quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Agatha Christie - Literatura, Emoções & Criação de Romance Policial.

 

Ubiracy de Souza Braga

A perplexidade deu lugar ao choque, seguida pela culpa e pela raiva”. Janet Morgan

Agatha Christie, nascida Agatha Mary Clarissa Miller (1890-1976), foi uma escritora britânica que atuou de forma multidisciplinar como romancista, contista, dramaturga e poetisa. Destacou-se na literatura de romance policial, tendo ganho popularmente, em vida, a alcunha de Rainha Dama do Crime (“Queen/Lady of Crime”). Durante sua carreira, publicou mais de 80 livros, alguns sob o pseudônimo de Mary Westmacott. Segundo o Guiness Book, Agatha Christie é a romancista mais bem sucedida da história da literatura popular mundial em número total de livros vendidos. Segundo a organização Index Translationum, as obras de Agatha Christie já foram traduzidas, em um levantamento recente, para mais de 100 idiomas em todo o mundo.  Em conjunto suas obras venderam cerca de 4 (quatro) bilhões de cópias ao longo dos séculos XX e XXI, cujos números totais só ficam atrás das obras do dramaturgo e poeta William Shakespeare e da Bíblia, segundo a tradição aceita pela maioria dos cristãos, foi escrita por 40 autores, entre 1500 a.C. e 450 a.C. :livros do Antigo Testamento e entre 45 d.C. e 90 d.C. :livros do Novo Testamento, num período de quase 1 600 anos.  Seu livro mais vendido, Ten Little Niggers, de 1939, é também, com cerca de 100 milhões de cópias comercializadas em todo o globo, a obra de romance policial mais vendida da história, além de figurar na lista de livros mais vendidos de todos os tempos independentemente do gênero.

Em 1971, foi condecorada pela rainha  Elizabeth II, nascida Elizabeth Alexandra Mary, em Londres, 21 de abril de 1926, com o título de Dama-Comendadora da Ordem do Império Britânico, uma honra que consiste no equivalente feminino ao sir. Mas não é bem assim, pois Sir (Senhor, em inglês) é o tratamento destinado aos cavaleiros da Ordem do Império Britânico. Nos tempos medievais, este era o título associado a cavaleiros servindo à nobreza. Nos tempos medievais, este era o título associado a cavaleiros servindo à nobreza. No total, escreveu 72 romances, sendo 66 deles de romance policial, e inúmeros contos, reunidos em 14 coletâneas. É cultuada pela criação pessoal de emblemáticos personagens, incluindo o detetive Hercule Poirot que aparece em aproximadamente 40 histórias, talvez seja um dos detetives da ficção mais famosos do mundo ocidental, junto com Sherlock Holmes. Sua influência é tamanha que foi o único personagem que apareceu na capa do famoso jornal The New York Times (NYT) quando Agatha Christie escreveu o livro onde aconteceria sua morte. Não por acaso é um jornal diário norte-americano, fundado e publicado continuamente em Nova York desde 18 de Setembro de 1851, pela The New York Times Company. Do ponto de vista comunicativo o jornal ganhou 117 prémios Pulitzer, mais do que qualquer meio comunicativo  de notícias. A versão impressa tem a segunda maior circulação, atrás do The Wall Street Journal, e a maior circulação entre os jornais metropolitanos nos Estados Unidos da América. O NYT está classificado em 39º lugar no mundo por circulação. No entanto, seguindo tendências da indústria cultural global, sua circulação semanal caiu para menos de 1 milhão por dia desde 1990.

E a idosa detetive amadora Miss Marple, uma personagem de ficção presente em 12 romances e 24 contos policiais de Agatha Christie. Miss Marple é uma senhora solteirona que vive no vilarejo fictício de St. Mary Mead e atua profissionalmente como detetive amadora, que historicamente representa o detetive por excelência. Ela desvenda os mais intrincados mistérios, baseando-se apenas “em seu profundo conhecimento da natureza humana”. Junto com Hercule Poirot, é uma das mais famosas e amadas personagens de Agatha Christie. Sua primeira aparição ocorreu no romance The Murder at the Vicarage  em 1930. Mas na sequência das edições apareceu também em centenas de filmes, séries temáticas e peças de teatro baseadas em suas obras. Miss Jane Marple é uma anciã ativa, mas que mora na pequena aldeia inglesa de St. Mary Mead. Aparentemente é uma idosa comum, que se veste com roupas de lã e é vista, frequentemente, tricotando e tirando as ervas daninhas de seu jardim. Às vezes, é considerada confusa ou caduca, mas quando passa a resolver mistérios, demonstra ter uma mente lógica e afiada, e um conhecimento incomparável da natureza humana com suas fraquezas, forças contra as adversidades, truques e excentricidade.

O pragmatismo que em diferentes variantes apresenta-se como uma forma de filosofia capaz de enfrentar os desafios próprios de nosso tempo, certamente, pode ser compreendido do ponto de vista de suas raízes, como sendo devedor, de um lado, ao pragmatismo clássico dos pensadores norte-americanos Peirce, Dewey, James, Schiller, por outro lado, às filosofias que emergiram da reviravolta pragmática do Wittgenstein das Investigações Filosóficas. O pragmatismo norte-americano, que segundo J-P Cometti, “é a filosofia mais solidamente enraizada na cultura americana”, desenvolveu-se em torno de uma filosofia do conhecimento, mas, desde o princípio, se afastou de concepções que tendem a privilegiar a busca de um fundamento no absoluto ou a de um modelo da razão, que determina a priori as possibilidades de busca e de descoberta. Pode-se dizer que o pensamento central da metafísica, é que o conhecimento humano não se limita ao conhecimento da experiência, mas que é possível chegar a um conhecimento objetivo do mundo através dos conceitos. Fundamento da verdade não é, então, o mundo “material empírico”, mas inversamente o “mundo do pensamento”, que apreende a estrutura inteligível do real enquanto método de análise. O espírito humano é compreendido como coextensivo ao mundo em que as leis da lógica exprimem as leis que estruturam a realidade. Richard Rorty interpreta esta postura como sendo a pretensão de captar, pela mediação do conceito, a forma e o movimento da natureza e da história o que, em última instância, desembocou na ideia de que o ser humano é capaz de descobrir como reparar as injustiças da história. 

A teoria neopragmática rortyniana representa um termo filosófico recente, existente da década de 1960, sendo utilizado para denominar a filosofia que reintroduziu muitos dos conceitos do pragmatismo, sobre a verdade como objetivo de desvencilhar-se das influências dos dualismos metafísicos típicos; as distinções entre essência e acidente, aparência e realidade, sendo tal posição denominada de antiessencialista. Grande parte do que Rorty descreve em seus textos sobre a verdade desenvolve-se através de um diálogo com Donald Davidson  e sua teoria semântica da verdade. Ambos estão de acordo que a noção sociológica de verdade não pode ser tida como uma correspondência, como uma representação, mas discordam em alguns pontos quanto à solução que procuram encaminhar para essa questão. Enquanto que para Davidson, os nossos conceitos podem ser verdadeiros e utilmente descrever uma realidade objetiva, para Rorty a verdade não deve ser um objetivo da reflexão filosófica, pois o objetivo da investigação pragmática é procurar evidências substantivas para nossas crenças ocidentais, e que não há nada mais que possamos fazer para firmar nossas convicções.

Há cerca de duzentos anos, a ideia de que a verdade era produzida, e não descoberta começou a tomar conta do imaginário individual (o sonho) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos) europeu. O precedente estabelecido pelos românticos conferiu a seu pleito uma plausibilidade inicial. O papel efetivo de romances, poemas, peças teatrais, quadros, estátuas e prédios no movimento social dos últimos 150 anos deu-lhe uma plausibilidade ainda maior, obtendo legitimidade, já que as ideias adquirem  força na história. Alguns filósofos inclinaram-se ao iluminismo e continuaram a se identificar com a ciência. Eles vêem a antiga luta entre a ciência e a religião, a razão e a irracionalidade, como um processo ainda em andamento que assumiu a forma de uma luta entre a razão e todas as mediações intraculturais que pensam na verdade como algo constituído e não encontrado. Esses filósofos consideram que a ciência é a atividade paradigmática e insistem que a ciência natural descobre a verdade, ao invés de cria-la. Encaram a expressão “criar a verdade” como metafórica e totalmente enganosa. Pensam na política e na arte como esferas em que a ideia de “verdade” fica deslocada.

Outros filósofos, percebendo que o mundo descrito pelas ciências físicas não ensina nenhuma lição moral e não oferece conforto espiritual, concluíram que a ciência não passa de uma serva da tecnologia. Esses filósofos alinham-se com o utopista político e com o artista inovador. Os primeiros contrastam a “realidade científica concreta” com o “subjetivo” ou o “metafórico”, os segundos veem a ciência como mais uma das atividades humanas, e não como o lugar em que os seres humanos deparam com uma realidade não humana “concreta”. De acordo com essa visão, os grandes cientistas inventam descrições do mundo que são úteis para o objetivo de prever e controlar o que acontece, assim como os poetas e os pensadores políticos inventam outras descrições do mundo para outros fins. Não há sentido algum, porém, em que qualquer dessas descrições seja uma representação exata de como é o mundo em si. Esses filósofos consideram inútil a própria ideia dessa representação, seja consignando uma verdade de segunda categoria (fenomênica), seja como descrição do espírito da natureza espiritual (dialética) e elevar ao mais alto status o tipo de verdade oferecida pelo poeta e pelo revolucionário político.

O idealismo alemão, porém, representou uma solução de compromisso pouco duradoura e insatisfatória. É que Immanuel Kant e Georg Hegel fizeram apenas concessões parciais em seu repúdio à ideia de que a verdade está “dada”. Dispusera-se a ver o mundo da ciência empírica como um mundo “fabricado” – a ver a matéria como algo construído pela mente, ou como feita de uma mente insuficientemente cônscia de seu próprio caráter mental -, mas persistiram em ver a mente, o espírito, as profundezas do eu como dotados de uma natureza intrínseca – uma natureza que se poderia conhecer por uma espécie de superciência não empírica, chamada de filosofia. Isso significava que apenas metade da verdade – a metade científica inferior – era produzida. A verdade superior, a verdade sobre a mente, seara da filosofia, ainda era uma questão de descoberta, não de criação. Richard Rorty precisa sua tese de distinção entre a afirmação de que o mundo está dado e a de que a verdade dada, equivale a dizer, com bom senso, que a maioria das coisas no espaço e no tempo, é efeito de causas que não incluem os estados mentais humanos. Dizer que a verdade não está dada é dizer que, onde não há frases, não há verdade. E que as frases são componentes das línguas humanas, e que as línguas humanas são criações humanas. Só as descrições podem ser “verdadeiras” ou “falsas” - sem o auxílio das atividades descritivas como atividade social ou política dos seres humanos - não pode sê-lo.      

O drama de uma vida humana individual, ou da história social e política da humanidade como um todo, não é um drama estaiado em que uma meta preexistente seja triunfalmente atingida ou tragicamente não alcançada. Nem uma realidade externa constante nem tampouco uma infalível fonte interna de inspiração compõem o pano de fundo desses dramas. Ao contrário, ver a própria vida ou a vida da comunidade como uma narrativa dramática é vê-la com um processo de auto-superação nietzschiana. O paradigma dessa narrativa é a vida do gênio capaz de dizer “eu quis assim”. Sobre a parte relevante do passado, por ter encontrado um modo de descrever esse passado. E que o próprio passado jamais reconheceu e, ter descoberto um eu, de maneira afirmativa, para compreender que seus precursores nunca souberam ser possível. Nessa cosmovisão nietzschiana, o impulso de pensar, indagar e tecer outra vez a si mesmo, de maneira cada vez mais minuciosa, não é simplesmente o assombro, mas o pavor. Hume (2009) sustenta filosoficamente que nossas ideias representam imagens de nossas impressões, pois assim também podemos formar ideias secundárias, que são imagens das primárias. Não se trata de mais uma exceção à regra, mas de uma explicação. Agatha Christie, tinha uma relação muito próxima com o editor Billy Collins, responsável pelas publicações da escritora na Harper Collins. Em correspondências descobertas recentemente, não só a relação amistosa dos dois, mas também as desavenças, ficam evidentes em alguns momentos. 

           Essas correspondências provam que, além da proximidade, os dois também tinham divergências. Em mais de uma situação, o editor e a escritora discordaram sobre as capas dos livros. Um dos exemplos mais emblemáticos foi quando a Rainha do Crime detestou a capa de Os doze trabalhos de Hércules, mas Bill Collins a publicou mesmo assim. - “O design da capa de Hércules ocasionou as observações e sugestões mais complicadas e obscenas da minha família. Tudo o que posso dizer é: tente novamente!”, argumentou a escritora no escrito. Em outra situação, um de seus livros foi publicado antes da aprovação final. Ela viu o exemplar de seu último lançamento nas mãos de um fã, que a cumprimentou pelo trabalho. Christie ficou furiosa: - “Acho que está tratando seus autores de forma vergonhosa”, escreveu carta para Collins. Contudo, evidentemente as desavenças eram menores do que o lucro que a relação dos dois proporcionava. Em uma ocasião, Bill Collins até ofereceu um carro de presente para Christie, um Jaguar, mas a escritora o recusou, pois estava “muito velha para se divertir”. Ocasionalmente, a conversa dos dois passava do profissional para o pessoal. Em setembro de 1940, Collins perguntou à escritora se poderia ficar com seu jardineiro, Midgley, cuja esposa “estava desgastada” e queria uma mudança de cenário. Christie mais tarde perguntou a Collins, cujo irmão era um tenista famoso, se ele poderia arranjar bolas de tênis através de suas conexões de Wimbledon, já que era cada mais difícil de encontrá-las durante a guerra.

As ideias produzem as imagens de si mesmas em novas ideias. Mas como supomos que as primeiras são derivadas de impressões, continua sendo verdade que todas as nossas ideias simples procedem, mediata ou imediatamente das impressões correspondentes. Esse é o primeiro princípio que a filosofia de Hume estabelece na ciência da natureza humana. Pois cabe notar que a presente questão, a respeito da anterioridade de nossas impressões ou formação de ideias, é a mesma que produziu tanto barulho sob outra formulação, quando se discutiu se haveria ideias inatas, ou se todas as ideias derivam da sensação e da própria reflexão. A fim de comprovar que as ideias de extensão e de cor não são inatas, os filósofos nada mais fazem que demonstrar que elas são transmitidas por nossos sentidos. Para comprovar que as ideias de paixão e desejo são inatas, eles observam que experimentamos previamente em nós mesmos essas emoções. A faculdade pela qual repetimos nossas impressões da primeira vez se chama memória e depois da outra forma, imaginação. Mas se examinarmos  esses argumentos, veremos que eles nada comprovam, senão que as ideias em sua essência são precedidas por outras percepções mais vívidas, das quais derivam e as quais elas representam.

Como a imaginação pode separar todas as ideias simples, e uni-las novamente da forma que bem lhe aprouver, nada seria mais inexplicável que as operações dessa faculdade, se ela não fosse guiada por alguns princípios universais, que a tornam, em certa medida, uniforme em todos os momentos e lugares. Fossem as ideias inteiramente soltas e desconexas, apenas o acaso as ajuntaria; e seria impossível que as mesmas ideias simples se reunissem de maneira regular em ideias complexas se não houvesse algum laço de união entre elas, alguma qualidade associativa, pela qual uma ideia naturalmente introduz outra. Esse princípio de união entre as ideias não deve ser considerado uma conexão inseparável, tampouco devemos concluir que, sem ele a mente não poderia juntar duas ideias – pois nada é mais livre que essa faculdade. Devemos vê-lo apenas como uma força suave, que comumente prevalece, e que é a causa pela qual, entre outras coisas diversas, as línguas se correspondem de modo tão estreito umas às outras: pois a natureza de alguma forma  aponta a cada um de nós as ideias  simples mais apropriadas para serem unidas em uma ideia complexa. As qualidades não dão origem a tal associação, e que levam a mente, dessa maneira, de uma ideia a outra, são três, a saber: semelhança, contiguidade no tempo e no espaço, e causa e efeito.

Melhor dizendo, que as ideias da memória são muito mais vivas e fortes que as da imaginação, e que a primeira faculdade pinta seus objetos em cores mais distintas que todas as formas que possam ser usadas pela última. Ao nos lembrarmos de um acontecimento passado, sua ideia invade nossa mente com força, ao passo que, na imaginação, a percepção é fraca e lânguida, e apenas com muita dificuldade pode ser conservada firme e uniforme pela mente durante todo o período considerável de tempo. Temos aqui uma diferença sensível entre as duas espécies de ideias. Mas há uma outra diferença, não menos evidente, entre esses dois tipos de ideias. Embora nem as ideias da memória nem as da imaginação, nem as ideias vívidas nem as fracas possam surgir na mente antes que impressões correspondentes tenham vindo abrir-lhes o caminho, a imaginação não se restringe à mesma ordem na forma das impressões originais, ao passo que a memória está de certa maneira amarrada quanto a esse aspecto, sem nenhum poder de variação. É evidente que a memória preserva a forma original sob a qual seus objetos se apresentaram. A principal função da memória não é preservar as ideias simples, mas sua ordem e posição. Esse princípio se apoia em aspectos comuns e vulgares do dia a dia que podemos nos poupar o trabalho de continuar insistindo nele.

            Isto exige de nós que abandonemos nossa preocupação com a pretensão de objetividade e tornemo-nos satisfeitos com a intersubjetividade. São enormes as consequências no que diz respeito à problemática da verdade: por não ser rortyniano o conhecimento um “espelho da natureza”, mas algo que está fundamentalmente imbricado com a práxis dialogal e o contexto social, então a crítica das diferentes formas de práxis social é destituída de qualquer sentido, já que estamos presos pelos contextos simbólicos e qualquer tentativa de transcendência a eles significa um retorno à postura fundamentalista. Estabelecido que é impossível ir além do horizonte linguístico de opiniões justificadas, como se combina esta tese fundamental da reviravolta pragmática com a intuição de que sentenças verdadeiras levantam a pretensão de dar conta dos fatos do mundo. O desafio central do contextualismo está aqui: relacionar verdade e justificação. A reviravolta pragmática traz um modelo de conhecimento contraposto ao tradicional da representação, que é um modelo estático. Nossos conhecimentos constituem, na dimensão espacial, o resultado de trabalho sobre as decepções em nossa convivência inteligente com um mundo repleto de riscos, na dimensão social, a partir da legitimação de soluções de problemas frente às objeções de outros participantes da prática na dimensão argumentativa e, na dimensão temporal, a partir de processos de aprendizagem  alimentam a revisão dos próprios erros.

            No prefácio de Janet Morgan – Agatha Christie. Uma Biografia (2018) é revelador como a escritora valorizava sua privacidade. Ela raramente dava entrevistas e nunca se expunha dizendo: - Por que escritores deveriam falar sobre o que escrevem?”.  Ela acreditava que a reputação deveria ser boa ou ruim de acordo com sua obra, e esse desejo foi respeitado pela família, pelos amigos e conselheiros. Eles estavam prontos para analisar seriamente os textos dela, mas mantinham distância de quem procurava discutir a própria vida de Agatha. Mesmo assim, várias biografias foram publicadas, em diversos idiomas. Algumas não passavam de fantasias, enquanto outras se baseavam em fontes publicadas: matérias de jornal, resenhas, livros lançados por pessoas que a conheciam ou trabalhavam com ela (embora quanto mais eles a conhecessem, mais cautelosos eram em seus textos) e se basearam nos livros, peças e poemas escritos por ela, especialmente as memórias da Síria em Come, Tell Me How You Live, na Autobiografia e, também, nas reflexões do segundo marido em Mallowan`s Memoirs. Ipso facto, afirma Morgan, “em 1980, parecia que me havia chegado a hora de um relato completo e detalhado sobre a vida de Agatha Christie, e sua filha me convidou a escrevê-lo. Segundo ela, não fazia sentido embarcar nesta aventura a menos que todos os papéis da mãe fossem abertos para mim, com liberdade total para usá-los como eu achasse melhor. Portanto, este livro se baseia nas cartas escritas e recebidas por Agatha bem como em seus manuscritos, livros, álbuns de fotografias e recortes, diários, livros de endereços, recibos e contas, guardados desde antes do tempo de seus avós até os dias atuais. Todos os títulos dos meus capítulos são citações retiradas dessas fontes”. 

            Agatha Christie só se tornou a líder reconhecida entre os escritores de romances de mistério no início dos anos 1970, quando os editores britânicos e norte-americanos escolheram promover seus livros mais vagarosamente do que nunca. Ela mesma tinha conversado com Max, após a guerra, que deveria estar incluída entre os quatro autores eminentes de histórias de detetive no artigo que escreveu para a Rússia. Mesmo em 1961, contudo, os escritórios de Cork e Ober emitiram para a equipe uma lista de manuscritos de “Christie” que deveriam ser destruídos. Os admiradores de Agatha teriam considerado isso um sacrilégio. Esses admiradores ficavam numerosos a cada dia, bem como as exigências feitas por eles. Desde os anos 1940 ela era inundada com pedidos de fotografias, ajuda financeira, livros que aparentemente eram impossíveis de encontrar  em Malta, Japão, Brasil, Tchecoslováquia e Surrey, entre outros lugares. Boa parte dessa correspondência era interceptada  pelos agentes, embora Agatha sempre tivesse interesse no que os admiradores tinham a dizer, especialmente se pudesse indicar falhas ou omissões. Ela respondia pessoalmente a algumas cartas, incluindo as mais jocosas. Da Nova Zelândia chegou um pedido de uma fotografia para ser colocada em uma sala especial contendo 307 cópias de suas obras encadernadas em couro de bezerro.

            Ela recebia inúmeras perguntas, não só de aspirantes a biógrafos como de pessoas associadas a ela. – “Por que você escolheu uma velhinha encantadora como segunda detetive famosa?”, perguntou um admirador de Margaret Rutherford. – “Nenhum motivo em particular”, respondeu Agatha com firmeza, pois ela dava pouca atenção a essas perguntas. Um questionário especialmente imponente veio de uma revista italiana, interessada “no caráter fenomenológico e social”, além da natureza histórica e cultural “da participação da mulher na sociedade”. Perguntada sobre a causa do papel cada vez mais ativo das mulheres, Agatha atribuiu “à tolice das mulheres em abandonar a posição de privilégio obtida após muitos séculos de civilização. As mulheres primitivas trabalhavam incessantemente. Nós parecemos determinadas a voltar a esse estado voluntariamente – ou estamos dando ouvidos à persuasão e, consequentemente, deixando de lado as alegrias do lazer, do pensamento criativo e do aperfeiçoamento das condições domésticas”. Convidada a avaliar o quanto o progresso científico e tecnológico exigia a participação das mulheres, ela respondeu : “Devo dizer que consigo passar muito bem sem isso”, concluía o documento. Agatha escreveu uma frase curta e direta: “Provavelmente, não”. O volume de vendas e de correspondência, era outra medida de sucesso. Os números da Unesco, publicados em empresas de televisão e rádio, especialmente nos Estados Unidos, onde os números de audiência importavam muito, solicitavam incessantemente os direitos de exibir suas obras.   

            Enfim, Agatha utilizava vários conselheiros profissionais para cuidar de seus negócios: um advogado, um contador e Edmund Cork, que cuidava de contratos e decidia quando era sensato transferir ganhos do exterior para a Grã-Bretanha após consultar o contador e Ober. O maior volume de renda de Agatha  nos anos 1930 provinha dos Estados Unidos da América. Por ser “uma autora estrangeira não residente”, parecia que ela não precisava pagar impostos norte-americanos sobre contratos negociados nos Estados Unidos. A interminável discussão com as autoridades  tributárias era frustrante, porque Agatha gostava de tudo claramente indicado, organizado e simplificado. Mais problemática era outra consequência do sucesso em larga escala: a invasão de privacidade. Houve tentativas de tirar fotos aéreas de Greenway, além de constantes pedidos para visitar a casa e o jardim. Rosalind e Anthony ajudavam a recusar esses pedidos, pois se mudaram para Greenway um ano após o casamento de Mathew, quando ele, Ângela e a primeira bisneta de Agatha, Alexandra, ocupavam o Pwllyrach. Rosalind e Anthony viviam em Ferry Cottage, nos fundos do jardim, perto da água, mas passavam o dia na casa principal, com Anthony cuidando do imóvel e Rosalind gerenciando. Histórias idiotas na imprensa a magoavam, ainda mais quando estavam bizarramente em desacordo com os fatos. A revista Woman`s Own foi alvo de reclamações, sobre privacidade quando divulgou uma de suas matérias  como “entrevista rara” com “a mulher mais misteriosa do mundo”.             

Bibliografia geral consultada.

HUME, David, Tratado da Natureza Humana. Uma Tentativa de Introduzir o Método Experimental de Raciocínio nos Assuntos Morais. 2ª edição revista e ampliada. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 2009; PORTILHO, Carla de Figueiredo, Detetives Ex-Centricos: Um Estudo do Romance Policial Produzido nas Margens. Tese de Doutorado. Programa de Doutorado em Literatura Comparada. Instituto de Letras. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2009; CHRISTIE, Agatha, Poirot Sempre Espera e Outras Histórias. 6ª edição. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2008; Idem, Assassinato no Expresso do Oriente: Um Caso de Hercule Poirot. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2014; MENEGHETI, Pollyanna Souza, De Holmes a Poirot: Relações entre Literatura e História na Narrativa Policial Britânica. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários.  Faculdade de Ciências e Letras. Araraquara: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2014;  HOMASSEY, Marc, Les Adaptations Audiovisuelles du Crime de l`Orient Express d’Agatha Christie. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais. Lyon: Universidade de Lyon, 2017; CARDOSO, Andréa de Matos, A Aquisição de Estratégias de Escrita através do Universo da Narrativa Investigativa de Agatha Christie. Dissertação de Mestrado. Programa de Mestrado Profissional em Letras. Faculdade de Letras. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2018; MORGAN, Janet, Agatha Christie. Uma Biografia. 1ª edição. Rio de Janeiro: Editora Best Seller, 2018; RO, Christine, “Agatha Christie: Como Escritora Influenciou a Forma como o Mundo Vê os Ingleses”. In: https://www.bbc.com/portuguese/18/01/2019; GORITO, Lorena Alves, Questões de Adaptação na Transposição Fílmica Japonesa de  Assassinato no Expresso do Oriente. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós- Graduação em Estudos Literários. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2019; entre outros.

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