Ubiracy de Souza Braga*
“Falar é uma necessidade, escutar é uma arte”. Johann Wolfgang von Goethe
O pensamento grego dividiu o tempo da memória de seu passado, sobre o tempo da era heróica, durante o qual a tradição oral grega foi criada e mantida tendo como resultado a criação de um passado mítico baseado em elementos que diferiam em caráter e precisão, cuja origem remontava a períodos de tempos esparsos. Essa tradição transmitia e simultaneamente criava o passado. O principal objeto ocorreu com a formação e manutenção da identidade grega realizada pela criação da consciência e do orgulho pan-helênicos em que emerge um governo aristocrático e especialmente o direito da aristocracia de governar enfatizando às suas notáveis qualificações e virtudes. Trata-se de um processo de criação mítica que não termina no século VIII a. C., final do chamado período Homérico e quando se tem historicamente a formação da polis. Ele continua presente na mitificação de indivíduos combinando elementos antigos com novas formas, adaptando-se às mudanças religiosas e políticas. A era pós-heróica é demarcada pelo interesse na preservação do passado remoto e mítico, todavia totalmente vivo na consciência grega e expressou-se pela conservação e repetição do mapa mítico. O passado heroico era alvo de uma atenção passiva que assegurava a sua manutenção na lembrança social, na versão aceita e perpetua-se nas gerações futuras por meio da preservação desse conhecimento e da sua permanente utilização.
Primeiro, o registro desse passado não dispunha de documentos nem arquivos de onde retirá-los, por essa razão foi preservado por meio da oralidade. No segundo momento, da oralidade à prática cultural, incluindo-se o registro etnográfico, tem-se a elaboração do universo ritual que fiel às origens da tradição, acaba por consolidar a relação fala-ação que consagra o princípio de que o mito é o principal veículo de comunicação da memória na sociedade grega. A condição significativa da mensagem criou a necessidade de comunicar-se. E assim funcionou como motor de todo tipo de codificações expressivas, sendo a linguagem e a escrita instrumentos de comunicação oral e escrita sujeitos as limitações de espaço e lugar e a sua transmissão através da distância entre o emissor e o receptor. Etnograficamente pode-se dividir em quatro fases a história da codificação de signos e fonemas aos serviços da relação inter-humana: mnemônica, pictórica, ideográfica e fonética. A primeira periodização se caracterizou pelo emprego de objetos reais como dados ou mensagens entre pessoas que viviam aparentemente alheios e não pertenciam ao mesmo sistema convencional de comunicação. Os antigos chineses, escreve Albert A. Sutton, e inclusivamente outras tribos primitivas mais recentes, utilizaram com muita frequência o quipo, cada um dos cordões nodosos uados pelos peruanos, no tempo da monarquia dos Incas, que formavam um método de análise mnemônico, fundado nas cores e ordem dos cordões, número e disposição dos nós, etc., para presentificar dias felizes, para servir como instrumentos de cálculo, ou guardas de recordações da memória dos mortos das tribos.
Na segunda, a comunicação se transmite mediante a pintura, a representação dos objetos. Estas gravuras aparecem não só na pintura rupestre, e também sobre objetos variados, tais como utensílios, armas ou artigos de valor empregados para o intercâmbio comercial. Na terceira, resulta de uma associação de símbolos pictográficos como objetos e ideias. Nesta fase, os signos se empregam cada vez mais na representação de ideias, numa progressiva separação da estrutura do objeto a comunicar e uma modelação cada vez mais simbólica que aproximará no signo alfabético, na escritura. A expressão ideográfica serviu para as formas primitivas de “relatos”, tal como podemos valorar na escritura ideográfica das culturas pré-colombianas ou mesopotâmicas, ainda que o máximo tipo cultural deste sistema de comunicação representou a escrita hieroglífica dos egípcios. A última se estabelece quando o signo representa um som, fora das palavras inteiras, de sílabas ou do que chamamos letras, como unidade fonética. A invenção cultural do alfabeto representou o ponto máximo da codificação da comunicação, propiciada precisamente por aqueles povos de maior desenvolvimento social e de maior interrrelação comercial com outros povos.
O alfabeto era uma chave de intercomunicação e ao mesmo tempo um aríete de penetração cultural em mãos dos povos da antiguidade criadores das primeiras rotas de comércio marítimo e terrestres. A relação binômica entre comércio e comunicação social é delimitada por Gordon Childe (cf. Faulkner, 2007) nas civilizações orientais. Os artesãos livres podiam viajar com as caravanas buscando um mercado para seu ofício enquanto que os escravos formavam parte da mercadoria. Os forasteiros em um país estranho pediam os conselhos da religião. Uma cena esculpida em um jarro por um artista sumério descreve um culto índio que se celebrava em templo de Arrad. A descoberta de um templo monumental datado do final do século X e início do século IX a. C. surpreendeu arqueólogos em Israel. A existência do complexo religioso, situado onde ficava a antiga cidade de Moza, contradiz textos bíblicos que abordam aquele período da história da religião. Se os cultos se transmitiam, as artes e os ofícios úteis podiam difundir-se com análoga facilidade. O intercâmbio promoveu a mancomunada experiência humana.
Fosse qual fosse o sistema de signos empregados para a comunicação social necessitavam de um suporte material onde inscrever-se e a possibilidade de criar um âmbito de emissão e recepção. Desenvolveram-se sistemas paralelos de comunicação mediante escritura em todas as civilizações que haviam alcançado um parecido sistema de organização social e desenvolvimento cultural. Estes sistemas ajudam já a um forcejo tecnológico para melhorar os suportes essenciais dos materiais da escritura. Os egípcios empregaram o papiro a partir de uma matéria-prima de que dispunham abundantemente nas margens do fabuloso Nilo: a medula de velhos, que podia prensar-se, laminar-se e conservar os seus gravados durante muito tempo. Para começar, intercomunicar-se Alfabetos, tecnologia de escritura e os materiais para fazê-la possível. Os gregos aceitaram o alfabeto Fenício e na impossibilidade de dispor de pairos empregaram tabuletas de madeira coberta de cera. Os romanos adotaram novos suportes de escritura como o pergaminho ou a vitela. O (des)cobrimento do papel tardaria a chegar à Europa, mesmo com evidências que a China dispunha dele no ano 105. Ts`ai Lun comunicou ao imperador “um novo material sobre o qual era uma delícia escrever”.
O sistema social condiciona o sistema de comunicação. A comunicação sempre vem unida à existência da mudança de mercadoria e à busca de matérias-primas que já mobilizou aos antigos. As rotas comerciais e de expansão imperial depredatória da antiguidade foram autênticos canais informativos, lentos e precários, que abasteceram aos homens de um conhecimento aproximado dos limites do mundo reconhecido e das tentações dos outros considerados desde cada especial forma de etnocentria. Os sistemas de correio e a comunicação ligada a sociedades em processos de mudança social formam os primeiros instrumentos de comunicação internacional. Os editos e decretos, os primeiros instrumentos de comunicação intracomunitária. Uns e outros instrumentos nasceram com a associação humana e só foram qualitativamente modificados quando apareceu a imprensa. Todo processo de trabalho é um processo de comunicação, embora nem toda comunicação represente trabalho social. A impressão de regressão que suscita o trânsito do Império Romano e a fragmentação política seguinte se vê alimentada, sobretudo pelo evidente obstáculo cultural. Contudo, ainda que no marco político e econômico da evolução histórica, sua queda é consequência do enfraquecimento entre a organização do Estado e as necessidades objetivas (materiais) dos homens e das comunidades societárias submetidas à superestrutura jurídico-política imperial.
A comunicação com o Oriente e a própria dinâmica da produção e o comércio empurraram a Europa da Baixa Idade Média a uma série de descobrimentos técnicos que afetaram o sistema de comunicação social global. O passo da Idade Média ao Renascimento é uma mera convenção didática, last but not least, sobre a extraordinária produção historiográfica sobre este período histórico-sociológico. Ipso facto, a imprensa nasceu quando um tipo móvel suscetível de alinhar-se para compor palavras, linhas, depois de tingida a composição, se reproduzia sobre o papel mediante pressão. Em todo o século XV ocorreu uma série de acasos tecnológicos ni tipo móvel de Gutemberg. Mas, previamente a aparição da Bíblia impressa por Gutenberg, em 1546, em Manguncia, já se conheciam amostras de impressão baseada na utilização de tipos móveis. Contudo, a imprensa incidiu inicialmente mais no terreno da literatura que da informação propriamente. Quando apareceu a imprensa, a informação escrita tinha certamente relevância história. Toda tecnologia tende a criar um novo mundo. A escritura e o papiro criaram o ambiente para os impérios do mundo antigo. O estudo da Reforma, Contra-Reforma e lutas religiosas, apresentaram grande interesse no processo de comunicação: o rastro de uma e outra intransigência é sangrento. Os católicos mataram Giordano Bruno, e os protestantes via Calvino, mataram Miguel Servet.
A importância ideológica do Areópago de Milton deve ser medida por sua equidistância com os protestos gregos contra a repressão intelectual e os primeiros teóricos da relação entre o poder e a liberdade de expressão: o Areópago, representa um tribunal de justiça ou conselho, célebre pela honestidade e retidão no juízo, que funcionava a céu aberto no outeiro de Marte, antiga Atenas, desempenhando papel importante em política e assuntos religiosos. O Areópago é uma ilhota teórica em um imenso oceano que tem, de um lado, os sofistas gregos, e de outro, Jefferson e Stuart Mill, do liberalismo burguês. Napoleão compreendeu que devia manietar os meios de comunicação social se quisesse criar uma imagem imaculada do poder pessoal. Visível cabeça dessa nova classe dirigente levou esse medo ao nível característico do terror do ditador à sua própria imagem. O capitalismo em expansão necessitava desenvolvimento tecnológico e científico. Necessitava de mão-de-obra mais culta e especializada para a complexidade do processo industrial. Necessitava, além disso, saltar barreiras de níveis políticos do protecionismo econômico e comercial para sua expansão imperialista.
Todos os colonizadores em todos os tempos sempre tiveram sob seu domínio o controle da informação. Palavra aparentemente vaga, mas que contém o princípio, desde as suas origens, de um conhecimento relativo a um sujeito mais ou menos conhecido. Isto porque concordamos como o fato de que a experiência histórica nos ensina que frequentemente as ideias nascem, e ficam adormecidas durante séculos, para serem renascidas, quando o homem antropologicamente tiver evoluído o suficiente, até obter consciência de sua grandeza ou da utilidade de sua aplicação. A palavra fenomenologia, ao que tudo indica, foi usada pela primeira vez pelo matemático e filósofo suíço-alemão Johann Heinrich Lambert e, posteriormente, com sentido distinto, através da dialética, por G. W. Friedrich Hegel, na sua Fenomenologia do Espírito, de 1807. Dessa forma, a Eileintung (Introdução) à Fenomenologia foi concebida ao mesmo tempo em que a obra e redatada em primeiro termo. Parece, pois, que encerra o primeiro pensamento do que saiu toda a obra.
Verdadeiramente constituem uma Introdução em sentido literal aos três primeiros momentos de toda a obra, isto é: a consciência, a autoconsciência e a razão, enquanto a última parte que contêm os particularmente importantes desenvolvimentos sobre o Espírito e a Religião ultrapassa por seu conteúdo a Fenomenologia tal como é definida stricto sensu na citada introdução. Hegel repete suas críticas a uma filosofia que não fosse mais que teoria do conhecimento. E não obstante, a Fenomenologia, como tem assinalado alguns de seus melhores comentaristas, marca em certos aspectos um retorno ao ponto de vista de Kant e de Fichte. E em que novo sentido devemos entendê-lo? Ora, se o saber é um instrumento, modifica o objeto a conhecer e não nos apresenta em sua pureza; se é um meio tampouco, nos transmite a verdade sem alterá-la de acordo com a própria natureza do meio interposto. Se o saber é um instrumento, isto supõe que o sujeito do saber e seu objeto se encontram separados; por conseguinte, o Absoluto seria distinto do conhecimento, pois, nem o Absoluto poderia ser saber de si, nem o saber poderia ser saber do Absoluto. Contra tais pressupostos a existência mesma da ciência filosófica, que conhece efetivamente, é já uma afirmação.
Se a obra Fenomenologia representa o itinerário da alma que se eleva ao espírito por meio da consciência, fora de dúvida a idéia de semelhante itinerário foi sugerida a Hegel pari passu com a convergência entre as obras literárias, como também aquelas que nos parecem referidas como “novelas de cultura” tendo em vista a leitura feita sobre o Emílio, de Jean-Jacques Rousseau. O campo do possível é constituído historicamente: cada forma de sociabilidade, cada estilo de linguagem, escolhe, por assim dizer, os seus possíveis; a cada abertura, esboçada por uma linguagem particular, corresponde um fechamento que lhe é indissociável. O gênio nada pode contra as regras que secreta cada estrutura histórica. Ou seja, ao formar a coisa, forma-se a si mesmo. Além disso, que a formação prática é posta à prova no fato de que preenchemos as exigências de nossa profissão totalmente e em todas suas facetas. Nisso se inclui, porém, que se supere o estranho, o mito religioso da leitura, que ela apresenta para a particularidade que se é, e inclui fazer esse estranho totalmente seu. Entregar-se ao sentido universal da profissão é, ao mesmo tempo, saber limitar-se, ou seja, fazer de sua profissão uma questão inteiramente sua. Nesse caso, ela não será nenhuma limitação para ele.
O desenvolvimento industrial exigiu uma profunda comoção num sistema de comunicações global ligado a velha economia agrária e artesanal. No século XVIII se haviam lançado agressivas políticas de obras públicas com o objetivo de criar uma infraestrutura de redes viárias que estivessem á alturas das circunstâncias sociais. O interesse pelas ciências geológicas e geográficas nascido no século XVIII, biológicas no século XIX, e tão esplendidamente ultimado neste, era filho da necessidade de criar redes viárias, de converter o conhecimento geográfico em uma plataforma para a busca de fontes de matérias-primas, assim como a possibilidade analógica de um conceito de sociedade. Uma série de inventos e descobertas científicas permitiu dotar os melhores instrumentos, para lutar contra as limitações de tempos e espaço que Marx chama atenção para este fato a serviço da expansão industrial. As conquistas contra essas limitações seriam aproveitadas pelos meios de comunicação de massa, já desde o primeiro quartel do século XIX em condições de abastecer realmente a um público urbano, como demonstraram Friedrich Engels e alguns historiadores vis-à-vis este processo, perfeitamente configurado e o suficientemente culturizado para estar em condições sociais e tecnológicas de receber mensagens produzidas em série.
As massas de trabalhadores urbanas, conforme acentuam, interessam como chave da opinião pública, como consumidores suscetíveis da persuasão: consumidores de ideias, produtos e projetos nacionais dos grandes líderes da economia e política que protagonizavam a expansão imperialista do século XIX, através de um novo passo no processo de mundialização da ordem capitalista, depois das cruzadas, da expansão ultramarina, da colonização e de outros processos da história. Por isso, a imprensa acaba por superar todas as limitações ao nível ideológico e se faz o impossível para que supere as limitações ao nível de estrutura, relacionadas com o vagar da tecnologia do século XIX, que a caracterizara desde os grandes inventos do seiscentismo. O industrialismo necessita desenvolvimento tecnológico em suas estruturas comunicacionais para sobreviver e crescer segundo os imperativos de sua própria lógica interna. A interrrelação é clara entre o domínio democrático e transparente sobre o controle da informação na história. Outrossim, quando tomamos como objeto de reflexão o domínio da informação, devemos igualmente levar em conta as práticas sociais representadas na teoria em seus múltiplos efeitos, principalmente os referentes às mudanças ideológicas ou psicológicas, sobre os indivíduos e coletividades, grupamentos e classes sociais.
Este fato histórico e social relativamente novo põe em jogo sistemas de informação e de manipulações psicológicas em grande escala, por meio dos meios de comunicação de massa, das sondagens, dos sistemas Welfare State que servem basicamente para designar o Estado assistencial. Contudo, pode-se afirmar que o que distingue o Estado do Bem-estar de outros tipos de Estado assistencial não é tanto a intervenção estatal na economia e nas condições sociais com o objetivo de melhorar os padrões de qualidade de vida da população, mas o fato dos serviços prestados serem considerados direitos dos cidadãos. Na universidade pública em geral e naquelas de formação autoritária, a guerra de movimento entre pesquisadores e alunos é tão evidente que tem mudado fundamentalmente as condições sociais de desenvolvimento da pesquisa, predominando o utilitarismo, em detrimento do especulativo e do fundamental. Mesmo Foucault, obcecado, como “confessou” com metáforas espaciais, imagina quando pressionado, quando e por que o espaço foi tratado como morto, o fixo, o não dialético, o imóvel, enquanto o tempo, pelo contrário, era riqueza, fecundidade, vida, dialética. Embora saibamos que estamos longe de qualquer referência às simples formas geométricas. A casa vivida não é uma caixa inerte. O espaço habitado transcende o espaço geométrico.
Este fato histórico e social relativamente novo põe em jogo sistemas de informação e de manipulações psicológicas em grande escala, por meio dos meios de comunicação de massa, das sondagens, dos sistemas Welfare State que servem basicamente para designar o Estado assistencial. Contudo, pode-se afirmar que o que distingue o Estado do Bem-estar de outros tipos de Estado assistencial não é tanto a intervenção estatal na economia e nas condições sociais com o objetivo de melhorar os padrões de qualidade de vida da população, mas o fato dos serviços prestados serem considerados direitos dos cidadãos. Na universidade pública em geral e naquelas de formação autoritária, a guerra de movimento entre pesquisadores e alunos é tão evidente que tem mudado fundamentalmente as condições sociais de desenvolvimento da pesquisa, predominando o utilitarismo, em detrimento do especulativo e do fundamental. Mesmo Foucault, obcecado, como “confessou” com metáforas espaciais, imagina quando pressionado, quando e por que o espaço foi tratado como morto, o fixo, o não dialético, o imóvel, enquanto o tempo, pelo contrário, era riqueza, fecundidade, vida, dialética. Embora saibamos que estamos longe de qualquer referência às simples formas geométricas. A casa vivida não é uma caixa inerte. O espaço habitado transcende o espaço geométrico.
O cenário para seu nascimento não pode ser mais bem escolhido nem mais significativo do que seu apadrinhamento. No primeiro caso, o autoritarismo refere-se aos regimes e instituições políticas que privilegiam a autoridade governamental e diminuem de forma mais ou menos radical o consenso, concentrando o poder político e colocando em posição secundária as instituições representativas. Assim, em sentido amplo fala-se de regimes autoritários para designar regimes antidemocráticos, a partir de um raciocínio linear onde é dada mais importância à oposição entre autoritarismo e democracia que à própria definição do conceito de autoritarismo. Através desta oposição, afirma Martins (1999), denuncia-se as restrições ao pluralismo partidário, a formação de estamentos burocráticos relativamente distantes das pressões sociais e a extensão exagerada da concepção de territorialidade do Estado com efeitos inibidores sobre a organização espontânea de movimentos sociais e empresariais urbanos no campo da sociedade civil. No debate político brasileiro, as análises sociais sobre personalidades autoritárias são produzidas nos universos de teorias como a concepção weberiana livre de julgamentos de valor e a freudiana, contrariamente, retida no inconsciente, que permitem uma análise comportamental certamente mais bem detalhada.
A constatação de que as experiências autoritárias possuem certas características comuns, exempli gratia, decorre da centralidade do princípio da autoridade, existência de um comando apodítico e obediência incondicional são insuficientes à medida que podemos argumentar serem essas características compartilhadas por experiências democráticas, desde que haja um acordo político entre os indivíduos-cidadãos. No fundo, a questão é de saber como se dá representação de autoridade no interior dos sistemas de poder. Essas imprecisões reproduzem as próprias limitações do conceito de autoridade tal como é normalmente apresentado pelos cientistas políticos. Por outro lado, vemos que um problemático processo de reativação de certos “conflitos arcaicos” (racistas, étnicos, religiosos, fundamentalistas, corporativistas entre outros) emerge por trás dos signos aparentemente alvissareiros de uma cultura de massa mundial, acompanhando a fragmentação das antigas referências culturais nacionais, regionais e locais. Curiosamente o imaginário clânico tem como símbolo central a figura histórica e polêmica do colonizador e não a do colono. Por conseguinte, a representação imaginária do poder instituinte necessário à organização da política volta-se para o culto da tradição patrimonialista e de uma ancestralidade amplamente confusa. O imaginário moderno brasileiro é, assim, profundamente marcado pelo poder de certas elites que não se comportam propriamente como classes socioeconômicas, mas como oligarquias despóticas, legitimadas a partir da interpretação social de uma multiplicidade de fatores: econômicos, financeiros, políticos, burocráticos, militares e religiosos.
Por outro lado, no contexto comparativo no continente latino-americano, segundo Pagani e Schommer (2017), está a desigualdade social e a tensão decorrente da fragmentação socioeconômica de seus territórios, como na maior cidade brasileira, São Paulo, e na segunda maior cidade argentina, Córdoba, que são expressões dessas características. São também cidades historicamente dinâmicas em termos culturais, econômicos e políticos. Lugares de intensa produção de conhecimentos e de inovações em cidadania e democracia, e endereço de universidades importantes em seus países. Accountability que, no contexto democrático, refere-se, sobretudo “à responsabilização política dos governantes em relação à sociedade”. Ao enfatizar a participação cidadã no processo de accountability, tais iniciativas remetem ao conceito de accountability social. Entre os principais achados, estão os diferentes papéis exercidos pelas universidades diante das iniciativas. Em ambos os casos, verificam-se (i) o apoio institucional e (ii) o aporte de metodologias e conhecimentos especializados, sendo esse apoio e esse aporte mais evidentes, contínuos e institucionalizados em Córdoba do que comparativamente em São Paulo. Em Córdoba, há (iii) contribuição financeira das universidades e (iv) envolvimento direto e continuo de próceres reitores, professores e estudantes das universidades no grupo coordenador e em atividades da rede social comunicativa.
A autonomia conferida às universidades não significa que sejam independentes do contexto cultural em que se inserem. No atual cenário global, particularmente na América Latina, a relação da universidade com a sociedade é fustigada. A formação de uma cidadania responsável e o fortalecimento da esfera pública constituem fatores decisivos na elaboração de pautas sociais e modelos de comprometimento da iniciativa da universidade. Em síntese, o envolvimento das universidades em iniciativas da sociedade civil em cidades latino-americanas, especialmente aquelas voltadas à informação, cidadania e accountability social, pode gerar transformações sociais e institucionais, na medida em que potencializa a produção de conhecimento chamado pluriversitário, interdisciplinar e contextualizado. Interessa, portanto, as autoras da pesquisa, observar como ocorre essa interação em cidades específicas, quais os fatores que explicam as diferenças entre uma e outra, e quais os efeitos da interação entre universidade e iniciativas da sociedade civil na atuação de ambas. A presente pesquisa caracteriza-se como exploratória, descritiva e explicativa, de natureza qualitativa, uma vez que parte da observação dos fenômenos e hipóteses levantadas acerca dos diferentes papéis que podem ser exercidos pelas universidades em iniciativas da sociedade civil.
Os meios para a obtenção de dados técnicos estatísticos foram pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, observação direta não participante e entrevistas semiestruturadas individuais. Foram realizadas 18 entrevistas, no período de 7 a 17 de abril de 2015. Em Córdoba, foram 12 entrevistas e, em São Paulo, seis. Os atores pesquisados foram escolhidos com base em indicações de outros pesquisadores que já tinham envolvimento com as iniciativas estudadas. Optou-se por pessoas ligadas a diferentes instituições, de diferentes segmentos, e com clara atuação nas iniciativas. Quanto aos dados secundários, foram coletados documentos produzidos em meios impresso e digital, como jornais, relatórios técnicos, institucionais e de gestão, folders, cartilhas, apresentações institucionais e vídeos. Esses materiais permitiram obter dados sobre o contexto e características das iniciativas estudadas. Além disso, foram utilizados livros, revistas, anais, teses, dissertações e artigos relativos às iniciativas pesquisadas e outras semelhantes. Em 2015, mais de 700 organizações integravam a rede, que busca expandir-se de maneira horizontal. A iniciativa conta com lideranças comunitárias, entidades da sociedade civil, empresas e cidadãos interessados em participar. Em 2015, a Red Ciudadana Nuestra Córdoba constitui-se como espaço apartidário do qual participam cerca de 200 cidadãos, ligados a aproximadamente 60 organizações sociais.
Outra organização fundamental para a constituição da rede desde seu início é a Fundação Avina, que gera e apoia processos colaborativos que buscam a melhoria na qualidade dos vínculos entre empreendedores, empresas, organizações da sociedade civil, setor acadêmico e instituições governamentais. A fundação é um importante catalisador de informações sobre ações da Red Ciudadana Nuestra Córdoba e outras da América Latina, apoiando-as e fomentando suas iniciativas. Desde a fundação da rede, as universidades, especialmente a Nacional e a Católica, são membros do Grupo Coordenador e atuam intensivamente em várias frentes. Há, também, participação de outras universidades, como a Universidade Tecnológica Nacional, em algumas atividades. Rafael Velasco, Reitor da Universidade Católica de Córdoba - UCC quando da criação da Red Ciudadana Nuestra Córdoba, em entrevista, infere acerca de sua gestão coletiva diante da realidade da cidade de Córdoba. Para ele, o papel social refere-se à habilidade e efetividade de uma universidade responder às necessidades de transformações da sociedade em que está imersa. As funções de docência, investigação, projeção social e gestão interna devem estar alinhadas com a promoção da justiça, da solidariedade e da igualdade social, mediante a construção de respostas exitosas.
Quanto aos papéis exercidos pelas universidades diante das iniciativas, verificam-se, nos dois casos, (i) o apoio institucional e (ii) o aporte de metodologias e conhecimentos especializados, contribuindo para a legitimidade dessas iniciativas e para a produção de informações sobre a cidade. Tais contribuições ocorrem de variadas maneiras e em diferentes graus de intensidade nas duas cidades, sendo mais evidentes contínuas e institucionalizadas em Córdoba do que em São Paulo. Além disso, em Córdoba, há (iii) contribuição financeira das universidades para a Red Ciudadana Nuestra Córdoba e (iv) envolvimento direto e continuado de reitores, professores e estudantes das universidades no grupo coordenador e em atividades da rede, desde seu início até os dias atuais. Projetos e ações relacionados à rede foram institucionalizados nas universidades, que passaram a incentivar, inclusive financeiramente, o desenvolvimento de pesquisas e outras ações relacionadas aos desafios da cidade. Em Córdoba, a presença universitária contribui para a identidade e para a legitimidade da Red Ciudadana Nuestra Córdoba, uma vez que as universidades, que gozam de prestígio e confiabilidade na sociedade e entre os gestores públicos, foram promotoras de sua criação e integram o grupo coordenador. As universidades envolvidas desempenham um papel técnico, mas também político, especialmente por meio de seus reitores, lideranças historicamente reconhecidas na cidade e empenhadas pessoalmente na constituição da Rede Ciudadana Nuestra Córdoba.
Além disso Córdoba pode ser considerada uma cidade universitária, dada sua relevância social e histórica, o número de instituições na cidade, e o volume de acadêmicos que vivem na mesma. Finalmente, com base na análise comparada nos casos de Córdoba e São Paulo, sintetizam-se alguns efeitos da interação entre universidade e iniciativas voltadas à informação, cidadania e accountability social nas cidades. Nas duas cidades, comparativamente, os entrevistados observam a importância de a universidade abrir suas portas e reconhecer outros saberes existentes na sociedade para alcançar mudanças na própria instituição e na realidade das cidades. Considerando a cidade como construção social coletiva e dinâmica, a articulação de diferentes saberes em cada cidade e as conexões entre elas geram efeitos em três âmbitos: I. Novos espaços institucionalizados de articulação de saberes e formas de produção de conhecimentos na cidade, a exemplo dos grupos de trabalho constituintes das iniciativas, dos fóruns plebiscitários e campanhas promovidas, e das pesquisas inclusivas de percepção cidadã, que geram processos e produtos, como dados relevantes sobre a cidade, indicadores, propostas de políticas, programas e ações sociais efetivas.
Além disso Córdoba pode ser considerada uma cidade universitária, dada sua relevância social e histórica, o número de instituições na cidade, e o volume de acadêmicos que vivem na mesma. Finalmente, com base na análise comparada nos casos de Córdoba e São Paulo, sintetizam-se alguns efeitos da interação entre universidade e iniciativas voltadas à informação, cidadania e accountability social nas cidades. Nas duas cidades, comparativamente, os entrevistados observam a importância de a universidade abrir suas portas e reconhecer outros saberes existentes na sociedade para alcançar mudanças na própria instituição e na realidade das cidades. Considerando a cidade como construção social coletiva e dinâmica, a articulação de diferentes saberes em cada cidade e as conexões entre elas geram efeitos em três âmbitos: I. Novos espaços institucionalizados de articulação de saberes e formas de produção de conhecimentos na cidade, a exemplo dos grupos de trabalho constituintes das iniciativas, dos fóruns plebiscitários e campanhas promovidas, e das pesquisas inclusivas de percepção cidadã, que geram processos e produtos, como dados relevantes sobre a cidade, indicadores, propostas de políticas, programas e ações sociais efetivas.
II. Mudanças em instituições tradicionais como a universidade, o que é mais claramente visível no caso de Córdoba. Como exemplo, a Universidade Católica institucionalizou ações voltadas a Red Ciudadana Nuestra Córdoba, gerando mudanças em suas políticas de pesquisa e extensão. Conforme declaração dos entrevistados, especialmente gestores da rede e das universidades, bem como registros em documentos, como boletins e editais, observa-se avanços em interdisciplinaridade, em trabalhos envolvendo diferentes áreas, voltados a problemas da cidade, como o tratamento do lixo, por exemplo. III. Ampliação e reconfiguração de espaços institucionais de articulação entre governos e cidadãos, afetando a governança na cidade e os modos de coordenação social na cidade – as tradições, processos e instituições relativos ao exercício do poder na cidade. Mesmo que não se trate de avaliar impactos, tampouco de atribuir as mudanças em governança nas cidades apenas a essas iniciativas, há evidências de que isso ocorre. Uma das principais conquistas em ambas as cidades, e que se tornou exemplo para as demais, foi a aprovação da Lei do Plano de Metas, que busca garantir o compromisso dos representantes com as questões sociais da cidade.
Outros exemplos são os painéis apresentados com gestores públicos e especialistas em temas desafiadores para a cidade, com participação direta ou indireta das universidades. Criam-se, portanto, novas formas de accountability, todavia lembrando que nem tudo o que conta em educação é mensurável ou comparável, na cidade em função da ação dessas iniciativas voltadas ao engajamento dos cidadãos na solução dos problemas. Lançam-se novas formas de articulação entre democracia representativa e participativa, influenciando a concepção de políticas públicas – o que não significa homogeneidade ou ausência de conflitos. A universidade, como parte dessas iniciativas, contribui para esse processo nas cidades e também se transforma, a depender da intensidade e da natureza de seu envolvimento e interação com outros atores em cada local. O objetivo do trabalho foi identificar os diferentes papéis que a universidade pode desempenhar quando se envolvem em iniciativas da sociedade civil voltada a informação, cidadania e accountability social em cidades latino-americanas, particularmente nas iniciativas das entidades Rede Nossa São Paulo e igualmente da Red Ciudadana Nuestra Córdoba.
O protagonismo das universidades em cada iniciativa e em cada contexto social e político é variado. Os movimentos sociais urbanos por amor às cidades são uma oportunidade de engajamento e articulação entre teoria e prática, entre realidade e pensamento, e de aproximação político-afetiva das universidades em função de sua realidade. Quanto às limitações do trabalho, alguns pontos merecem destaque. Primeiramente, o número de entrevistados em cada cidade foi diferente. Isso se deve, especialmente, ao fato de, em Córdoba, as principais instituições envolvidas, como foi dito, serem as universidades, e, portanto, houve um interesse especial pelo tema por parte dos representantes. Já como ocorreu em São Paulo, encontrou-se dificuldade de contato social com representantes ligados às universidades, ficando limitado a poucos deles. Outra limitação decorreu do número de casos estudados, dadas as limitações de tempo e recursos. Diferentes casos podem vir a ser estudados, abordando-se outros possíveis papéis desempenhados pelas universidades em diferentes contextos.
Bibliografia geral consultada.
MARTINS, Paulo Henrique Novaes, “Cultura Autoritária no Brasil”. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Revista de Ciências Sociais. Universidade Federal do Ceará. Fortaleza. Volume 30, n°s ½, 1999; LUHMANN, Niklas, Confianza. Barcelona: Ediciones Anthropos, 2005; FAULKNER, Neil, “Gordon Childe and Marxist Archaelogy”. In: http://isj.org.uk/28/09/2007; ALBUQUERQUE, Tiago Paz e, A Representação Social da Perfeição na Memória das Personalidades do Espiritismo. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2009; Platão, Apologia de Sócrates. Tradução e apêndice Maria Lacerda de Moura. Rio de Janeiro: Edição Nova Fronteira, 2011; CASTELLS, Manuel, “El Poder de las Redes”. In: Vanguardia Dosier, n° 50, enero-marzo 2014; PAGANI, Camila; BIAVAS, Luisa, “O Papel Social da Universidade: O Caso da Rede Ciudadana Nuestra Córdoba”. In: XVI Coloquio Internacional de Gestión Universitaria, 23, 24 y 25 de noviembre de 2016; RODRIGUES, Karina Furtado, “Desvelando o Mito da Transparência nas Democracias”. In: XL Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração. Costa do Sauipe – BA, de 25 a 28 de setembro de 2016; PAGANI, Camila; SCHOMMER, Paula Chies, “Relação Universidade e Sociedade: Informação, Cidadania e Accountability nas Cidades de Córdoba e São Paulo”. In: Cadernos de Gestão Pública, vol. 22, pp. 103-125; 2017; TROCADO, Luís Freire de Andrade, A Santa da Escuridão. Uma Leitura da Noite Espiritual de Santa Teresa de Calcutá. Dissertação de Mestrado Integrado em Teologia. Faculdade de Teologia. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2019; ANJOS, Silvestre Gomes
dos, O PROUNI como Política Pública: Constitucionalismo, Renúncia Tributária
e Transparência da Ação Administrativa. Dissertação de Mestrado. Programa
de Pós-graduação em Direito e Políticas Públicas. Faculdade de Direito. Goiânia:
Universidade Federal de Goiás, 2020; OLIVEIRA, Daniel José Silva, Governo Aberto: Análise de Políticas Públicas sob os Princípios de Transparência, Participação e Colaboração. Tese de Doutorado. Programa ede Pós-Graduação e Pesquisas em Admninistração. Faculdade de Ciências Econômicas. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2020; entre outros.
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