“O próprio Marx foi intensamente explorado em discursos didascálicos”. Maria Sylvia de Carvalho Franco
Maria Sylvia Carvalho Franco formou-se em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP) em 1952 e foi colega de turma do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Doutorou-se em 1964, sob a orientação do sociólogo Florestan Fernandes, com a tese: Homens Livres na Velha Civilização do Café (FFLCH/USP), considerada por um júri de intelectuais um dos 20 ensaios mais significativos da história do país. Maria Sylvia dirigiu o Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP) nos anos mais repressivos da ditadura militar (1964-1979). Tornou-se Livre-Docente em 1970 e professora titular em 1989. A Universidade de São Paulo tem um padrão: o teor de herança europeia, de ordem liberal e positivista trazido por aqueles célebres sociólogos, filósofos e cientistas políticos franceses. Desde Roger Bastide, que tem uma carga formalista enorme, até os que seguem a orientação de Émile Durkheim, um dos pais da sociologia moderna. Essa herança vem modelando a esfera social de uma tradição acadêmica que é calcada na pesquisa, fortemente de base tecnológica.
O sistema de Cátedras implantado na Universidade de São Paulo modificar-se-ia com a criação dos Departamentos na década de 1970. Tornava difícil a possibilidade de ascensão para mulheres. Muitas acabavam nem tentando os cargos mais altos ou a titulatura. Outros nem os perseguiam. As condições objetivas não eram realmente as mesmas igualmente para todos, o que não impediria que as mulheres escrevessem trabalhos clássicos, do ponto de vista acadêmico, como por exemplo, Maria Sylvia de Carvalho Franco, Homens Livres na Ordem Escravocrata (1964); Paula Beiguelman, A Formação do Povo no Complexo Cafeeiro: Aspectos Políticos (1978); Maria do Carmo Campello de Souza, Estado e Partidos Políticos no Brasil (1930-1964) (1976); Eunice Ribeiro Durham, A Caminho da Cidade: A Vida Rural e a Migração para São Paulo (1973); Maria Isaura Pereira de Queiroz, O Mandonismo Local na Vida Política Brasileira (1969), entre outros. Maria Isaura P. de Queiroz, por exemplo, nunca pretendeu a titulação máxima, seja a regência da Cátedra, seja a Titulatura, por não querer ter a vida de pesquisadora e de professora atrapalhada pelas infindáveis atividades burocráticas e administrativas típicas desses cargos. Mas talvez não corresponda à realidade: teve de concordar em ceder para Azis Simão o cargo de Titular.
A primeira grande contribuição de Azis Simão para a sociologia brasileira foi publicada em 1947: uma pesquisa sobre o voto operário em São Paulo. Pela primeira vez, a universidade estudava o comportamento político proletário. Estava definida uma linha de pesquisas que pautaria a carreira universitária do sociólogo e professor. A tese de Livre-Docência, defendida em 1964, transformou-se no livro: Sindicato e Estado. Suas Relações na Formação do Proletariado de São Paulo (1966), que aborda a gênese e formação do proletariado paulista. Contudo, tornou-se professor em 1957, vencendo os obstáculos impostos por sua cegueira. A nomeação oficial só veio dois anos depois de já estar trabalhando. Azis foi reprovado no exame e suas aulas, durante esse período, eram acompanhadas pela designação de um corpo médico. A contratação só pôde se dar oficialmente por meio de uma Lei Especial, apesar de o diploma de Azis Simão credenciá-lo ao magistério. Nascido em 1° de maio de 1912, tinha uma vocação política e vinculou-se ao movimento operário. Ligado aos intelectuais modernistas, também atuou no jornalismo e participou ativamente da oposição ao Estado Novo. Foi um dos fundadores da União Democrática Socialista. Azis Simão morreu em 1990 deixando sua contribuição e seu exemplo afetivo de vida e superação.
A
chave para explicar o ressurgimento da escravidão nas empresas açucareiras, segundo Franco (1978: 30 e ss.), está na organização destas últimas, determinada
pela estrutura dos mercados capitalistas, que já envolviam a interferência nos
centros produtores. É a isso que se deve a configuração do latifúndio, das grandes unidades de produção para a obtenção regular
quantitativamente do produto, mediante trabalhadores numerosos, conjugados e
controlados por sujeitos que detinham a propriedade do trabalho. Trata-se de
uma situação social em que se opera a dissociação radical entre o produtor
direto, os meios de produção e o produto do trabalho. Significava isto que se
determinava historicamente a constituição de uma categoria de homens
expropriados dos meios de produção e postos a serviço de outros. O recurso ao
trabalho escravo poderia ser explicado erroneamente com o argumento de que na
colônia seria impossível a preservação de homens
livres, na condição de expropriados, dada a abundância de terras, onde
todos poderiam encontrar meios de subsistência. O entrosamento entre produção
colonial e comércio capitalista, levou à organização das grandes propriedades
latifundiárias, numa época em que jamais
poderiam ter sido utilizados homens livres,
pela simples e forte razão de que o sujeito expropriado obrigado a vender sua força de trabalho não
existia como categoria social, capaz de preencher as necessidades de
mão-de-obra requeridas pela produção colonial.
Ipso
facto, a formação dos empreendimentos açucareiros não só implicou a
exploração sistemática e maciça de homens expropriados, mas seu próprio
crescimento, integrado aos mercados em expansão, estava condicionado a um
crescimento regular de mão-de-obra. Inscrita no movimento de expansão do setor
açucareiro, a escravidão moderna representa um momento importante na
organização social do trabalho, em vista de objetivos econômicos. Desse modo,
impõe-se a necessidade de uma massa
de homens disponíveis, prontos para serem incorporados ao processo de produção.
A escravidão representa, face à exigência, a possibilidade de mobilização
rápida e plástica de mão-de-obra, adequando-a às necessidades da produção
crescente. Correspondendo a essas exigências, a empresa açucareira assume a
forma de grande unidade de produção, assentada numa base técnica simples, necessária
e estável e cuja via de crescimento dependia da extensão, em termos absolutos,
da exploração dos fatores de produção.
A grande propriedade colonial
sintetizou dois princípios reguladores da vida econômica: produção direta dos
meios de existência e produção de lucro, que são essencialmente contraditórios.
Na história de acumulação do capital, a particularidade brasileira, as duas
práticas são constitutivas uma da outra. A produção e o consumo diretos
encontram sua razão de ser na atividade mercantil, como meios determinado
juntamente com a extensão das terras apropriadas, a tecnologia rudimentar, a
escravaria. A combinação colonial dos fatores de produção assentou, em larga
medida, na possibilidade do latifúndio auto-suprir-se, concebendo desse modo o
vínculo entre a produção direta dos meios de vida e a produção mercantil, como
práticas que se engam e se determinam, não correrá o risco de perder o
significado histórico da economia e da sociedade coloniais. Para compreender o
curso da história colonial, é preciso acentuar que a produção de gêneros
tropicais fez parte desse movimento, em que se generalizam as relações de
troca. Contudo, com o latifúndio e a escravaria se instala um modo de produção
presidido pelo capital, vale dizer, um sistema particular de dominação social.
Neste sentido, o trabalho escravo inscrito na modalidade
particular de produção definida na Colônia, configura-se como contrapartida
necessária do trabalho livre na Europa. O desenvolvimento de ambos e o
crescimento dos mercados, na Europa e na Colônia, formaram uma rede unitária de
determinações. Também entrelaçado nessa rede, está o destino do homem livre e
pobre no Brasil, com sua existência quase dispensável, mas que por longo tempo
o colocou a salvo de transformar-se num assalariado. A contradição não
antagônica é que o trabalho livre na Europa e na Colônia se negam e se
determinam através da mediação da escravidão. A modalidade de dominação que se desenvolveu na
sociedade colonial apresenta regularidades, muito embora esteja marcada pelas
diferenças existentes entre o estatuto do escravo e do homem livre. Em seu
sentido mais profundo e mais amplo, nunca é demais repetir, essa dominação
social tem suas raízes engendradas no regime de produção estabelecida, e mais
especificamente, na estrutura das propriedades agrícolas. A escravidão, que
nelas concentrou pessoal numeroso, e o caráter de latifúndio, que as manteve
isoladas umas das outras e distantes dos povoados, tornaram necessária uma
complicada diferenciação de funções internas relativas ao cultivo de gêneros
alimentares, indústria doméstica, oficinas de manutenção, serviços religiosos
etc., lhes conferiu o cunho que chama atenção: a aparência de uma unidade autônoma
de produção e consumo.
A tendência é conselheira quando temos de um lado, um quadro de pensamento que vai se formando e, de outro, que não se mistura, não amadurece no plano das ideias, pois encontra dificuldade da corporação admitir as hierarquias, as subjetividades culturais das práticas de trabalho e das práticas em grupos que se constituem na troca de favores. O Caso da Vara é um dos contos mais famosos de Machado de Assis. Publicado inicialmente na Gazeta de Notícias, no ano de 1891. Neste conto, Machado tem como escopo o drama pessoal de Damião, o protagonista, que deseja abandonar o seminário. Damião, seminarista sem vocação, fugido do seminário, troca a vara com que Sinhá Rita irá castigar a negra Lucrécia - pelo trabalho não terminado - pelos favores que a mesma lhe prestará intercedendo junto ao padrinho e, por este ao pai, no caso da fuga do seminário. Neste conto, que o autor situa em 1850, fica claro a relação de favor que caracterizava as relações sociais no século XIX brasileiro. Pode-se perceber a intenção do autor em analisar as cruéis relações de dominação entre seres iguais. Todos subjugados por um sistema político e social marcado pelo autoritarismo, mas que não hesitam em reproduzir e legitimar a opressão de que são as próprias vítimas. O ensaio Caso da Vara representa um dos exemplos típicos da crítica analítica machadiana, sutil, mas repleta de uma ironia amarga tendo como escopo a educação escolar.
Sobre seu processo de formação
técnico-metodológico Maria Sylvia de Carvalho Franco responde da seguinte
forma: - Parece-me que o melhor como resposta, é reconstituir um pouco a
atmosfera intelectual dos anos 1950 e 1960. Havia a preocupação de estabelecer,
entre nós, a sociologia e a antropologia como disciplinas científicas autônomas
e rigorosas, afastando-se tudo o que se considerava “impressionista” na
discussão metodológica. Duas premissas parecem ter conduzido a essa orientação.
Primeiro a própria criação da Faculdade, o modo como foi implantada. A tradição
francesa, com seu racionalismo de um lado, e seu positivismo de outro, veio ao
encontro das tendências autoritárias do setor liberal paulista. Nem foi por
outro motivo que o grupo [em torno de] de O
Estado de S. Paulo, ligado ao organicismo e ao evolucionismo, empenhou-se
em trazer a missão de jovens agregés.
Vindo com eles, o cientificismo passou pelas senhoras diletantes, como salienta
Lévi-Strauss sem dar-se conta de que isto não acontecia por acaso e do quanto o
saber formal e abstrato de que era portador vinculava-se à burguesia que o
festejava. Nos setores de Ciências Sociais, Émile Durkheim e Marcel Mauss
tiveram grande importância. Mais tarde, os alemães, notadamente Max Weber e Ferdinand
Tönnies, foram lidos com espírito análogo, atravessados pelo interesse
“positivo”. Os conceitos a priori do último, ou as formas lógicas do primeiro,
foram compreendidos pelo prisma empirista. Preparado este
campo, o desenvolvimentismo dos anos 1950 e 1960 teve seara fértil.
Os conceitos a priori do último, ou as formas lógicas do primeiro, foram
compreendidos pelo mesmo prisma analítico e empirista. A passagem do orgânico
para o mecânico, do tradicional para o moderno, da comunidade para a sociedade,
do estamento para a classe, tornou-se a moeda corrente do pensamento,
parâmetros propícios a colher os resultados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. Criticava-se
Parsons, mas prevalecia sua leitura “sistemática” dos alemães, aqui difundida
pela versão de Gino Germani. Nessa altura, o próprio Marx foi intensamente
explorado em discursos didascálicos,
sucedendo-se os esquemas doutrinários expressos pelas fórmulas estabelecidas,
sem maiores preocupações de ordem conceituai. Misturava-se, deste modo, noções
dos mais divergentes setores intelectuais, mas não como simples “bovarismo”,
tal como dizia Cruz Costa. Esta abstração - realidade brasileira - até hoje
constitui a varinha mágica de valorização, bastante autoritária, dos estudos
chamados “concretos”. Não ocorre, um só instante, a esses defensores do
"real", que este último, usado como Abre-te-Sésamo, não passa de metafísica deplorável. Esta limitação
fechou o campo à própria compreensão da dialética moderna. Tome-se, por
exemplo, o problema do materialismo. Dadas as restrições definidas pelas
famosas três fontes - filosofia clássica alemã, socialismo francês e economia
política inglesa - sua gênese em Marx é entendida apenas em função desses
resultados históricos. Jamais se questiona o trabalho de remodelação realizado
pelo renascimento inglês, pelas luzes francesas e pela revolução teológica
alemã, frente ao materialismo greco-romano. Não é por mera erudição acadêmica
que o jovem Marx inicia seu trabalho com a tese [de doutorado] sobre a Diferença [da Filosofia da Natureza] dos
Sistemas de Demócrito e Epicuro, e termina com a inversão completa do
idealismo, propondo, no Capital e na Critica do Programa de Gotha, uma
distinção originária entre Natureza e a alienação radical vigente na sociedade
capitalista.
De outra parte, o positivismo sempre
foi contrário ao liberalismo e este sempre se moveu em seu campo originário de
rompimento com as bases teológicas do saber e do poder. Entre nós, uma seleção
muito precisa foi operada no campo da consciência burguesa, em continuidade com
a visão acadêmica herdada dos franceses: o pensamento sofreu, por assim dizer,
um corte nítido e arbitrário no século XVII. De um lado, isto é compreensível
pela vulgarização do iluminismo, onde
o medievo confunde-se com as trevas. Conserva-se, entre nós, de preferência
este lado das Luzes, sem incorporar sua contrapartida necessária: a valorização
do pensamento anterior e independente do cristianismo. Até hoje (1981) o
Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP). não conta com um
curso de Filosofia Medieval, visto como requinte de especialização, e os
próprios cursos de Filosofia Antiga não recebem o apoio de que necessitam. No
campo de análise da filosofia os rumos de interpretação foram diversos. Houve
maior cautela teórica e até mesmo certa “polícia do conceito”, como se dizia
então, sobretudo no terreno da tradição dialética,
mas sem grande repercussão construtiva. A divisão do trabalho intelectual,
valorizando o tecnicismo, fechava, pela especialização, todo contato mais
profícuo (...). Justamente por causa das restrições do cientificismo, as
pessoas que se aventuravam a refletir sobre seus próprios procedimentos [metodológicos]
de trabalho ficavam sem recursos [analíticos].
Ler interminavelmente Descartes,
segundo a ordem das razões, é cortar de modo arbitrário uma questão subjacente
ao próprio texto do filósofo: a recusa de fundar o saber sobre a ordem das
matérias. Ora, este é o problema-chave de toda a controvérsia teológico-política,
simultaneamente epistemológica, dessa virada dos tempos. Quando nos encontramos
face aos textos materialistas e anti cartesianos do século XVIII, como o
anônimo Alma Material, constatamos a força com que se estabelecia a junção
materialismo - ateísmo, no ataque desencadeado pela política religiosa.
Descartes aí surge, num primeiro momento, como baluarte da Igreja, antes da
segunda investida dos católicos aristotélicos contra sua obra. Querer captar a
articulação interna do discurso cartesiano, sem considerar rigorosamente o
ponto em que ele se torna significativo, é sem dúvida passar longe de sua
“ordem das razões”. Foi nesse ambiente intelectual que me formei – afirma Maria
Sylvia - e contra ele procurei pensar. Por exemplo, foi com o acervo de conhecimentos
recebidos em Sociologia e Antropologia que iniciei uma pesquisa sociológica sobre
comunidade, num vilarejo do interior
de São Paulo, em região tida por tradicional.
Com surpresa – afirma Franco - comecei a constatar que nem teórica, nem empiricamente,
minhas observações tinham qualquer coisa a ver com as chamadas relações comunitárias, de parentesco,
de vizinhança ou de trabalho.
Depois
de demorada, atenta e infrutífera pesquisa de campo, e levada pelas pistas que
aí se apresentaram, dei-me conta de que a única possibilidade de compreender o
que se passava diante de mim seria através de uma reconstituição histórica da
vida caipira. Nos arquivos, nova
surpresa: a violência que os esquemas acadêmicos atribuíam essencialmente à
escravidão e esta com sua violência e irracionalidade, é contraposta à
exploração capitalista racional; a violência colonial continua explicada tautologicamente pelo trabalho
compulsório, revelava-se enraizada em outro solo, mais compreensivo, permeando
a sociedade como um todo, inclusive as “harmoniosas” comunidades. Pouco a pouco o quadro foi tomando forma e o
recurso ao regime escravista - sua própria violência - foi se determinando no
interior do sistema capitalista, não como elemento justaposto pela atividade mercantil, mas como recurso rápido e
plástico para suprir as necessidades de organização do trabalho postas pelas
novas articulações da produção e da circulação de mercadorias. Com essa
trajetória da sociologia à história, à filosofia e à literatura; da pesquisa de
campo ao arquivo e à análise e texto - minha carreira tem sido contestada por
alguns colegas “especialistas”. A exigência de não me fechar em compartimentos
estanques tem me valido, embora com dificuldades, a vantagem de pensar mais livremente
e tem me permitido também - a experiência com alunos é decisiva - ajudar outras
pessoas a refletir com independência, a usufruir da cultura e ser responsável
na atividade intelectual. Nos últimos anos venho me empenhado - diante da febre
do popular, do prático, do nacional - em discutir as falácias e componentes de
dominação, quando não a irresponsabilidade, presentes na imediatez das
preocupações com a realidade brasileira.
Entendemos que o regime iniciado com o golpe de Estado em 1° de abril de 1964, houve um aumento permanente do autoritarismo, marcado na área da educação com o banimento de organizações estudantis como a União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1967, consideradas subversivas. Em 1969, foi tornado obrigatório o ensino de Educação Moral e Cívica nos graus de ensino sendo que, no ensino secundário, a denominação mudava para a famigerada Organização Social e Política Brasileira (OSPB). Em 1964, no contexto da chamada Guerra Fria, foram assinados os acordos MEC-Usaid, entre o Ministério da Educação e a Agência para o Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos, através dos quais foram introduzidas algumas mudanças de caráter tecnicista. Em 1968, a Lei de Diretrizes e Bases passaria por mudanças significativas, com base em diretrizes do Relatório Atcon (de Rudolph Atcon) e do Relatório Meira Mattos, coronel da Escola Superior de Guerra. Foram negociados secretamente e só se tornaram públicos em novembro de 1966 após intensa pressão política e, sobretudo popular. Foram estabelecidos entre o Ministério da Educação (MEC) do Brasil e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), na sigla em inglês para reformar o ensino brasileiro de acordo com padrões impostos pelos Estados Unidos da América (EUA). Apesar da ampla discussão anterior sobre a educação, iniciada ainda em 1961, essas reformas foram implantadas pelos militares que tomaram o poder após o golpe militar de 1964.
O
fiasco intitulado Movimento Brasileiro de
Alfabetização foi criado em 1967, objetivando diminuir os níveis de analfabetismo
entre os adultos. O primeiro presidente da Fundação Mobral foi o capelão
militar Filipe Spotorno, substituído pelo banqueiro, economista, ministro da
Fazenda e ministro do Planejamento Mário Henrique Simonsen. Este foi
substituído por Arlindo Lopes Correia, engenheiro e antigo colaborador de
Roberto Campos no Ministério do Planejamento desde 1964. A ineficiência pedagógica
do Mobral foi comprovada através dos resultados estatísticos do Censo de 1980,
que revelaram o aumento de 540 mil pessoas no número absoluto de analfabetos de
15 anos e mais no decênio 1970-1980. Entre os anos 1960 e 1970, foi realizada
uma aparente “reforma universitária”, substituindo-se o sistema de Cátedras
pelo de Departamentos ou Institutos, além de ocorrer o desmembramento das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras
(FFCL). Em 1971, com uma nova LDB, ocorreu a reforma dos ensinos fundamental e
médio, durante o governo do general Médici. Foram integrados o primário,
ginásio, secundário e técnico. Disciplinas como Filosofia (no 2º grau)
desapareceram e outras foram aglutinadas em História e Geografia formaram, no 1º
grau, os chamados “Estudos Sociais”. As Escolas
Normais foram extintas. Em 1971, é
inventado o “vestibular classificatório”, garantindo a vaga nas universidades
apenas até o preenchimento das vagas disponíveis. Em 1982, foi retirada a
obrigatoriedade do ensino profissional nas instituições de Ensino Médio.
Um Colégio de Aplicação (CA) representa
um tipo de escola, uma instituição de ensino fundamental e/ou médio, mantido e
gerido por uma universidade publica em geral, e dedicado a aplicar as práticas
pedagógicas nela desenvolvidas. Por ser ligado a uma universidade, um colégio
de aplicação serve de campo de experimentação para inovações em didática e
gestão escolar. Sua função social é integrar a relação teoria e prática na
formação de alunos e professores. Universidades utilizam os colégios de
aplicação como local de testes de hipóteses das pedagogias, bem como local de
estágio profissional para os formandos das universidades. Os colégios de
aplicação têm a função de pôr em prática inovações que sejam estudadas e
pesquisadas no campo da Educação como área de conhecimento. Como parte
integrante de universidades, os colégios de aplicação têm a função de
disciplinar o tempo para o exercício das atividades de ensino, pesquisa e
extensão. Universidades públicas manietadas por reconhecido Esprit de corps, por aquela capacidade
inventada de um grupo fechado de manter a crença em uma instituição
ou objetivo, diante de oposição ou dificuldades, não vislumbram nem por
acidente constituir um Colégio de
Aplicação.
Os professores de ensinos fundamental
e médio nesses colégios são também professores da universidade ainda que não
dedicados ao ensino superior, muitos com titulação acadêmica de pós-graduação
(Mestrado, Doutorado), que cumprem tarefas como pesquisadores, produzindo novas
concepções de ensino e pesquisa e no plano da extensão acadêmica retornando o
conhecimento (feedback) da
instituição para a sociedade. Frequentemente, os alunos graduandos em cursos de
Educação, Pedagogia e as tradicionais licenciaturas em Letras, Matemática,
Química, História, Biologia, Geografia, Física e Educação Física de
universidades que mantêm colégios de aplicação realizam obrigatoriamente seus
estágios docentes nessas escolas. Mesmo inseridos na estrutura institucional de
universidades, devido à história social da universidade, nem sempre os Colégios
de Aplicação têm instalações localizadas no campus universitário. Alguns podem
ter prédios próprios, separados dos campi principais. Mas a maioria das
instituições públicas, no plano estadual e federal, não têm colégios de
aplicação. A questão nevrálgica diz respeito a seguinte pergunta: o que é que
os professores, os coordenadores e chefes de unidades colocaram em seu
respectivos lugares?
A
Universidade Federal de Santa Catarina, por exemplo, foi criada pela Lei n°
3.849, de 18 de dezembro de 1960, vinculada ao Ministério da Educação e
Cultura. Em fevereiro de 1961, foi criado um Ginásio de Aplicação, visando a
dar cumprimento ao que estabelece o Decreto-Lei n° 9.053, de 12 de março de
1946. O funcionamento do Ginásio de Aplicaçao proporcionou ao aluno do curso de
Didática, a prática de ensino, requisito exigido para a formação pedagógica
necessária ao desempenho da função docente do primeiro ciclo do Ensino Médio, o
curso ginasial, na Universidade Federal de Santa Catarina, foi autorizado pela
Portaria n° 673, de 17/07/61, da Diretoria do Ensino Secundário do Ministério
de Educação o e Cultura, filiando-o ao Sistema Federal de Ensino. De acordo com
depoimentos dos professores do Centro de Ciências da Educação que atuaram na
década de 1960, os professores do Departamento
de Métodos de Ensino do Centro de Educação (CED) eram também professores do
Ginásio de Aplicação. Isto é, estes professores ministravam aulas nas diversas
práticas de ensino e eram responsáveis pela regência de classe neste Colégio.
Estes dados não constam das atas da Congregação da referida Faculdade. No
primeiro ano de funcionamento, a Diretora do Instituto Estadual de Educação, de
Florianópolis, definiu que duas turmas daquele estabelecimento de ensino
passariam a constituir as 5ª e 6ª séries do Ginásio de Aplicação, conforme o
Livro nº 1 de Atas da Congregação de Professores da Faculdade Catarinense de
Filosofia, 1961 (cf. Sena, 1987).
No
caso da professora Guiomar Osório de Sena, O Colégio de Aplicação no Contexto
das Universidades Brasileiras (1987) é pesquisa pioneira por três motivos: a)
foi realizada pelo emergente curso de Mestrado em Administração da Universidade
Federal de Santa Catarina; b) trata-se de pesquisa teórica e empírica realizada
entre 1978 a 1984, e na relação das entidades brasileiras cujos dirigentes são
membros do Conselho de Reitores das
Universidades Brasileiras (CRUB) de dimensão nacional; c) com os dados
colhidos na periodização da pesquisa no Catálogo das Universidades Brasileiras,
existem cinquenta e nove (59) Instituições de Ensino Superior (IES) federais,
oitenta e cinco (85) estaduais, cento e vinte e duas (122) pertencentes â rede
municipal de ensino e seiscentas e vinte e duas (622) vinculadas ã rede
particular de ensino. O universo da pesquisa é constituído de onze (11)
Colégios de Aplicação pertencentes a universidades federais, cinco (5) Colégios
de Aplicação Estaduais, dos quais três (3) vinculados a universidades estaduais
e dois (2) a instituições isoladas estaduais, um (l) vinculado a instituição
isolada municipal, um (1) pertencente à Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro e, consequentemente, da rede particular de ensino e vinte e um (21)
Colégios de Aplicação vinculados a
instituições isoladas particulares. Dos trinta e nove (39) Colégios de Aplicaçao analisados na pesquisa
empírica, dois (2) foram criados antes de 1950, sendo um deles anterior ao
surgimento do Decreto-Lei n° 9053, de l2 de março de 1946, que “cria um Ginásio
de Aplicaçao anexo às Faculdades de Filosofia do País”. Isto é, 2,5% do total existente.
A ocupação de um cargo representa
uma profissão. Isso se evidencia
primeiro, na exigência de um treinamento rígido, que demanda toda a capacidade
de trabalho durante um longo período de tempo e nos exames especiais que, em
geral, são pré-requisitos para o emprego. A posição do funcionário tem a
natureza de um dever. Isso determina
a estrutura interna de suas relações, jurídica e praticamente, pois a ocupação
de um cargo não é considerada como uma fonte de rendas ou emolumentos a ser
explorada como ocorria, comparativamente, durante a Idade Média e frequente até
recentemente. Nem é a ocupação do cargo
considerada como uma troca habitual de serviços por equivalentes, como é o caso
dos contratos livres de trabalho. Seu ingresso, inclusive na economia privada,
é considerado como a aceitação de uma obrigação específica de administração
fiel, em troca de uma existência de trabalho segura. É decisivo para a natureza específica
da fidelidade, que no tipo puro utilizado na análise social, ele
não estabeleça uma relação pessoal,
como era no caso da fé que tinha o senhor ou patriarca nas relações feudais ou
patrimoniais. A lealdade moderna é dedicada a finalidades impessoais e
funcionais. Atrás das segundas, estão habitualmente, é claro, “ideias de
valores culturais”.
A burocracia moderna, segundo Max Weber (1982), funciona da seguinte forma específica: 1. As atividades regulares necessárias aos objetivos são distribuídas de forma fixa como deveres oficiais; 2. A autoridade de dar ordens se distribui de forma estável, sendo rigorosamente delimitada pelas normas relacionadas com os meios de coerção, físicos, sacerdotais ou outros que possam ser colocados à disposição dos funcionários ou autoridades; 3. Tomam-se as medidas metódicas para a realização regular e contínua desses deveres e para a execução dos direitos correspondentes; somente as pessoas que têm qualificações previstas por um regulamento geral serão empregadas. Nos governos públicos e legais, esses três elementos constituem a autoridade burocrática. No domínio econômico privado, constituíam a administração burocrática. A burocracia assim compreendida se desenvolve plenamente em comunidades políticas e eclesiásticas apenas no Estado moderno, e na economia privada, apenas nas mais avançadas instituições do capitalismo. A autoridade permanente e pública com jurisdição fixa, não constitui a norma histórica, mas a exceção. Os princípios da hierarquia dos postos e dos níveis de autoridades significam um sistema firmemente ordenado de mando e subordinação no qual há uma supervisão dos postos inferiores pelos superiores. Com o pleno desenvolvimento do tipo burocrático de dominação legítima, a hierarquia dos cargos é organizada burocraticamente.
Assim, o princípio da autoridade hierárquica de cargo encontra-se em todas as organizações burocráticas: no Estado e nas organizações eclesiásticas, bem como nas grandes organizações partidárias e empresas privadas. A administração de um cargo moderno se baseia em documentos escritos (“os arquivos”), apresentados em sua forma original ou em esboço. Há, porém, um quadro de funcionários e escreventes subalternos de todos os tipos. O quadro institucional de funcionários que ocupe ativamente um cargo público, juntamente com seus arquivos de documentos e expedientes, constitui uma “repartição”. Na empresa privada a “repartição” é frequentemente chamada “escritório”. Mas, em princípio, a organização, a organização moderna do serviço público separa a repartição do domicílio privado do funcionário e, em geral, a burocracia segrega a atividade oficial como algo distinto da esfera da vida privada. Enfim, a administração burocrática, pelo menos toda a administração especializada, pressupõe habitualmente um treinamento especializado e aparentmente completo.
O mesmo quase não correra com Paula Beiguelman (1953; 2003), que pretendia
abertamente a obtenção da regência. Ou, de outra forma, Gioconda Mussolini
(1953; 1980), que não conseguiu a Cátedra, por causa de infindáveis
auto-exigências. Esses fatos sociais não isolados nas universidades públicas
supõem que o modo de funcionamento das
Cadeiras, segundo Espirandelli (2008: 86), seja realmente um bom pressuposto
para pensar as formas de sua organização e estrutura assimétricas, bem como sua
relação com as origens sociais dos respectivos integrantes, além das relações
de gênero e de geração entre eles. Estariam todas as condições dadas na lógica
do interior do sistema burocrático. Esta cartografia do desejo demonstra o
quanto o formato rígido e patriarcal delas limitava, restringia ou moldava os
destinos intelectuais, escolhas e opções por temas e objetos de pesquisas. Esse
funcionamento estava, portanto, na base da produção das obras das professoras
que integram essas mesmas Cadeiras. Daí
que a suposição sobre preconceito oriundo das relações de gênero soma-se às
injunções de origens sociais, de geração e de disputas de poder nas relações no
interior das cadeiras, para a compreensão da questão. Nos anos 1970 “migraram”
para a área de Ciência Política do tradicional Departamento do curso de
Ciências Sociais.
Paula Beiguelman fora (1953; 2003) uma grande
amiga de Gioconda Mussolini (1953; 1980) na Faculdade nasceu na cidade litorânea
de Santos em 1926. Com origens proletárias e urbanas e de família judia
modesta, teve dificuldades econômicas na infância. Estudou em colégio público
em sua cidade natal, tendo uma das histórias de vida mais diferenciadas entre
as demais. De origem judaica, proveniente do proletariado, seria aluna dedicada
e precoce pelos anos de seu nascimento e de formaturas, 1926 e 1944/1945,
ingressou na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo com 16 anos de
idade por ter sido arrojada. Ao terminar o bacharelado e a licenciatura pela
faculdade de Filosofia em 1945 e antes de iniciar a carreira como cientista
social, tornou-se funcionária pública concursada do Departamento de Serviço
Público. Depois transferiu-se para o Departamento Estadual de Estatística , da
Secretaria do Governo. Deixou o emprego quando foi convidada por Lourival Gomes
Machado para, comissionada como horista,
lecionar na Faculdade em 1949, como Auxiliar de Ensino na Cadeira de Política,
no momento em que esta era regida por Charles Morazé. Substituiu em 1952, o
primeiro assistente da Cadeira de Política, Lourival Gomes Machado. Foi seu
colaborador na Cadeira por vários anos, ao tempo em que ele, regente titular
encontrava-se na Europa, trabalhando para a fabulosa Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Ao longo de seu trabalho na
Faculdade teve como principais colaboradores Célia Nunes Galvão Quirino dos
Santos e Maria do Carmo Campello de Souza; e, por certo período, contou com o
auxílio de Nely Pereira Pinto Curti, Cecy Martinho e Marly Martinez Ribeiro Spínola.
Doutorou-se na área de Política com a tese intitulada: Teoria e Ação no Pensamento Abolicionista, em 1961, e tornou-se
professora livre-docente com a tese: Contribuição
à Teoria da Organização Política Brasileira, em 1967. A importância de
Paula Beiguelman reside no estudo da formação política do povo brasileiro,
estando esta temática sistematizada nas obras Formação Política do Brasil.
Pequenos Estudos de Ciência Política e, a tese A Formação do Povo no Complexo Cafeeiro: Aspectos Políticos. Esta
tese foi apresentada no concurso em que disputou com o Livre-docente Fernando
Henrique Cardoso, em 1968, a obtenção da regência da Cadeira de Política,
tornada vaga com o falecimento de Lourival Gomes Machado. O sociólogo foi o
vencedor com a tese: Política e
Desenvolvimento em Sociedades Dependentes: Ideologias do Empresariado Industrial
Argentino e Brasileiro. Paula Beiguelman era a candidata mais natural ao
cargo, devido ter trabalhado com Lourival de modo mais sistemático desde 1954.
A esse respeito Spirandelli (2008) sustenta a ideia de que a hegemonia da forma
de se fazer ciência na Faculdade de Filosofia da USP era o intuito do grupo em
torno de Florestan Fernandes – grupo este que, além de dominante contava com o
também predomínio de homens. Ou seja, poderia ser também um “acordo de cavalheiros”
sua vitória. Assim eram muitos concursos para Cátedras.
Bibliografia
geral consultada.
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