terça-feira, 30 de março de 2021

Alan Parker: Castigo-Espetáculo & Crítica Cinematográfica.

 

Ubiracy de Souza Braga

O executor não é simplesmente aquele que aplica lei, mas o que exibe a força”. Michel Foucault

 

           Filho de uma costureira e de um pintor, o cineasta e escritor Alan William Parker nasceu em 14 de fevereiro de 1944 em Londres. O jovem inglês Alan na década de 1960 tinha convicção do que desejava na vida: fazer cinema. Mas em sua démarche teve também uma destacada atuação na política cinematográfica, tendo comandado o Instituto de Cinema britânico, uma entidade filantrópica, estabelecida pela Carta Régia para incentivar o desenvolvimento das artes cinematográficas, a televisão e a imagem em movimento em todo o Reino Unido e o Conselho de Cinema do Reino Unido, considerado uma empresa de direito privado, mas uma corporação de delegação governamental para estimular a cultura britânica e a competitividade da indústria cinematográfica. Em 2002, ele foi nomeado cavaleiro pela coroa, passando a ser denominado Sir Alan Parker, que é o tratamento destinado aos cavaleiros da Ordem do Império Britânico. Na história medieval, este era o título associado “aos cavaleiros servindo à nobreza”. O Sir é integrante dos Cavaleiros Comandantes da Mui Excelente Ordem do Império Britânico ou Cavaleiro Celibatário. Copiado do antigo Protocolo Nobiliário Francês do século XVII, deve-se usar Senhor (Sir) precedendo o nome completo ou somente o primeiro nome da pessoa a quem é atribuído. Aquele que não for cidadão do Reino Unido.  

           Mas que recebe o título, não pode usá-lo, ficando como Cavaleiro Honorário, por exemplo o sociólogo Gilberto Freyre que recebeu também o título de Sir Cavaleiro do Império Britânico, pela Rainha Elizabeth II da Inglaterra e de quinze outros Estados independentes conhecidos como Reinos da Comunidade de Nações além de chefe da Commonwealth formada por 53 Estados; recebeu o Prêmio Internacional La Madoninna e o Prêmio Aspen pelo que há de original em sua etnografia, excepcional no domínio da cultura e de valor permanente através da análise de conjunto em sua obra. Depois de dirigir vários roteiros cinematográficos, curtas-metragens e um filme para a televisão, veio o sucesso consolidado com The Midnight Express (1978). Em 1970, o estudante Billy Hayes viaja à Turquia e no retorno aos Estados Unidos da América (EUA) é preso no aeroporto de Istambul portando haxixe. Torturado e submetido a interrogatórios cruéis, é condenado a 30 anos de prisão, e sua única chance de viver é pegar o “expresso da meia-noite”, uma metáfora sobre o ato de fugir do sistema carcerário punitivo. Durante o período que ficou detido, fez amizade com alguns presos e em especial com Max, um viciado em drogas que está preso. Billy após muito sofrimento com as brutalidades na prisão, espancamentos, passar fome e estar desiludido com a justiça turca, resolve em determinado momento empreitar sua fuga, para manter sua lucidez e um pouco de esperança. 

É com Max que Billy fica sabendo de um grande segredo, como fugir do inferno em que se encontra, porém Max que arquitetou o plano de fuga, não poderia ir junto, pois sua saúde está muito debilitada pelo cárcere e o uso excessivo de drogas. Então, em uma noite escura, onde uma grande tempestade estava reinando, que Billy, com a ajuda de alguns amigos e sua obstinação em ter sua vida de volta, iniciou sua ousada e desesperada fuga em busca da liberdade. É um filme britânico-norte-americano, do gênero drama biográfico (cf. Hayes; Colabo, 1977), realizado por Alan Parker, com roteiro de Oliver Stone baseado no livro Midnight Express, de William Hayes (com William Hoffer). Embora tenha como escopo uma história real, o filme omitiu a questão do homoerotismo (cf. Costa, 1992) do protagonista. Sofreu acusações de preconceito contra os turcos, cujas prisões são um exemplo notável de “lugar execrável”. O livro descreve a degradação humana no quadro prisional quando se é exposto em condições sub-humanas de violência física e mental. Existe também uma abordagem crítica entre a conduta, crime praticado e de fato a pena aplicada, mas não para nesse aspecto, pois na década de 1970, existe um contexto político, tendo em vista as relações entre os Estados Unidos da América e Turquia, que por ser um elemento importante, serviu como influência para as decisões que foram tomadas por Billy, sua família e advogados. O cinema é um artefato criado por determinadas culturas que no processo de trabalho e de comunicação se influenciam mutuamente.

                            

Um exemplo típico, ocorre com o Ethnologue (2005) contendo estatísticas de mais de seis mil línguas e fornece dados numéricos de falantes, localização geográfica, dialetos, genética, disponibilidade da Bíblia etc. Constitui um dos mais amplos inventários de idiomas existente, junto com o notável Registro Linguasphere. Mas é a imagem animada que amplifica os filmes reproduzindo o poder simbólico de comunicação universal. A primeira premiação do Óscar ocorreu no dia 16 de maio de 1929, durante um jantar festivo para 250 pessoas no salão de festas do Roosevelt Hotel, em Los Angeles, Califórnia. A sala de cinema é analogamente como um “cubo fechado”. Dizia Le Corbusier em sua obra “Por uma arquitetura” que o cubo é uma das formas primárias que se revela à perfeição diante da luz. Reconhecido por ter sido o criador da Unité d`Habitation, conceito sobre o qual começou a trabalhar na década de 1920. E em suas próprias palavras, era talvez o mais belo já que não aceitava ambiguidade. O cubo é um “espaço interior” cujo simbolismo e sentido metafórico são reforçados ao ser um habitáculo minimalista, repetitivo e insensível. São os protagonistas os que têm que preencher esses “vazios” com suas próprias ideias e personalidades. Apesar de ser metafórico, possui expressão física. Sua forma estética, material e composição correspondem à arquitetura moderna e contemporânea. Massificado e repetitivo resulta agressivo para o ser humano que o habita. Portanto, na realidade expressa contradição presente em habitações apertadas e carentes de sentido estético e humanista destes dias. Poltronas desconfortáveis, sem espaço suficiente para locomoção, ausência de sinalização para distinguir degraus e saída, falta de barra de segurança ao longo da escada, difícil acesso para chegar e sair das salas de cinema em geral no Brasil.

Quando em 1978, estreou o filme: O Expresso da Meia-Noite, Alan Parker, se transformou numa das sensações daquele ano. Baseado no livro do norte-americano Billy Hayes (1977), o filme narrava a aparente “história verdadeira” do calvário numa prisão turca, por ter sido apanhado no aeroporto de Istambul com dois kg de haxixe. Condenado a 30 anos de cadeia, Hayes foi metido num cárcere onde o sadismo dos guardas e as violações eram o “pão nosso de cada dia”, tendo depois conseguido evadir-se ao fim de cinco anos e fugir para a Grécia. Parker rodou o filme em Malta, após as autoridades turcas terem recusado receber a produção, por razões óbvias. Atacado de imediato por dar uma imagem negativa e chocante da Turquia, cujo governo se apressou a desmentir os fatos nele narrados, O Expresso da Meia-Noite foi sucesso de bilheteira e ganhou dois Óscar, um deles para o argumento de Oliver Stone. É fato que muita gente chamou a atenção para as liberdades excessivas tomadas pelo filme comparativamente em relação ao livro, nomeadamente nas cenas de violência física e sexual inexistentes naquele tempo, bem como para a deturpação do final. No filme, Hayes mata acidentalmente o chefe dos guardas que iria violá-lo sexualmente, veste a farda dele e foge pelo portão principal. Hayes foi transferido para outra cadeia, de onde conseguiu escapar. Convidado pela polícia turca para conferência sobre segurança em Istambul, Hayes, argumentista e produtor, pediu desculpa aos turcos pelos problemas que o filme lhes causou, frisando que “muitas das coisas vistas nele não aconteceram na realidade”.

Entre elas está a famosa cena onde Brad Davis, que interpreta Hayes, arranca à dentada a língua de outro preso, informante dos guardas. Reforçando as suas afirmações à imprensa norte-americana em 2004, quando lamentou que o filme demonstrasse “todos os turcos como monstros”, e que a mensagem deste devia ter sido “não sejam idiotas como eu fui e não façam contrabando de droga, em vez de 'não vão à Turquia'”, Hayes disse: - “Sobretudo, não é justo que em todo o filme não haja um turco bom, pois até na cadeia onde estive preso os encontrei”. O filme expressa o paradigma em que o sistema prisional em Istambul não sanciona os mesmos crimes, não pune o mesmo gênero de delinquentes. Mas define-se bem em relação aos norte-americanos, um certo estilo penal. A punição vai-se tornando, pois, a parte mais velada do processo penal, provocando várias consequências: deixa o campo da percepção quase diária e entra no fluxo da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída à sua fatalidade, não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável castigo-espetáculo; a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens. Por essa razão, a justiça não mais assume publicamente a parte de violência que está ligada a seu exercício. As caracterizações da infâmia são redistribuídas: no castigo-espetáculo um horror confuso nascia do patíbulo; ele envolvia ao mesmo tempo o carrasco e o condenado: e, se por um lado, estava a ponto de transformar em piedade ou em glória a vergonha infligida ao supliciado, por outro, ele fazia redundar geralmente em infâmia a violência legal do executor. Desde então, o escândalo e a luz serão partilhados de outra forma: é a própria condenação que marcará o delinquente com sinal negativo e unívoco: publicidade, portanto, dos debates e da sentença; quanto á execução, ela é uma vergonha suplementar que a justiça tem vergonha de impor ao condenado; ela guarda distância, tendendo sempre a confiá-la a outros e sob a marca do sigilo. É indecoroso ser passível de punição, mas pouco glorioso punir. Desse duplo sistema de proteção a justiça estabeleceu entre ela e o castigo que ela propriamente dita impõe.

            A execução da pena vai se tornando um setor autônomo, em que um mecanismo ideológico do sistema administrativo desonera a justiça, que se livra desse secreto mal-estar por um enterramento burocrático da pena. Existe na justiça moderna e entre aqueles que a distribuem uma vergonha de punir, que nem sempre exclui o zelo; ela aumenta constantemente: sobre esta chaga pululam os psicólogos e o pequeno funcionário da ortopedia moral.   Na forma  lembrada explicitamente do açougue, a destruição infinitesimal do corpo equivale a um espetáculo: cada pedaço é exposto no balcão. Para Foucault (2014) o suplício se realiza num grandioso cerimonial de triunfo: mas comporta também, como núcleo dramático em seu desenrolar monótono, uma cena de confronto de inimigos: é a ação imediatas e direta do carrasco sobre o corpo do “paciente”. Ação codificada, é claro, pois o costume e muitas vezes de maneira explícita a sentença, prescrevem os principais episódios. Esta ação, no entanto, conserva alguma coisa de batalha. O executor não é simplesmente aquele que aplica a lei, mas o que exibe a força; é o agente de uma violência aplicada à violência do crime, para dominá-la. Desse crime ele é o adversário material e físico. Adversário ora digno de piedade, ora encarniçado. E durante muito tempo esse hábito persistirá. Há também alguma coisa de desafio e de justiça na cerimônia do suplício. Se o carrasco triunfa, se consegue saltar com um golpe que lhe mandaram abater. Mas, ao contrário, se ele fracassa, se não consegue matar como devia, é passível de punição. O soberano está presente à execução, não só como o poder que vinga a lei, mas como o poder que é capaz de suspender tanto a lei quanto a vingança.  Só ele como senhor deve decidir se lava as mãos ou as ofensas que lhe foram feitas; embora tenha conferido aos tribunais o cuidado de exercer seu poder de justiça, ele não o alienou; conserva-o integralmente para suspender a pena ou fazê-la valer. Mas para o que nos interessa, para concordarmos com Michel Foucault (2014: 55), é que assim “deve-se conceber o suplício, tal como é ritualizado ainda no século XVIII, como um agente político. Ele entra logicamente num sistema punitivo, em que o soberano, de maneira direta ou indireta, exige, resolve e manda executar os castigos, na medida em que ele, através da lei, é atingido pelo crime”.   

        A questão tópica do castigo-espetáculo entra como luva no corpo do supliciado, pois faz parte do procedimento que estabelece a realidade do que é punido. Mas não é só: existe uma relação dialética em que a atrocidade de um crime é também a violência do desafio lançado ao soberano: é o que vai provocar da parte dele uma réplica que tem por função ir mais longe que essa atrocidade, dominá-la, vencê-la por um excesso que anula. A atrocidade que paira sobre o suplício desempenha, portanto, um duplo papel: sendo princípio do processo de comunicação do crime com a pena, ela é por outro lado a exasperação do castigo em relação ao crime. Realiza ao mesmo tempo a ostentação da verdade e do poder; é o ritual do inquérito que termina e da cerimonia onde triunfa o soberano. E ela os une no corpo do supliciado. A prática punitiva do século XIX procurará por o máximo de distância possível entre a pesquisa “serena” da verdade e a violência que não se pode eliminar inteiramente da punição. O pavor dos suplícios na realidade acendia focos de ilegalismo: nos dias de execução, o trabalho era interrompido, as tabernas ficavam cheias, lançavam-se injúrias ou pedras ao carrasco, aos policiais e aos soldados; procurava-se apossar do condenado, para salvá-lo ou para melhor mata-lo; brigava-se, e os ladrões não tinham ocasião melhor que o aperto e a curiosidade em torno do cadafalso. Esses inconvenientes se tornavam um perigo político, pois, em nenhuma outra ocasião do que nesses rituais, organizados para mostrar o crime abominável e o poder invencível, o povo se sentia mais próximo dos que sofriam a pena; em nenhuma outra ocasião ele se sentia mais ameaçado, como eles, por uma violência legal sem proporção nem medida.      

No abandono da liturgia dos suplícios, que papel tiveram os sentimentos de humanidade para com os condenados? Houve de todo modo, de parte do poder, um medo político diante do feito desses rituais ambíguos. Tal equívoco aparece claramente no que se poderia chamar “discurso do cadafalso”. O rito da execução previa que o próprio condenado proclamasse sua culpa reconhecendo-a publicamente de viva voz, pelo cartaz que levava e também pelas declarações que sem dúvida era obrigado a fazer. No momento da execução parece que lhe deixavam além disso tomar a palavra, não para clamar sua inocência, mas para atestar seu crime e a justiça de sua condenação.  Se um indivíduo é totalmente desconhecido, os observadores podem obter, a partir de sua conduta e aparência, indicações que lhes permitam utilizar uma experiência anterior, que tenha tido com outros indivíduos aproximadamente parecidos, e aplicar-lhes “estereótipos não comprovados”. A informação a respeito do indivíduo serve para definir a situação concreta, tornando os outros capazes de reconhecer o que deles se pode esperar. Assim informados, saberão qual a melhor maneira de agir socialmente para dele obter uma resposta desejada e, além disso, para dirigir inteligentemente sua própria atividade. As máscaras, tecnicamente constituem uma ferramenta expressiva padrão. Elas são compostas por uma ambientação, no caso fílmico o cárcere em Istambul, uma aparência social e por modelos de representação. Os modelos se constroem mediante a relação naturalizada entre a ambientação e a aparências, os signos e o status social desempenham um papel decisivo para a interpretação, a justiça precisava que sua vítima autenticasse o ato de suplício que sofria.  

         O símbolo não sendo imediato de natureza linguística deixa de se desenvolver numa só dimensão. As motivações que ordenam os símbolos não apenas já não formam longas cadeias de razões, mas nem sequer cadeias. A explicação linear do tipo de dedução lógica ou narrativa introspectiva já não basta para o estudo das motivações simbólicas. A classificação dos grandes símbolos da imaginação antropológica em categorias motivacionais distintas apresenta, com efeito, pelo próprio fato da não linearidade e do semantismo das imagens, grandes dificuldades. Metodologicamente, para quem tem como ponto de partida da análise os objetos definidos pelos quadros da lógica dos utensílios, como faziam as clássicas chaves dos sonhos, segundo as estruturas do imaginário individual (sonho) e coletivo (mito, rito, símbolo), cai-se rapidamente, pela massificação artificial das motivações, numa inextricável confusão. Parecem-nos mais sérias as tentativas para repartir os símbolos segundo os grandes centros de interesse de um pensamento, certamente perceptivo, mas ainda completamente impregnado de atitudes assimiladoras nas quais os acontecimentos perceptivos não passam de pretextos imaginários para os devaneios imaginários. Tais são as classificações mais profundas de analistas das motivações do simbolismo religioso ou da imaginação do sistema prisional. 

     Tanto escolhem como norma geral classificativa uma ordem de motivação cosmológica e astral, na qual são as grandes sequências das estações, dos meteoros e dos astros que servem de indutores à fabulação, tanto são os elementos de uma física primitiva e sumária que, pelas suas qualidades sensoriais, polarizam os campos de força no continuum homogêneo do imaginário; tanto, enfim, se suspeita que são os dados sociológicos do microgrupo ou de grupos que se estendem aos confins do grupo linguístico que fornecem quadros primordiais para os símbolos. Quer a imaginação etnográfica estreitamente motivada seja pela língua, seja pelas funções sociais, se modele sobre essas matrizes sociológicas e antropológicas, quer pelos seus genes raciais no sentido materialista intervenham bastante misteriosamente para estruturar os conjuntos simbólicos, distribuindo sejam as mentalidades imaginárias, sejam os rituais de sacrifício, querem ainda, com uma matriz evolucionista, se tente estabelecer uma hierarquia das grandes formas simbólicas e restaurar a unidade no dualismo de Henri Bergson das Deux Sources, da moral e da religião, quer atravessando a técnica da psicanálise se tente encontrar uma síntese entre as pulsões da libido em evolução e as pressões de recalque do microgrupo familiar. São dimensões de diferentes classificações simbólicas que precisamos criticar antes de estabelecer um método de análise pretensamente firme na ordem das motivações de grupo.

             Ao que parece o ator social, queira ou não, está orientado de acordo com um conjunto de restrições culturais. Podemos citar também um processo social identificado pelo sociólogo norte-americano Erving Goffman (1975; Becker, 1971) de institucionalização das máscaras que seriam “expectativas abstratas e estereotipadas” sobre um papel específico. A máscara se converteria então, em uma “representação coletiva” uma vez que estas são construídas em performances individuais que não são mais do que a forma ou expressão dessas representações coletivas individualizadas e personalizadas com as características de cada indivíduo. Quando, por exemplo, um ator social adentra um grupo social específico, encontra correspondente a ele, a fixação de uma máscara particular da cultura. Goffman chega a sugerir o caráter abstrato e geral das máscaras sociais e as converte em veículos ideais no processo de socialização, pois o que as representações coletivas traduzem é o modo como o grupo se pensa em suas relações com os objetos que o afetam. Através das máscaras sociais a atuação é modelada e adaptada a compreensão e as expectativas da sociedade na qual se apresenta. E através deste ajustamento que não é constituído da mesma maneira que o indivíduo e as coisas que o afetam são de outra natureza. No cinema os protagonistas não podem apreciar a beleza da estrutura que habitam ou  dar conta da coincidência que seu número coincide com o de faces da forma que os contem. Não pode ter janelas ou qualquer outro elemento que permita a passagem de luz e som do exterior.

 Todas as suas ligações com o exterior devem ser feitas de forma a preservar seu interior de qualquer ruído e de luz, da mesma forma que deve preservar os demais ambientes em seu entorno do som dos filmes ali exibidos. Dada a grande diversidade de línguas existentes, é pela dublagem (dobragem) ou pelas legendas, que traduzem o diálogo noutras línguas, que os filmes se tornaram mundialmente populares. A experiência sonora diferenciada e a qualidade das imagens, estão entre as maiores razões e advertências que fazem os espectadores deixarem suas casas para compartilhar publicamente a experiência mais ampla e real/imaginária do filme em uma sala de cinema. Ipso facto, uma sala de cinema ou o ambiente de cinema é qualquer lugar praticado onde ocorrem projeções cinematográficas. Mas especialmente uma sala de caráter comercial construída e equipada para esta finalidade. Nas salas comerciais, cada espectador compra um bilhete para ter acesso ao filme a que irá assistir. Cinema representa a técnica de fixar e de reproduzir imagens que suscitam a interpretação de tempo e movimento, com a chamada “indústria cultural” que reproduz e vende estas imagens.

As obras cinematográficas produzidas como filmes são imagens através da gravação de imagens do mundo social com câmeras adequadas. Ou na modernidade intrínseca ao cinema  pela sua criação utilizando técnicas de animação ou efeitos visuais (cf. Canevacci, 2001). Os filmes, no cinema, são projetados em uma grande tela que fica diante do auditório, através de um projetor. Os filmes são assim constituídos por uma série ininterrupta de imagens impressas em determinado suporte técnico, alinhadas em sequência, chamadas fotogramas. Quando essas imagens são projetadas de forma rápida e sucessiva, o espectador tem a ilusão de observar movimento reais. A cintilação entre os fotogramas não é percebida visualmente devido a um efeito conhecido como “persistência da visão”. O olho humano retém uma imagem durante uma fração de segundo após a sua fonte ter saído do campo da visão. O espectador tem a ilusão de movimento, devido a um efeito psicológico chamado movimento beta. O cinema é um artefato cultural criado por determinadas culturas contemporâneas que nele se complexificam e que, por sua vez, as afetam mutuamente. É uma arte poderosa, que movimenta riqueza e poder, mas fonte de entretenimento e, em certo sentido de “culto popular”, destinando-se a educar ou doutrinar. Pode tornar-se um método eficaz de persuasão e influenciar os cidadãos. É a imagem animada que confere aos filmes a eficácia simbólica de comunicação universal. A realidade significa o ajuste que fazemos entre a imagem e a ideia da coisa, entre verdade e verossimilhança. O problema da realidade é matéria presente em todas as ciências e, com particular importância, nas ciências sociais que têm como objeto de pensamento o próprio homem: a antropologia e disciplinas que nela estão implicadas: a filosofia, a psicologia, a semiologia, a sociologia, além das técnicas e das artes visuais.

Na interpretação ou representação do real, enquanto verdade subjetiva ou crença, a realidade está sujeita ao campo das escolhas, isto é, determinado, por ser um fato social construído mentalmente, ato ou uma possibilidade, algo adquirido a partir dos sentidos e 0da verdade do conhecimento adquirido. Dessa forma, a constituição das coisas e as nossas relações dependem de um intrincado contexto de efeitos, que ao longo da existência cria a lente entre a aprendizagem e o desejo sem pai: o que vamos aceitar como real na vida social? A realidade é construída pelo sujeito consciente; ela não é dada pronta para ser descoberta.  A visão já não é então o fato social de uma pessoa individual, dotada da faculdade de “ver” a qual é exercida quer da atenção, quer da distração; a vista é o fato de suas condições estruturais, a vista é a relação de reflexão imanente do campo da problemática sobre seus objetos e seus problemas. A visão perde então seus privilégios religiosos da “leitura sagrada”: ela nada mais é que a reflexão da necessidade imanente que liga o objeto ou o problema às suas condições sociais de existência, que têm a ver com as condições de sua produção. A rigor, não é mais o olho do espírito que vê o que existe no campo definido por uma problemática teórica: é esse próprio campo que se vê nos objetos ou nos problemas que ele define, sendo a visão apenas a reflexão necessária do campo em seus objetos. No drama intitulado: À Primeira Vista (1999), de Irwin Winkler é um filme baseado no ensaio: Ver e não ver (1995) do neurologista Oliver Sacks, autor de vários best-sellers, incluindo coleções administradas de forma empírica de estudos de casos de pessoas com distúrbios neurológicos.

     A prodigiosa história de Istambul, sua localização e permanente atividade econômica que se deve a relação social entre duas correntes da civilização: a do Mediterrâneo ao mar Negro e a da Europa à Ásia. Até o ano 330 d.C. era chamada Bizâncio e, posteriormente, até 1453, Constantinopla. A atual Istambul, lhe foi outorgada em 28 de março de 1930. Istambul foi a capital tanto do Império Romano do Oriente quanto do Império Otomano. Em 29 de outubro de 1923, se estabeleceu a República no país e a capital passou a ser Ankara, sede de Atatürk desde 1920 e tem sido a capital da República da Turquia desde a sua fundação, em 1923, substituindo Istambul após a queda do Império Otomano. A grande maioria de sua população é muçulmana, com minorias de cristãos e judeus. Do ponto de visita religioso também é a sede do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, cabeça da Igreja Ortodoxa. Em 29 de outubro de 1923, a história de Istambul foi transformada quando Mustafa Kemal Atatürk estabeleceu a República e a capital se trasladou a Ankara. Em 1930, Istambul adotou oficialmente o nome de İstanbul. Na década dos anos 1950 e 1960, sofreu outra grande transformação tanto social como estrutural. Um grande número de descendentes históricos de gregos, pertencentes à numerosa comunidade grega, partiram para a Grécia depois do pogrom às comunidades armênia, grega e judia ocorrido em 1955. Nos anos 1960, sacrificando edifícios históricos, foi construída em Istambul uma moderna rede de transporte público. Em 1963 foi firmado o Acordo de Ankara, primeiro passo em seu processo de integração social na União Europeia. Istambul tem acordos com mais de cinquenta cidades de todos os continentes. Poucos sabem, mas a primeira cidade gémea de Istambul foi o Rio de Janeiro, cujo protocolo respetivo data de 1965.

            A Igreja que peregrina em Bizâncio provavelmente remonta ao tempo dos Doze Apóstolos quando, segundo a tradição, Santo André a erigiu. Curiosamente, as duas sedes primazes, Roma e Constantinopla, supostamente foram fundadas pelos irmãos Pedro e André, também os primeiros escolhidos pelo Messias. A importância da “Sede Constantinopolitana” e de seu bispo foi fortemente marcada pela ascensão da cidade a capital do Império Romano, a “Nova Roma”. Por esse tempo, seu bispo era o segundo em importância, após o Papa, mas o IV Sínodo Ecumênico conferiu a ele as mesmas honras analogamente de sua contraparte romana. Durante o primeiro milênio, a Pentarquia foi bastante articulada e promoveu os primeiros sete concílios ecumênicos. Porém, com a queda política do Império Romano e do afastamento cultural do Ocidente-Oriente, as diferenças litúrgicas, quanto à prática e às interpretações tenderam a avolumar-se e, na precária estabilidade em que se encontravam juntamente com a afetação política, romperam-se. Esse rompimento deu-se paulatinamente, mas tornou-se oficial em 1054. Com a separação dos quatro Patriarcados orientais com o ocidental, coube ao Patriarca Ecumênico de Constantinopla a primazia de honra que era, na Pentarquia, disposição do Patriarca Ocidental. Sob o domínio do Papa Paulo VI (1897-1978) e do patriarca Atenágoras I (1886-1972), as igrejas peregrinas retiraram sua mútua excomunhão. Apesar de não implicar em uma reconciliação eclesial, simboliza uma nova condição de relação entre ambas as igrejas.

            A presença ortodoxa na própria Turquia é pequena, porém a maioria dos ortodoxos na América do Norte (dois terços do total) estão sob este patriarcado ecumênico, primariamente na Arquidiocese Ortodoxa da América. O patriarcado também possui crescente maioria no Reino Unido. Além disso, as jurisdições das comunidades americanas oriundas da Albânia, Cárpatos, Rússia e Ucrânia são parte do patriarcado. A maior parte dos fundos do patriarcado não vêm diretamente dos membros de suas igrejas, mas de membros influentes que fazem grandes doações para a manutenção do patriarcado. Em troca, eles recebem títulos honoríficos que em séculos antigos eram dados ao pessoal do patriarcado. O patriarcado atua na capacidade de ser um intermediário e facilitador entre as igrejas ortodoxas e também nas relações com outras igrejas cristãs e outras religiões. Este papel algumas vezes traz ao patriarcado conflitos com outras igrejas ortodoxas, quando seu papel na igreja é debatido. A questão central é se o patriarcado é simplesmente a mais honrada entre as igrejas ortodoxas ou se ela tem uma autoridade real e prerrogativas sobre as demais igrejas autocéfalas. Esta disputa é frequente entre Constantinopla e Moscou, a maior igreja em termos de população, especialmente como expressado na teoria da “terceira Roma” que coloca aparentemente Moscou no lugar de Constantinopla como o centro da ortodoxia. Tal disputas ocasionalmente resulta em curtos rompimentos temporários entre as igrejas. As relações entre o patriarcado e o Império Otomano foi frequentemente amarga, devido à ausência dos privilégios garantidos ao Islã. Na secular República da Turquia, as tensões historicamente são ainda constantes. A Turquia requer por lei que o patriarca seja cidadão turco, mas todos os patriarcas pela tradição têm sido gregos étnicos desde 1923. A desapropriação de propriedades da igreja e o fechamento da Escola Teológica de Halki também são dificuldades enfrentadas pelo patriarcado. O seminário Halki, formalmente a Escola Teológica de Halki, foi fundado em 1º de outubro de 1844 nesta ilha, a segunda maior das Ilhas dos Príncipes no mar de Mármara. Foi a principal escola de teologia da Igreja Ortodoxa Oriental do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla até que o Parlamento turco aprovou uma lei que proíbe as instituições privadas de ensino superior em 1971.  

Durante o decorrer da década de 1970, Istambul experimentou um importante crescimento demográfico   devido à imigração procedente de Anatólia, também reconhecida como Ásia Menor, denota a protrusão ocidental da Ásia, que compõe a maior parte da República da Turquia, que procurava trabalho em muitas fábricas construídas nos arredores da cidade. Isso provocou uma explosão imobiliária e fez com que muitas cidades expandidas da periferia ao centro fossem absorvidas pela cidade. Atualmente, Istambul é uma das cidades mais investidas em atividades turísticas da Europa e a cada ano é visitada por milhões de pessoas estrangeiras. Embora os turcos e os norte-americanos tivessem estabelecido primeiramente relações diplomáticas com a abertura de legações Otomanas e dos Estados Unidos da América em 1867 e 1901, respectivamente, um alinhamento próximo entre os dois países não se desenvolveu até depois da 2ª guerra mundial. Isto se deve ao fato sociológico de que estas relações não possuíam fundamentos geográficos, culturais ou mesmo econômicos. A aliança entre ambas as nações foi construída sobre as necessidades estratégicas urgentes no início da chamada Guerra Fria. Enquanto a 2ªguerra estivesse chegando ao fim, os Estados Unidos da América e a Turquia viram uma convergência de seus interesses nacionais devido às suas percepções comuns, mas distintas, das relações da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) como um potencial de ameaça comunista.         

Inicialmente, a Turquia teve uma estreita relação com a União Soviética durante o período inicial da República. Ambos surgiram das cinzas dos impérios na conclusão da 1ª grande guerra e procuraram estabelecer-se na nova ordem global. A União Soviética havia sido fundamental no apoio ao Movimento Nacional Turco durante a Guerra de Independência, e o planejamento estatal inicial de Mustafa Kemal Atatürk foi parcialmente influenciado pelos soviéticos. O povo turco gradualmente se uniu em torno da liderança de Mustafá Kemal Paxá e da autoridade da Grande Assembleia Nacional Turca, estabelecida em Ankara, que optaram pela guerra de independência turca. O movimentou pôs um fim ao Tratado de Sèvres, e negociou o Tratado de Lausanne, assegurando o reconhecimento das fronteiras nacionais da Turquia, chamado de Juramento Nacional (Misak-ı Milli). As forças nacionais se reuniram em torno da ideologia definida como progressiva, que costuma ser chamada de kemalismo ou atatürkismo. Seus princípios básicos enfatizam a República, governo que represente o poder do eleitorado, a administração secular (laicismo), nacionalismo, uma economia mista, com participação estatal em diversos setores, porém oposta ao socialismo estatal e modernização nacional. A 2ª guerra mundial teve um efeito social profundamente negativo sobre a relação, com uma União Soviética recém-encorajada sob Josef Stalin procurando pressionar sua vantagem na Europa Oriental, enquanto procurava estabelecer o controle sobre os Estreitos Turcos, que ligavam o Mar Negro, dominado pelos militares soviéticos, ao Mar Mediterrâneo.

Ankara estava naturalmente alarmada com a cessação do Tratado de Amizade e Neutralidade, em 1945, por Moscou, bem como pelas demandas territoriais da União Soviética e pelo desejo de modificar a Convenção de Montreux, que governava o uso dos estreitos turcos. Por sua vez, os norte-americanos lentamente chegavam à conclusão de que o seu ex-aliado contra a Alemanha Nazista havia se tornado o seu principal adversário na nova ordem global. Consequentemente, à medida em que o confronto entre os Estados Unidos da América e a União Soviética se intensificava, Washington e Ankara gradualmente começaram a reconhecer a necessidade de uma cooperação estratégica. Este processo culminou com o estabelecimento da instituição fundamental que sustentaria a relação durante quatro décadas: uma estreita aliança bilateral no contexto multilateral da principal organização de defesa coletiva ocidental, a Organisation du Traité de l`Atlantique Nord (OTAN), vezes chamada Aliança Atlântica, é uma aliança militar baseada no Tratado do Atlântico Norte, que foi assinado em 4 de abril de 1949. A organização constitui um sistema de defesa coletiva através do qual os seus Estados-membros concordam com a defesa mútua em resposta a um ataque por qualquer entidade externa à organização. Mas historicamente, O Tratado de Amizade, Aliança e Assistência Mútua Sino-Soviético, ou simplesmente Tratado Sino-Soviético de Amizade e Aliança, é um tratado de aliança concluído entre a República Popular da China e a socialista União Soviética em 14 de fevereiro de 1950. Se baseava em grande medida sobre o tratado anterior de mesmo nome que havia sido arranjado entre a União Soviética e o governo nacionalista em 1945 e foi o produto de negociações prolongadas entre as lideranças de Liu Shaoqi e Josef Stalin.

Mao Tse-tung (cf. Mayer, 1986) viajou à União Soviética a fim de assinar o Tratado Sino-Soviético de Amizade e Aliança após os respectivos detalhes serem concluídos, e esta foi a única vez que ele viajou para fora da China durante a sua vida política. O Tratado lidou com uma série de questões sociais e políticas tais como privilégios soviéticos em Xinjiang e na Manchúria e um dos seus pontos mais importantes foi a prestação de um empréstimo de 300 milhões de dólares da União Soviética a República Popular da China, que havia sofrido economicamente e logisticamente por mais de uma década de guerra intensa. O tratado não impediu que as relações entre Pequim e Moscou sofresse uma deterioração drástica no final dos anos 1950 - 1960, na época da ruptura sino-soviética. Em face da abertura da China ao mercado econômico internacional e da expiração do Tratado, Deng Xiaoping não queria que a China negociasse com os soviéticos a não ser que concordassem com as exigências chinesas. Essas foram: que os soviéticos se retirassem do Afeganistão, removessem suas tropas da Mongólia e das fronteiras sino-soviéticas e parassem de apoiar a invasão vietnamita do Camboja. O tratado expirou em 1979, o que permitiu à China para atacar o Vietnã, um aliado soviético, na Terceira Guerra da Indochina, ocorrida entre 1978 e 1991 e envolveu diretamente o Vietnã, o Camboja e a China. O seu estopim foi a ocupação do Camboja pelo Vietnã, que foi respondida com um breve e intenso ataque militar chinês, como uma resposta à invasão vietnamita do Camboja, já que o tratado havia impedido a China de atacar os comunistas aliados soviéticos.

Alan William Parker (1944-2020) foi um cineasta britânico que deixou sua marca na história ao realizar clássicos cinematográficos como The Wall, em que narra as fantasias delirantes do superstar do rock Pink, um homem que enlouquece lentamente em um quarto de hotel em Los Angeles. Queimado no mundo da música, ele só consegue se apresentar no palco com a ajuda de drogas. O filme acompanha o cantor desde sua juventude, demonstrando como ele se escondeu do mundo exterior, baseado no álbum The Wall do Pink Floyd. No filme O Expresso da Meia-Noite, a narrativa expressa o drama de pertencer ao sistema carcerário e, principalmente, quando este fato social se dá em uma localidade diferente do seu país natural. Trazendo a história verídica de Billy Hayes, um jovem norte-americano, que em viagem a Turquia decide levar em seu retorno 2 kg de haxixe presos por baixo de suas roupas. Seu plano acaba não dando certo e ele é preso, com sua vida se transformando em um pesadelo, entregue a prisão turca e os métodos brutais e sujos de suas acomodações. Quando espera ser libertado é levado a um novo julgamento com efeito retroativo, um ciclo que o condena a uma longa pena. Adaptado pelo roteirista Oliver Stone, a música empregada por Giorgio Moroder nos transporta para a década de 1970, pari passu em que incomoda e gera uma sensação de imersão na Turquia histórica. Isto também se deve a cenografia com a sujeira e ojeriza que as paredes da prisão evocam. A alternativa de Michel Seresin em filmar com câmera manual complementa a sensibilidade visual e de inconformismo que o ambiente inóspito do sistema prisional evoca. O filme O Expresso da Meia-Noite representa a história social de um estudante preso em um aeroporto na Turquia portando haxixe enquanto tentava retornar aos Estados Unidos da América. Não se trata apenas de uma prisão por porte de drogas. Mas de um episódio que gera interrogatórios, técnicas de tortura e condenação como bode expiatório a 30 anos de prisão. 

Do ponto de vista teórico e metodológico o filósofo Michel Foucault observa um fato significativo: a maneira como a questão da loucura evoluiu na prática penal. Essa é a ideia que emerge como background querendo expressar a tirania do “mundo árabe” em relação à questão disciplinar no presídio. A possibilidade de invocar a loucura excluía a qualificação de um ato como crime: na alegação de o autor ter ficado louco, não era a gravidade de seu gesto que se modificava, nem a sua própria pena que devia ser atenuada: mas o próprio crime desaparecia. Impossível, pois, declarar alguém ao mesmo tempo culpado e louco; o diagnóstico de loucura uma vez declarado não podia ser integrado no juízo; ele interrompia o processo e retirava o poder da justiça sobre o autor do ato. Apesar de vários decretos do supremo tribunal de justiça lembrando que o estado de loucura não podia acarretar nem uma pena moderada, nem sequer uma absolvição, mas uma improcedência judicial, eles levantaram em seu próprio veredicto a questão da loucura. Admitiram, segundo Foucault, que era possível alguém ser culpado e louco; quanto mais louco, tanto menos culpado; sem dúvida, culpado, que deveria ser enclausurado e tratado e não punido; culpado perigoso, pois manifestamente doente etc. Em vez de a loucura apagar o crime, agora em última análise, qualquer infração, incluem como uma suspeita legítima, mas também como um direito que podem reivindicar, a hipótese da loucura ou em todo caso sociológico da anomalia. E a sentença que condena ou absolve não é simplesmente um julgamento de culpa, no sentido religioso, mas uma decisão legal que sanciona; ela implica uma apreciação de normalidade e uma prescrição técnica para uma normalização possível. E ele não julga mais sozinho. Ao longo do processo penal, e da execução da pena, prolifera toda uma série de instâncias anexas como é praxe em todos os tribunais. Só dizem respeito à administração da pena, sua necessidade, sua utilidade, sua eficácia possível; permitem indicar, num vocabulário que apenas foi codificado, se é melhor o hospício que a prisão, se é necessário prever um enclausuramento breve ou longo, um tratamento médico ou medidas de segurança.   

Bibliografia geral consultada.

BECKER, Howard, Los Extraños. Buenos Aires: Editorial Tiempo Contemporâneo, 1971; GOFFMAN, Erving, Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975; HAYES, Billy; COLABO, William Hoffer, Expresso da Meia-noite. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora: Record, 1977; BERNADET, Jean-Claude, O que é cinema? São Paulo: Editora Brasiliense, 1980; SCHEIBE, Karl, Espelhos, Máscaras, Mentiras e Segredos. São Paulo: Editora Interamericana, 1981; BLUMER, Herbert, Filmes e Conduta. Nova York: Macmillna Editor, 1983; COSTA, Jurandir Freire, A Inocência e o Vício: Estudos Sobre o Homoerotismo. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editor Relume-Dumará, 1992; DENZIN, Norman, A Sociedade Cinematográfica. Londres: Sage Publisheres, 1995;  CANEVACCI, Massimo, Antropologia della Comunicazione Visuale. Roma: Edizione Meltemi, 2001; ELIAS, Norbert, Sobre el Tiempo.  México: Fondo de Cultura Econômica, 1989; Idem, Escritos & Ensaios: Estado, Processo, Opinião Pública. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006; FOUCAULT, Michel, Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. 42ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2014; BATISTA, Kássius Kennedy Clemente, Mississippi em Chamas e Panteras Negras no Intervalo entre História e Cinema. Dissertação de Mestrado em Ciências Humanas. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2014; MORAES, Josiane Borges de, Intersecções Semióticas: A Istambul de Orhan Pamuk e Ara Güler. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2015; LEVAGGI, Ariel González; FERREZ, Manuel (org.), Turquía, América Latina y el Caribe. Una Asociación Emergente. Istambul: Bahçeşehir  Üniversitesi Yayinlari, 2016; SANTOS, Waldeir Eustáquio dos, Capitalismo Tardio e Revolução Passiva: Um Estudo da  Emergência da Turquia Moderna. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. Belo Horizonte: Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 2017; SOCHACZEWSKI, Monique, “De Atatürk a Erdoğan: A República da Turquia em Três Tempos”. In: Malala, 6(9), 70-90; 2018; KULSAR, Paulo André Machado, Simbologia, Palimpsestos e Intertextualidade no Filme Coração Satânico, de Alan Parker. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras.  Universidade Federal do Tocantins. Campus Universitário de Porto Nacional, 2019; MORAIS, Lucas Codorniz, Educação e Cinema: Análise das Representações de Educação no Filme Pink Floyd - The Wall (1982). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Rondonópolis: Universidade Federal de Mato Grosso, 2021; entre outros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário