorre efetivamente (e cuja ocorrência pode ser demonstrada) nas relações humanas. Ademais, a noção de classe, se já não é um truísmo, desde o pensamento clássico e Marx e Engels, carrega consigo a noção de relação histórica. Como qualquer outra relação, é algo fluido que escapa à análise ao tentarmos imobilizá-la num dado momento e dissecar a estrutura. A primeira crítica veemente ao conceito é a seguinte: - A mais “rede sociológica” não consegue nos oferecer um exemplar puro de classe, como tampouco um do amor ou da submissão. Seu argumento sobre a classe é empírico, de tradição inglesa, pois “a relação precisa estar sempre encarnada em pessoas e contextos reais”. Além disso, não podemos ter duas classes distintas, cada qual com um ser independente, colocando-as em relação recíproca. 

        A classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns (cf. Thompson, 1979; 1998), herdadas ou partilhadas, sentem e articulam a identidade de interesses, contra outros homens cujos interesses diferem, e geralmente se opõem dos seus. experiência de classe é determinada, em grande medida, pelas relações de produção em que os homens nasceram – ou entraram involuntariamente.É neste sentido que para Thompson a consciência de classe representa a forma como essas experiências são tratadas em termos culturais, sendo vistas como “encarnadas em tradições, sistema de valores, ideias e formas institucionais”. Se a experiência aparece como determinada, o mesmo não ocorre com a consciência de classe. E neste sentido a particularidade é a seguinte. Podemos entender uma lógica nas reações de grupos profissionais semelhante que vivem experiências parecidas, mas não podemos predicar nenhuma lei. A consciência de classe surge da mesma forma em tempos e lugares diferentes, mas nunca exatamente da mesma forma. Além disso, existe uma tentação generalizada em se supor que “a classe é uma coisa”. Não era esse o significado utilizado por Marx, em seus escritos históricos, ou de análise de conjuntura, mas o erro deturpa muitos textos aparentemente marxistas contemporâneos. Fora do nível empírico de análise, “ela”, a classe operária, é tomada como tendo existência real, capaz de ser definida quase matematicamente – uma quantidade de homens que se encontra numa certa proporção com os meios de produção. 

           Esta “classe dirigente” ou dominante estava, ela própria, muito dividida em suas frações, e de fato só conseguiu maior coesão nesses mesmos anos porque certos antagonismos de classe no sentido estrutural do termo, realmente se dissolveram ou se tornaram insignificantes frente a uma classe operária que estava se originando de forma insurgente no plano das nações. Uma vez isso assumido torna-se possível deduzir a consciência de classe que “ela” deveria ter (mas raramente tem), se estivesse adequadamente consciente de sua própria posição e interesses reais. Evidentemente, a questão é como o indivíduo veio a ocupar esse “papel social”, na falta de melhor expressão, e como a organização social específica (com seus direitos de propriedade e estrutura de autoridade) aí chegou. Essas são questões históricas. Se determos a história num determinado ponto, não há classes, mas simplesmente uma multidão de indivíduos com um amontoado de experiências. Mas ao examinarmos esses homens num período adequado de mudanças sociais, observaremos padrões em suas relações, suas ideias e instituições. A classe social é definida pelos homens enquanto vivem sua própria história e, ao final, esta é sua única definição. Thompson observa que entre os anos 1780 e 1832 os trabalhadores ingleses em sua maioria vieram a sentir uma “identidade de interesses entre si”, e contra seus dirigentes e empregadores. A presença operária em 1832, foi o fator histórico e sociológico determinante como nível concreto estrutural e de classe mais significativo da vida política britânica. 

        Na trilogia de Edward Palmer Thompson, “Árvore da liberdade” (I); “Maldição de adão” (II) e sobre “A força dos trabalhadores” (III), assim está a sua forma de exposição. Na Parte I, Thompson faz o resgate das tradições populares vigentes no século XVIII que influenciaram a fundamental agitação jacobina dos anos 1790. Na Parte II, as experiências de grupos de trabalhadores durante a Revolução Industrial, enfatizando o caráter da nova disciplina industrial do trabalho e da posição, a esse respeito, da Igreja Metodista. Na Parte III, recolhe aspectos da história social e da emergência do “radicalismo plebeu”, levando-a através do luddismo à época heroica no final das guerras napoleônicas. Finalmente, Edward Thompson apresenta na exposição, last but not least, alguns aspectos da teoria política e da consciência de classe nos anos 1820 e 1830 que alterou “as atitudes subpolíticas do povo, afetou os alinhamentos de classe e iniciou tradições que se prolongam até o século atual”. O que é válido para divisão manufatureira do trabalho na oficina vale também para a divisão do trabalho na sociedade. Enquanto artesanato e manufatura constituem a base geral da produção social, a subsunção do produtor a um ramo exclusivo da produção, a supressão da diversidade original de suas ocupações é um momento necessário do desenvolvimento. Sobre essa base, cada ramo particular da produção encontra empiricamente a configuração técnica que lhe corresponde, aperfeiçoa-a lentamente e, num certo grau de maturidade, cristaliza-a rapidamente. Além dos matérias de trabalho do comércio, a única coisa que provoca modificações aqui e ali é a variação gradual do meio de trabalho. 

Uma vez alcançada a forma adequada à experiência, também ela se ossifica, como o comprova sua transmissão, muitas vezes milenar, de uma geração a outra. O princípio da “grande indústria”, na expressão de Marx, a saber, o de dissolver cada processo de produção em seus elementos constitutivos, e, antes de tudo, fazê-lo sem nenhuma consideração para com a mão humana, criou a mais moderna ciência da tecnologia. As formas variegadas, aparentemente desconexas e ossificadas do processo social de produção se dissolveram, de acordo com o efeito útil almejado, nas aplicações conscientemente planificadas e sistematicamente particularizadas das ciências naturais. Em contraposição com os anos radicais que a precederam e os anos cartistas que a sucederam, a década de 1820 parece estranhamente calma, como diz Thompson, “um planalto mansamente próspero de paz social”. Mas, muitos anos depois, um verdadeiro londrino advertiu Mayhew: - as pessoas imaginam que, quando tudo está quieto, está se estagnando. O propagandismo continua apesar disso. É quando tudo está quieto que a semente cresce, os republicanos e socialistas levam à frente suas doutrinas”. Esses anos calmos formam a luta de Richard Carlile pela liberdade de imprensa; da força sindical e revogação das Leis de Associação; do crescimento do livre pensamento; da experiência cooperativa e da teoria owenista. 

São anos em que grupos sociais e indivíduos tentaram teorizar as experiências gêmeas descritas por Thompson sobre a Revolução Industrial e a experiência do radicalismo popular insurgido e derrotado. E, no final da década, quando a luta entre a Velha Corrupção e a Reforma atingiu o seu clímax, é possível fala de uma nova forma de consciência dos trabalhadores em relação aos seus interesses e à sua situação enquanto classe.  É neste sentido determinado, que Thompson teoriza o que chama de “radicalismo popular daqueles anos como uma cultura intelectual. Isto é, a consciência articulada do autodidata era sobretudo uma consciência política. Representou a primeira metade do século XIX, quando a educação formal de grande parte do povo se resumia a ler, escrever e contar, como havia reiterado Marx. Mas não foi absolutamente um período de atrofia intelectual. As vilas, assim como as aldeias, ressoavam com a energia dos autodidatas. Dadas as técnicas de alfabetização, os diaristas, artesãos, lojistas, escreventes e mestres-escolas punham-se a aprender por conta própria, individual ou em grupo. E os livros ou instrutores eram os que contavam com a aprovação da opinião reformadora. 

A Partir de sua própria experiência e com o recurso à sua instrução errante e arduamente obtida, os trabalhadores formaram fundamentalmente político da organização da sociedade.  Mas a capacidade de operar com a razão argumentos abstratos e sucessivos não era absolutamente inata; tinha de ser descoberta à custa de dificuldades quase esmagadoras, tendo em vista a falta de tempo livre, o preço das velas (ou dos óculos), além das carências de formação. Nos inícios do movimento radical, às vezes empregavam-se ideias e termos que, evidentemente, tinham um valor mais fetichista do que racional para alguns adeptos fervorosos. Essas evidências relativas à instrução alcançada por operários nas duas primeiras décadas do século servem apenas para mostrar que as generalizações são tolas. O ludismo foi um movimento que ocorreu na Inglaterra durante o século XVIII, onde os luddistas quebravam as máquinas como forma de protesto frente as más condições de trabalho. Na época luddista quando poucos não-operários teriam apoiado suas ações, as mensagens anônimas variam desde autoconscientes sobre a “liberdade com seus Sorridentes Atributos” até pichações quase ilegíveis. Se as Sociedades Bíblicas e da Escola Dominical não foram frequentadas outro bem, observou Sherwin, “pelo menos produziram um efeito benéfico – foram o meio de ensinar muitos milhares de crianças a ler”. 

As cartas de Brandreth e sua mulher, dos conspiradores da Caio Street e outros prisioneiros do Estado dão-nos alguma ideia sobre aquele grande espaço entre as realizações dos artesãos qualificados e as dos semiletrados. Ao que parece, todos os prisioneiros da Caio Street sabiam escrever, de uma ou outra forma. A despeito da repressão a partir de 1819, a tradição de manter salas de notícias, às vezes associadas à loja de um livreiro radical, continuou pelos anos 1820. Em Londres, depois da guerra, houve uma proliferação de cafés, muitos com essa dupla função.  Em 1833, o famoso Café e Sala de Notícias de John Doherty, anexo à sua livraria em Manchester, recebia semanalmente nada menos de noventa e seis jornais, inclusive os ilegais “não-franqueados”. Nas aldeias e vilas menores, os grupos de leitura eram menos formais, mas não menos importantes. Às vezes encontravam-se em estalagens, “bares ilegais” ou casas particulares; às vezes, o periódico era lido e discutido na oficina. O preço alto dos periódicos, durante a época dos “impostos sobre o conhecimento” mais pesados, levou milhares de arranjos ad hoc, em que pequenos grupos faziam uma arrecadação para comprar o jornal escolhido. Esta era a cultura, com suas ávidas disputas em torno das bancas de livros, nas tavernas, oficinas e cafés, que Shelley saudou em sua “Canção aos Homens da Inglaterra”, e onde amadureceu o gênio literário de Charles Dickens. Mas seria um erro vê-la como um único “público leitor” indiferenciado. Podemos dizer que existiam vários “públicos” diferentes que se entrechocavam e se sobrepunham, mas, no entanto, organizados segundo princípios diversos. Entre os mais importantes estavam o público comercial, puro e simples, que podia ser explorado em períodos de excitação radical, mas atendido apenas menos organizados, em torno das Igrejas ou dos Institutos de Artes e Ofícios; o público passivo que as sociedades de aperfeiçoamento tentavam conquistar e redimir; e o público radical ativo que se organizou frente às Seis Leis e os impostos sobre o conhecimento. 

A luta para este último público foi admiravelmente apresentada por W. D. Wichwar, em A Luta pela Liberdade de Imprensa. Segundo Thompson, “talvez não exista nenhum país no mundo onde a disputa pelos direitos da imprensa tenha sido tão áspera, tão enfaticamente vitoriosa e tão particularmente identificada com a causa dos artesãos e diaristas”.  A maioria dos motins em teatros do início do século XIX tinha um certo toque radical, mesmo que expressasse apenas o simples antagonismo entre barracas e deuses. A vitalidade do teatro plebeu não era acompanhada por um correspondente mérito artístico. A influência mais positiva sobre a sensibilidade dos radicais proveio não tanto dos pequenos teatros, e sim da revivescência shakespeariana – Hazlitt, Wooler, Bamford, Cooper e uma série de jornalistas radicais e cartista autodidatas tinham como praxe coroar seus argumentos com citações de Shakespeare. O aprendizado de Wooler fora com a crítica dramática; ao passo que o jornal estritamente sindicalista Trades Newspaper começou, em 1825, com uma seção de crítica teatral e também uma coluna de esportes. Mas houve uma arte popular que, entre 1780 e 1830, atingiu um auge de complexidade e qualidade – o cartum político. A cultura do teatro e da oficina de cartuns foi popular num sentido mais amplo do que a cultura literária dos artesãos radicais. A estrutura do caráter puritano sustenta a seriedade moral e a autodisciplina que permitiram aos homens trabalhar à luz de vela depois de um dia inteiro de labor. Mas podemos fazer duas ressalvas importantes. 

A primeira é que o metodismo foi uma influência fortemente antiintelectual, da qual a cultura popular britânica nunca se recuperou totalmente. O círculo ao qual Wesley restringiria a leitura de metodistas era bastante estreito; o principal de uma biblioteca metodista consistiria de suas próprias obras e sua série pessoal de compilações e resumos. No início do século XIX, os pregadores locais e líderes de classe foram estimulados a ler mais: reedições de Baxter, a hagiografia do movimento ou os “volantes de Missionary Register”. Mas a poesia era suspeita, e a filosofia, a crítica bíblica ou a teoria política eram tabus. Todo o peso do ensinamento metodista recaía sobre o caráter abençoado dos “puros do coração”, independentemente do seu nível ou grau de instrução. Foi o que deu à Igreja seu apelo espiritual igualitário. Mas também alimentou as justificativas filistinas dos semiletrados. Se a investigação intelectual (pesquisa social) foi desestimulada pelos Metodistas, a aquisição de conhecimento útil podia ser considerada piedosa e cheia de mérito. A ênfase, evidentemente, recaia sobre o uso. A disciplina de trabalho, por si só, não bastava; era necessário que a força de trabalho progredisse para níveis de realização mais sofisticados. O velho argumentou oportunistas baconiano – que não pode existir nenhum mal no estudo da natureza, a qual é a evidência visível das leis de Deus - fora agora assimilado dentro da apologia cristã. Daí brotou aquele fenômeno curioso do início da cultura vitoriana, o pastor não-conformista com a mão no Antigo Testamento e o olho no microscópio. Os efeitos dessa conjunção já se fazem sentir na cultura operária da década de 1920. 

As ciências botânica, biologia, geologia, química, matemática e, particularmente, as ciências aplicadas, os metodistas viam-na com negatividade, desde que essas investigações não se misturassem com política ou filosofia especulativa. O mundo sólido, estatístico, intelectual que vinham construindo os utilitaristas era compatível também com a Assembleia Metodista. Também compilavam suas tabelas estatísticas do comparecimento na escola dominical, e Jabez Bunting ficaria feliz se pudesse calcular os graus de graça espiritual com a mesma precisão com que Chadwick calculava a dieta mínima que sustentaria o pobre com força suficiente para trabalhar. Vale lembrar que Chadwick era ligado a Stuart Mill e Jeremy Bentham, e mantinha amplos contatos com os líderes da burguesia liberal de seu tempo, que contavam com um projeto político bastante claro e que passou a incluir uma reforma sanitária. Ainda que não representasse um profissional de saúde, Chadwick era político e administrador, e sua obra e atuação política refletem toda uma maneira de pensar o processo saúde-doença. Por sua orientação filosófica marcadamente positivista, Chadwick e seu grupo viam a determinação social da doença não como fruto das contradições políticas e sociais do capitalismo.

Neste ínterim veio a aliança entre não-conformistas e utilitaristas sobre a prática pedagógica e a divulgação do conhecimento “aperfeiçoador”, ao lado de exortações piedosas. Nesta década está firmemente estabelecido esse tipo de literatura, onde as admoestações morais (e relatos das orgias bêbadas de Tom Paine em seu leito de morte solitário) aparecem ao lado de pequenas notas sobre a flora venezuelana, estatísticas sobre o número de mortes no terremoto de Lisboa, receitas de verduras cozidas e considerações sobre hidráulica. Nos anos pós-guerra, Hunt e Cobbett insistiram mito no apelo à abstinência de todos os artigos taxados, e particularmente nas virtudes da água em comparação ao álcool é à cerveja. A sobriedade dos metodistas foi o primeiro (e único) atributo de sua seita que Cobbett achou louvável: - “considero a embriaguez como a raiz de bem mais da metade dos males, misérias e crimes que afligem a sociedade”. Nem sempre era esse o tom Cobbett; em outras ocasiões, podia lamentar o preço da cerveja para o diarista. Mas, em mitos pontos, encontrar-se-ia uma meticulosa correção moral generalizada. Era, em particular, a ideologia do artesão ou do trabalhador qualificado frente à impetuosa maré não-qualificada. É o que se encontraria no relato de Carlile sobre seus primeiros anos de homem adulto: - sempre detestei a cervejaria (...) achava que um homem (...)   seria tolo se não aplicasse corretamente cada xelim”. Denunciados em sátiras legalistas e púlpitos religiosos como exemplos ignominiosos de todos os vícios, buscavam mostrar-se com um caráter irrepreensível, ao lado de suas opiniões não-ortodoxas. 

Lutaram contra as lendas legalistas da França revolucionária, apresentada como uma cozinha de ladrões sanguinários, cujos Templos da Razão eram bordeias. Eram particularmente sensíveis a qualquer acusação de indecência sexual, má conduta financeira ou falta de apego às virtudes familiares. Carlile publicou em 1830 um livrinho de homilias, O Moralista, ao passo que o Conselho aos Jovens de Cobbett , comparativamente, não passava de um ensaio, talvez  mais entusiástico, e de leitura mais amena, sobre os mesmos temas da industriosidade, perseverança e independência. Dorothy Thompson foi uma importante historiadora especialista no movimento cartista. Nascida em Greenwich, sudeste de Londres, Dotothy ingressou no Girton College, Cambridge, em 1942. Durante a guerra, seu trabalho como desenhista industrial para a Royal Dutch Shell interrompeu sua educação formal. Ipso facto, ela continuou a seguir carreira na história social e era politicamente ativa. Ela se juntou aos Jovens Comunistas, casou-se com o historiador Edward Thompson em 1948 e mudou-se para Halifax, onde Edward trabalhou na educação de adultos e ambos eram ativos no movimento pela paz. Com o marido EP Thompson, ela fazia parte do grupo dissidente do Partido Comunista da Grã-Bretanha, que em 1956-7 fundou o jornal humanista socialista New Reasoner, onde sua competência significava que seu papel principal era uma espécie de “gerente de negócios”. Embora tenha achado o rompimento com o Partido Comunista certamente doloroso, ela se inspirou trabalhando com escritores, artistas, historiadores e sindicalistas na formação de novos clubes de esquerda em muitas cidades irradiadas; ela admirava figuras como o campeão dos mineiros escoceses Lawrence Daly e a operária Gertie Roche.

Em 1970, Dorothy foi nomeada professora da Escola de História da Universidade de Birmingham, onde permaneceu até 1988. Ela também foi bolsista visitante em várias ocasiões em universidades nos Estados Unidos da América, bem como no Canadá, China e Japão. The Early Chartists (1971) foi uma coleção de documentos inovadora. The Chartists (1984) expôs todas as maneiras pelas quais Dorothy Thompson procurou revisar como o cartismo era visto - desde os líderes irlandeses até a contribuição vital das mulheres. Em janeiro de 1995, Thompson foi presenteado com um comemorativo, The Duty of Discontent. Editado por Owen Ashton, Stephen Roberts, ambos seus ex-alunos, e Robert Fyson, o volume consiste em 12 ensaios abrangendo toda a gama principal da história social britânica dos séculos XIX e XX. O título foi tirado de uma palestra do poeta cartista Thomas Cooper. Seu trabalho, como o do marido, sempre foi marcado por um radicalismo apaixonado e uma profunda simpatia pelos trabalhadores oprimidos. A posição crítica de Thompson como historiadora mais influente do cartismo foi reforçada por dois volumes de ensaios: Outsiders (1993) e The Dignity of Chartism (2015). Ela era um dos principais membros do Grupo de Historiadores do Partido Comunista. Ela nasceu Dorothy Towers em Greenwich, Sudeste da extraordinária capital Londres. A partir de 1942, estudou história no Girton College, Cambridge, onde foi muito ativa no Partido Comunista e participou de reuniões do grupo de historiadores do Partido Comunista. 

Em 1945, ela começou uma história de amor no longo decorrer da vida com o colega historiador, Edward Palmer Thompson. Depois de ajudar a construir a ferrovia na Iugoslávia de Tito, eles se casaram e se estabeleceram em Halifax, West Yorkshire, onde lecionaram em educação extramuros para adultos. O primeiro esforço organizacional de Dorothy foi promover uma campanha para manter abertos os viveiros de guerra no final dos anos 1940. A historiadora Dorothy Thompson, que morreu aos 87 anos, era reconhecida por seus escritos sobre os aspectos sociais e culturais do movimento cartista do século XIX. Seu interesse pela luta dos trabalhadores e mulheres pelos direitos foi despertado durante seus dias de escola no subúrbio de Bromley, Kent, quando ela era ativa em um grupo de jovens comunistas, e foi aprofundado por seu longo envolvimento na política radical. Como resultado, ela trouxe uma compreensão complexa do processo de organização para seu trabalho histórico. Sempre alerta, Dorothy sondou sob a superfície externa das evidências. Os resultados foram inovadores. Os documentos que editou em The Early Chartists (1971) trouxeram à vida social o intenso e perigoso mundo interior das reuniões da classe trabalhadora, convenções e jornais, enquanto The Chartists (1984) revelou áreas muito negligenciadas, como o envolvimento da classe média, o papel das mulheres e esquemas de assentamento de terras. Sua coletânea intitulada Outsiders: Class, Gender and Nation (1993) demonstrou uma compreensão bem articulada de erudição exigente e clareza conceitual que a levou a ser admirada por especialistas e também por alunos gratos de história de nível A.

Em 1956, ela fez parte do grupo dissidente do Partido Comunista que criou o jornal socialista humanista New Reasoner. Caracteristicamente, sua competência significava que ela era designada “gerente de negócios”, embora também lesse os manuscritos enviados. A ruptura com o Partido Comunista foi dolorosa, mas também trouxe esperança na criação de uma nova esquerda. Dorothy trabalhou com escritores, artistas, historiadores e sindicalistas que estavam formando os novos clubes de esquerda em muitas cidades. Entre os que ela admirava estavam o campeão dos mineiros escoceses Lawrence Daly e a operária Gertie Roche. - Conheci Dorothy no início da década dos anos 1960. Discutir história e ideias com ela me influenciou profundamente e fiquei intrigado em conhecer uma mulher que era mãe, além de ativista e intelectual. Ela havia deixado de lado seus escritos históricos porque tinha três filhos, mas continuou a dar aulas na educação de adultos e era ativa na Campanha pelo Desarmamento Nuclear. Recusando-se a desistir da possibilidade de uma nova rede de esquerda, ela ajudou a redigir o Manifesto do Dia de Maio, publicado pela Penguin em 1968. Em 1980, ela propôs mais uma tentativa de unir a esquerda, o Leeds conferência de movimentos populares que se reuniu após a publicação de Beyond the Fragments. Em 1982, editou a coleção Sobre Nossos Corpos Mortos: Mulheres Contra a Bomba, que surgiu de seu ativismo no movimento pelo desarmamento nuclear europeu. Seu ensaio no livro Defend Us Against Our Defenders ecoou  um apelo urgente por democracia e tolerância, e ela insistia: - “Cada um de nós está envolvido”.

A partir de 1968, Dorothy trabalhou no departamento de história da Universidade de Birmingham; uma professora popular, cuidadosa e exigente, ela inspirou um grupo impressionante de graduados. Alguns contribuiriam para uma coleção de ensaios em sua homenagem, The Duty of Discontent, em 1995. O título foi tirado de uma palestra do poeta cartista Thomas Cooper. Ele também estava escrevendo depois de ver frustradas suas esperanças anteriores de uma mudança radical e isso resumia não apenas a abordagem de Dorothy Thompson à história, mas seu engajamento político concreto e crítico. Acostumada à resistência contra todas as probabilidades, à medida que crescia, ela continuou obstinadamente a buscar maneiras de encorajar a democracia, a igualdade e a livre investigação em todos os aspectos da vida política e cultural. Indomável, intelectualmente forte, forte na oposição, se Dorothy podia ser feroz, ela era em igual medida desordenadamente gentil. Ela sempre foi aberta a novas pessoas e irrestrita em dar seu tempo aos outros. Muitos convidados de todo o mundo foram recebidos por ela, primeiro na casa dos Thompsons em Halifax, e depois em Leamington e Worcester. Sua inteligência e travessura tornavam a conversa com ela fascinante e divertida. Para Dorothy, o dever de descontentamento sempre foi sustentado por seu gosto pela vida e pela comunhão com os outros. Aos 80 anos ainda escrevia e dava palestras, mantinha contato com uma vasta rede de amigos, conversava sobre política e era uma avó ativa.

Foi Cobbett quem criou essa cultura intelectual radical, não porque tenha oferecido a elas as ideias mais originais, mas por ter encontrado o tom, o estilo e os argumentos que uniriam num discurso comum o tecelão, o mestre-escola e o operário dos estaleiros. Da diversidade das injustiças e interesses, ele extraiu um “consenso radical”. Seus Political Registers foram como que um meio de articulação, que fornecia um instrumento comum do intercâmbio entre as experiências de homens com realizações muitíssimo diferenciadas. Isto é visível se olharmos não tanto para as suas ideias, mas para o seu tom. E uma forma de fazê-lo é comparar suas maneiras com as de Hazlitt, o mais “jacobino” dos radicais de classe média e o único que ao longo dos anos mais se aproximou do ritmo de trabalho e forma de pensar dos artesãos. Hazlitt tinha uma sensibilidade complexa e admirável. Foi um dos poucos intelectuais que receberam o pleno impacto da Revolução Francesa e, embora rejeitasse as ingenuidades do Iluminismo, reafirmou as tradições da liberté e égalité. Seu estilo revela que não só estava se medindo contra o conservadorismo de Burke, Coleridge e Worsworth, e, de modo mais imediato, contra Blackwood e a Quaterly Review, mas que tinha consciência plena da força de algumas posições deles, e dividiu algumas de suas reações. Enfim, Hazlitt tinha tamanha amplitude de referências e um senso de compromisso com um conflito europeu de significado histórico que os radicais plebeus parecem provincianos aos seu olhos, tanto em termos espaciais como temporais. É uma questão de papéis. Mas também é uma questão de tom; e mesmo assim, no tom, encontra-se pelo menos metade do sentido político de Cobbett. O estio de Hazlitt, com seus ritmos sustentados e controlados, seu movimento antitético, pertence à cultura polida do ensaísta. E apesar dos Passeios Rurais, não se consegue pensar facilmente em Cobbett como um ensaísta. Ainda sobre a questão do método de exposição “é antes um conjunto de estudos sobre temas correlatos do que uma narrativa sequenciada”.

Ao selecionar os temas de pesquisa Thompson estava ciente de, por vezes, escrever contra o peso de ortodoxias predominantes: 1) A ortodoxia Fabiana, onde os trabalhadores em sua grande maioria são vistos “como vítimas passivas do laissez-faire, com a exceção de organizadores com uma cosmovisão de longo alcance histórico, especialmente o ativista Francis Place (1771-1854), representando um ativismo social e reformista/moralista inglês. 2) A ortodoxia dos historiadores econômicos empíricos, onde os trabalhadores são vistos como força de trabalho, migrantes ou dados de séries estatísticas. 3) A ortodoxia do Progresso Peregrino, onde aquele período é esquadrinhado em busca de pioneiros precursores do Estado do Bem-Estar Social, progenitores de uma Comunidade Socialista ou recente precoces exemplares de relações industriais racionais. Seu interesse está na tentativa de resgate do pobre tecelão de malhas, o meeiro luddita, o tecelão manual, o artesão utópico e mesmo o iludido seguidor de Joanna Southcott, reconhecida como uma profetisa religiosa autodescrita de Devon, no âmbito do movimento sul-ottiano e do conceito ottiano acerca dos elementos racionais do sagrado, continuou de várias formas após sua morte, dos imensos ares superiores de condescendência da posteridade. 

O fato é que: 4) seus ofícios e tradições podiam estar desaparecendo. 5) Sua hostilidade frente ao novo industrialismo podia ser retrógrada. 6) Seus ideais comunitários podiam ser fantasiosos. 7) Suas conspirações insurrecionais poderiam ser temerárias. Mas viveram nesses tempos de aguda perturbação social. Suas aspirações eram válidas nos termos da própria experiência; mas “se foram vítimas acidentais da história, continuam a ser condenados em vida, vítimas acidentais”. Finalmente, E. P. Thompson se desculpa aos leitores escoceses e galeses (cf. Renk, 1996), afirmando que “negligenciou essas histórias, não por chauvinismo, mas por respeito”. Visto que a classe é uma formação tanto cultural como econômica, teve o cuidado de evitar generalizações para além da experiência inglesa, pois tratou dos irlandeses não na Irlanda, mas enquanto imigrantes na Inglaterra. O registro escocês, em particular, é tão dramático e atormentado como o inglês. A agitação jacobina escocesa foi mais intensa e mais heroica. Mas a história escocesa é significativamente diferente. O calvinismo não foi o mesmo que o metodismo. É possível, comparativamente, pelo menos até os anos 1820, considerar como distintas as experiências inglesa e escocesa, visto que os laços sindicais e políticos eram inconstantes e imaturos. O material coligido foi redigido em Yorkshire, o maior condado histórico da Inglaterra, cobrindo aproximadamente 15 000 km², por vezes tingidos pelas fontes de West Riding. Ao contrário dos condados na Inglaterra, que foram divididos em Hundreds, Yorkshire foi dividido em “Thrydings”, que significa “Terços” em norueguês antigo, que foram os três Ridings históricos, e então em wapentakes. 

O notável pedagogo e historiador agradece á Universidade de Leeds, uma das maiores do Reino Unido, em 1967, havia 160 mil jovens matriculados, atualmente com mais de 32.000 estudantes, e em particular ao professor Sidney Griffith Raybould pelo apoio e aos membros da Fundação Lever Hulme pela concessão de uma bolsa de pesquisa, como é corrente em universidades de prestígio fora do Brasil e que lhe permitiu autonomia e responsabilidade para poder concluir a obra. O fazer-se da classe operária é um fato tanto da história política e cultural quanto da econômica. Ela não foi gerada espontaneamente pelo sistema fabril. Nem devemos imaginar alguma “força exterior” atuando sobre algum material bruto, indiferenciado e indefinível de humanidade, transformando-o em seu outro extremo, uma “vigorosa raça de seres”, pois as mutáveis relações de produção e as condições de trabalho mutável não foram impostas sobre um material bruto, mas sobre homens livres ingleses, mas livres como Paine os legou ou como os metodistas os moldaram. O operário ou o tecedor de meias eram também herdeiros de Bunyan, dos direitos tradicionais nas vilas, das noções de igualdade diante da lei, das tradições artesanais. Eles foram objeto de doutrinação religiosa maciça e criadores de tradições políticas. A classe operária, segundo E. P. Thompson “formou a si própria tanto quando foi formada”. Esta tese é importante, pois encarar a classe operária dessa forma significa defender outra visão contra a inclinação predominante nas escolas de história econômica e de sociologia. Antes demarcado e explorado por Marx, Arnold Toynbee, os Webbs e os Hammonds, assemelha-se agora a um “campo de batalha acadêmico”. 

E todos sabem que este “campo” com seus truques sujos e fraudulentos está em toda parte. A clássica ortodoxia catastrófica foi substituída por uma nova ortodoxia anticatastrófica, que se distingue mais claramente por sua cautela empírica e, entre seus mais notáveis expoentes, por uma censura adstringente ao relaxamento de certos números de escolas antigas. Os estudos da nova ortodoxia enriqueceram nosso conhecimento histórico, modificando e revisando em aspectos importantes o trabalho da escola clássica. Os sucessores dos grandes empiristas sempre exibem com demasiada frequência uma complacência moral, uma estreiteza de referência e uma familiaridade insuficiente com os movimentos reais da população trabalhadora desse período. Eles estão mais conscientes das posturas empiristas ortodoxas do que das mudanças nas relações sociais e nos hábitos culturais que a Revolução Industrial impôs. Perdeu-se o sentido global do processo – o contexto político e social global do período. O que representou praticamente uma modificação valiosa que se converteu, através de estágios imperceptíveis, em novas generalizações, raramente sustentadas pelas evidências, e das generalizações se passou a uma atitude normativa. A ortodoxia empirista é frequentemente definida a partir de uma crítica apressada em análises que se mostraram muito propensos a moralizarem a história e a organizarem o material em termos de “emoção excessiva”. Mas isto decorre de pelo menos três grandes influências simultâneas sobre o trabalho, de ordem demográfica, tecnológica e política. 

Isto é, houve o tremendo aumento da população na Grã-Bretanha, de 10, 5 milhões em 1801, passou a 18, 1 milhões em 1841, observando-se uma maior taxa de crescimento entre 1811-21 e, finalmente a contrarrevolução política, entre 1792-1832.  Mesmo em 1792, quando industriais e profissionais tinham uma posição destacada no movimento reformista, este ainda era o equilíbrio das forças sociais e políticas. Mas, após o êxito dos Direitos do Homem, a radicalização ao terror da Revolução Francesa e a repressão de William Pitt, a plebeia Sociedade de Correspondência resistiu sozinho às guerras contrarrevolucionárias. Esses grupos plebeus, apesar de pequenos em 1796, criaram uma tradição aparentemente subterrânea que persistiu até o final das Guerras. Alarmados com o exemplo clássico francês, e envolvidos pelo fervor patriótico da guerra, a aristocracia e os industriais buscaram uma causa comum. O ancien régime inglês recebeu novo impulso vital não apenas nos negócios nacionais, mas também na perpetuação de corporações arcaicas que desenvolveram as cidades industriais notadamente em expansão. Os industriais, em compensação, receberam importantes concessões, principalmente a abolição ou revogação da legislação paternalista relativa ao aprendizado, regulamentação de salários, ou às condições de trabalho na indústria. A aristocracia estava interessada em reprimir as conspirações jacobinas populares, e os industriais buscavam derrotar as conspirações pelo aumento dos salários: os Decretos sobre as Associações serviram aos dois propósitos. 

Os trabalhadores foram, portanto, forçados a se sujeitarem a um apartheid político e social durante as Guerras. A novidade era a coincidência com uma revolução espetacular, com uma crescente autoconsciência e aspirações mais ambiciosas, com o aumento da população que, em valor absoluto, tanto em Londres quanto comparada em outros distritos industriais, se tornava mais impressionante, ano após ano e com formas de exploração econômica mais intensas, ou mais transparentes. Na agricultura, os anos entre 1760 e 1820 representaram a época de intensificação dos cercamentos, em que os direitos ao uso da terra comunal foram perdidos crescentemente; os destituídos/condenados de terras e, no sul, os camponeses empobrecidos são abandonados às expensas dos granjeiros, dos proprietários de terras e dos dízimos da Igreja. A relação de exploração é muito mais do que a mera soma de injustiças sociais e antagonismos mútuos. É uma relação social que pode ser encontrada em diferentes contextos sob formas distintas, que estão relacionadas a formas correspondentes de propriedades e poder estatal. O antagonismo é aceito como intrínseco às relações de produção. Funções de gerência ou supervisão demandam a repressão de todos os atributos, à exceção daqueles que promovam a expropriação ao máximo de mais-valia do trabalho. 

Esta é a economia política que Marx habilmente analisou nos primeiros volumes d`O Capital, percebendo que o processo de industrialização trouxe o sofrimento e a destruição de modos de vida estimados e mais antigos, em qualquer contexto social depreendido das relações entre capital e trabalho. Adverte E. P. Thompson, a objeção à ortodoxia acadêmica reinante neste período não diz respeito aos estudos empíricos per se, mas à compreensão fragmentária do processo histórico global. Em primeiro lugar, o empirista segrega certos eventos do seu processo e os analisa isoladamente. Aceitas as condições que geraram esses eventos, eles não só parecerão explicáveis por si próprios, mas também inevitáveis. Aos fatos da economia política ortodoxa, opuseram seus próprios fatos sociais e sua aritmética. Caso os que estivessem empregados trabalhassem menos e o trabalho das crianças, denunciado por Marx no processo mecanizado fabril, fosse restringido, haveria “mais trabalho” para os trabalhadores manuais, e os desempregados poderiam se empregar e comercializar sua produção diretamente sem as diabruras do mercado global capitalista.   A história dos tecelões no século XIX está permeada por um passado melhor. As lembranças eram mais intensas em Lancashire e Yorkshire, mas estiveram presentes na maior parte da Inglaterra e em diversos setores da indústria têxtil. O mestre fabricante de tecidos foi o camponês, ou o pequeno Kulak, da Revolução Industrial. Os homens de Yorkshire deviam a ele a sua fama de independência. Na indústria de algodão, a história era diferente. 

A unidade média de produção era maior, e, já no final do século XVIII, existiam relações de produção similares às de Norwich e do oeste da Inglaterra. Na década de 1750, os tecelões de aviamentos e tecidos axadrezados de Manchester dispunham de Sindicatos de ofício extremamente organizados que tentavam conservar seu status e resistir ao afluxo de mão-de-obra sem aprendizado. Os trabalhadores “ilegais” estavam “multiplicando-se tão rapidamente que se aglomeravam um junto à casa do outro”.  Quando os tecelões de tecidos axadrezados de Olaham tentaram, em 1759, defender as sanções legais a respeito das restrições ao aprendizado, o juiz (sempre um juiz) do condado proferiu uma sentença hostil em que as leis locais foram preteridas em favor das doutrinas que ainda não se encontravam formuladas por Adam Smith. Essa sentença antecipou a revogação efetiva do Estatuto dos Artífices em mais de meio século. Embora suas organizações não tenham sido totalmente extintas, ficaram sem qualquer proteção legal quando o enorme incremento na produção de fio nas primeiras indústrias algodoeiras provocou a surpreendente expansão da tecelagem por todo o sudoeste de Lancashire. É bem conhecido o relato etnográfico de William Radcliffe a esse respeito da região montanhosa de Pennine, durante esses anos, quando foram reparadas, abrindo-se janelas nas paredes e preparando-se estes locais para a instalação de novos teares. Os imigrantes que chegavam aos milhares não foram atraídos pelas indústrias algodoeiras, mas pelo tear. A partir da década de 1770, começou a grande ocupação da região montanhosa: Middleton, Oldham, Mottram e Rochdale. 

A população de Bolton “saltou” de 5. 339 habitantes, em 1773, para 11. 739, em 1789. Pequenos fazendeiros tornaram-se tecelões, enquanto os trabalhadores agrícolas e os artesãos imigrantes também entraram para o ofício. Os quinze anos compreendidos entre 1788 e 1803 forma descritos por Radcliffe como “a idade de ouro deste grande ofício”.  Contudo, durante a chamada “idade de ouro”, o artesão e o oficial-tecelão converteram-se no genérico “tecelão-manual”, exceto em alguns setores especializados. Reduzidos á completa dependência das fiações ou dos intermediários que levaram o fio até a sua região, os tecelões ficaram expostos a sucessivas reduções salariais. A diminuição do salário foi endossada, não só pela ganância dos patrões, mas também por uma teoria muito bem difundida de que “a pobreza era um estímulo essencial para a indústria”. Essa teoria foi defendida, quase universalmente, pelos patrões, pelos magistrados e pelo clero. A prosperidade dos tecelões despertava um grande temor na mente gananciosa de mestres e magistrados. Ainda assim, embora os salários se achatassem, o número de tecelões continuou a crescer durante as três primeiras décadas do século XIX, pois a tecelagem representava o último recurso dos desempregados do norte, antes da subsunção global do trabalho não-especializado.  O modo de vida das comunidades têxteis de Yorkshire ou de Lancashire compunha-se de uma mescla singular de conservadorismo social, orgulho local e tradições culturais. Em certo sentido, essas comunidades estavam realmente “atrasadas”, segundo Thompson (1978: 145), “pelo seu apego aos dialetos e aos costumes regionais, pela enorme ignorância médica e pelas superstições”. 

Porém, quanto mais examinarmos seu modo de vida, mais inadequadas parecem certas noções como as de progresso econômico e de “atraso”. Sem sobra de dúvida, entre os tecelões do norte desenvolveram-se um grupo de homens autodidatas e distintos, de consideráveis conhecimentos. Todos os distritos têxteis possuíam tecelões-poetas, biólogos, matemáticos, músicos, geólogos e botânicos; o velho tecelão que aparece em Mary Barton foi certamente inspirado na vida real. Existem museus e sociedades de história natural, no norte, que ainda possuem registros e coleções de lepdópteros organizados por tecelões. Contam-se histórias de tecelões de aldeias isoladas que aprenderam geometria sozinhos, escrevendo com giz sobre lajes, e que discutiam avidamente problemas de cálculo diferencial. Em algumas atividades mais simples, em que utilizavam fios fortes, havia aqueles que apoiavam um livro no tear, lendo durante o trabalho. Existem também a poesia do tecelão, algumas mais tradicionais, outras mais sofisticadas. As baladas de “Jone o`Grinfilt`, de Lancashire, atravessaram o ciclo patriótico do início das guerras, prosseguindo pela época cartista, até à Guerra da Criméia. A mais comovente chama-se “Jone o`Grinfilt Junior”, cantada no final das guerras. O outro tipo de poeta-tecelão é autodidata. Um exemplo notável foi Samuel Law, tecelão de Todmorden, que publicou, em 1722, um poema inspirado em Seasons, de Thompson. O poema tem poucos méritos literários, mas revela, também seus conhecimentos nada menos que sobre Virgílio, Ovídio e Homero (no original), e sobre biologia e astronomia. Entrementes, o debate sobre a dieta popular durante a Revolução Industrial, remete-nos principalmente para o consumo de cereais, carne, batatas, cerveja, açúcar e chá.

 O consumo per capita de trigo declinou provavelmente desde o final do século XVIII, estendendo-se durante as primeiras quatro década do século XIX. A controvérsia a respeito do padrão de vida durante a Revolução Industrial adquiriu, talvez, grande significado, quando se abandonou a tentativa um tanto irreal de determinar o salário do trabalhador hipoteticamente “médio, dirigindo-se a atenção para os artigos de consumo tais como: alimentação, vestuário, habitação, e, por outro lado, a saúde e a mortalidade. Se considerarmos grandezas mensuráveis, parece claro que, no período entre 1790 e 1840, o produto nacional cresceu mais rapidamente que a população. Porém, é extremamente difícil avaliar como se distribuiu esse produto. Redcliffe Nathan Salaman, o historiador da batata, apresentou um minucioso e convincente relato sobre a “batalha do pão”, na qual os latifundiários, fazendeiros, párocos, manufatureiros e o próprio governo tentaram “forçar os trabalhadores a abandonarem a dieta do pão pela batata”. O ano crítico foi 1795. Posteriormente, as necessidades de guerra colocaram em segundo plano os argumentos sobre os benefícios em se reduzir o custo da dieta para os trabalhadores pobres. 

A substituição do pão e da farinha de aveia pela batata era considerada uma degradação social. A carne, como o trigo, envolvia uma questão de status que suplantava seu simples valor alimentar. O Roast Beef na velha Inglaterra era o orgulho dos artesãos e a aspiração do trabalhador.  Também neste caso o consumo per capita provavelmente decresceu entre 1790 e 1840, mas há controvérsias sobre as cifras. A discussão gira em torno do número e do peso dos animais sacrificados nos açougues londrinos. A carne certamente serve como um sensível indicador dos padrões materiais, pois seu consumo seria um dos primeiros a crescer quando houvesse qualquer aumento real dos salários. Os trabalhadores sazonais não podiam planejar meticulosamente, como observa E. P. Thompson, seus jantares durante os cinquenta e dois domingos do ano: ao contrário, gastavam seu dinheiro no período de emprego e consumiam o que pudessem, durante o resto do ano.  Não era novidade que os habitantes das cidades estivessem sujeitos a consumirem alimentos impuros ou adulterados, mas, à medida em que crescia o número de trabalhadores urbanos, o problema tonava-se mais grave. Não há dúvidas de que o consumo per capita de cerveja decaiu entre 1800 e 1830, enquanto o de chá e de açúcar cresceu. Entre 1820 e 1840, houve acentuado aumento no consumo de gim e de uísque. Mais uma vez, tratava-se de uma questão tanto cultural quanto dietética. Os trabalhadores agrícolas, os carregadores de carvão e os mineiros consideravam a cerveja essencial para o desempenho de qualquer trabalho pesado, “para repor o suor”. A preparação caseira de cerveja suave era tão essencial para a economia doméstica que “se uma moça soubesse preparar um bolo de aveia e uma boa cerveja, seguramente daria uma boa esposa”; por outro lado, “alguns líderes de grupo metodistas afirmavam que não podiam conduzir suas turmas sem antes tomar uma ´caneca` de bebida”. O declínio do consumo foi atribuído diretamente ao imposto sobre o malte, tão impopular, que contemporâneos consideravam-no “uma incitação à revolução”.

A deterioração do ambiente urbano parece-nos uma das mais desastrosas consequências da Revolução Industrial, sob vários pontos de vista: a estética, as comodidades da população, o saneamento e a densidade demográfica. Além disso, ela ocorreu com maior intensidade em algumas regiões de altos salários, onde as evidências “otimistas” sobre a melhoria do padrão de vida estão melhor fundamentadas. De acordo com o senso comum, deveríamos considerar simultaneamente os dois conjuntos de evidências; mas, na verdade, diversos argumentos concorreram para mitigar o impacto de uma delas. Foram descobertos, por exemplo, alguns prósperos industriais que se preocupavam com as condições de moradia dos seus empregados. Além disso, a maioria das experiências importantes em comunidades-modelo ocorreu a partir de 1840, depois da opinião pública te sido alertada pelas investigações sobre as condições sanitárias das classes trabalhadoras (1842) e sobre a saúde das cidades (1844), e pelas epidemias de cólera de 1831 e 1848. As experiências dessa natureza realizadas antes de 1840, como a de Ashworths em Turton, ocorreram em vilas industriais auto-suficientes. As condições do Extremo Leste eram tão repugnantes que os médicos e os funcionários paroquiais corriam um alto risco de vida, ao exercerem seus deveres. Conforme assinalaram os Hammond, as piores condições foram observadas nas cidades que se expandiram mais repentinamente durante a Revolução Industrial: “o penoso processo pelo qual Londres passou durante a Revolução comercial, ocorreu em Lancashire no final do século XVIII e no século XIX. Nos distritos têxteis e nas cidades mais procuradas pelos imigrantes irlandeses – Liverpool, Manchester, Leeds, Preston, Bolton e Bradford – encontravam-se os mais atrozes indícios da deterioração – superlotação, moradias em porões e uma imundície indescritível.

Em 1787, Robert Peel escreveu: “deixei a maioria de meus negócios em Lancashire sob a direção dos metodistas e eles me serviram muito bem. Quanto a isso, E. P. Thompson observa que tanto Max Weber em seu estudo decisivo sobre a ética disciplina religiosa, tanto quanto Richard Henry Tawney, crítico social e socialista cristão inglês, além de um proponente importante da educação de adultos, “dissecaram minuciosamente a interpretação do modo de produção capitalista e da ética puritana que aparentemente há pouco a acrescentar. O Metodismo pode ser visto como uma simples extensão desta ética num meio social em processo de mudança. Além disso, tomando-se por base o fato de que o Metodismo, na época de Jabez Bunting, ao contrário de Lutero, jamais admitiria a ideia de que “a turba pudesse alguma vez estar com a razão, devido à valorização da disciplina e da ordem e à opacidade moral que beneficiavam os industriais self-made, os manufatureiros, os contramestres, os capatazes e outros grupos sociais de subdireção, elaborou-se uma tese economicista segundo a qual o Metodismo serviu como autojustificação ideológica para os patrões-manufatureiros e seus auxiliares, o que representa uma parcela importante da verdade.  John Wesley em passagem frequentemente citada, previu e deplorou esta análise: a religião deve necessariamente incentivar o trabalho e a frugalidade, o que não gera nada além de riquezas. Mas à medida em que as riquezas crescem, aumenta o orgulho, a soberba e o apego ao mundo (...). Como, então, é possível que o Metodismo, uma religião do coração, embora tenha florescido recentemente como um loureiro, continue neste estado? Os Metodistas na Europa e Estados Unidos, tornam-se diligentes e frugais e, consequentemente, aumentam seus bens.

Max Weber e Richard Tawney aduziram fortes razões pragmáticas, do ponto de vista dos patrões, para a propagação dos valores puritanos na classe operária. Tawney analisou o “Novo Remédio para a Pobreza”, onde se denunciava a indolência e a imprudência do trabalhador e se defendia a ideia de que, se o sucesso correspondia a um sinal da predestinação, a pobreza era em si própria um sintoma de torpeza espiritual. Max Weber enfatizou uma questão crucial para a classe operária: a disciplina do trabalho. Ipso facto, o trabalhador deve transforma-se “no seu próprio feitor”. Na indústria laneira do oeste da Inglaterra, mais exatamente em Kidderminster, ocorreu uma mudança notável nas relações de trabalho em virtude da ação de um teólogo presbiteriano, Richard Baxter, citado por Weber na Ética protestante etc. Muitos dos elementos da disciplina no trabalho defendidos pelos metodistas já se encontravam formulados no seu Christian Directory de 1673. Diversos proletários de minas e industriais no setor de lá e algodão do norte enfrentaram dificuldades similares durante todo o século XVIII. O tecelão que possuía uma pequena propriedade era conhecido pelo hábito de abandonar seu trabalho ante qualquer emergência na lavoura. A maioria dos trabalhadores deixava com satisfação o seu emprego por um mês de trabalho na colheita. Muitos dos operários adultos das primeiras tecelagens tinham “hábitos errantes e negligentes, e raramente permaneciam por muito tempo num mesmo estabelecimento”. Enquanto “religião do coração”, talvez numa aproximação conceitual com Blaise Pascal, e não do intelecto, dava aos mais humildes e a esperança de atingir a graça. 

A esse respeito, o Metodismo derrubou todas as barreiras doutrinárias e abriu suas portas à classe operária. Recorda-nos, segundo E. P. Thompson, de que “o Luteranismo também foi uma religião dos pobres e que como Munzer apregoou e Lutero aprendeu às suas custas, o igualitarismo espiritual tende a transbordar de suas margens e inundar campos mundanos, tendo trazido ao credo luterano uma perpétua tensão que também se reproduziu no Metodismo”. O Metodismo do século XVII assumiu a melancolia do Calvinismo e dos teólogos puritanos ingleses: uma disciplina de vida metódica “combinada com a estrita repressão a todas as alegrias espontâneas”. Destas duas fontes, derivou-se um sentimento de culpa quase maniqueísta em relação á depravação humana. Além disso, os wesleyanos absorveram e incorporaram desnecessariamente a seus hinos e escritos o estranho fenômeno da necrofilia do início do século XVIII e das fantasias pervertidas que representavam o lado menos agradável da tradição moraviana. Max Weber ressaltou a relação existente entre a repressão sexual e a disciplina de trabalho nos ensinamentos de teólogos como Baxter. O Metodismo está permeado por ensinamentos relativos ao caráter pecaminoso da sexualidade e principalmente dos órgãos sexuais. O erotismo pervertido das imagens utilizadas pelos metodistas revela sua preocupação obsessiva com a questão da sexualidade. 

A associação de Cristo a imagens sexuais femininas é ainda mais surpreendente e desagradável. Cristo, personificação do “Amor”, a quem se dirige a grande massa de hinos wesleyanos, assume sucessivamente a imagem maternal, edipiana, sexual e sadomasoquista. A extraordinária assimilação das chagas e das imagens sexuais na tradição moraviana tem sido frequentemente citada. A Revolução Industrial produziu a figura do Rev. Jabez Branderham, tomando Jabez Bunting como modelo que aparece no horrível pesadelo de Lookwood, no início do clássico Wuthering Heights: “Meu Deus, que sermão! Dividido em quatrocentas e noventa partes... e cada uma analisando um pecado diferente!”. A utilidade do Metodismo enquanto disciplina de trabalho é evidente: a doutrinação direta, o sentido comunitário do metodismo e as consequências psíquicas da contra-revolução. A primeira motivação, típica de toda doutrinação, não deve ser exagerada. As escolas dominicais evangélicas estiveram sempre ativas, ainda que pareça difícil estabelecer até que ponto suas atividades possam ser designadas como “educacionais”. Uma história social moralizadora característica de seu tempo servirá para exemplificar a tendência geral desse “ensinamento”.  Na maioria dos livros-texto sobre as “iniciativas educacionais”, as escolas dominicais foram um fator de mudança terrível, até mesmo para as escolas femininas das vilas. 

Durante os anos contra-revolucionários, essa orientação foi corrompida pela atitude dominante dos evangélicos, para os quais a finalidade da educação começava e terminava na “recuperação moral” daquelas crianças pobres. Não só se desencorajou o ensino da escrita, como também muitas crianças deixaram as escolas dominicais sem saberem ler – o que era uma benção, tendo em vista as partes do Antigo Testamento consideradas edificantes. Outras aprendiam para mais do que o relato etnográfico da menina aos Comissários para o Trabalho das Crianças na Minas: - “seu eu morresse sendo uma boa menina, iria para o céu; se fosse má, seria queimada em enxofre e fogo. Não sabia disso antes que o ouvisse ontem, na escola”.  Muito antes da puberdade, as crianças eram submetidas na escola dominical e em casa (se pais fossem devotos), à pior artimanha a fim de confessarem os pecados e se prepararem para a salvação.  Muitos, como o jovem Thomas Cooper, iam “vinte vezes ao dia a lugares secretos para pedir perdão”.   A publicação da Defesa do Trabalho e sua aceitação no Trades Newspaper representam o primeiro ponto claro de conexão entre os “economistas do trabalho” ou owenistas e uma parcela do movimento operário. Robert Owen é o dono da fábrica paternalista e self-made man exemplar que apresentava solicitações a realezas, cortesãos e governos da Europa para suas propostas filantrópicas. 

A exasperação crescente do tom de Owen à medida que se deparava com aplausos corteses e desestímulos práticos; sua propaganda para todas as classes e sua proclamação da vinda do milênio; o interesse crescente pelas sua ideias e promessas entre alguns setores de trabalhadores; a ascensão e queda das primeiras comunidades experimentais, em especial Orbiston. A partida de Owen para os Estados Unidos  para outros experimentos de formação de comunidades (1824-29); a crescente adesão ao owenismo durante sua ausência, o enriquecimento de sua teoria por Thompson, Gray e outros, e a doção de uma espécie de owenismo por alguns sindicalistas; a iniciativa do dr. King em Brighton, com seu Cooperator (1820-30) e os experimentos amplamente disseminados de comércio cooperativo; a iniciativa de alguns artesãos londrinos, entre os quais se destacava Lovett, em promover propaganda nacional segundo princípios cooperativos em 1829-30; a maré ascendente depois da volta de Owen, quando se viu, quase que a contragosto, na liderança, de um movimento social trabalhista que levou ao Grande Sindicato Nacional Consolidado. É tradição paternalista que corresponde á carreira usual da experiência do novo dono da fábrica ou do mestre de fundição. 

O problema era doutrinar o jovem em “hábitos de atenção, rapidez e ordem”. Ainda assim, é um grande mérito que Owen não tenha escolhido “nem os terrores psíquicos do metodismo, nem a disciplina do supervisor e das multas, para atingir fins”. Mas em termos políticos temos que compreender que o socialismo posterior de Owen sempre guardou as marcas de sua origem. Desempenhava o papel de bondoso “Papai do Socialismo”, o filantropo, que tinha entrée na Corte e na Sala do Gabinete nos anos pós-guerra até dar seu faux pas ao descartar, com afável tolerância, todas e quaisquer religiões reveladas como formas nocivas de irracionalismo surge, sem nenhum senso de crise, como “o benevolente Sr. Owen”, que recebia e lançava acenos às classes trabalhadoras. Esse tom – afirma E. P. Thompson – representava uma barreira entre Owen e o movimento radical popular e, ainda, o sindical. Enfim, quando Owen tentou atrair a atenção dos radicais para suas propostas, numa reunião numerosa na Taverna Cidade de Londres, os líderes radicais, um após outro, Cartwright, Wooler, Alderman Waithman, opuseram-se em termos semelhantes. Quando Gale Jones propôs que o plano merecia ao menos um exame, foi silenciado aos gritos e acusado de apostasia. A fraqueza deles, por outro lado, consistia numa falta de qualquer teoria social construtiva, cujo lugar era ocupado por uma retórica onde os males eram atribuídos à tributação e à sinecura, que remediariam a Reforma.  

Bibliografia geral consultada.

THOMPSON, Edward Palmer, Tradición, Revuelta y Consciencia de Clase: Estudios sobre la Crisis de la Sociedad Preindustrial. Barcelona: Editorial Crítica, 1979; Idem, A Formação da Classe Operária. III – A Força dos Trabalhadores. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1987; Idem, Costumes em Comum. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1998; LÖWY, Michael, A Corrente Romântica nas Ciências Sociais da Inglaterra: Edward P. Thompson e Raymond Willians. In: Revista Crítica Marxista. Campinas, nº 8, pp.43-68, junho de 1999; MÜLLER, Ricardo Gaspar, Razão e Utopia: Thompson e a História. Tese de Doutorado em História Social. Departamento de História Social. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2002; KRIEGER, Cesar Amorim, A Consolidação do Direito Internacional Humanitário: Precedente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha e a Contribuição Definitiva da Convenção de Roma de 1998. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Direito. Centro de Ciências Jurídicas. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2002; SOARES, Fabrício Antônio Antunes, A Construção Narrativa dos Conceitos de Estrutura e Sujeito na Obra A Miséria da Teoria de E. P. Thompson. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2011; CUNHA, Diego da Silva, “Usos e Abusos da Cultura. Richard Hoggart e a Cultura Vivida da Classe Trabalhadora”. In: Revista Comunicação Pública, vol. 9, nº 16, 2014; TODOROV, Tzvetan, A Vida em Comum. Ensaio de Antropologia Geral. São Paulo: Editora da Unesp, 2014; MARTÍN, Pedro Benítez, “Thompson Versus Althusser”. In: Revista Crítica Marxista, nº39, pp.129-139, 2014; MONTEIRO, Daniel Lago, William Hazlitt, um Ensaísta ao Rés-do-chão: Ensaio e Crítica. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Teoria Literária e Literatura Comparada. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2016; AGRELA, Raul Victor Vieira Ávila de, Eu Conspirei com Poetas e Fingi ser um Deles: A Experiência Poética de E. P. Thompson. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2019; MACEDO, Francisco Barbosa de, O (Re)fazer-se da Historiografia: A Obra de E. P. Thompson na Produção Discente do Programa de Pós-Graduação em História da Unicamp (1982-2002). Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em História Econômica da Universidade de Campinas. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2017; Idem, A História Social Sul-africana dos Anos 1980 e a Obra de E. P. Thompson: O Caso Wits History Wokshop. In: Revista Mundos do Trabalho. Florianópolis. Vol. 13, pp. 1-23, 2021; TIRIBA, Lia, Modo (s) de Vida e Modos de Produção da Existência Humana: Ensaio Teórico-Metodológico. In: Germinal - Marxismo e Educação em Debate. Vol. 13, nº 2, agosto de 2021; entre outros.

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