quarta-feira, 22 de abril de 2020

Dias Gomes - O Pagador de Promessas & Sincretismo Brasileiro.


Há um mínimo de dignidade que o homem não pode negociar”. Dias Gomes


           Alfredo de Freitas Dias Gomes, romancista, contista e teatrólogo nasceu no bairro do Canela em Salvador, Bahia, no dia 19 de outubro de 1922, e faleceu aos 76 anos, em 18 de maio de 1999, vítima de acidente de carro em São Paulo. Filho do engenheiro Plínio Alves Dias Gomes e de Alice Ribeiro de Freitas Gomes, fez o curso primário no Colégio Nossa Senhora das Vitórias, dos Irmãos Maristas, e iniciou o secundário no Ginásio Ipiranga. Em 1935, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde prosseguiu o curso secundário no Ginásio Vera Cruz e posteriormente no Instituto de Ensino Secundário. Com apenas 15 anos escreveu sua primeira peça, A Comédia dos Moralistas (1937), que obteve o 1º lugar no Concurso do Serviço Nacional de Teatro em 1939, criado em 1937 por Gustavo Capanema, o Ministro da Educação que mais tempo ficou no cargo em toda a história social e política do Brasil, entre os anos de 1934 a 1945, durando aproximadamente 11 anos contínuos como Ministro da Educação e Saúde durante o governo autoritário de Getúlio Vargas.  Embora não tenha sido encenada, a obra foi premiada em 1939 num concurso do Serviço Nacional de Teatro (SNT) e publicada no mesmo ano pela Fênix Gráfica, da Bahia, a expensas de um tio entusiasta, Alfredo Soares da Cunha. Ela foi seguida por Esperidião (1938), Ludovico (1940), Amanhã será outro dia (1941) e O homem que não era seu (1942).
           Em 1942, o jovem autor conhece a sua primeira realização teatral de sucesso com Pé de cabra, produzida e encenada pelo ator Procópio Ferreira e exibida em diversas capitais brasileiras entre 1943 e 1944. A peça foi censurada e “proibida na estreia, no dia 31 de julho de 1942, por ser considerada marxista. Liberada mais tarde, serviu, no entanto, para caracterizar Dias Gomes como comunista muito antes de ele ingressar de fato no Partido Comunista Brasileiro” (cf. Paranhos, 2017). Estreou no teatro profissional com a comédia Pé-de-cabra (1942), encenada no Rio de Janeiro e posteriormente em São Paulo por Procópio Ferreira, que com ele excursionou pelo país. Escreveu as peças O homem que não era seu e João Cambão (1942).  Em 1943, sua peça Amanhã será outro dia foi encenada pela Comédia Brasileira, do Serviço Nacional de Teatro (SNT) e novelas globais como O Bem Amado (1973), Roque Santeiro (1985), Saramandaia (1976) e O Pagador de Promessas (1982), uma minissérie produzida e exibida pela Rede Globo entre 5 e 15 de abril de 1988, em 12 capítulos, ás 22h30. Escrita por Dias Gomes, adaptando a peça teatral de sua autoria, e dirigida por Tizuka Yamasaki. Concebida tecnicamente em 12 capítulos, a história político-religiosa teve que ser reeditada por imposição da censura civil-militar no Brasil, e acabou sendo exibida em apenas oito capítulos. As referências políticas, as menções das lutas dos trabalhadores rurais sem-terra e posseiros e a inconclusiva reforma agrária foram suprimidas tirando o gênese mitico-poética da personagem. 
       O símbolo com o formato da cruz, que está sendo representado em sua forma mais simples e através do cruzamento de duas linhas em ângulos retos, antecede em muitos séculos, comparativamente tanto no Ocidente quanto no Oriente, historicamente a introdução do cristianismo; data a um período muito remoto na história da civilização. Supõe-se que seria usado não apenas por seu valor ornamental, mas também com a diversidade de seus significados religiosos. Entetanto, a cruz cristã é o reconhecido símbolo religioso do cristianismo. É uma representação do instrumento da crucificação de Jesus Cristo, e está relacionada ao crucifixo, ou seja, a cruz que inclui uma representação religiosa do corpo de Jesus e à família genérica mais ampla dos símbolos em forma de cruzes. A cruz representou em diversas sociedades a interseção do plano material e do transcendental em seus eixos perpendiculares. Por exemplo, era insígnia de Serápis no Egito. Ao ser apropriado pelo cristianismo, este símbolo enriqueceu e sintetizou a história social da salvação e paixão de Jesus, significando também a possibilidade de ressurreição. As igrejas cristãs modernas tendem a se preocupar muito mais em como a humanidade pode ser salva de uma condição que tende a ser universal de pecado e morte do que na questão de como judeus e gentios podem fazer parte da família de Deus.

De acordo com a teologia ortodoxa oriental, com base em sua compreensão da expiação apresentada pela teoria da recapitulação de Irineu, a morte de Jesus é um resgate. Isso restaura a relação com Deus, que é amoroso e se aproxima da humanidade, e oferece a possibilidade de theosis e divinização, tornando-se o tipo de homem que Deus quer que a humanidade seja. Segundo a doutrina católica, a morte de Jesus satisfaz a ira de Deus, suscitada pela ofensa à honra de Deus causada pela pecaminosidade humana. A Igreja Católica ensina que a salvação não ocorre sem a fidelidade dos cristãos; os convertidos devem viver de acordo com os princípios do amor e normalmente devem ser batizados. Na teologia protestante, a morte de Jesus é considerada como uma pena substitutiva carregada por Jesus, pela dívida que deve ser paga pela humanidade quando ela quebrou a lei moral de Deus. Os cristãos diferem em seus pontos de vista sobre até que ponto a salvação dos indivíduos é pré-ordenada por Deus. A teologia reformada coloca ênfase distinta na graça ao ensinar que os indivíduos são completamente incapazes de autorredenção, mas que a graça santificadora é irresistível. Em contraste, católicos, cristãos ortodoxos e protestantes arminianos acreditam que o exercício do livre arbítrio é necessário para ter fé em Jesus. 

                                       

            Neste período também escreveu alguns contos e romances: O Chefe (1938), O Ressuscitado (1938), Duas Sombras Apenas (1945), Um Amor e Sete Pecados (1946), A Dama da Noite (1947) e Quando é Amanhã (1948). Em 1944, a convite de Oduvaldo Viana, foi trabalhar na Rádio Pan-Americana (São Paulo), fazendo adaptações de peças, romances e contos para o Grande Teatro Pan-Americano. Regressou ao Rio de Janeiro, em 1948, onde passou a trabalhar sucessivamente na chamada Era do Rádio com as famosas Rádios Tupi e Rádio Tamoio (1950), Rádio Clube do Brasil (1951) e Rádio Nacional (1956). Em 1950, casou-se com Janete Emmer (Janete Clair), com quem teve cinco filhos: Guilherme, Alfredo, Denise, Alfredo e Marcos Plínio. Em fins de 1953, viajou à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) com uma delegação de escritores, para as comemorações do 1º de Maio. Por essa razão, ao voltar ao Brasil, foi demitido da Rádio Clube. Seu nome censurado foi incluído numa lista, e durante nove meses seus textos tiveram que ser negociados com a TV Tupi em nome de colegas. 
        Janete Clair nasceu Jenete Stoco Emmer, filha do comerciante libanês Salim Emmer e da costureira Carolina Stocco Emmer, de ascendência portuguesa. Seu nome era para ser Janete, mas devido ao forte sotaque de seu pai, o cartório a registrou erroneamente como Jenete. Depois de passar uma infância tranquila em Conquista, no Triângulo Mineiro, no Vale do Rio Grande, o talento de Jenete para a vida artística  despontou quando a família se mudou para Franca, no interior de São Paulo. Na Rádio Herz, a principal emissora da cidade, Jenete fazia sucesso interpretando canções, tanto em árabe quanto em francês. Aos quatorze anos de idade, precisou interromper temporariamente a vida artística e se dedicou a trabalhar como datilógrafa para ajudar na renda da família. Depois, já na capital São Paulo fez estágio num laboratório como bacteriologista e aos vinte anos passou num teste para ser locutora e rádio atriz da Rádio Tupi. Adotou o nome artístico Janete por ser de mais fácil pronúncia, e o sobrenome Clair, inspirada na canção Clair de Lune, de Claude Debussy por sugestão de Otávio Gabus Mendes. Trabalhando na rádio, conheceu e se apaixonou por seu futuro marido, o dramaturgo Dias Gomes. Nos anos 1950, incentivada pelo marido, passou a escrever radionovelas e teve grande sucesso com Perdão, Meu Filho (Rádio Nacional, 1956). Na década de 1960 iniciou a produção para a televisão, com as telenovelas O Acusador e Paixão Proibida, ambas pela TV Tupi.

       Depois teve uma temporada em Minas Gerais onde escreveu a novela Estrada do Pecado (1965) para a TV Itacolomy, volta ao Rio de Janeiro e adapta A Herança do Ódio (1951) de Oduvaldo Vianna para a TV Rio. Em 1967, recebeu a incumbência de alterar a trama da telenovela Anastácia, a Mulher sem Destino, da Rede Globo, para reduzir drasticamente as despesas de produção. Ela inseriu na história um terremoto que matou mais da metade dos personagens e destruiu inúmeros cenários. Depois disso, ficou em definitivo na Rede Globo, onde escreveu telenovelas como Sangue e Areia (1967), Passo dos Ventos (1968), Rosa Rebelde (1969) e Véu de Noiva (1970). Nos anos 1970 escreveu algumas das telenovelas de maior sucesso da história televisiva nacional, como Irmãos Coragem (1970), Selva de Pedra (1972) e Pecado Capital (1975), período este em que passou a ser chamada de “a maga das oito”, por garantir índices de audiência estratosféricos nas telenovelas exibidas neste horário, sendo, em muitas, indiscutivelmente imbatível. 
Em 1978, paralisou o Brasil com a telenovela O Astro, introduzindo a técnica do mistério: “Quem matou Salomão Hayala?”, personagem interpretado por Dionísio Azevedo. Janete Clair se “tornou a maior autora popular da história da televisão do Brasil, a única a alcançar 100 pontos de audiência”. Em 11 de agosto de 2005 o pesquisador em Teledramaturgia e também diretor e roteirista Márcio Tavolari, após dois anos de intensos trabalhos de pesquisa dedicados a catalogação, organização e inventário do acervo da novelista, promoveu na Associação Brasileira de Letras (ABL/RJ) um evento póstumo em reconhecimento de Janete Clair “como a mais popular autora da Televisão Brasileira”. Morreu precocemente, vitimada por um câncer no intestino, enquanto escrevia a telenovela Eu Prometo (1983), que deixou inacabada. Foi concluída pela colaboradora e brilhante escritora Glória Perez, que torna-se reconhecida e respeitada novelista, e naturalmente, pelo cariz de seu viúvo Dias Gomes. 
Em 1959, Dias Gomes escreveu a peça O Pagador de Promessas, que estreou no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em São Paulo, com a direção de Flávio Rangel e com Leonardo Vilar no papel principal. Dias Gomes ganhou projeção nacional e internacional. A peça, traduzida para mais de uma dúzia de idiomas, foi encenada em boa parte do mundo. Adaptada pelo próprio autor para o cinema, dirigido por Anselmo Duarte, recebeu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, em 1962. Nesse ano, recebeu o Prêmio Cláudio de Sousa, da Academia Brasileira de Letras (ABL), com a peça A invasão, uma obra que foi encenada pela primeira vez em 25 de outubro de 1962. Retrata a necessidade de mudança que a sociedade necessitava no período que se iniciou em 1° de abril de 1964, com uma sociedade viciada politicamente e presa a uma dramaturgia tradicionalista sem renovação do aplauso fácil da classe dominante. Foi premiada duas vezes com o Prêmio Padre Ventura, 1962 pelo Círculo Independente dos Críticos Teatrais (CICT) e o Prêmio Cláudio de Souza, 1961 pela Academia Brasileira de Letras. É uma peça de teatro escrita em três atos e com cinco quadros.    
Os fabulosos Janete Clair e Dias Gomes.
Não queremos perder de vista que a Associação Brasileira de Críticos Teatrais (ABCT) foi criada em 1937, tendo por principal objetivo incrementar o teatro brasileiro através de medidas e leis que o incentivassem. Assim, em 1943 levou ao então ditador Getúlio Vargas um memorial com críticas ao Serviço Nacional do Teatro (SNT) no qual propunham mudanças em sua estrutura e sugeriam a criação de Departamentos nos estados. Em agosto do ano seguinte, junto à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT) e também representados pelo Sindicato dos Atores Teatrais, Cenógrafos e Cenotécnicos do Rio de Janeiro (Casa dos Artistas) criou uma Comissão Permanente de Teatro que logo encaminhou ao presidente da República um plano de ideias onde recomendava a concessão pelo SNT de subvenções, num momento em que este órgão estatal atravessava crises internas. A ABCT foi responsável pela realização dos dois primeiros congressos brasileiros de teatro; idealizado inicialmente pelo então presidente da entidade Augusto de Freitas Lopes Gonçalves, teve para tal o apoio da SBAT, da Casa dos Artistas e outras instituições como a Academia Brasileira de Letras; o primeiro deles foi realizado no Rio de Janeiro em 1951, e o segundo na capital paulista em 1953, ambos contando com o apoio oficial do governo através do Serviço Nacional de Teatro. A entidade começou a perder força política com a fundação, em 1957, do Círculo Independente de Críticos Teatrais (CICT), com a qual passou a rivalizar; mas, por outro lado a própria crítica teatral foi deixando de existir a partir da década de 1960, sobretudo com a instauração no país do golpe de Estado e da ditadura militar de 1964, o desaparecimento de muitos jornais com o advento da televisão e outros fatores sociais.
Dias Gomes baseou a história num fato real: no final dos anos 1950, um grupo de favelados do Rio de Janeiro que perderam seus barracos, devido a uma enchente. Sem ter onde se abrigar invade uma construção abandonada. A primeira família narrada é a de Bené, um ex-jogador de futebol, que sem esperanças encontra na bebida seu único meio para suportar tamanho sofrimento e pobreza. Espera no filho, Lula, a oportunidade que nunca teve. Sem opção de moradia Bené, Isabel e Lula iniciam propriamente a Invasão. Depois seguido de Justino, Santa, O Filho de Santa, Tonho, Malu e Rita. Já estavam lá Bola Sete e Lindalva que no início os confunde com a polícia. Depois os outros vão chegando, O Profeta, no primeiro piso e a Invasão vai se dando gradativamente no prédio abandonado. O edifício ficou reconhecido como Favela do Esqueleto, onde depois nasceu a Universidade do Estado da Guanabara, com gente pobre, negros, mulatos e muitos palavrões, mesclados com desemprego e fome.
Apesar dos problemas acumulados nos últimos anos, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) começou como um sonho. Renascida em 4 de dezembro de 1950, a então Universidade do Distrito Federal (UDF) pretendia fazer dar certo um projeto de ensino superior que existiu entre 1935 e 1939, quando a instituição fora criada sob a liderança do educador Anísio Teixeira. Para isso, nos anos 1950 unificou quatro escolas já estabelecidas: a Faculdade de Ciências Médicas, a de Ciências Jurídicas, a de Ciências Econômicas e a de Filosofia e Letras. O Rio de Janeiro, então capital da República, buscava acompanhar as mudanças na educação superior no Brasil. Sua história social teve início em 4 de dezembro de 1950, com a promulgação da lei municipal nº 547, que cria a nova Universidade do Distrito Federal (UDF) durante mandato do então General de Divisão e Prefeito do Distrito Federal do Rio de Janeiro Marechal Ângelo Mendes de Moraes. Diferente da instituição homônima, fundada em 1935 e extinta em 1939, a nova universidade ganhou força estratégia e tornou-se uma referência em ensino superior, pesquisa e extensão na Região Sudeste. Em 1961, após a transferência do Distrito Federal para a recém-inaugurada Brasília, a UDF passou a se chamar Universidade do Estado da Guanabara (UEG). Finalmente, com a fusão do estado em 1975, ganhou o nome de Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
O país era governado por uma ditadura militar desde o golpe civil-militar de 1964. O governo estava enfraquecido, dividido pelos militares mestiços da linha-dura e os militares moderados. A economia apresentava uma alta inflação, o povo saía às ruas nas chamadas Diretas Já. O militar Ernesto Geisel, presidente entre 1974 e 1979, garantiu uma “distensão lenta, segura e gradual”. Assim, iniciou-se a abertura política. Aos poucos, a oposição, representada pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) ganhou força política. Mas foi no governo de João Figueiredo (1979-1985) que o país passou para os civis, após anos de frustração. Em 1985, Tancredo Neves foi eleito pelo Colégio Eleitoral com 480 votos contra 180 de Paulo Maluf (PDS) que representava a ditadura.  Na véspera da posse de Tancredo em 14 de março de 1985, ele foi internado. No dia seguinte, José Sarney tomou posse interinamente até que o titular assumisse. Em 21 de abril de 1985, Tancredo falece aos 75 anos, e Sarney tornou-se presidente não eleito em definitivo. A última eleição disputada pelo PDS ocorreu em 1992 quando Maluf venceu em São Paulo e Teresa Jucá em Boa Vista. Naquele ano os pedessistas mantiveram o posto de 3° maior partido do Brasil ao elegerem 363 prefeitos. A história da agremiação teve fim em 4 de abril de 1993, quando este se fundiu ao PDC para criar o Partido Progressista Reformador (PPR), presidido pelo senador Espiridião Amin.
Também naquela década, conheceria uma de suas primeiras crises financeiras, a partir do final de 1964. Em 12 de novembro daquele ano, o reitor Haroldo Lisboa da Cunha afirmava que sem mais verba do governo, a UEG fecharia. Não fechou. E em 1967, começaria um de seus planos mais ousados: a construção do campus do Maracanã. A obra duraria até a década de 1970, mas alguns de seus cursos ocupariam as instalações em 1969, antes de estarem prontas. Na década de 1970, a UEG, finalmente, se tornaria UERJ. No ano de 1975, com a fusão dos estados do Rio e da Guanabara, na época do reitor Oscar Tenório, a universidade mudou o nome. Um ano depois, já se falava em interiorização da instituição, que agora pertencia ao Estado do Rio de Janeiro. Sob novos padrões e no novo campus, idealizado para ser uma “microuniversidade urbana”, a nova instituição aumentou sua participação na integração política da cidade. O campus do Maracanã ocupava o lugar da antiga Favela do Esqueleto e havia desabrigado seus moradores, removidos para o bairro da Vila Kennedy, na longínqua Zona Oeste. A retribuição à população ocorreria por meio de projetos sociais, como os desenvolvidos no extraordinário Morro da Mangueira a partir da redemocratização de 1985. Uma integração social e um projeto dinâmico, real de que viria de fato para ficar.            
Criada a partir da fusão da Faculdade de Ciências Econômicas do Rio de Janeiro, da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, da Faculdade de Filosofia do Instituto La-Fayette e da Faculdade de Ciências Médicas, a Universidade cresceu, incorporando e criando novas unidades com o passar dos anos. Às faculdades fundadoras uniram-se instituições como a Escola Superior de Desenho Industrial (Esdi), o Hospital Geral Pedro Ernesto (Hupe), a Escola de Enfermagem Raquel Haddock Lobo, entre outras. Além disso, novas unidades foram criadas para atender às demandas da Universidade e da comunidade, como o Instituto de Aplicação (CAp) e a Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Eduerj), entre outros. Nesses 60 anos de história, a Universidade cresceu em tamanho, estrutura e importância social, política e administrativa, comparativamente nos cenários educacional, regional, nacional e internacional. O campus Francisco Negrão de Lima, no bairro Maracanã, zona norte do Rio de Janeiro, foi erguido no local da antiga Favela do Esqueleto, reconhecida por esse nome, pois lá existia a estrutura abandonada da construção de um hospital público que, após sua conclusão, passou a representar o Pavilhão Haroldo Lisboa da Cunha.
Dias Gomes e Aguinaldo Silva escreveram Roque Santeiro (1985) baseando-se em uma peça de teatro, de autoria de Dias Gomes, O Berço do Herói, que já havia sido censurada e proibida de estrear em 1963. A telenovela seria exibida a partir do dia 27 de agosto de 1975, pela Rede Globo, substituindo a novela Escalada (1975), de Lauro César Muniz, e já havia 30 capítulos gravados e as chamadas publicitárias de áudio na TV anunciavam sua estreia. Porém, no dia preparado para sua estreia, a emissora recebeu um ofício do anacrônico Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), do governo federal censurando a exibição pública da novela. O motivo da censura foi “uma escuta telefônica do governo, em que foi gravada uma conversa do autor da novela, Dias Gomes, afirmando que Roque Santeiro era apenas uma forma de enganar os militares”, adaptando O Berço do Herói (1965) para a televisão, com ligeiras modificações que fariam que os militares não percebessem que se tratava da obra.
     Após 10 anos, já no governo do vice-presidente José Sarney, que assumiu  interinamente após a internação de Tancredo Neves, e definitivamente na farsa do programado dia 21 de abril de 1985, após a morte do qual foi o primeiro presidente civil após mais de vinte anos de regime militar no Brasil. A telenovela foi finalmente liberada e pôde ser exibida na televisão. Por consideração aos artistas envolvidos no trabalho original, os mesmos foram convidados à participar da nova versão da novela, com seus respectivos personagens. Porém, Francisco Cuoco e Betty Faria recusaram os papéis principais de Roque Santeiro e Viúva Porcina, mas Lima Duarte retornou à produção novamente como o inesquecível Sinhozinho Malta. Além dele, alguns atores que participaram da versão censurada da novela retornaram à produção interpretando os mesmos personagens, como João Carlos Barroso, Luiz Armando Queiroz e Ilva Niño. Milton Gonçalves, que interpretava o padre Honório, nome esse trocado para Hipólito na versão censurada, ganhou o papel do promotor público Lourival Prata. A atriz Elizângela, também participou da versão censurada, mas teve seu papel alterado para viver Marilda, esposa de Roberto Mathias, interpretado por Fábio Júnior. Dennis Carvalho, que interpretou Roberto Mathias em 1975, era Tomazini em 1985 e Lutero Luiz que interpretou o prefeito Flô, nesta versão, interpretou o Dr. Cazuza Amaral.
       Para o que nos interessa, enquanto objeto de análise teórica, O Pagador de Promessas teve versão cinematográfica em 1962, dirigida por Anselmo Duarte, ipso facto, o único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro no Festival de Cannes, na França. Vale lembrar que se trata de um festival de cinema criado em 1946, e conforme a concepção de Jean Zay, e até 2002, chamado Festival International du Film, é um dos mais prestigiados festivais de cinema do mundo. Acontece tradicionalmente todos os anos, no mês de maio, na cidade francesa de Cannes. Igualmente o chamado marché du film (mercado do filme) acontece paralelamente ao festival. No final dos anos 1930, contrariado pela ingerência dos governos fascista alemão e italiano na seleção dos filmes da Mostra de Veneza, Zay, ministro da Instrução pública e de Belas Artes, propõe a criação, em Cannes, de um festival cinematográfico de nível internacional. Em junho de 1939, Louis Lumière aceita ser o presidente da primeira edição do festival, que deveria acontecer do 1° dia ao dia 30 de setembro. A declaração de guerra da França e do Reino Unido à Alemanha em 3 de setembro, põe fim, prematuramente a essa decisão, apesar de o prêmio ter sido atribuído a Union Pacific, de Cecil B. DeMille, um filme norte-americano de 1939, do gênero faroeste, baseado no livro Trouble shooter de Ernest Haycox, dirigido por Cecil B. DeMille e estrelado por Barbara Stanwick e Joel McCrea. Zé do Burro (José Mayer) é um simplório lavrador de uma família de posseiros que luta contra a secularização dos latifundiários rurais, cujo principal representante é Tião Gadelha (Carlos Eduardo Dolabella).
            Porém o ingênuo Zé é alheio a esses conflitos e vive num mundo à parte com seu fiel companheiro, um burro chamado Nicolau. Do costume do povoado na companhia do burro, nasce seu apelido, Zé do Burro. Vítima de um acidente, Nicolau fica à beira da morte, e Zé faz uma promessa a Santa Bárbara para que ela salve o animal. O pagamento da promessa é carregar uma pesada cruz de sua roça em Monte Santo, interior baiano, até a igreja de Santa Bárbara em Salvador. Nas escadarias da igreja, com os ombros feridos, o conflito maior é deflagrado a partir da incompreensão do Padre Olavo (Walmor Chagas), religioso conservador que não consegue entender a simbiose ou sincretismo religioso na pureza da proposta. A promessa tinha sido feita num ritual de candomblé para Santa Bárbara, da Igreja Católica, que é sincretizada como Orixá Iansã, a senhora dos ventos e das tempestades. Tem como símbolos principais o raio e a espada. O raio é o símbolo da justiça divina atuando no plano físico. É a força que ilumina as trevas do ego. A espada é o instrumento da lei, que zela, protege e ampara a todos. É a luta pessoal, o melhoramento, a morte dos vícios. Seu sincretismo acontece com Santa Bárbara, santa católica que tem como insígnias o cálice e a espada.
Ela é valente, tem temperamento forte e independente. Os rituais do candomblé são realizados em templos chamados casas, roças ou terreiros que podem ser de linhagem matriarcal: quando somente as mulheres podem assumir a liderança; patriarcal: quando somente homens podem assumir a liderança, ou mista: quando homens e mulheres podem assumir a liderança do terreiro. Furioso, o padre tranca a porta da igreja e acusa o lavrador de heresia. Aos poucos, no cotidiano da vida social, Zé do Burro cativa a comunidade e através de sua insistência vai elevando a tensão social até um confronto de rua com a polícia, bem nos meios dos barulhentos festejos em homenagem à santa. No seu aparente insano calvário, Zé do Burro, vê sua bela mulher Rosa (Denise Milfont), ser seduzida pelo gigolô Bonitão. Fascinada pelo cafetão, Rosa ainda enfrenta o ódio da prostituta Marli (Joana Fomm). Para completar a rede de confusões, Zé torna-se vítima das manipulações de Aderbal (Guilherme Fontes), um jornalista que o transforma num místico revolucionário, dando a promessa do peregrino uma realidade de conotação política. Em novembro de 2015 o filme O Pagador de Promessas entrou na lista elaborada pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos.
Bibliografia geral consultada.
SOARES, Afonso Maria Ligorio, Le Religioni Afrobrasiliane e l`Inculturazione delle Fede. Roma: Pontifícia Universidade Gregoriana, 1990; MERTEN, Luiz Carlos, Anselmo Duarte: O Homem da Palma de Ouro. 1ª edição. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004; SILVA, Sebastiana Siqueira, O Pagador de Promessas – Um Drama Trágico em Tempos Modernos. Dissertação de Mestrado em Letras. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2009; PINHEIRO, Roberta Vanessa Crispim, O Pagador de Promessas: Dramaticidade e Tragicidade, da Literatura ao Cinema. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2010; SANTOS, Josué Pereira dos, O Pagador de Promessas no Contexto do Drama/Teatro Brasileiro Moderno: Discussão sobre a Tragédia Nacional-Popular. Dissertação de Mestrado em Literatura e Interculturalidade. Departamento de Letras e Artes. Campina Grande: Universidade Estadual da Paraíba, 2012; GOMES, Robson Teles, Alegorias do Estado Autoritário em O Pagador de Promessas e em O Santo Inquérito. Tese de Doutorado. Programa de Pòs-Graduação em Letras. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2014; PARANHOS, Kátia Rodrigues, “Dias Gomes entre Textos e Cenas: A Construção e a Reconstrução de um Autor”. In: ArtCultura. Uberlândia, Vol. 19, n° 34, pp. 139-152; jan./jun., 2017; DI SALVO, Leandro Braga, O Herói e o Bode Expiatório na Tragicomédia de Dias Gomes. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2018; LIMA LUIZ, Michelly Jacinto, O Discurso da Intolerância Religiosa no Filme O Pagador de Promessas sob a Perspectiva da Análise do Discurso Ecológico. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2018; VILELA, Anne Araújo, As Performances de Odorico Paraguaçu em “O Bem Amado” (1973): Uma Sátira à Política Brasileira no Século XX. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Performances Culturais. Goiânia: Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2020; entre outros.

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