terça-feira, 26 de agosto de 2025

O Virgem de 40 Anos – Cinema, Tabu do Corpo & Ética de Solidariedade.

         As massas nunca tiveram sede de verdade. Elas querem ilusões e não vivem sem elas”. Sigmund Freud                        

         O conceito de figuração distingue-se de muitos outros conceitos teóricos da sociologia de Norbert Elias (1989), como autocontrole, psicogênerse, sociogênese, consequências Não-intencionais, por incluir expressamente os seres humanos em sua formação da sociedade. Contrasta, portanto, decididamente com um tipo amplamente dominante de formação de conceitos que se desenvolve sobretudo na investigação de objetos sem vida, portanto no campo da física e da filosofia para ela orientada. Há figurações de estrelas, assim como de plantas e de animais. Mas apenas os seres humanos formam figurações uns com os outros. O modo de sua vida conjunta em grupos grandes e pequenos é, de certa maneira, singular e sempre co-determinado pela transmissão de conhecimento de uma geração a outra, portanto por meio do ingresso do singular no mundo simbólico específico de uma figuração já existente dos seres humanos. Às quatro dimensões espaço-temporais indissoluvelmente ligadas se soma, no caso dos seres humanos, uma quinta, a dos símbolos socialmente aprendidos. Sem sua apropriação, sem, por exemplo, o aprendizado de uma determinada língua especificamente social, os seres humanos não seriam capazes de se orientar no seu mundo nem de se comunicar uns com os outros. Um ser humano adulto, que não teve acesso aos símbolos da língua e do conhecimento de determinado grupo permanece fora de todas as figurações humanas e, portanto, não é propriamente um ser humano. 

O crescimento de um jovem em figurações humanas, como processo e experiência, assim como o aprendizado de um determinado esquema de autorregularão na relação com os seres humanos, é condição indispensável do desenvolvimento rumo à humanidade. Socialização e individualização de um ser humano são, portanto, nomes diferentes para o mesmo processo. Cada ser humano assemelha-se aos outros e é, ao mesmo tempo, diferente de toso os outros. O mais das vezes, as teorias sociológicas deixam sem resolver o problema da relação entre indivíduo e sociedade. Em seu ersatz o convívio dos seres humanos em sociedades tem sempre, mesmo no caos, na desintegração, na maior desordem social, uma forma absolutamente determinada. Não por acaso, é percisamente isso o que o conceito de figuração exprime. Uma geração os transmite a outra sem estar consciente do processo como um todo, e os conceitos sobrevivem enquanto esta cristalização de experiências passadas e situações retiver um valor existencial, uma função na existência concreta da sociedade, enquanto gerações sucessivas puderem identificar suas próprias experiências no significado das palavras. Em outras ocasiões, eles apenas adormecem, ou o fazem em certos aspectos, e adquirem um novo valor existencial com uma nova situação. São relembrados porque alguma coisa encontra expressão na cristalização do passado corporificada nas palavras.

As novas relações econômicas e a necessidade de desenvolvimento motivaram entes subnacionais a se relacionar e cooperar com o mundo civilizado exterior. As novas tecnologias da informação, os avanços nas telecomunicações, a diminuição nos custos de transporte de cargas e pessoas também contribuíram para essa mudança, afinal tornaram o plano internacional mais acessível. Ipso facto, a dimensão metodológica do conceito de processo social refere-se às transformações amplas, contínuas, de longa duração – ou seja, em geral não aquém de três gerações - de figurações formadas por seres humanos, ou de seus aspectos, em uma de duas direções opostas. Uma delas tem, geralmente, o caráter de uma ascensão, a outra o caráter decorrente de um declínio. Em ambos os casos, em princípio os critérios são puramente objetivos. Eles independem do fato de o respectivo observador os considerar qualitativamente bons ou ruins. Exemplos disso são a diferenciação crescente e decrescente de funções sociais, o aumento ou a diminuição do “capital social”, ou melhor, do patrimônio social do saber, do nível de controle político e social humano sobre a natureza não-humana ou da compaixão por outros homens, pertençam eles ao grupo estabelecido que for. Um deles pode tornar-se dominante, ou caber ao outro manter o equilíbrio.        


Assim um processo dominante, direcionado a uma maior integração, pode, sucessivamente, andar de par com uma desintegração parcial. Mas, inversamente, um processo dominante de desintegração social, como por exemplo, o processo de feudalização, na falta de melhor expressão, pode conduzir sob certas condições a uma reintegração sob novas bases, a princípio parcial e a seguir dominante; portanto, a um novo processo de formação do Estado. Como um apanhado algo sumário do que se apurou até aqui na investigação empírico-teórica das transformações civilizatória acerca de seu próprio direcionamento, pode-se dizer que dentre os principais critérios para um processo de civilização estão as transformações do habitus social dos seres humanos na direção de um modelo de autocontrole mais bem proporcionado, universal, estável. Mas o que é decisivo é que estes conceitos portam o selo não de seitas ou famílias, mas de povos inteiros, ou talvez apenas de certas classes. Mas, em muitos aspectos, o que se aplica a palavras específicas de grupos menores estende-se também a eles: são usados basicamente por e para povos que compartilham uma tradição e situação particulares, polindo-os na fala e na escrita. É neste sentido que o conceito de civilização minimiza as diferenças nacionais entre os povos.

Manifesta a autoconfiança de povos cujas fronteiras nacionais e identidade nacional forma plenamente estabelecidas, desde séculos, que deixaram de ser tema de qualquer discussão, povos que há mito se expandiram fora de suas fronteiras e colonizaram terras além delas. Em contraste, o conceito alemão Kultur dá ênfase especial a diferenças nacionais e à identidade particular de grupos. Em virtude disto, o conceito adquiriu em campos como a pesquisa etnológica e antropológica uma significação mito além da área linguística alemã e da situação em que se originou o conceito. Enquanto o conceito de civilização inclui a função de dar expressão a uma tendência continuamente expansionista de grupos colonizadores, o conceito de Kultur reflete a consciência de si mesma de uma nação que teve de buscar e constituir incessante e novamente suas fronteiras, tanto no sentido político como no espiritual. A orientação do conceito alemão de cultura, para Norbert Elias (1997), com sua tendência à demarcação e ênfase em diferenças, e no seu detalhamento, entre grupos, corresponde a este processo histórico.  A história coletiva neles se cristalizou e ressoa. O indivíduo encontra essa cristalização em suas possibilidades de uso. Não sabe bem por que este significado e esta delimitação estão implicadas nas palavras, por que esta nuance e aquela possibilidade delas podem ser derivadas. Usa-as porque lhe parece uma coisa natural, porque desde a infância aprende a ver o mundo através dos conceitos. A sobrevivência do sistema de crenças no Novo Mundo é notável, embora as tradições tenham se modificado com o tempo.

O beijo na boca é o maior gesto de consagração de carinho, amor e paixão entre um casal, desde o simples tocar de lábios até o beijo mais intenso e apaixonado. O dia 13 de abril é o Dia do Beijo, uma data instituída para celebrar o amor através do beijo. Estudos e pesquisas comprovaram que o ato de beijar na boca estimula o cérebro a liberar endorfina, substância responsável pela sensação de prazer e bem-estar. Quanto mais prolongado e apaixonado, ocorrem maiores os benefícios. Mantém o rosto mais jovem porque o trabalho muscular dá firmeza à pele. O livro de recordes do Guinness (1955), é uma edição publicada anualmente, que contém uma coleção da representação de recordes e superlativos reconhecidos internacionalmente, tanto em termos de performances humanas como de extremos da natureza. Em 2003, o livro alcançou o binômio produção-consumo em torno de 100 milhões de cópias vendidas, desde a sua primeira edição em 1955, e lá existem vários temas de espaço e lugar relacionando aos beijos. Entre eles está o beijo “mais caro de sempre”. Em 2003, Joni Rimm pagou 50 mil dólares num leilão de beneficência para poder beijar a atriz Sharon Stone que leiloou o beijo para ajudar uma instituição de caridade. Um beijo tem como representação social “o toque dos lábios em outra pessoa” ou objeto. Na cultura ocidental é um poderoso “gesto de afeição”. O beijo “mais longo gravado em vídeo” foi registrado durante um episódio do The Bachelor programa norte-americano da American Broadcasting Company (ABC).

          Os gregos, é sabido, “adoravam beijar”. Mas foram os romanos que difundiram a prática e permitiram que os nobres mais influentes beijassem seus lábios. Os menos importantes às mãos. Os súditos podiam beijar os pés. O “basium”, entre reconhecidos; o “osculum”, entre amigos; e o “suavium”, o fabuloso beijo dos amantes. Na Escócia, era costume o padre beijar os lábios da noiva ao final da cerimônia. Acreditava-se que a felicidade conjugal dependia dessa benção. A noiva “deveria beijar todos os homens na boca, em troca de dinheiro”. Na Rússia, uma das mais altas formas de “reconhecimento oficial era o beijo do czar”. No século XV, os nobres franceses “podiam beijar qualquer mulher”. Na Itália, se um homem beijasse uma donzela em público, “era obrigado a casar imediatamente”. No latim, beijo significa toque dos lábios. Na cultura ocidental, ele é considerado gesto de afeição. Entre amigos é realizado como forma de cumprimento, ou despedida; entre amantes e apaixonados, como prova da paixão. Mas é também um sinal de reverência, ao se beijar, por exemplo, o anel do Papa ou dentre membros da alta hierarquia da Igreja. Beijar os lábios de outra pessoa tornou-se uma expressão comum de afeto em muitas culturas ao redor do mundo. No entanto, em certas sociedades, o beijo só foi introduzido através dos meios de violência simbólica, isto é, através da colonização europeia, sendo que antes não era uma ocorrência prazerosa rotineira.

         O ato de beijar, em segundo lugar, pode se dar de várias formas, em diferentes lugares e com diferentes propósitos, dependendo do país e de sua própria cultura, da situação, das partes interessadas e de outros aspectos sociais. Entre amigos, é utilizado “como cumprimento ou despedida”. Nos lábios de outra pessoa é um símbolo de afeição romântica ou de desejo sexual, sendo que o beijo pode ocorrer também noutras partes do corpo. Ainda há o “beijo de língua”, em que as pessoas que se beijam mantêm a boca aberta, enquanto trocam carícias em formas prazerosas das línguas. Os mais antigos relatos etnográficos remontam aos templos de Khajuraho, na Índia. As mais antigas referências vieram do Oriente, precisamente dos hindus. Há um registro em torno de 1200 a. C., no livro Satapatha, com textos sagrados em que se baseia o bramanismo, abundante de sensualidade: - “Amo beber o vapor de seus lábios”. Os Vedas formam a base do extenso sistema milenar de escrituras sagradas do hinduísmo, que tout court representam a mais antiga literatura de qualquer língua indo-europeia. Mais explícito e malicioso, o Mahabarata, originou-se como um poema épico em sua extensão com mais de 200 mil versos, compilados em torno do ano 1000 a. C., descrito da seguinte forma: - “Pôs a sua boca em minha boca, fez um barulho e isso produziu em mim um prazer”. 

            A consagrada tela de Gustav Klimt (1862-1918) é enorme e respeita a forma de um quadrado perfeito - o quadro tem exatamente 180 centímetros por 180 centímetros. O Beijo, é considerada a mais famosa pintura austríaca e faz parte da coleção permanente do Belvedere Palace Museum, situado em Viena. O quadro foi exibido pela primeira vez numa exposição em 1908 na Austrian Gallery, ocorrendo nessa ocasião ele foi adquirido pelo Belvedere Palace Museum, de onde felizmente não saiu mais. Para se ter noção da reputação do pintor austríaco: O Beijo foi vendido (e exposto) antes mesmo de ser terminado. O quadro foi comprado pelo valor de 25 mil coroas, e analisado como “um recorde de mercado da arte para a sociedade austríaca de seu tempo”. A tela foi pintada provavelmente entre 1907 e 1908, é considerada uma das maiores criações da pintura Ocidental e pertence à chamada interpretação técnica da “fase dourada”, pois do ponto de vista técnico-metodológico o período ganhou esse nome porque nos trabalhos de pintura foram utilizadas folhas de ouro. São finas folhas do referente metal, tradicionalmente empregues na decoração de objetos de diversos tipos de arte, como são exemplo retábulos, esculturas, ourivesarias, mobiliário, entre outras. Para além das folhas de ouro, enquanto metal, existem folhas de prata, cobre, alumínio ou paládio que são utilizados conforme o acabamento final pretendido. Um dos métodos de douramento consiste em “bater folhas de ouro sobre o suporte” que posteriormente são polidos, obtendo assim o brilho desejado. Este procedimento de batimento permanece o mesmo desde a Antiguidade.

O Virgem de 40 Anos é um filme de comédia romântica norte-americana de 2005, dirigido por Judd Apatow, em sua estreia na direção de longas-metragens, que produziu o filme com Clayton Townsend e Shauna Robertson. O filme apresenta Steve Carell no papel do virgem de 40 anos Andy, funcionário de uma loja de eletrônicos. Paul Rudd, Romany Malco e Seth Rogen interpretam colegas de trabalho que “decidem ajudá-lo a perder a virgindade”, e Catherine Keener estrela como o interesse amoroso de Andy, Trish. Assistir à atuação cinematográfica de Carell em O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy (2004) inspirou Apatow a escalá-lo e promove-lo ao papel principal do filme, e juntos escreveram O Virgem de 40 Anos. O filme foi baseado em um esquete criado por Carell com a The Second City, no qual um homem de 40 anos esconde um segredo. As filmagens ocorreram em Los Angeles e no Vale de San Fernando, Califórnia, de janeiro a abril de 2005. O filme foi lançado nos cinemas dos Estados Unidos da América em 19 de agosto de 2005, pela Universal Pictures, e arrecadou mais de US$ 177 milhões em todo o mundo globalizado com um orçamento de US$ 26 milhões. As críticas foram positivas, com elogios à atuação de Carell e ao humor “bem-intencionado”, porém obsceno, que também foi um ponto de discórdia entre alguns comentaristas de orientação conservadora.

            The 40-Year-Old Virgin representou a estreia cinematográfica de Judd Apatow na direção. Enquanto trabalhava como produtor do filme Anchorman: The Legend of Ron Burgundy, de 2004, ele teve a ideia de fazer um filme com Steve Carell no papel principal depois de assistir sua atuação, pensando “Seria ótimo ver um filme de Steve Carell”. Apatow mais tarde perguntou se ele tinha alguma ideia para o filme, e ambos escreveram The 40-Year-Old Virgin juntos depois que este último expressou o desejo de fazer algo sobre uma virgem de 40 anos, baseando-se em um esquete que Carell criou enquanto se apresentava com a trupe de comédia de improvisação The Second City. Carell fez muitas versões do esquete, experimentando diferentes cenários onde o homem de 40 anos está escondendo um “grande segredo”. Apatow teve dificuldade em inventar o final do filme. Garry Shandling sugeriu que era importante mostrar que Andy estava fazendo sexo melhor porque estava apaixonado e, em vez de mostrar o sexo diretamente, eles decidiram fazer Andy cantar e fazer um número musical. Apatow escalou o elenco no início do desenvolvimento e adaptou o roteiro aos pontos fortes dos atores.

Ele também o produziu para a Apatow Productions e a Universal Pictures, juntamente com Clayton Townsend e Shauna Robertson. Catherine Keener foi a primeira escolha para a protagonista feminina. Apatow escalou Stormy Daniels especificamente porque queria “alguém que se sentisse realmente confortável” fazendo cenas de nudez que eram necessárias para o enredo do filme. Uma grande parte do diálogo em The 40-Year-Old Virgin foi improvisada. Keener afirmou em 2010 que Apatow “nunca diria realmente corta” e, em vez disso, diria “recarrega” ao gravar o filme devido à improvisação, chamando a experiência de “histericamente engraçada”. Ela também mencionou que “você teve que perder o senso de autoconsciência naquele filme porque era uma espécie de tudo em termos de fazer uma piada ou até mesmo o escritor ficaria sentado atrás dos monitores atrás da cortina”. A produção usou mais de um milhão de pés de filme, um marco alcançado no último dia de filmagem e comemorado com champanhe grátis da Technicolor SA. As filmagens começaram em 17 de janeiro de 2005 e terminaram em 1º de abril de 2005. O filme foi rodado em partes da Califórnia, incluindo Studio City, Los Angeles e Ventura Boulevard, em San Fernando Valley.

Lyle Workman compôs a trilha sonora do filme, enquanto Jack N. Green e Brent White, respectivamente, atuaram como diretor de fotografia e editor. A produção foi interrompida pela Universal Pictures após a primeira semana, devido a preocupações de que a aparência física do personagem de Carell se assemelhasse à de um serial killer e que as primeiras filmagens não fossem engraçadas. Paul Rudd foi criticado por estar acima do peso e o estúdio ficou descontente com a forma como Apatow tratou o projeto como um filme independente. Apatow inicialmente tinha um papel coadjuvante em mente para Jason Segel, que a Universal se recusou a permitir. Devido às mortes acidentais de peixes usados ​​em The 40-Year-Old Virgin, a American Humane Association retirou a sua declaração de isenção de responsabilidade de que “nenhum animal foi ferido...”.

Sete exibições de teste foram realizadas para o filme antes de estrear nos cinemas, com cada uma custando aproximadamente US$ 10.000. Inicialmente, foi considerado “desconfortavelmente sujo e nada engraçado” antes de Apatow reduzir a quantidade de pornografia exibida. Malco certa vez implorou para que ele cortasse suas cenas, temendo o que aconteceria após seu lançamento e insistindo: “Minha mãe é uma ministra ordenada, cara, me tire do filme, por favor. Estou falando sério”. Este pedido foi recusado porque Apatow achou Malco engraçado. Ele ficou surpreso ao descobrir que sua mãe acabou levando “todos os seus amigos da igreja para assistir, várias vezes”, e afirmou que The 40-Year-Old Virgin “mudou minha carreira”, levando a mais ofertas de emprego subsequentes sem audições anteriores. Jay foi inicialmente concebido como “um garoto preppy de fraternidade” antes que a audição de Malco o levasse a ser retrabalhado em um “mulherengo malandro e falador de rua”. Ele gostou de como o personagem “na verdade aprende suas próprias lições de vida junto com Andy” e o chamou de “antítese sexual” do personagem principal. O peito de Carell foi genuinamente depilado para o filme, com cinco câmeras configuradas para capturar a cena, o que foi feito em uma tomada.

Ele insistiu em ter uma depilação real, dizendo a Apatow: “Não será tão engraçado se for simulado ou se for um efeito especial. Você tem que ver que isso está realmente acontecendo”. Malco começou a se sentir mal enquanto assistia à depilação e fugiu do set. De acordo com Miki Mia, levou três ou quatro horas para filmar a cena, e ela pediu que alguns pelos do peito fossem aparados com antecedência para reduzir a dor de Carell. Mia observou que apenas “um pouquinho” foi removido “para que ficasse ótimo na câmera”. Seu peito nunca foi totalmente depilado durante as filmagens, e ele raspou todos os pelos depois de três semanas. Depois que Carell deixou escapar o nome de Kelly Clarkson durante a depilação, Clarkson disse a Rogen em 2021 que seria "literalmente a única coisa pela qual as pessoas me reconheceriam", independentemente de qualquer outra coisa que ela fizesse. Rogen explicou que teve essa ideia ao vê-la na televisão, enquanto compilava uma lista de “piadas limpas” e “piadas sujas” para usar na cena.

Em 19 de agosto de 2005, The 40-Year-Old Virgin estreou nos cinemas dos Estados Unidos da América. O filme estreou no topo das bilheterias norte-americanas, arrecadando US$ 21.422.815 durante o fim de semana de estreia e permaneceu em primeiro lugar no fim de semana seguinte. Arrecadou um total de US$ 109.449.237 neste mercado e US$ 67.929.408 internacionalmente, totalizando US$ 177.378.645 contra um orçamento de US$ 26 milhões. O filme ficou em 25º lugar na bilheteria global e em 19º nos Estados Unidos naquele ano. Foi lançado mormente no Reino Unido em 2 de setembro de 2005, e liderou as bilheterias do país naquele fim de semana. Mais tarde naquele mês, o filme também estreou na Alemanha, Grécia, Nova Zelândia e Rússia com respectivas aberturas de $ 2.195.972, $ 202.400, $ 144.666 e $ 443.428. Em outros lugares e espaços, estreou com $ 66.277 na Argentina, $ 1.608.724 na Austrália, $ 5.451 na Bulgária, $ 25.200 na República Tcheca, $ 29.884 no Líbano, $ 310.280 na Holanda, $ 119.930 na Noruega, $ 133.509 na Polônia, $ 9.091 na Eslováquia, $ 87.535 na África do Sul e $ 157.386 na Turquia. Ao ser distribuído na Espanha, Coreia do Sul, Taiwan e Tailândia, The 40-Year-Old Virgin também teve arrecadações no primeiro fim de semana de $ 874.373, $ 240.882, $ 78.099 e $ 72.800, respectivamente, nesses mercados.

Ele ganhou elogios do Golden Schmoes Awards e do MTV Movie & TV Awards por seu papel politicamente correto, enquanto Keener recebeu prêmios da Boston Society of Film Critics e da Los Angeles Film Critics Association. O Virgem de 40 Anos foi nomeado pelo American Film Institute um dos 10 Melhores Filmes de 2005. Ipso facto, também reconhecido pela antonomásia de Porn Valley, o Vale de São Fernando recebeu este apelido devido ao fato social de que grande parte dos filmes adultos norte-americanos são produzidos ou editados na localidade, que está situada do outro lado de Hollywood, em Los Angeles. Outras denominações populares também são utilizadas para se denominar a localidade, tais como “San Pornando Valley”, em contraste com o Vale do Silício (Silicon Valley, em inglês), apelido para o vale de Santa Clara. Historicamente para impulsionar a carreira, atrizes de todo o mundo acabam se instalando nas redondezas. Essa concentração geográfica contribuiu muito para o crescimento da indústria de entretenimento pornográfico. Na década de 1970, quem filmava filme pornô estava sujeito a riscos sociais de ser processado por distribuição de material obsceno.

 Anteriormente tudo era muito underground, atualmente a atividade local desta indústria da pornografia é mais organizada e comercial. A jornalista e roteirista Laureen Ortiz, que foi correspondente do jornal francês Libération em Los Angeles de 2008 a 2011, autora do livro “Porn Valley: Uma Temporada na Indústria mais Difamada da Califórnia”, afirma que “na Califórnia de rebeldes e inimigos da moral, onde alguns marginalizados se entregam a atividades desagradáveis ​​que têm o dom de se espalhar por todo o planeta. É o paradoxo de consequências não-intencionais, dos motoqueiros e dos atores sociais pornôs: estar na chamada “marginalidade de massa”, para utilizarmos a expressão de Michel de Certeau (2014: 43) e gerar “o convencional. Ser uma espécie considerada rara e participar do sonho californiano”. Em San Fernando Valley fica a sede da Adult Video News, famosa por liderar o comércio gráfico da pornografia por meio da revista AVN Magazine que cobre a indústria de vídeo adulto. O grupo de mídia adulto AVN Media Network migrou seus negócios em 2002 para San Fernando Valley, subúrbio de Los Angeles, por  “baixos aluguéis e acesso ao mercado de filmes”.

A maioria dos filmes de sexo norte-americanos é filmada em armazéns e casas particulares, ajudando a arrecadação do Vale de San Fernando economicamente em US$ 4 bilhões em vendas comerciais anuais no auge dos anos 1990. A proximidade de San Fernando Valley para Los Angeles ajudou a criar mercadologicamente “um canal de talentos de Hollywood, que incluía diretores, equipe e atores quando eles precisavam de uma pequena renda secundária”. Alguns dos fotógrafos mais emblemáticos da Playboy Enterprises, Christie Hefner, por exemplo, fundadora e Chief Executive Officer (CEO) da revista Playboy, fala abertamente dos desafios que encontrou ao assumir o comando da organização da família, especialmente sobre o processo de sucessão do pai, localizada em Los Angeles, incluindo Stephen Wayda e Suze Randall que se tornou a primeira fotógrafa do sexo feminino para a revista na década de 1970, se basearam em San Fernando Valley. Historicamente Suze Randall é uma modelo e fotógrafa erótica. Ela tem sido uma das mais influentes figuras humanas da indústria pornô por mais de 22 anos. Trabalhou como enfermeira e posteriormente como modelo de moda nos anos 1970 quando começou a ganhar notoriedade. De acordo com a série Pornucopia americana, uma série de documentários da HBO derivada de Real Sex que se concentra na indústria pornográfica californiana, produzida pela Home Box Office, aproximadamente 90% dos filmes adultos norte-americanos produzidos e distribuídos legalmente nos Estados Unidos da América foram filmados ou produzidos por estúdios baseados em San Fernando Valley.

Andy Stitzer é um tímido introvertido de 40 anos que trabalha como supervisor de estoque na loja de eletrônicos Smart Tech. Ele desistiu de tentar fazer sexo após várias tentativas frustradas e mora sozinho em um apartamento com uma coleção de bonecos de ação e videogames. Quando uma conversa durante um jogo de pôquer com seus colegas de trabalho David, Jay e Cal se volta para façanhas sexuais do passado, eles descobrem que ele secretamente ainda é virgem. Andy fica mortificado ao descobrir no dia seguinte que todos no trabalho descobriram o segredo, incluindo sua chefe Paula, que se sente atraída por ele e, mais tarde, em segredo, se oferece para tirar sua virgindade. Ele quase pede demissão, humilhado, antes que David o console e recomende que tente fazer sexo novamente. David, Jay e Cal se determinam a ajudar Andy a conseguir isso. Todos dão conselhos diferentes sobre como interagir com mulheres. David o convida para um evento de encontros rápidos e tenta, sem sucesso, reatar o contato com sua ex-namorada, Amy. Jay arrasta Andy para vários eventos sociais, marca uma dolorosa depilação com cera nos seios e o apresenta a uma prostituta, tudo com resultados constrangedores. Cal aconselha Andy a ser confiante e a fazer perguntas às mulheres em vez de falar sobre si mesmo. Ele pratica isso com uma balconista de livraria chamada Beth, que rapidamente se interessa por ele. David dá a Andy sua coleção de pornografia, incentivando-o a se masturbar.

Andy finalmente consegue um encontro amoroso com uma cliente chamada Trish Piedmont. No final do primeiro encontro, eles quase fazem sexo, mas são interrompidos pela filha adolescente dela, Marla. Trish sugere que eles adiem o sexo, e Andy concorda entusiasticamente; eles decidem se abster até o 20º encontro. O relacionamento deles floresce nas semanas seguintes. Ela incentiva o sonho de Andy de abrir um negócio e ajuda a financiá-lo vendendo seus itens colecionáveis. Depois que Marla discute com Trish sobre querer controle de natalidade, Andy a leva para uma sessão de informação em grupo em uma clínica de saúde sexual, onde ela é ridicularizada por ser virgem. Andy admite sua virgindade para defendê-la, ganhando o respeito de Marla. Enquanto isso, David sofre um colapso emocional no trabalho por causa de sua obsessão por Amy. Ele faz um voto de celibato, o que leva Paula a delegar suas tarefas de vendas a Andy por um dia e, posteriormente, promovê-lo a gerente de chão devido à sua alta cota de vendas. Quando Cal assume o cargo anterior de Andy, ele contrata uma mulher chamada Bernadette para trabalhar na loja, na esperança de colocá-la junto com David para que ele possa seguir em frente com Amy. Depois que a namorada de Jay, Jill, termina com ele devido à sua infidelidade, ele admite a Andy que o sexo pode arruinar um relacionamento. 

Após uma reconciliação com Jill, Jay convida Andy e os outros para uma boate para comemorar sua gravidez. Trish tenta iniciar uma relação sexual com Andy no 20º encontro deles e fica chateada quando ele resiste. Eles discutem, e Andy sai para encontrar seus amigos em uma boate. Ele fica bêbado e sai com Beth para transar no apartamento dela. Cal convence David e Bernadette a ficarem juntos, enquanto Marla convence Trish a se reconciliar com Andy. Na casa de Beth, Andy fica sóbrio e decide ir embora sem fazer sexo, no momento em que seus amigos chegam e o incentivam a voltar para Trish. Andy retorna ao seu apartamento e encontra Trish esperando por ele. Ela viu a coleção de pornografia de David; ele tenta explicar, mas ela foge alarmada e enojada, temendo que Andy possa ser um desviante sexual. Enquanto a persegue em sua moto, Andy colide com seu carro, voando através da lateral de um caminhão de outdoor. Ela corre para o lado dele, e Andy finalmente confessa que é virgem. Trish fica aliviada e aceita, e eles professam seu amor um pelo outro. Eles se casam em uma cerimônia suntuosa com todos os presentes, tendo arrecadado cerca de US$ 500.000 com as vendas de seus bonecos de ação para pagar por isso, antes de fazerem sexo pela primeira vez. O filme termina com um musical onde todos os personagens cantam e dançam “Aquarius/Let the Sunshine In”.

Friedrich Hegel que parte da análise da consciência comum, não podia situar como princípio primeiro uma dúvida universal que só é própria da reflexão filosófica. Por isso mesmo ele segue o caminho aberto pela consciência e a história detalhada de sua formação. Ou seja, a Fenomenologia vem a ser uma história concreta da consciência, sua saída da caverna e sua ascensão à Ciência. Daí a analogia que em Hegel existe de forma coincidente entre a história da filosofia e a história do desenvolvimento do pensamento, mas este desenvolvimento é necessário, como força irresistível que se manifesta lentamente através dos filósofos, que são instrumentos de sua manifestação. Assim, preocupa-se apenas em definir os sistemas, sem discutir as peculiaridades e opiniões dos diferentes filósofos. Na determinação do sistema, o que o preocupa é a categoria fundamental que determina o todo complexo do sistema, e o assinalamento das diferentes etapas, bem como as vinculasses destas etapas que conduzem à síntese do espírito absoluto. Para compreender o sistema é necessário começar pela representação, que ainda não sendo totalmente exata permite, no entender de sua obra a seleção de afirmações e preenchimento do sistema abstrato de interpretação do método dialético, para poder alcançar a transformação da representação numa noção clara e exata.

Assim, temos a passagem da representação abstrata, para o conceito claro e concreto através do acúmulo de determinações. Aquilo que por movimento dialético separa e distingue perenemente a identidade e a diferença, sujeito e objeto, finito e infinito, é a alma vivente de todas as coisas, a Ideia Absoluta que é a força geradora, a vida e o espírito eterno. Mas a Ideia Absoluta seria uma existência abstrata se a noção de que procede não fosse mais que uma unidade abstrata, e não o que é em realidade, isto é, a noção que, por um giro negativo sobre si mesma, revestiu-se novamente de forma subjetiva. Metodologicamente a determinação mais simples e primeira que o espírito pode estabelecer é o Eu, a faculdade de poder abstrair todas as coisas, até sua própria vida. Chama-se idealidade precisamente esta supressão da exterioridade. Entretanto, o espírito não se detém na apropriação, transformação e dissolução da matéria em sua universalidade, mas, enquanto consciência religiosa, por sua faculdade representativa, penetra e se eleva através da aparência dos seres até esse poder divino, uno, infinito, que conjunta e anima interiormente todas as coisas, enquanto pensamento filosófico, como princípio universal, a ideia eterna que as engendra e nelas se manifesta. Isto quer dizer que o espírito finito se encontra inicialmente numa união imediata com a natureza, a seguir em oposição com esta e em identidade com esta, porque suprimiu a oposição e voltou a si mesmo e, consequentemente, o espírito finito é a ideia, mas ideia que girou sobre si mesma e que existe por si em sua própria realidade.

A Ideia absoluta que para realizar-se colocou como oposta a si, à natureza, produz-se através dela como espírito, que através da supressão de sua exterioridade entre inicialmente em relação simples com a natureza, e, depois, ao encontrar a si mesma nela, torna-se consciência de si, espírito que conhece a si mesmo, suprimindo assim a distinção entre sujeito e objeto, chegando assim a Ideia a ser por si e em si, tornando-se unidade perfeita de suas diferenças, sua absoluta verdade. Com o surgimento do espírito através da natureza abre-se a história da humanidade e a história humana é o processo que medeia entre isto e a realização do espírito consciente de si. A filosofia hegeliana centra sua atenção sobre esse processo e as contribuições mais expressivas de Hegel ocorrem precisamente nesta esfera, do espírito. Melhor dizendo, para Hegel, à existência na consciência, no espírito chama-se saber, conceito pensante. O espírito é também isto: trazer à existência, isto é, à consciência. Como consciência em geral tenho eu um objeto; uma vez que eu existo e ele está na minha frente. Mas enquanto o Eu é o objeto de pensar, é o espírito precisamente isto: produzir-se, sair fora de si, saber o que ele é. Nisto consiste a grande diferença: o homem sabe o que ele é. Logo, em primeiro lugar, ele é real. Sem isto, a razão, a liberdade não são nada. O homem é essencialmente razão. O homem, a criança, o culto e o inculto, é razão. Ou melhor, a possibilidade para isto, para ser razão, existe em cada um, é dada a cada um. A razão não ajuda em nada a criança, o inculto.

É somente uma possibilidade, embora não seja uma possibilidade vazia, mas possibilidade real e que se move em si. Assim, por exemplo, dizemos que o homem é racional, e distinguimos muito bem o homem que nasceu somente e aquele cuja razão educada está diante de nós. Isto pode ser expresso também assim: o que é em si, tem que se converter em objeto para o homem, chegar à consciência; assim chega para ele e para si mesmo. A história para Hegel, é o desenvolvimento do Espírito no tempo, assim como a Natureza é o desenvolvimento da ideia no espaço. Deste modo o homem se duplica. Uma vez, ele é razão, é pensar, mas em si: outra, ele pensa, converte este ser, seu em si, em objeto do pensar. Assim o próprio pensar é objeto, logo objeto de si mesmo, então o homem é por si. A racionalidade produz o racional, o pensar produz os pensamentos. O que o ser em si é se manifesta no ser por si. Todo conhecer, todo aprender, toda visão, toda ciência, inclusive toda atividade humana, não possui nenhum outro interesse além do aquilo que filosoficamente é em si, no interior, podendo manifestar-se desde si mesmo, produzir-se, transformar-se objetivamente. Nesta diferença se descobre toda a diferença na história do mundo. Os homens são todos racionais. O formal desta racionalidade é que o homem seja livre. Esta é a sua natureza. Isto pertence à essência do homem: a liberdade.

O europeu sabe de si, afirma Hegel, é objeto de si mesmo. A determinação que ele conhece é a liberdade. Ele se conhece a si mesmo como livre. O homem considera a liberdade como sua substância. Se os homens falam mal de conhecer é porque não sabem o que fazem. Conhecer-se, converter-se a si mesmo no objeto (do conhecer próprio) e o fazem relativamente poucos. Mas o homem é livre somente se sabe que o é. Pode-se também em geral falar mal do saber, como se quiser. Mas somente este saber libera o homem. O conhecer-se é no espírito a existência. Portanto isto é o segundo, esta é a única diferença da existência (Existenz) a diferença do separável. O Eu é livre em si, mas também por si mesmo é livre e eu sou livre somente enquanto existo como livre. A terceira determinação é que o que existe em si, e o que existe por si são somente uma e mesma coisa. Isto quer dizer precisamente evolução. O em si que já não fosse em si seria outra coisa. Por conseguinte, haveria ali uma variação, mudança. Na mudança existe algo que chega a ser outra coisa. Na evolução, em essência, podemos também sem dúvida falar da mudança, mas esta mudança deve ser tal que o outro, o que resulta, é ainda idêntico ao primeiro, de maneira que o simples, o ser em si não seja negado. Para Hegel a evolução não somente faz aparecer o interior originário, exterioriza o concreto contido já no em si, e este concreto chega a ser por si através dela, impulsiona-se a si mesmo a este ser por si.

O espírito abstrato assim adquire o poder concreto da realização. O concreto é em si diferente, mas logo só em si, pela aptidão, pela potência, pela possibilidade. O diferente está posto ainda em unidade, ainda não como diferente. É em si distinto e, contudo, simples. É em si mesmo contraditório. Posto que é através desta contradição impulsionado da aptidão, deste este interior à qualidade, à diversidade; logo cancela a unidade e com isto faz justiça às diferenças. Também a unidade das diferenças ainda não postas como diferentes é impulsionada para a dissolução de si mesma. O distinto (ou diferente) vem assim a ser atualmente, na existência. Porém do mesmo modo que se faz justiça à unidade, pois o diferente que é posto como tal é anulado novamente. Tem que regressar à unidade; porque a unidade do diferente consiste em que o diferente seja um. E somente por este movimento é a unidade verdadeiramente concreta. É algo concreto, algo distinto. Entretanto contido na unidade, no em si primitivo. O gérmen se desenvolve assim, não muda. Se o gérmen fosse mudado desgastado, triturado, não poderia evoluir. Na alma, enquanto determinada como indivíduo, as diferenças estão enquanto mudanças que se dão no indivíduo, que é o sujeito uno que nelas persiste e, segundo Hegel, enquanto momentos do seu desenvolvimento. Por serem elas diferenças, físicas e espirituais, seria preciso, para determinação ou descrição concreta, antecipar a noção do espírito cultivado.

As diferenças são: 1) curso natural das idades da vida, desde a criança, desde a criança, o espírito envolvido em si mesmo – passando pela oposição desenvolvida, a tensão de uma universalidade ela mesma ainda subjetiva em contraste com a singularidade imediata, isto é, como o mundo presente, não conforme a tais ideais, e a situação que se encontra, em seu ser-aí para esse mundo, o indivíduo que, de outro lado, está ainda não-autônomo e em si mesmo não está pronto (o jovem) – para chegar à relação verdadeira, ao reconhecimento da necessidade e racionalidade objetivas do mundo já presente, acabado; em sua obra, que leva a cabo por si e para si, o indivíduo retira, por sua atividade, uma confirmação e uma parte, mediante a qual ele é algo, tem uma presença efetiva e um valor objetivo (homem); até a plena realização da unidade com essa objetividade do conhecer: unidade que, enquanto real, vem dar na inatividade da rotina que tira o interesse, enquanto ideal se liberta dos interesses mesquinhos é das complicações do presente exterior (o ancião). O espírito manifesta aqui sua independência da própria corporalidade, em poder desenvolver-se antes que nela torne.

As crianças têm demonstrado um desenvolvimento espiritual que vai mais rápido que sua formação corporal. Esse foi o caso histórico, sobretudo em talentos artísticos indiscutíveis, em particular nos gênios da música. Também em relação ao fácil apreender de variados conhecimentos, especialmente na disciplina matemática; e tal precocidade tem-se mostrado não raramente também em relação a um raciocínio de entendimento, e mesmo sobre objetos éticos e religiosos. O processo de desenvolvimento do indivíduo humano natural decompõe-se então em uma série de processos, cuja diversidade se baseia sobre a relação do indivíduo para o gênero, e funda a diferença da criança, do homem e do ancião. Essas diferenças são as apresentações das diferenças do conceito. A idade da infância é o tempo da harmonia natural, da paz do sujeito consigo mesmo e com o mundo. Um começo tão sem-oposição quanto a velhice é um fim sem-oposição. As oposições que surgem ficam sem interesse mais profundo. A criança vive na inocência, sem sofrimento durável; no amor aos seus pais, e no sentimento de ser amado por eles.

A cultura que caracteriza as sociedades humanas é organizada e/ou organizadora via o veículo cognitivo da linguagem, a partir do “capital cognitivo coletivo” dos conhecimentos adquiridos, das competências aprendidas, das experiências vividas, da memória histórica, das crenças míticas de uma sociedade. E, dispondo de seu capital cognitivo, a cultura institui as regras/normas que organizam a sociedade e governam os comportamentos individuais. Estas regras in statu nascendi geram processos sociais que regeneram a complexidade social adquirida por essa mesma cultura. Assim, a cultura não deve ser compreendida pelas metáforas estruturais, que são termos impróprios em uma organização recursiva onde o que é produzido e gerado torna-se produtor e gerador daquilo que o produz ou gera. Entendemos que cultura & sociedade estão em relação geradora mútua; nessa relação, não podemos esquecer as interações entre indivíduos, eles próprios portadores ou transmissores de cultura, que regeneram a sociedade, a qual regenera a cultura. Daí a tese sociológica segundo a qual, é possível explicar que “se a cultura contém um saber coletivo acumulado em uma memória social, se é portadora de princípios, modelos, esquemas de conhecimento, se gera uma visão de mundo, se a linguagem e o mito são partes constitutivas da cultura, então a cultura não comporta somente uma dimensão cognitiva: é máquina cognitiva cuja práxis é cognitiva”.   

É neste sentido próprio de saber cognitivo que uma cultura abre e fecha as potencialidades bioantropológicas do conhecimento. Ela as abre e atualiza fornecendo aos indivíduos o seu saber acumulado, a sua linguagem, os seus paradigmas, a sua lógica, os seus esquemas, os seus métodos de aprendizagem, métodos de investigação, de verificação, etc., mas, ao mesmo tempo, ela as fecha e inibe com as suas normas, regras, proibições, os seus tabus, seu etnocentrismo, a sua autossacralização, a sua “ignorância de ignorância”. Ainda aqui, o que abre o conhecimento é o que fecha o conhecimento. Desde o seu nascimento, o ser humano conhece não só por si, para si, em função de si, mas, também pela sua família, pela sua tribo, pela sua cultura, pela sua sociedade, para elas, em função delas. Assim, o conhecimento de um indivíduo alimenta-se de memória biológica e de memória cultural, associadas na própria memória, que obedece a várias entidades de referência, diversamente presentes nela. Tudo o que é linguagem, lógica, consciência, tudo o que é espírito e pensamento, constitui-se na encruzilhada dialógica entre dois princípios de tradução, um contínuo, o outro descontínuo (binário).

As aptidões individuais organizadoras do nosso cérebro humano necessitam de condições socioculturais para se atualizarem, as quais necessitam das aptidões do espírito humano para se organizarem individual e socialmente. A cultura está nos espíritos, vive nos espíritos, os quais estão na cultura, vivem na cultura. Meu espírito conhece através da minha cultura, vivem na cultura. Meu espírito conhece através da minha cultura, mas, em certo sentido, a minha cultura conhece através do meu espírito. Assim, portanto, as instâncias produtoras do conhecimento se coproduzem umas às outras; há uma unidade recursiva complexa estabelecida entre produtores e produtos do conhecimento, ao mesmo tempo/espaço em que há relação hologramática entre cada uma das instâncias, cada uma contendo as outras e, nesse sentido, cada uma contendo “o todo enquanto todo”. Falar em complexidade é sociologicamente falar em relação social de interação simultaneamente complementar, concorrente, antagônica, recursiva e hologramática entre essas instâncias cogeradoras do reconhecimento humano. Mas não é apenas essa complexidade sob condições determinada que permitem compreender a possível autonomia relativa do espírito – as faculdades intelectuais - e no sentido técnico do cérebro individual.

Mas é somente assim mesmo que o espírito individual pode autonomizar-se em relação à sua determinação biológica. Recorrendo às suas fontes e recursos socioculturais. E em relação à sua determinação cultural utilizando a sua aptidão bioantropológicas para organizar o conhecimento. O espírito individual pode alcançar a sua autonomia jogando com a dupla dependência que, ao mesmo tempo, o constrange, limita e alimenta. Pode jogar, pois há margem, entre hiatos, aberturas, defasagens. Entre o bioantropológico e o sociocultural, o ser individual e a sociedade. Assim, a possibilidade de autonomia do espírito individual está inscrita no princípio de seu conhecimento. E isso em nível de seu conhecimento cotidiano, quanto em nível de pensamento filosófico ou científico. A cultura fornece ao pensamento as suas condições sociais e materiais de formação, de concepção, de conceptualização. Portanto, ela impregna, modela e eventualmente governa os conhecimentos individuais. A cultura e, somente pela via da cultura, a sociedade está no interior do conhecimento. Edgar Morin sustenta a tese segundo a qual o conhecimento está na cultura e a cultura está na representação do conhecimento. Um ato cognitivo per se é um elemento social do complexo cultural coletivo que se atualiza em um ato cognitivo individual. As nossas percepções sociológicas de análise ou mesmo estão sob um determinado controle, não apenas de constantes fisiológicas e também psicológicas, mas níveis de variáveis culturais e históricas.

 A percepção da esfera social da vida pelos gregos originalmente  é submetida a novas categorizações, nas sociedades tanto quanto as formas de conceptualizações, taxinomias, que influenciarão o reconhecimento e a identificação das cores, das formas, dos objetos. O conhecimento intelectual organiza-se em função técnica de paradigmas que selecionam, hierarquizam, rejeitam as ideias sociais e as informações técnicas, bem como em função de significações mitológicas e de projeções imaginárias. Assim se opera a “construção social da realidade”, ou antes, a “co-construção social da realidade”, visto que a realidade se constrói também a partir de dispositivos cerebrais, em que o real (imagem) se consubstancializa e se dissocia do irreal (fantasia), a weltanschauung, que se concretiza em verdade, em erro, per se na mentira. Para conceber a sociologia do conhecimento, é necessário, conceber não só o enraizamento do conhecimento na sociedade e a interação social do Ser e do conhecimento na sociedade. Mas no anel recursivo, lembra Morn,  qual o conhecimento é produto/produtor sociocultural que comporta uma dimensão própria cognitiva. Os homens de uma cultura, pelo seu modo de conhecimento, produzem a cultura que produz seu reconhecimento social.

A cultura gera os conhecimentos que regeneram a cultura. Ao considerar-se a que ponto o conhecimento é produzido por uma cultura, dependente de uma cultura, integrado a uma cultura, pode-se ter a impressão de que nada seria capaz de poder libertá-lo. Mas isso seria, sobretudo, ignorar as potencialidades humanas de autonomia relativa, no interior de todas aquelas culturas, dos espíritos individuais. Os indivíduos não são todos, e nem sempre, mesmo nas condições culturais prementes mais fechadas, máquinas triviais obedecendo impecavelmente à ordem social e às injunções culturais. Isso seria ignorar que toda cultura está vitalmente aberta ao mundo exterior, de onde retira conhecimentos objetivos e que conhecimentos e ideias migram entre as culturas. Seria ignorar que aquisição de uma informação, a descoberta de um saber, a invenção de uma ideia, podem modificar e transformar uma sociedade inteira, e, portanto, mudar o curso da história. O conhecimento está ligado, por todos os lados, à estrutura da cultura, à organização social, à práxis histórica. Sempre por toda parte, o conhecimento científico transita pelos espíritos individuais, que dispõem de autonomia potencial, a qual pode em certas condições sociais e políticas atualizarem-se e tornar-se um pensamento pessoal crítico.

Bibliografia Geral Consultada.

USSEL, Jos Van, Repressão Sexual. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1980; BERNADET, Jean-Claude, O Que é Cinema? São Paulo: Editora Brasiliense, 1980; SCHEIBE, Karl, Espelhos, Máscaras, Mentiras e Segredos. São Paulo: Editora Interamericana, 1981; GOFFMAN, Erving, Estigma. Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. 4ª edição. São Paulo: Livros Técnicos Científicos Editora, 1981; BLUMER, Herbert, Filmes e Conduta. Nova York: Macmillan Editor, 1983; CHAUÍ, Marilena de Souza, Repressão Sexual: Essa Nossa (Des)conhecida. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987; ELÍAS, Norbert, El Proceso de la Civilización. Investigaciones Sociogenéticas y Psicogenéticas. México: Editor Fundo de Cultura Económica, 1989; Idem, Os Alemães.  Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1997; URBAIN, Jean-Didier, Sur la Plage: Moeurs et Coutumes Balnéaires. Paris: Editeurs Payot & Petit Rivages, 1994; PIERA, Elisenda Ardévol, La Mirada Antropológica o la Antropología de la Mirada. Tese de Doutorado. Barcelona: Universidad Autónoma de Barcelona, 1994; ROTH, Michael (Org.), Freud, Conflito e Cultura: Ensaios sobre a Vida, Obra e Legado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000; VIGARRELLO, Georges, Storia della Violenza Sessuale. Veneza: Marsilio Editore, 2001; MORIN, Edgar, O Método 4 – As Ideias. Habitat, Vida, Costumes, Organização. 4ª edição. Porto Alegre: Editora Sulina, 2008; LEE, Victor, “Porn Valley: o maior polo pornográfico do Mundo”. In: Site Sweetlicious, 20 de outubro de 2009; BADINTER, Elisabeth, O Conflito: A Mulher e a Mãe. Rio de Janeiro: Editor Record, 2011; CERTEAU, Michel de, A Invenção do Cotidiano. 1. Artes de Fazer. 22ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2014; ORTIZ, Laureen, Porn Valley: Une Saison dans l`Industrie la plus Décriée de Californie. Paris: Premier Parallèle, 2018; ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric, A Busca da Excitação: Desporto e Lazer no Processo Civilizacional. 1ª edição. Lisboa: Edições 70, 2019; LIMA, Ana Lorena Bandeira, O Cinema como Produtor de Pensamento no Ensino de Filosofia. Dissertação de Mestrado Profissional em Filosofia. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2023; THOSI, Aline Fernandes, Autoras inglesas da Primeira Modernidade (1500-1650): O Texto Literário de Tema Religioso e as Estratégias Femininas de Subversão. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Letras. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2025; entre outros.

sexta-feira, 22 de agosto de 2025

4 L – Comédia Dramática, Cinema & Aventura, Jornada de Quatro Amigos.

 Com os amigos ao lado, até a jornada mais longa se torna curta”. Filme 4L (2019)      

       4L (em espanhol: 4 latas) tem como representação social um filme de comédia espanhol de 2019, dirigido por Gerardo Olivares, nascido em 1964 é um cineasta e roteirista espanhol. É casado, tem dois filhos e mora em Madri. Foi o primeiro espanhol a ganhar o Golden Spike no prestigiado festival de cinema Seminci, em Valladolid, por seu filme “14 quilómetros”. Recebeu o Prêmio Cinema pela Paz de 2019 na categoria Justiça por seu filme “Duas Catalunhas” e escrito por Olivares e María Jesús Petrement. O enredo gira em torno de Tocho (Hovik Keuchkerian), que é um alcoólatra rude e mal-educado; Jean Pierre (Jean Reno), que já foi mulherengo, mas amadureceu; e Ely (Susana Abaitua). Todos estão viajando da Espanha para o pai de Ely, Joseba (Enrique San Francisco), que mora em Tombuctu, Mali, e está em seu leito de morte. É uma cidade no centro do Mali, capital da região de mesmo nome. Apesar de não demonstrar o esplendor da sua época áurea, no século XIV, e estar a ser engolida pela areia do deserto do Saara, ainda tem uma importância histórica e social tão grande, como depósito de saber, que foi inscrita pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em 1988, integrada na lista do Patrimônio Mundial. cultural das nmções Na trama cinematográfica eles decidiram viajar para lá usando o velho automóvel Renault do pai de Ely, um carro que eles costumavam usar para fazer determinadas viagens. O filme 4L não tem frases  reconhecidas em filmes famosos. Mas explora a amizade, aventura e a busca por liberdade.

        No início da trama cinematográfica, Tocho, tem como representação social um cidadão rude e alcoólatra de Bilbao, Espanha, que recebe uma carta informando que Joseba, uma velha amiga, está morrendo em Tombuctu. Profundamente tocado e nostálgico, Tocho viaja de ônibus para a França, onde convoca outro velho amigo, Jean Pierre, dono de um vinhedo, para acompanhá-lo em uma viagem para se despedir de sua amada Joseba. Jean Pierre concorda, um tanto hesitante, e os dois homens visitam Ely, filha de Joseba, com quem se separavam, para convidá-la a se juntar a eles. Para espanto deles, Ely revela que o velho Renault de 1982, que os três amigos dirigiram pelo Deserto do Saara foi cuidadosamente preservado em sua garagem. Ela aceita a oferta, se eles dirigirem o Renault da Espanha a Tombuctou novamente. Com boas lembranças de suas aventuras de juventude, Jean Pierre e Tocho concordam em recriar a jornada com Ely a reboque. Mas os homens e o carro estão mais velhos agora, e os tempos mudaram. O que antes era uma viagem de liberdade se torna “uma jornada repleta de colapsos e momentos estereotipados de quase morte no deserto”. Um caroneiro malinês, Mamadou, faz amizade com Ely, mas morre de sede ao sair para buscar ajuda quando o 4L quebra. Há um encontro no meio do Tanezrouft com um traficante francês que guarda rancor de Jean Pierre, que “roubou um de seus caminhões há muitos anos”. Chegando a Timbuctou, os três viajantes encontram Joseba doente e seu parceiro malinês, e a cena final deixa os personagens prometendo restaurar um barco fluvial no Níger (a cerca de 20 km de Tombuctu) de propriedade de Joseba.

          O filme “4x4”, também reconhecido como “4L”, não tem um parceiro de origem malinês, relativo à República do Mali (antigo Sudão francês), na África ocidental. O filme narra a história controversa de um homem que, após roubar um carro, fica preso dentro dele, e a narrativa se concentra em seus esforços humanos e tecnológicos para escapar e sobreviver. Não há menção a um cachorro ou ouro animal de estimação no enredo do filme. O filme “4x4” é um thriller psicológico que explora temas de isolamento, perda, sofrimento, memória e luta pela sobrevivência. O protagonista, interpretado por Peter Lanzani, precisa usar sua inteligência e recursos para lidar com a situação perigosa em que se encontra. Embora o filme não tenha um parceiro canino, ele explora a relação entre o homem e a máquina, e a luta pela sobrevivência em ambiente hostil. O Mali ou Máli, oficialmente República do Mali, em bambara, Mali ka Fasojamana tem como representação social um país africano sem saída para o mar na África Ocidental. O Mali é o sétimo maior país da África. Limita-se com sete países, a Norte pela Argélia, a Leste pelo Níger, a Oeste pela Mauritânia e Senegal e ao Sul pela Costa do Marfim, Guiné e Burquina Fasso. O Mali tem uma área de 1 240 000 km² e a sua população em cerca de 24,5 milhões de habitantes. A capital do país é Bamaco. Formado por Oito regiões, o Mali tem fronteiras ao Norte, no meio ao Deserto do Saara, e ao Sul, onde vive a maioria dos habitantes, está próximo aos rios Níger e Senegal. Os recursos naturais no Mali são o ouro, o urânio e o sal.          

O atual território do Mali foi sede de três impérios da África Ocidental, que controlava o comércio transaariano: o Império do Gana, o Império do Mali (que deu o nome de Mali ao país), e o Império Songai. No final do século XIX, o Mali ficou sob o controle da França, tornando-se parte do Sudão Francês. Em 1960, conquistou a Independência, juntamente com o Senegal, tornando-se a Federação Mali. Um ano mais tarde, a Federação do Mali se dividiu em dois países: Mali e Senegal. Depois de um tempo em que havia apenas um partido político, um golpe de Estado em 1991 levou à escritura de uma nova Constituição e à criação do Mali como uma nação democrática, com um sistema pluripartidário. Quase a metade de sua população vive abaixo da linha de pobreza, com menos de 1 dólar por dia. Mali deriva do nome do Império do Mali. O nome significa “o lugar onde o rei mora” e carrega uma conotação expressiva de força. O escritor guineense Djibril Tamsir Niane (1932-1921) sugere, em sua obra  Sundiata: An Epic of Old Mali (1965), que não é impossível que Mali tenha sido o nome dado a uma das capitais dos imperadores. O viajante marroquino do século XIV, Ibn Battuta, relatou que a capital do Império se chamava Mali. 

Uma tradição Mandinka narra que o lendário primeiro imperador Sundiata Keita se transformou em um hipopótamo após sua morte no rio Sankaranie, sendo possível encontrar aldeias na área deste rio denominadas “velho Mali”, possuindo Mali em seus nomes. Um estudo de provérbios do Mali observou que, no antigo Mali, havia uma aldeia chamada Malikoma, que significa “Novo Mali”, e que Mali poderia ter sido anteriormente o nome de uma cidade. Outra teoria sugere que Mali é uma pronúncia Fulani do nome do povo Mande. É sugerido que uma mudança de som levou à alteração. O território do atual Mali foi sede de grandes impérios da África Ocidental, que controlavam o comércio de sal, ouro, matérias prima, além de prata e bronze. Estes reinos careciam tanto de fronteiras geopolíticas quanto de identidades étnicas. Um destes grandes impérios foi o Império do Gana, fundada pelos soninquês, que falavam mandê. O reino se expandiu por toda África Ocidental desde o século VIII até 1078, quando foi conquistado pelos almorávidas. O Império do Mali se formou na parte superior do Rio Níger e chegou à sua força máxima em meados do século XIV.  Sob o reinado do Império do Mali, as antigas cidades de Djené e Tombuctu foram importantes centros de comércio e de aprendizagem islâmica. O reino entrou em declínio e, foi resultado de conflitos internos, e até ser substituído pelo Império Songai. 

O povo Songai é originário do noroeste da atual Nigéria, cujo império tinha sido há muito tempo uma potência na África Ocidental sob o controle do Império de Mali. No final do século XIV, o Império Songai ganhou a Independência do Império do Mali gradualmente, abrangendo a extremidade oriental deste império. Sua queda foi resultado de uma invasão berbere em 1591, marcando o fim do papel regional da encruzilhada comercial. Após o estabelecimento de rotas marítimas pelas potências europeias, a rotas comerciais transaarianas perderam sua importância. Na Era Colonial, Mali ficou sob o controle francês no fim do século XIX. Em 1905, toda a sua área estava sob controle da França, fazendo parte do Sudão Francês. No início de 1959, o Mali e o Senegal se uniram, formando a Federação do Mali, que conquistou a sua independência em 20 de agosto de 1960. A retirada da federação senegalesa permitiu que a ex-República sudanesa formasse a nação independente do Mali em 22 de setembro de 1960. Modibo Keita (1915-1977), que foi primeiro-ministro da Federação do Mali até sua dissolução, foi eleito o primeiro presidente. Keita estabeleceu o unipartidarismo, adotando, por sua vez, uma orientação africana independente e socialista de fortes laços com a União das Repúblicas Socialistas Soviética (URSS) e realizou uma grande nacionalização dos recursos econômicos. Modibo Keïta foi um pan-africanista e terceiro-mundista convicto, compartilhando essa crença com os nacionalistas de sua época, como Muammar Gaddafi da Líbia, Gamal Abdel Nasser do Egito, Kwame Nkrumah do Gana, Ahmed Ben Bella da Argélia, dentre outros.

Em 1968, como resultado de um crescente declínio econômico, o mandato de Keita foi derrubado por um golpe militar liderado por Moussa Traoré (1936-2020). O regime militar subsequente, de Traoré como presidente, teve a função de fazer reformas econômicas. Apesar disso, seus esforços foram frustrados pela instabilidade política e uma devastadora seca climática que ocorreu entre 1968 e 1974. O regime Traoré enfrentou distúrbios estudantis que começaram no final dos anos 1970, como também ocorreram três tentativas de golpe de Estado. No entanto, as divergências foram suprimidas até o final da década de 1980. O governo continuou a tentar implantar reformas econômicas, mas sua popularidade entre a população diminuiu cada vez mais. Em resposta à crescente demanda por uma democracia pluripartidária, Traoré consistiu em uma liberalização política limitada, mas negou a marcar o início de um pleno sistema democrático. Em 1990, começaram a surgir novos movimentos de oposição coerentes, mas estes processos foram interrompidos pelo aumento da violência étnica no Norte, devido ao retorno de muitos tuaregues ao país. Novos protestos contra o governo ocorreram em 1991 levaram a mais um golpe de Estado, seguido de um governo de transição e a realização da nova Constituição. Em 1992, Alpha Oumar Konaré venceu as primeiras eleições presidenciais democráticas. Após sua reeleição em 1997, o presidente Konaré impulsionou reformas político-econômicas e lutou em combater a corrupção.

Em 2002, foi substituído por Amadou Toumani Touré, general que liderou um outro golpe de Estado contra os militares e impôs a democracia. O Mali vinha sendo um dos países mais estáveis de África no âmbito político e social. Entretanto, em 21 de março de 2012, um golpe militar derrubou o governo do presidente Touré. Em 2013, Ibrahim Boubacar Keïta venceu as eleições presidenciais daquele ano e assumiu a presidência até 18 de agosto de 2020, quando um outro golpe militar derrubou o governo de Keïta. Em setembro de 2020, a junta militar elegeu o presidente interino Bah N`daw no lugar de Keïta e governou o país até o dia 24 de maio de 2021, quando as tropas lideradas pelo chefe Assimi Goita derrubaram o governo de Bah e assumiram o poder de Mali até os dias atuais. Em 16 de maio de 2023, os governos militares de Mali, Burquina Fasso e Níger formam a aliança de defesa denominada Aliança de Estados do Sahel (AES), cujo objetivo é fortalecer as defesas dos três países em combate aos jihadistas ligados à Al-Qaeda e o Estado Islâmico. Em 29 de janeiro de 2024, o Mali saiu da CEDEAO, ou Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, uma organização regional que reúne 15 países da África Ocidental com o objetivo de promover a integração econômica e a cooperação política e social. Foi fundada em 1975 pelo Tratado de Lagos, junto com Burquina Fasso e Níger, devido a acusação dos três países de “trair seus próprios fundadores” após o grupo aplicar sanções econômicas contra eles.

            A população do Mali abrange vários grupos étnicos subsaarianos. Os bambaras são de longe estatisticamente o maior grupo étnico único, constituindo 36,5% da população. Coletivamente, os bambaras, soninquês, cassonquês e mandingas (também chamados mandinca), todos parte do grupo mais amplo mandês, constituem 50% da população do Mali. Outros grupos significativos são os fulas (17%), voltaic (12%), songais (6%) e tuaregues e mouros (10%). No Mali, assim como no Níger, os mouros também são reconhecidos como árabes de Azawagh, em homenagem à região de Azawagh no Saara. Eles falam principalmente o árabe Hassani, que é uma das variedades regionais do árabe. No extremo Norte, há uma divisão entre as populações nômades tuaregues descendentes de berberes e os bellas ou tamaxeques, de pele mais escura, devido à expansão histórica da escravidão na região. Estima-se que 800 mil pessoas no Mali são descendentes de escravos. E a escravidão no Mali persistiu por séculos. A população árabe manteve escravos até o século 20, quando a escravidão foi suprimida pelas autoridades francesas em meados do século 20. Ainda persistem certas relações de servidão hereditária, e de acordo com algumas estimativas, ainda cerca de 200 mil malianos ainda são escravizados. Alguns descendentes de europeus/africanos muçulmanos de origem espanhola, francesa, irlandesa, italiana e portuguesa vivem no Mali, onde são reconhecidos como o povo arma, com 0,4% da população do país.

    

            A Constituição maliana prevê a Independência jurídica, mas o Poder Executivo exerce influência sobre o Judiciário sob o seu poder de nomear juízes e supervisionar tanto as funções judiciais como a sua aplicação em lei. Os tribunais do Mali de maior hierarquia são o Tribunal Supremo, que tem competências judiciais e administrativas, e um Tribunal Constitucional independente que proporciona controle jurisdicional de atos legislativos e serve como um árbitro eleitoral. Existem vários tribunais menores, ainda que os chefes de aldeia e anciãos são responsáveis por resolver os conflitos sobre a aldeia local. A orientação política externa do Mali tornou-se cada vez mais pragmática e pró-ocidental ao longo do tempo. Como um país democrático a partir de 2002, as relações do Mali com o Ocidente em geral e com os Estados Unidos da América em particular, melhoraram significativamente. O Mali tem uma relação diplomática de longa data com a França, a antiga metrópole colonial. O país era ativo em organizações regionais, como a União Africana, até à sua suspensão durante o golpe de 2012. Mali apoia a resolução de conflitos regionais, como na Costa do Marfim, Libéria e Serra Leoa, o que é descrito como um dos principais objetivos da política externa do Mali. O governo maliano se sente ameaçado pelos conflitos em Estados fronteiriços, e as relações com os vizinhos são muitas vezes desconfortáveis. A insegurança ao longo das fronteiras do norte, incluindo o banditismo e o terrorismo, permanecem como questões preocupantes nas relações regionais. As forças militares do Mali consistem em um exército, que inclui as forças terrestres e a força aérea, estando sob o controle do Ministério da Defesa e dos Veteranos do Mali. O país é membro da Organização das Nações Unidas (ONU).

            Friedrich Hegel que parte da análise da consciência comum, não podia situar como princípio primeiro uma dúvida universal que só é própria da reflexão filosófica. Por isso mesmo ele segue o caminho aberto pela consciência e a história detalhada de sua formação. Ou seja, a Fenomenologia vem a ser uma história concreta da consciência, sua saída da caverna e sua ascensão à Ciência. Daí a analogia que em Hegel existe de forma coincidente entre a história da filosofia e a história do desenvolvimento do pensamento, mas este desenvolvimento é necessário, como força socialmente irresistível que se manifesta lentamente através dos filósofos, que são instrumentos de sua manifestação. Assim, preocupa-se apenas em definir os sistemas, sem discutir as peculiaridades e opiniões dos diferentes filósofos. Na determinação do sistema, o que o preocupa é a categoria fundamental que determina o todo complexo do sistema, e o assinalamento das diferentes etapas, bem como as vinculasses destas etapas que conduzem à síntese do espírito absoluto. Para compreender o sistema é necessário começar pela representação, que ainda não sendo totalmente exata permite, no entender de sua obra a seleção de afirmações e preenchimento do sistema abstrato de interpretação do método dialético, para poder alcançar a transformação da representação numa noção clara e exata.

Assim, temos a passagem da representação abstrata, para o conceito claro e concreto através do acúmulo de determinações. Aquilo que por movimento dialético separa e distingue perenemente a identidade e a diferença, sujeito e objeto, finito e infinito, é a alma vivente de todas as coisas, a Ideia Absoluta que é a força geradora, a vida e o espírito eterno. Mas a Ideia Absoluta seria uma existência abstrata se a noção de que procede não fosse mais que uma unidade abstrata, e não o que é em realidade, isto é, a noção que, por um giro negativo sobre si mesma, revestiu-se novamente de forma subjetiva. Metodologicamente a determinação mais simples e primeira que o espírito pode estabelecer é o Eu, isto é, a faculdade de poder abstrair todas as coisas, até sua própria vida. Chama-se idealidade precisamente esta supressão da exterioridade. Entretanto, o espírito não se detém na apropriação, transformação e dissolução da matéria em sua universalidade, mas, enquanto consciência religiosa, por sua faculdade representativa, penetra e se eleva através da aparência dos seres até esse poder divino, uno, infinito, que conjunta e anima interiormente todas as coisas, enquanto pensamento filosófico, como princípio universal, a ideia eterna que as engendra e nelas se manifesta. Isto quer dizer que o espírito finito se encontra inicialmente numa união imediata com a natureza, a seguir em oposição com esta e finalmente em identidade com esta, porque suprimiu a oposição e voltou a si mesmo e, consequentemente, o espírito finito é a ideia, mas ideia que girou sobre si mesma e que existe por si em sua própria realidade.

A Ideia absoluta que para realizar-se colocou como oposta a si, à natureza, produz-se através dela como espírito, que através da supressão de sua exterioridade entre inicialmente em relação simples com a natureza, e, depois, ao encontrar a si mesma nela, torna-se consciência de si, espírito que conhece a si mesmo, suprimindo assim a distinção entre sujeito e objeto, chegando assim à Ideia a ser por si e em si, tornando-se unidade perfeita de suas diferenças, sua absoluta verdade. Com o surgimento do espírito através da natureza abre-se a história da humanidade e a história humana é o processo que medeia entre isto e a realização do espírito consciente de si. A filosofia hegeliana centra sua atenção sobre esse processo e as contribuições mais expressivas de Hegel ocorrem precisamente nesta esfera, do espírito. Melhor dizendo, para Hegel, à existência na consciência, no espírito chama-se saber, conceito pensante. O espírito é também isto: trazer à existência, isto é, à consciência. Como consciência em geral tenho eu um objeto; uma vez que eu existo e ele está na minha frente. Mas enquanto o Eu é reflexivamente o objeto de pensar, é o espírito precisamente isto: produzir-se, sair fora de si, saber o que ele é. Nisto consiste a grande diferença: o homem sabe o que ele é. Logo, em primeiro lugar, ele é real. Sem isto, a razão, a liberdade não são nada. O homem é razão. O homem, a criança, o culto e o inculto, é razão. E a possibilidade para ser razão, existe em cada um, é dada a cada um.

A razão não ajuda em nada a criança, o inculto. É somente uma possibilidade, embora não seja uma possibilidade vazia, mas possibilidade real e que se move em si. Assim, por exemplo, dizemos que o homem é racional, e distinguimos muito bem o homem que nasceu somente e aquele cuja razão educada está diante de nós. Isto pode ser expresso também assim: o que é em si, tem que se converter em objeto para o homem, chegar à consciência; assim chega para ele e para si mesmo. A história para Hegel, é o desenvolvimento do Espírito no tempo, assim como a Natureza é o desenvolvimento da ideia no espaço. Deste modo o homem se duplica. Uma vez, ele é razão, é pensar, mas em si: outra, ele pensa, converte este ser, seu em si, em objeto do pensar. Assim o próprio pensar é objeto, logo objeto de si mesmo, então o homem é por si. A racionalidade produz o racional, o pensar produz os pensamentos. O que o ser em si é se manifesta no ser por si. Todo conhecer, todo aprender, toda visão, toda ciência, inclusive toda atividade humana, não possui nenhum outro interesse além do aquilo que filosoficamente é em si, no interior, podendo manifestar-se unicamente desde si mesmo, produzir-se, transformar-se objetivamente. Nesta diferença se descobre toda a diferença real na história do mundo. Os homens são todos racionais. O formal desta racionalidade é que o homem seja livre. Esta é a sua natureza ser à essência do homem: a liberdade.

O europeu sabe de si, afirma Hegel, é objeto de si mesmo. A determinação que ele conhece é a liberdade. Ele se conhece a si mesmo como livre. O homem considera a liberdade como sua substância. Se os homens falam mal de conhecer é porque não sabem o que fazem. Conhecer-se, converter-se a si mesmo no objeto (do conhecer próprio) e o fazem relativamente poucos. Mas o homem é livre somente se sabe que o é. Pode-se também em geral falar mal do saber, como se quiser. Mas somente este saber libera o homem. O conhecer-se é no espírito a existência. Portanto isto é o segundo, esta é a única diferença da existência (Existenz) a diferença do separável. O Eu é livre em si, mas também por si mesmo é livre e eu sou livre somente enquanto existo como livre. A terceira determinação é que o que existe em si, e o que existe por si são somente uma e mesma coisa. Isto quer dizer precisamente evolução. O em si que já não fosse em si seria outra coisa. Por conseguinte, haveria ali uma variação, mudança. Na mudança existe algo que chega a ser outra coisa. Na evolução, em essência, podemos também sem dúvida falar da mudança, mas esta mudança deve ser tal que o outro, o que resulta, é ainda idêntico ao primeiro, de maneira que o simples, o ser em si não seja negado.

 

Para Friedrich Hegel a evolução não somente faz aparecer o interior originário, exterioriza o concreto contido já no em si, e este concreto chega a ser por si através dela, impulsiona-se a si mesmo a este ser por si. O espírito abstrato assim adquire o poder concreto da realização. O concreto é em si diferente, mas logo só em si, pela aptidão, pela potência, pela possibilidade. O diferente está posto ainda em unidade, ainda não como diferente. É em si distinto e, contudo, simples. É em si mesmo contraditório. Posto que é através desta contradição impulsionado da aptidão, deste este interior à qualidade, à diversidade; logo cancela a unidade e com isto faz justiça às diferenças. Também a unidade das diferenças ainda não postas como diferentes é impulsionada para a dissolução de si mesma. O distinto (ou diferente) vem assim a ser atualmente, na existência. Porém do mesmo modo que se faz justiça à unidade, pois o diferente que é posto como tal é anulado novamente. Tem que regressar à unidade; porque a unidade do diferente consiste em que o diferente seja um. E somente por este movimento é a unidade verdadeiramente concreta. É algo concreto, algo distinto. Entretanto contido na unidade, no em si primitivo. O gérmen se desenvolve assim, não muda. Se o gérmen fosse mudado desgastado, triturado, não poderia de fato evoluir. Na alma, enquanto determinada como indivíduo, as diferenças estão enquanto mudanças que se dão no indivíduo, que é o sujeito uno que nelas persiste e, segundo Hegel, enquanto momentos do seu desenvolvimento.

Por serem elas diferenças, à uma, físicas e espirituais, seria preciso, para determinação ou descrição mais concreta, antecipar a noção do espírito cultivado. As diferenças são: 1) curso natural das idades da vida, desde a criança, desde a criança, o espírito envolvido em si mesmo – passando pela oposição desenvolvida, a tensão de uma universalidade ela mesma ainda subjetiva em contraste com a singularidade imediata, isto é, como o mundo presente, não conforme a tais ideais, e a situação que se encontra, em seu ser-aí para esse mundo, o indivíduo que, de outro lado, está ainda não-autônomo e em si mesmo não está pronto, o jovem, para chegar à relação verdadeira, ao reconhecimento da necessidade e racionalidade objetivas do mundo já presente, acabado; em sua obra, que leva a cabo por si e para si, o indivíduo retira, por sua atividade, uma confirmação e uma parte, mediante a qual ele é algo, tem uma presença efetiva e um valor objetivo (homem); até a plena realização da unidade com essa objetividade do conhecer: unidade que, enquanto real, vem dar na inatividade da rotina que tira o interesse, enquanto ideal se liberta dos interesses mesquinhos é das complicações do presente exterior (o ancião).                

O espírito manifesta aqui sua independência da própria corporalidade, em poder desenvolver-se antes que nela torne. Com frequência, crianças têm demonstrado um desenvolvimento que vai mais rápido que a formação corporal. Esse foi o caso histórico, sobretudo em talentos artísticos indiscutíveis, em particular nos gênios da música. Também em relação ao fácil apreender de variados conhecimentos, especialmente na disciplina matemática; e tal precocidade tem-se demonstrado não raramente também em relação a um raciocínio de entendimento, e mesmo sobre objetos éticos e religiosos. O processo de desenvolvimento do indivíduo humano naturalmente decompõe-se então em uma série de processos, cuja diversidade se baseia sobre a relação do indivíduo para com o gênero, e funda na história de formação a diferença da criança, do homem e do ancião. Essas diferenças são as apresentações das diferenças do conceito. A idade da infância é o tempo da harmonia natural, da paz do sujeito consigo mesmo e com o mundo. Um começo tão sem-oposição quanto a velhice é um fim sem-oposição. As oposições que surgem ficam sem interesse mais profundo. A criança vive na inocência, sem sofrimento durável; no amor aos seus pais, e no sentimento de ser amado por eles.

           A prestigiada universidade corânica de Sancoré, onde 50 mil sábios muçulmanos ajudaram a espalhar o Islão através da África Ocidental, ainda funciona, embora com um número mais reduzido: 15 mil estudantes. Tombuctu alberga, ainda, o famoso Instituto Ahmed Baba, com a sua colecção de 20 mil manuscritos árabes antigos, que retratam mais de um milênio de conhecimento científico islâmico e vários madraçais. A cidade tem três mesquitas principais: Djingareiber, construída de barro em 1325, Sancoré e Sidi Iáia. Tombuctu foi inscrita em 1990 na Lista do Património Mundial em perigo. A Universidade, Mesquita ou Madraça de Sancoré (Sankore) é o mais antigo dos três centros de ensino de Tombuctu, no Mali, África Ocidental. As três mesquitas, Sancoré, Djinguereber e Sidi Iáia, compõem o centro de conhecimento e estudos islâmicos reconhecido como Universidade de Tombuctu, um dos grandes centros de produção de conhecimento do mundo islâmico desde o medieval. A madraça é uma escola em árabe. Historicamente, a África Ocidental representou o lar de vários estados e impérios poderosos que controlavam o domínio das rotas comerciais, incluindo os Impérios Mali e Gao. Posicionada em uma extraordinária encruzilhada de comércio, tecnologia e subsistência entre o Norte da África e a África Subsaariana, a região fornecia bens como ouro, marfim e siderurgia avançada.

Durante a exploração europeia, as economias locais foram incorporadas ao tráfico de escravos do Atlântico, o que expandiu os sistemas de escravidão existentes. Mesmo após o fim do tráfico de escravos no início do século XIX, as potências coloniais, especialmente a França e a Grã-Bretanha, impulsionaram a exploração e degradação da região por meio de relações coloniais. Por exemplo, auxiliamos exportando bens extrativos como cacau, café, madeira tropical e recursos minerais. Desde que conquistaram a independência, várias nações da África Ocidental, como a Costa do Marfim, Gana, Nigéria e Senegal, assumiram papéis ativos nas economias regionais e globais. A África Ocidental possui uma ecologia rica, com biodiversidade significativa em várias regiões. Seu clima é moldado pelo Saara seco ao Norte e Leste, produzindo os ventos Harmattan, um vento seco e carregado de poeira que sopra do deserto do Saara para a África Ocidental, especialmente durante a extraordinária estação seca. Ele é caracterizado por baixa umidade, temperaturas mais baixas e a presença de partículas de poeira e areia e pelo Oceano Atlântico ao Sul e Oeste, que traz monções sazonais. Essa mistura climática cria uma variedade de biomas, de florestas tropicais a terras áridas, que abrigam espécies como pangolins, rinocerontes e elefantes. O ambiente da África Ocidental enfrenta ameaças devido ao desmatamento, perda de biodiversidade, pesca predatória, poluição da mineração, uso de plásticos e mudanças climáticas.

A mesquita foi fundada em 989 pelo juiz do Tombuctu, Alcaide Acibe ibne Maomé ibne Omar. Construiu o pátio interno da mesquita com as mesmas dimensões da Caaba em Meca. Tempos depois, uma rica dama mandinga financiou a Universidade de Sancoré e ajudou a torná-la no principal centro de educação. A universidade prosperou e tornou-se sede muito significativa de aprendizado no mundo islâmico, sobretudo sob o mansa Muça I (1307–1332) e sob a dinastia de Ásquia (1493–1581). Foi nesse período que a universidade ganhou grande notoriedade por todo o mundo islâmico, atraindo intelectuais de toda a África e Oriente Médio para o Reino do Mali para estudar e produzir sobre a cultura e religião islâmica no centro. Tombuctu era o ponto de passagem de uma ampla rede de comércio que se estendia desde o Médio Oriente até o norte da África. Como um centro de peregrinação religiosa. Ao final do reinado de mansa Muça I, a mesquita de Sankoré foi transformada em uma madraça, com o maior acervo de livros e manuscritos da África desde a biblioteca de Alexandria, com um nível de aprendizado que superava o de muitas escolas islâmicas do mesmo período. A madraça era capaz de abrigar 25 mil estudantes e sua biblioteca um acervo entre 400 mil e 700 mil livros e manuscritos. É considerada in statu nascendi universidade do mundo, apesar de sua organização pedagógica não seguir modelos convencionais ao ocidente.

Metodicamente as aulas se davam nos pátios, e cada estudante estava ligado a um imame, que os orientava no estudo do corão e de disciplinas seculares, como geometria, álgebra e astronomia. Os estudos eram divididos em níveis identificados por uma cor de turbante diferente, sendo um primeiro introdutório, um segundo de aprofundamento para que no terceiro, fosse produzido um estudo próprio, preservando-se sempre uma cópia desse paper na universidade. Aos estudantes que chegassem ao quarto nível, eram reservadas funções administrativas e educacionais nas cidades e mesquitas da região. As bibliotecas e acervos de manuscritos do complexo eram enormes, e a maior biblioteca no continente africano desde a Biblioteca de Alexandria. No seu apogeu, acredita-se que se tenha contido mais de setecentos mil manuscritos, e mais de vinte e cinco mil estudantes. Em suas ruinas e nas parcelas da construção que sobreviveram até os dias de hoje, mais de vinte mil manuscritos foram preservados, mesmo com a negligência, constantes ataques e ações do tempo deteriorando boa parte do acervo ao longo dos séculos.

A Biblioteca de Alexandria foi uma das mais significativas e célebres bibliotecas e um dos maiores centros de produção do conhecimento na Antiguidade. Estabelecida durante o século III a.C. no complexo palaciano da cidade de Alexandria, no Reino Ptolemaico do Antigo Egito, a Biblioteca fazia parte de uma instituição de pesquisa chamada Mouseion. A ideia de sua criação pode ter sido proposta por Demétrio de Faleros, um estadista ateniense exilado, ao sátrapa do Egito e fundador da dinastia ptolemaica, Ptolemeu I Sóter, que, tal como o seu antecessor, Alexandre Magno, buscava promover a difusão da cultura helenística. Contudo, a Biblioteca provavelmente não foi construída até o reinado de seu filho, Ptolemeu II Filadelfo. Ela adquiriu um grande número de rolos de papiro, devido sobretudo às políticas agressivas e bem financiadas dos reis ptolemaicos para a obtenção de textos. Não se sabe exatamente quantas obras ela tinha em seu acervo, mas estima-se que ela chegou a abrigar entre trinta mil e setecentos mil volumes literários, acadêmicos e religiosos. O acervo da Biblioteca cresceu de tal maneira que, durante o reinado de Ptolemeu III Evérgeta, uma filial sua foi criada no Serapeu de Alexandria. Além de servir à demonstração de poder dos governantes ptolemaicos, a Biblioteca teve um papel significativo na emergência de Alexandria como sucessora de Atenas enquanto centro irradiador da cultura grega.

A educação participa na vida e no crescimento da sociedade, tanto no seu destino exterior como na sua estruturação interna e desenvolvimento espiritual; e, uma vez que o desenvolvimento social depende da consciência dos valões que regem a vida humana, a história da educação está essencialmente condicionada pela transformação dos valões válidos para cada sociedade. À estabilidade das normas válidas corresponde a solidez dos fundamentos da educação. Da dissolução e destruição das normas advém a debilidade, a falta de segurança e até a impossibilidade absoluta de qualquer ação educativa. Acontece isto quando a tradição é violentamente destruída ou sofre decadência interna. Fora de dúvida, a estabilidade não é o indício seguro de saúde, porque reina também nos estados de rigidez senil, nos momentos finais de uma cultura: assim sucede na China confucionista pré-revolucionária, nos últimos tempos históricos da Antiguidade, nos derradeiros dias dos Judaísmo, uma religião monoteísta com raízes antigas, centrada na crença em um único Deus e na observância de leis e tradições transmitidas através da Torá e outros textos sagrados. É uma religião, filosofia e modo de vida com uma rica história, práticas e costumes distintos, em certos períodos da história da Igrejas, da arte e das escolas científicas. Segundo Jaeger (2011), é “monstruosa a impressão gerada pela fixidez quase intemporal da história do antigo Egito, através de milênios”; também entre os Romanos a estabilidade das relações foi considerada o valor mais alto e apenas se concedeu justificação limitada aos anseios e ideais inovadores. Desnecessário dizer que o Helenismo ocupa uma posição singular na história.

 

Termópilas é um desfiladeiro localizado na Grécia Central que serviu de lugar praticado para violenta batalha entre persas e espartanos. O conflito foi provocado pelo anseio do persa Xerxes de dominar o território e o povo espartano, o que foi negado pelo rei e general de Esparta de 491 a. C até a data de sua morte em 480 a.C. durante a batalha de Termópilas. Uma de suas ações mais importantes se deu por ocasião da invasão da Grécia pelos persas, em 481 a.C. Defendendo o desfiladeiro das Termópilas, que une a Tessália à Beócia, Leónidas e uma tropa de aproximadamente 7000 homens, sendo que apenas 300 eram espartanos, conseguiram repelir os ataques iniciais. Mas Xerxes I, rei da Pérsia, foi auxiliado pelo pastor Efialtes que o conduziu por um caminho que contornava o desfiladeiro, e pôde cercar o exército de Leónidas. Restavam apenas 300 espartanos e pouco mais de 1000 soldados tespienses e tebanos, que decidiram resistir lutando até a morte. Em 462 a.C. Efialtes foi responsável pela reforma do Areópago, controlado pela aristocracia, limitando o seu poder para julgar apenas os casos de homicídio e os crimes religiosos. Antes do século V a. C., o Areópago representava o conselho dos anciãos relativamente semelhante se pensarmos comparativamente ao extraordinário Senado romano. A origem do nome não é clara. Em grego antigo, πάγος pagos significa “grande pedaço de rocha”. Areios poderia ter vindo de Ares ou do Erinyes, pois em seu pé foi erguido templo dedicado às Erínias onde ‘eram considerados assassinos costumavam encontrar abrigo para não enfrentar as consequências de seus atos criminosos”.

Mais tarde, o Romanos referido à colina rochosa como “Mars Hill”, após Marte, a versão romana do deus grego da guerra. Perto do Areópago também foi construída a basílica de Areopagitas Dionísio. Comparativamente sua composição era restrita aos que pelo status ocuparam cargos públicos importantes, neste caso o de Arconte. Em 594 a. C, o Areópago concordou em transferir suas funções para Solon para reforma. Ele instituiu reformas democráticas, reconstituiu seus membros e devolveu o controle à organização. Sob as reformas de Clístenes promulgadas em 508/507 a. C, o Boule (βουλή) ou conselho, foi expandido de 400 para 500 homens, e foi formado por 50 homens de cada um dos dez clãs ou phylai (φυλαί). Em 462 a. C., Efialtes passou por reformas que privaram o Areópago de quase todas as suas funções, exceto a de um tribunal de homicídio em favor de Heliaia, o tribunal supremo da Atenas antiga. A opinião generalizada entre os acadêmicos é de que a origem de seu nome é o verbo Ήλιάζεσθαι, que tem como significado συναθροίζεσθαι, “congregar”. Esta medida formal foi considerada impopular entre os aristocratas e levou ao seu assassinato em 461 a. C. Ipso facto, a investigação metódica moderna abriu imensamente o horizonte da história. A oikoumene dos Gregos e Romanos clássicos, que durante dois mil anos coincidiu com os limites do mundo, foi rasgada em todos os sentidos do espaço e perante o nosso olhar surgiram mundos espirituais até então insuspeitados. Quando deixa de ser um povo particular e nos inscreve membros nos círculos de povos, começa a aparição dos Gregos.

Foi por essa razão ou racionalização que a esse grupo de povos Werner Jaeger designou de helenocêntrico. É este o motivo porque, no decurso de nossa história, voltamos constantemente à Grécia. Este retorno e esta espontânea renovação de sua influência não significa que lhe tenhamos conferido, pela sua grandeza espiritual, uma autoridade imutável, fixa e independente do nosso destino. O fundamento de nosso regresso reside nas próprias necessidades vitais, por mais variadas que elas sejam através da História. É claro que, para nós e para cada um dos povos deste círculo, a Grécia e Roma aparecem como algo de radicalmente estranho. Esta separação analítica funda-se em parte no sangue e no sentimento, em parte na estrutura do espírito e das instituições, e ainda na diferença da respectiva situação histórica; mas entre esta separação e a que sentimos ante os povos orientais, distintos pela sua raça e pelo espírito, a diferença é gigantesca. Não se trata inclusive de um sentimento apenas de parentesco racial. É preciso distinguir a história nesse sentido quase antropológico da história que se fundamenta na união espiritual viva e ativa e na comunidade de um destino, quer seja o do próprio povo, quer um grupo de povos estreitamente unidos. Só nesta particularidade histórica se tem uma íntima compreensão e contato criador entre uns e outros.

Só nela existe uma comunidade de ideais e de formas sociais e espirituais que se desenvolvem e crescem independentes das múltiplas interrupções e mudanças sociais e politicamente através das quais varia, mas também se cruza, choca, desaparece, quando se renova uma família de diversos outros povoamentos no âmbito na genealogia. A comunidade existe na totalidade dos povos ocidentais e entre estes e a historicidade da Antiguidade clássica. Se considerarmos a história nesse sentido profundo, no sentido de uma comunidade radical, não poderemos supor-lhe como cenário o planeta inteiro e, por mais que alarguemos os nossos horizontes geográficos, as fronteiras dessa história jamais poderão ultrapassar a antiguidade daqueles que há vários milênios traçaram seu destino. Não é possível dizer até quando a Humanidade continuará a crescer na unidade de sentido que tal destino lhe assinala, pois o objetivo teórico e histórico de Werner Jaeger é apresentar a formação do homem grego, a Paidéia, no seu caráter particular e no seu desenvolvimento histórico. Não se trata de um conjunto de ideias abstratas em sua generalidade, mas da própria história da Grécia concretamente do seu destino vital.

Contudo, essa história vivida já teria desaparecido há longo tempo se o homem grego não a tivesse criado na sua forma perene. A ideia de educação representava para ele o sentido de todo o esforço humano. Era a justificação última da comunidade e individualidade humana. Mesmo os imponentes monumentos da Grécia arcaica são perfeitamente inteligíveis a esta luz, pois foram criados no mesmo espírito que os gregos consideraram a totalidade de sua obra criadora em relação aos outros povos da Antiguidade de que foram herdeiros. Augusto concebeu a missão do Império Romano em função da ideia da cultura grega. Sem a concepção grega da cultura não teria existido a Antiguidade como unidade histórica e mundo ocidental. É indiscutível que foi o momento historicamente em que os gregos situaram o problema da individualidade no cimo de seu desenvolvimento filosófico que principiou a história da personalidade europeia. Roma e o Cristianismo agiram sobre ela. E da inserção desses fatores brotou o o Eu individualizado. Mas não podemos entender de modo radical e preciso a posição do espírito grego na história da formação dos homens, se tomarmos um ponto de vista moderno. Vale mais partir, segundo Jaeger, da constituição rácica do espírito grego.

A vivacidade espontânea, a sutil mobilidade, a íntima liberdade que, embora tenham parecido condições do rápido desabrochar daquele povo na inesgotável riqueza de formas que nos surpreende e espanta ao contato com os escritores gregos de todos os tempos, dos mais primitivos aos mais modernos, não tem as suas raízes no cultivo da subjetividade, como atualmente acontece; pertencem à sua natureza. Os gregos tiveram o sendo inato do que significa natureza. Sendo o conceito elaborado por eles em primeira mão, tem indubitável origem na sua constituição espiritual. Muito antes de o espírito grego ter delineado essa ideia, eles já consideravam as coisas do mundo numa perspectiva tal que nenhuma delas lhes aparecia como parte isolada do resto, mas sempre como um todo ordenado em conexão viva, na e pela qual tudo ganhava posição e sentido. Esta concepção é orgânica, porque nela todas as partes são consideradas membros de um todo. Sua tendência é clara de apreensão das leis do real. O estilo e a visão artística entre eles surgem, em primeiro lugar, pelo descobrimento como talento estético. Assentam num instinto humano e na interpretação através de um simples ato de visão, não na deliberada transferência de uma ideia para o reino da criação artística.

A idealização da arte, no entanto, só mais tarde aparece, no período clássico. Até na oratória grega encontramos os mesmos princípios formais que vemos na cultura ou na arquitetura. As formas literárias dos gregos surgem organicamente, na sua multíplice variedade e elaborada estrutura, das formas naturais e ingênuas pelas quais o homem exprime a sua vida, elevando-se daí à esfera ideal da arte e do estilo. Também na oratória, a sua aptidão para dar forma a um plano complexo e lucidamente articulado deriva simplesmente do sentido espontâneo e madurecido das leis que governam o sentimento, o pensamento e a linguagem, o lugar onde esta ideia reaparece mais tarde na história, ela é uma herança dos gregos, e aparece sempre que o espírito humano abandona a ideia de um adestramento em função de fins exteriores e reflete na essência a própria educação. O fato de os gregos terem sentido esta tarefa como algo grandioso e difícil e se terem consagrado a ela com ímpeto sem igual não se explica nem pela sua visão artística nem pelo espírito. Desde as primeiras notícias que se disseminam na história da filosofia e têm deles, encontramos o homem no centro do seu pensamento. A forma humana dos seus deuses, o predomínio evidente do problema da forma humana na sua escultura e na sua pintura, o movimento consequente da filosofia desde o problema do cosmos até o problema do homem, que culmina em Sócrates, Platão e Aristóteles; a sua poesia, cujo tema inesgotável desde Homero até os últimos séculos é o homem e o seu duro destino no sentido pleno da palavra. Finalmente, o Estado grego, cuja essência só pode ser correspondida precisamente sob o ponto de vista da formação do homem e da sua vida inteira: o grego é o antropoplástico. Tudo são raios de uma única e mesma luz, expressões de um sentimento vital antropocêntrico que não pode ser explicado nem derivado de nenhuma outra coisa e que penetra todas as formas do espírito grego.

Assim, impossível não admitir que, entre os povos, a língua de Homero é, naturalmente, um problema em si. Mas adverte: trata-se de uma língua que ninguém nunca falou, Robert Knox (2014). É uma língua artificial, poética – como propõe o estudioso alemão Witte, “a língua dos poemas homéricos é uma criação de versos épicos”. Era também uma língua difícil. Para os gregos da Era Dourada, isto é, o século V a. C., no qual inevitavelmente pensamos quando dizemos “os gregos”, o idioma de Homero estava longe de ser claro e era repleto de arcaísmos, no vocabulário, na sintaxe e na gramática, e incongruências: palavras e formas extraídas de diferentes dialetos e estágios distintos da língua. Ninguém nem sonharia em empregar a linguagem de Homero, à exceção dos bardos épicos, sacerdotes oraculares e parodistas eruditos. Isso não significa que fosse um poeta reconhecido apenas de eruditos e estudantes; os épicos homéricos eram familiares como as palavras do cotidiano na boca dos gregos comuns.

 

Muitos estudiosos importantes e influentes trabalharam na mesma, notadamente Zenódoto de Éfeso, que buscou padronizar os textos dos poemas homéricos e produziu o registro mais antigo de que se tem notícia do uso da ordem alfabética como método de organização; Calímaco, que escreveu os Pínakes, provavelmente o primeiro catálogo de biblioteca do mundo; Apolônio de Rodes, que compôs o poema épico As Argonáuticas; Eratóstenes de Cirene, que calculou pela primeira vez a circunferência da Terra, com invulgar precisão; Aristófanes de Bizâncio, que inventou o sistema de diacríticos gregos e foi o primeiro a dividir textos poéticos em linhas; e Aristarco da Samotrácia, que produziu os textos definitivos dos poemas homéricos e extensos comentários sobre eles. Além deles, existem referências de que a comunidade da Biblioteca e do Mouseion de Alexandria teria também incluído temporariamente numerosas outras figuras que contribuíram duradouramente para o conhecimento, como Arquimedes e Euclides.                                

Apesar da crença hic et nunc de que a Biblioteca teria sido incendiada e destruída em seu auge, na realidade ela decaiu gradualmente ao longo dos séculos, começando com a repressão de intelectuais durante o reinado de Ptolemeu VIII Fiscão. Aristarco da Samotrácia renunciou ao posto de bibliotecário-chefe e exilou-se no Chipre, e outros estudiosos, incluindo Dionísio da Trácia e Apolodoro de Atenas, fugiram para outras cidades. A Biblioteca, ou parte de sua coleção, foi acidentalmente queimada por Júlio César em 48 a.C., mas não está claro o quanto realmente foi destruído, pois fontes indicam que ela sobreviveu ou foi reconstruída pouco depois. O geógrafo Estrabão menciona ter frequentado o Mouseion por volta de 20 a.C., e a prodigiosa produção acadêmica de Dídimo Calcêntero nesse período indica que ele teve acesso a pelo menos parte dos recursos da Biblioteca. Sob controle romano, a Biblioteca perdeu vitalidade devido à falta de financiamento e apoio, e a partir de 260 a.C. não se tem notícia de intelectuais filiados a ela. Entre 270 e 265 a.C. a cidade de Alexandria viu tumultos que  destruíram o que restava da Biblioteca, caso ela ainda existisse, mas a biblioteca do Serapeu pode ter sobrevivido mais longamente, talvez até 391 a.C., quando o papa copta Teófilo I por inveja do gozo do outro instigou a vandalização e a demolição do Serapeu.

A Biblioteca de Alexandria foi mais que um repositório de obras, e durante séculos constituiu um notável polo de atividade intelectual criativa. Sua influência pôde ser sentida em todo o mundo helenístico, fantástico não apenas por meio da valorização do conhecimento escrito, que levou à criação de outras bibliotecas nela inspiradas e à proliferação de manuscritos, mas também por meio do trabalho de seus acadêmicos em numerosas áreas do conhecimento. Teorias e modelos criados pela comunidade da Biblioteca continuaram a influenciar as ciências, a literatura e a filosofia até pelo menos a Renascença. Além disso, o legado da Biblioteca de Alexandria teve efeitos de poder que se estendem contemporaneamente, e ela pode ser considerada um arquétipo da biblioteca universal, do ideal de armazenamento do conhecimento, e da fragilidade desse conhecimento. Juntos, a Biblioteca e o Mouseion contribuíram para afastar a ciência de correntes de pensamento específicas e, sobretudo, para demonstrar que a pesquisa acadêmica pode servir às questões práticas e às necessidades das sociedades e governos.

Bibliografia Geral Consultada.

BOUDON, Raymond, Effets Pervers et Ordre Social. Paris: Presses Universitaires de France, 1977; GALLIE, Walter Bryce, Os Filósofos da Paz e da Guerra: Kant, Clausewitz, Marx, Engels e Tolstoi. Rio de Janeiro: Editora Artenova; Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1979; BRAUDEL, Fernand, La Mediterranée et le Monde Méditerranée à l`Époque de Philippe II. Paris: Editeur Armand Colin, 1990; GEERTZ, Clifford, Interpretación de las Culturas. Barcelona: Ediciones Gedisa, 1993; POPENOE, Rebecca, Feeding Desire – Fatness, Beauty and Sexuality among a Saharan People. London: Routledge, 2003; MINOUMI, Simon-Claude, Les Chrétiens d`Origine Juive dans L`Antiquité. Paris: Editeur Albin Michel. Cool. Présence du Judaïsme, 2004; HEGEL, Friedrich, Fenomenologia do Espírito. 4ª edição. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2007; MORETTI, Franco, Signos e Estilos da Modernidade: Ensaio sobre a Sociologia das Formas Literárias. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2007; D’ALLONNES, Myriam Revault, El Poder de los Comienzos: Ensayo sobre la Autoridad. Buenos Aires: Amorrortu Editores, 2008; JAEGER, Werner Wilhelm, Paidéia: A Formação do Homem Grego. 5ª edição. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010; WATERS, Matt, Pérsia Antiga: Uma História Concisa do Império Aquemênida, 550–330 a.C. Cambridge University Press, 2014; KNOX, Robert, A Critical Examination of the Concept of Imperialism in Marxist and Third World Approaches to International Law. Tese de Doutorado em Filosofia. Londres: The London School of Economics and Political Science, 2014; SILVA, Solange Maria da, Para Além do Exótico: As Ciências na África, da História ao Ensino. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015; COURTINE, Jean-Jacques; VIRGOLINO, Mariano Figueiredo, Redes, Stásis e Estabilidade na Grécia Antiga: Um Estudo em Cultura Política. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em História Social. Instituto de História. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2018; MCKECHNIE, Paul, Cristianizando a Ásia Menor: Conversão, Comunidades e Mudança Social na Era Pré-Constantino. Nova York (NY): Cambridge University Press, 2019; SCHVON, Frithjof, Sur les Traces de la Religion Pérenne. Paris: Editeur L`Harmattan, 2022; Artigo: “Humanos que Viveram no Saara Quando Deserto Era Floresta São de Linhagem Diferente do Resto da Humanidade”. In: https://oglobo.globo.com/mundo/epoca/2025/04/09/; entre outros.