quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Angus & Julia Stone – Indie-folk, Acontecimento & Pós-modernidade.

                                                                              Nunca somos nós mesmos quando há plateia”. Milan Kundera

         Indie folk representa um gênero musical que surgiu na década de 1990 por cantores e compositores de indie rock que possuíam fortes influências do folk em sua música. Musicalmente, o indie folk combina as melodias de guitarra acústica do folk tradicional com uma instrumentação contemporânea. Indie folk como um subgênero da música ainda está evoluindo e emergindo. Suas origens poderiam ser rastreadas desde a década de 1990, quando cantores folk como Ani DiFranco e Dan Bern, cujas influências foram igualmente divididas entre o rock alternativo e folk, quando estavam emergindo. Ao contrário de Bern e DiFranco, os artistas agora considerados indie folk são principalmente grandes bandas. Muitas são da Costa Oeste dos Estados Unidos da América, onde o bluegrass progressivo tem sido abraçado, abrindo o campo para formas progressistas de música folk. Artistas acústicos como Elliott Smith e Will Oldham ajudaram a estabelecer o gênero durante os anos 1990, mas apenas na década seguinte que o indie folk verdadeiramente se concebeu. Com os anos 2000 progredindo e mais artistas indie-folk aparecendo na cena musical, o gênero cresceu, desenvolvendo-se para  uma gama de estilos, do folk neo-celta dos Decemberists às harmonias apalaches do Fleet Foxes mais antigos, como Iron & Wine, também incorporaram em sua música.

         Entretanto, a ascensão do blues elétrico e seu sucesso no mainstream significaram que o blues acústico britânico estava completamente ofuscado. No começo da década de 1960, Bert Jansch (1943-2011), John Renbourn (1’944-2015) e particularmente Davy Graham (1940-2008), pioneiros do violão folk que tocaram e gravaram com Körner, tocaram blues, folk e jazz, desenvolvendo um estilo de tocaram guitarra reconhecido como folk baroque ou “guitarra barroca” é um estilo de guitarra distinta e influente desenvolvida na Grã-Bretanha na década de 1960 que combinava elementos do folk norte-americano blues, jazz e ragtime com música folclórica britânica para produzir uma forma nova e elaborada de acompanhamento. Tem sido muito importante na música folk, folk rock e folk rock britânico, particularmente na Grã-Bretanha, Irlanda, América do Norte e França. O blues britânico acústico continuou a se desenvolver como parte de uma cena folk, com figuras como Ian Anderson e a sua Country Blues Band, Al Jones e Mike Cooper. Muitos músicos do gênero puderam alcançar um sucesso comercial, mas, na maioria, encontraram muita dificuldade para ganhar algum reconhecimento pelas suas “imitações” do blues dos Estados Unidos da América. Enquanto a Blues Incorporated e a Mayall`s Bluesbreakers eram reconhecidos nos circuitos de jazz e R&B de Londres, a próxima geração de bandas de blues estavam prontas para popularidade no mainstream.

Os Rolling Stones e os Yardbirds foram beneficiados pelo Beat Boom britânico que começou a romper a partir de 1962 e que, em 1964, levou a encabeçarem a “invasão britânica”. Além de covers de canções do Chicago Blues, os Stones interpretavam músicas de Chuck Berry, Buddy Holly e Bobby e Shirley Womack. Foi com uma canção destes que a banda teve uma música sua como número um, em 1964, no Reino Unido, formado por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte. O blues continuou influenciando a música dos Rolling Stones, o seu lançamento de Little Red Rooster como single levou a canção ao topo das listas do país, em dezembro de 1964, mas eles não eram somente um grupo de blues. Os Yardbirds tiveram um pouco de sucesso com o single “For Your Love”, baseada em blues e com alguns sons pop, em 1965, o que causou a saída de Eric Clapton da banda. No caso dos Stone, o blues continuou sendo a maior influência entre muitas outras nos Yardbirds, mesmo com diferentes formações, que incluíram Jeff Beck e Jimmy Page. Uma banda que teve impacto similar nesse período foi a extraordinária The Animals, que tinha um som dominado pelos teclados de Alan Price, não inusual à época, e uma das poucas vozes que podiam rivalizar com os cantores de blues norte-americano pelo impacto, com Eric Burdon nos vocais. Eles se mudaram para Londres em 1964 e lançaram uma série de sucessos, com “House of the Rising Sun”, misturando simultaneamente a melhor tradição dos gêneros folk e soul comerciais e seus álbuns eram dominados por um padrão globalmente de blues.

Em contraste, a próxima onda de bandas, formadas em torno de 1967, como Cream, Fleetwood Mac, Ten Years After e Free, perseguiu uma trilha diferente, mantendo um padrão de blues no seu repertório e produzindo um material original que evitava óbvias influências pop, colocando ênfase na virtuosidade individual. O resultado foi caracterizado como Blues-rock e indiscutivelmente marcado como a separação abstrata do pop e do rock, que foi a característica da indústria cultural de gravadoras por várias décadas. A Fleetwood Mac é considerada por ter produzido alguns os melhores trabalhos do subgênero, com interpretações originais de Chicago Blues. Eles foram também o grupo mais bem-sucedido comercialmente, com seu homônimo álbum de estreia, atingindo o top 5 dos Reino Unido no começo de 1968 e atingindo o número um em 1979 com o single instrumental “Albatross”. Isso foi, como Scott Schinder e Andy Schwartz colocaram, “o apogeu do boom do blues britânico”. Um rápido declínio musical se seguiu, com sobreviventes tendendo a se mover para outras áreas em expansão do rock. Alguns, como Korner e Mayall, continuaram a tocar uma “pura” forma de blues, mas longe das notícias do mainstream. A estrutura dos clubes, pontos de encontro e festivais que no início da década de 1950 desapareceram nos anos 1970.

A ideia de acontecimento dá ao conceito um aspecto diferente daquele pensado originalmente no pensamento por Aristóteles. Desta maneira, o pensamento filosófico contemporâneo de Gilles Deleuze (1925-1995) procura indicar novas saídas para a filosofia. É neste sentido que nossa apreensão do mundo, dando-se através da superfície das coisas, nos faria apreender além das coisas e suas imagens, os acontecimentos que as envolvem. Quer dizer, é preciso tornar relevante a ideia praticada de que a linguagem e a superfície estão relacionadas. O que pensamos e falamos sobre as coisas passa pela superfície. O estatuto da ideia é superficial. A linguagem, somente atinge a significação quando se dá na superfície. A significação é possível pelo sentido que a envolve. O acontecimento, para o que nos interessa, sinaliza para o sentido como a proposição para a linguagem. O que deve ser esclarecido é que Deleuze particularmente aposta no conceito filosófico como incorporal. Mas há também um fascínio de consciência do autor da Lógica do Sentido pela obra de Lewis Carroll (1832-1898), um romancista, contista, fabulista, poeta, desenhista, fotógrafo, matemático e reverendo anglicano britânico; ipso facto, diante desta grandiloquência, procura demonstrar que a obra lógica de Carroll difere de sua obra fantástica pelo tratamento dado ao sentido.

A obra de Lewis Carroll, por exemplo, representa um jogo do sentido, do não senso, um caos-cosmos. O sentido é uma entidade não existente, ele com o “não-senso” têm relações particulares. Lewis Carroll promoveu encenações do paradoxo, o que se aproxima dos estoicos na constituição paradoxal com o sentido. “Alice e do outro lado do espelho” tratam dos acontecimentos, dos acontecimentos puros. Simultaneidade do devir – maiores do que éramos e menores do que nos tornamos, na medida em que se furta o presente: o devir não suporta a cisão nem a diferença do antes (passado) e do depois (futuro). A essência do devir é “puxar” nos dois sentidos ao mesmo tempo. O bom senso é uma afirmação de um sentido determinável em todas as coisas – o paradoxo, que afirma os dois sentidos ao mesmo tempo. O puro devir é o ilimitado, matéria do simulacro, quando se furta a ação da ideia, quando contesta ao tempo o modelo e a cópia: as coisas medidas se acham nas ideias. O paradoxo desse puro devir é capaz de furtar-se ao presente é a identidade do infinito de duplo sentido: a) Alice - contestação da identidade de pessoal, na aventura da perda do nome próprio, que é garantido por um saber; b) o “eu” pessoal tem necessidade de Deus e do mundo.

         Os substantivos e os adjetivos estão fundidos, paradas e repousos arrastados pelos verbos de puro devir, que desliza na linguagem dos acontecimentos, em que a identidade se perde para o eu, o mundo e Deus; c) o paradoxo destrói o bom senso como único sentido, destrói o senso comum como designação das identidades fixas. Enfim, quer dizer, o estatuto do sentido, a partir da filosofia estoica, tem no exprimível, no lekton, seu ponto de partida. Deleuze, na “Lógica do sentido”, procura demonstrar os filósofos que tratam o sentido de modo direto, fazendo-o aparecer na fronteira entre as proposições e as coisas. Pela via dos “incorporais”, ele acredita que temos um novo modo de pensar a lógica, sobretudo pelo fato do princípio de “não contradição” não atingir os incorporais. Desde lá, este princípio fundamenta e garante a verdade das premissas. Consequentemente permite observar se, de premissas verdadeiras, seguem-se conclusões verdadeiras: a prova da validade dos argumentos. Deleuze seguindo esta tradição também estabelece uma relação entre o sentido e o tempo, destacando o presente – que pertence aos corpos, e o tempo dos incorporais, denominado Aion, quer dizer através da linguagem, o substantivo e os verbos apareceriam relacionados as dimensões de apreensão do tempo. Do ponto de vista musical Angus & Julia Stone representam um dueto formado por um casal de irmãos de Newport, Austrália.

Seu primeiro EP, Chocolates and Cigarettes, foi lançado em 2006 na Austrália pela gravadora Electric and Musical Industries (EMI) e no Reino Unido pela gravadora Independiente. Angus e Julia começaram a colaborar nos seus trabalhos musicais no começo de 2006. Antes disso, ambos faziam performances como artistas solo, mas havia cumplicidade, pois cada um usava o outro como voz de fundo. Em termos de composições, eles escrevem separadamente, e então trabalham juntos na estrutura e na harmonia. Ambos possuem estilos vocais distintos. Em 2008, publicaram o álbum que os lançou para o mundo musical do estrelato, A Book Like This e dois anos mais tarde, em 2010, lançaram o seu mais recente álbum, Down The way. Esta mítica banda veio recentemente a Portugal, pela primeira vez. Juntamente com grandes nomes como, Foo Fighters, Coldplay, Fleet Foxes, eles tocaram no festival de música, Optimus Alive. NOS Alive é um festival de música anual realizado no Passeio Marítimo de Algés, em Oeiras, Portugal. É organizado pela promotora de eventos Everything Is New e patrocinado pela NOS. Teve a sua primeira edição em 2007. No ano de 2009 Angus ficou reconhecido pelo resto do mundo com Big Jet Plane que, apesar de estar em “Down the Way”, faz parte, também, do álbum Smoking Gun que desta vez, por alguma razão não foi gravado com a Julia Stone e, além disso, foi produzido curiosamente sob o pseudônimo de Lady Of the Sunshine

É diferente dos demais álbuns uma vez que não apresenta a pegada da batida folk que as suas músicas têm e é puxado mais para o lado pesado. Smoking Gun teve a Influência de bandas consagradas na cena do rock como Red Hot Chilli Peppers e Rage Against the Machine. Julia Stone também já contribuiu com a banda britânica Travis provendo voz de fundo para a música Battleships no álbum de 2007: The Boy with No Name. Além disso, já fez dueto com o cantor francês Benjamin Biolay em uma de suas músicas “Let`s forget all the things that we say”, do álbum By the Horns. No álbum lançado em 2015, depois de alguns anos de separação, Angus & Julia Stone voltaram a cantar juntos. A volta da dupla não estava prevista. Entretanto, tudo aconteceu quando ambos se encontraram, acidentalmente, em um estabelecimento em Paris e, então decidiram produzir um novo álbum. Neste, as composições não foram feitas separadamente por cada um como antes vinha ocorrendo. Ao invés disso, os irmãos trabalharam afetivamente juntos. Esta unidade do existente, o que existe, e do que é em si é o essencial da evolução. É um conceito especulativo, esta unidade do diferente, do gérmen e do desenvolvido. Ambas estas coisas são duas e, no entanto, enquanto representação, apenas uma. É hegelianamente falando um conceito da razão. 

As outras determinações são inteligíveis, mas o entendimento abstrato não pode conceber isto. O entendimento fica nas diferenças, só pode compreender abstrações, não o concreto, nem o conceito. Teremos uma única vida a qual está oculta, mas é um acontecimento. Mas depois do acontecimento entra existência e separadamente, na multiplicidade das determinações, e que com graus distintos, são necessárias. E juntas de novo, constituem um sistema. Essa representação é uma imagem da história da filosofia. O primeiro momento era a representação do em si da realização, e em si do gérmen etc. O segundo é a existência, aquilo que resulta. Assim, o terceiro é a identidade de ambos, mais precisamente agora o fruto da evolução, o resultado de todo este movimento. E a isto Friedrich Hegel chama “o ser por si”. É o “por si” do homem, do espírito mesmo. Somente o espírito chega a ser verdadeiro por si, idêntico consigo. O trabalho abstrato que o espírito produz, seu objeto de pensamento, é ele mesmo. Ele é um desembocar em seu outro. É um desprendimento, um desdobrar-se, e ao mesmo tempo, um desafogo.   

No que toca mais precisamente a um dos lados da educação, melhor dizendo, à disciplina, não se há de permitir ao adolescente abandonar-se a seu próprio bel-prazer; ele deve obedecer para aprender a mandar. A obediência é o começo de toda a sabedoria; pois, por ela, a vontade que ainda não conhece o verdadeiro, o objetivo, e não faz deles o seu fim, pelo que ainda não é verdadeiramente autônoma e livre, mas, antes, uma vontade despreparada, faz que em si vigore a vontade racional que lhe vem de fora, e que pouco a pouco esta se torne a sua vontade. O capricho deve ser quebrado pela disciplina; por ela deve ser aniquilado esse gérmen do mal. No começo, a passagem de sua vida ideal à sociedade civil pode parecer ao jovem como uma dolorosa passagem à vida de filisteu. Até então preocupado apenas com objetos universais, e trabalhando só para si mesmo, o jovem que se torna homem deve, ao entrar na vida prática, ser ativo para os outros e ocupar-se com singularidades, pois concretamente se se deve agir, tem-se de avançar em direção ao singular. Essa conservadora produção consiste no trabalho do homem. Se a música existe podemos dizer que o homem só produz o que já existe.

Sendo necessário que um progresso individual seja efetuado. Mas o progredir no mundo só ocorre nas massas, e só se faz notar em uma grande soma de coisas produzidas. É a característica preservada e atribuída ao ente cuja existência é não necessária, mas, ao mesmo tempo, não impossível - isto é, a sua realidade não pode ser demonstrada nem negada em termos abstratos definitivos. Dizer que são contingentes as proposições, e neste sentido que não contém um entendimento necessariamente verdadeiras nem necessariamente falsas é uma boutade. Há quatro classes de proposições, em torno da formação do pensamento abstrato, algumas das quais se sobrepõem: proposições necessariamente verdadeiras ou tautologias, que devem ser verdadeiras, não importam quais são ou poderiam ser as circunstâncias. Geralmente o que se entende por proposição necessária é a proposição “necessariamente verdadeira”. Proposições necessariamente falsas ou contradições, que devem ser falsas, não importam quais são ou poderiam ser as circunstâncias. Proposições contingentes, que não são necessariamente verdadeiras nem necessariamente falsas. Proposições possíveis, que são verdadeiras ou poderiam ter sido verdadeiras em certas circunstâncias. Enfim, todas as proposições necessariamente verdadeiras e todas as proposições contingentes também são proposições possíveis.

O continente australiano e a Tasmânia durante 40 mil anos antes da colonização europeia iniciada no final do século XVIII, eram habitadas por cerca de 250 nações individuais de aborígenes. Após visitas esporádicas de pescadores do Norte e pela (des)coberta europeia por parte de exploradores holandeses em 1606, a metade oriental da Austrália foi reivindicada pelos britânicos em 1770, e inicialmente “colonizada por meio do transporte de presos para a colônia de Nova Gales do Sul”, fundada em 26 de janeiro de 1788. Nas décadas seguintes, os britânicos exploraram e empreenderam a conquista colonial do resto da Austrália. A sua expansão levou ao conflito com os 300 mil a 1 milhão de australianos aborígenes, que tentaram resistir à sua despossessão. A população aumentou de forma constante, o continente foi explorado e, durante o século XIX, outros cinco grandes territórios autogovernados foram estabelecidos. Em 1° de janeiro de 1901, as seis colônias se tornaram per se uma federação e a Comunidade da Austrália desta maneira foi formada. Desde a Federação, a Austrália tem mantido um sistema político democrático estável e continua a ser um reino da CommonwealthA população humana do país é de 23,4 milhões de habitantes, com cerca de 60% concentrados em torno das famosas capitais continentais estaduais de Sydney, Melbourne, Brisbane, Perth e Adelaide. Sua capital é Camberra, localizada no Território da Capital Australiana. Tecnologicamente avançada e industrializada, a Austrália é um próspero país, sociologicamente multicultural e tem excelentes resultados em análises em termos de comparações internacionais de desempenhos nacionais, tais como no âmbito da saúde, esperança de vida, qualidade de vida, desenvolvimento social humano, educação pública, liberdade econômica, bem como a proteção pública e privada de liberdades civis e direitos políticos. As cidades australianas também rotineiramente situam-se entre “as mais altas do mundo em termos de habitabilidade, oferta cultural e qualidade de vida”. A Austrália é o país com o quinto maior índice de desenvolvimento humano do mundo. 

O termo Austrália foi utilizado em 1693, na tradução do ensaio ou novel: Les Aventures de Jacques Sadeur dans la Découverte et le Voyage de la Terre Australe, um romance de 1676, de Gabriel de Foigny, sob o pseudônimo de Jacques-Sadeur. Alexander Dalrymple utilizou-o em An Historical Collection of Voyages and Discoveries in the South Pacific Ocean (1771), referindo-se a região Sul. Em 1793, George Shaw e Sir James Smith publicaram Zoology and Botany of New Holland, na qual escreveram sobre “a ilha grande, ou melhor, os continentes, da Austrália, Australásia ou Nova Holanda”. A palavra também apareceu em gráfico de 1799 de James Wilson (1742-1798). O nome Austrália foi popularizado por Matthew Flinders (1777-1814), que usou o nome que seria formalmente aprovado em 1804. Ao elaborar o seu manuscrito e as cartas para o seu A Voyage to Terra Australis de 1814, ele foi convencido por seu patrono, Sir Joseph Banks, a usar o termo Terra Australis pois este era o nome mais familiar ao público. Flinders fez isso, mas permitiu-se a uma nota de rodapé de página: - Se eu tivesse me permitido qualquer tipo de inovação no termo original, teria sido para convertê-lo para Austrália; como sendo mais agradável ao ouvido e uma assimilação com os nomes das outras porções grandes da terra. Esta é a única ocorrência da palavra Austrália no texto; mas no Apêndice III de General Remarks, Geographical and Systematical, on the Botany of Terra Australis, de Robert Brown (1773-1858), o autor faz uso da forma adjetiva australiano, constituindo-se o primeiro uso dessa forma literária. Apesar da concepção popular, o livro não foi determinante na adoção do nome que veio a ser aceito nos dez anos seguintes. Entretanto, na política, Lachlan Macquarie (1762-1824), um governador da Nova Gales do Sul, em seguida usou o termo em seus despachos formais burocráticos para a Inglaterra, e em 12 de dezembro de 1817 recomendou ao Instituto Colonial que fosse formalmente adotado. Em 1824, o Almirantado concordou que o continente deveria ser reconhecido oficialmente no mundo globalizado com o nome Austrália. 

As experiências do chamado sonho acordado aparecem frequentemente imagens de auréola. As personagens imaginadas, segundo Durand (1997: 151 e ss.), quando da sua ascensão imaginária, têm uma face que se transforma, se transfigura em “halo de luz imensa”, e, ao mesmo tempo, a impressão constantemente experimentada pelo paciente é a do olhar. Olhar que, segundo o psicoterapeuta francês Robert Desoille, é justamente representativo dessa transcendência psicológica a que Freud chama superego, ou seja, olhar inquiridor da consciência moral. Esta deslocação da luz do halo luminoso para o olhar surge-nos perfeitamente natural: é normal que o olho, órgão da visão, seja associado ao objeto dela, ou seja, à luz. Não nos parece útil separar, como faz Desoille, a imagem do olho do simbolismo do olhar. Segundo este autor, o olhar seria o símbolo do julgamento moral, da censura do superego, enquanto o olho não passaria de um símbolo enfraquecido, significativo de uma vigilância. Mas parece-nos que um olhar se imagina sempre mais ou menos sob a forma de olho, mesmo que fechado. Seja como for, olho e olhar estão sempre ligados à transcendência, como constatam a mitologia e a psicanálise.

Um filósofo como Ferdinand Alquié, autor de La Conscience Affective (2012) percebeu bem transcendência que subentende a seguinte visão: “Tudo é visão, e quem não compreende que a visão só é possível à distância? A própria essência do olhar humano introduz no conhecimento visual alguma separação”. O superego, é antes de tudo, o olho do Pai e, mais tarde, o olho do rei, o olho de Deus, em virtude da ligação que a psicanálise estabelece entre o Pai, a autoridade política e o imperativo moral.  É assim que a questão da imaginação hugoliana, apesar de polarizações maternas e panteístas poderosas, volta sem cessar a uma concepção teológica paternal do Deus “testemunha”, simbolizado pelo olho que persegue o criminoso Caim. Reciprocamente, o embusteiro, metaforiza “o mau o perjuro deve ser cego ou cegado”, como testemunham os versos célebres de L`aigle du casque ou dos Châtimentes.  Mas sabemos que não há necessidade de fazer apelo ao arsenal edipiano para associar quando procedemos à interpretação da realidade, o olho e a visão ao esquema da elevação e aos ideais de transcendência: lembremos que é de modo completamente fisiológico que os reflexos essenciais de gravitação e o sentido da verticalidade associam os fatores quinésicos e cenestésicos aos fatores visuais.

Uma vez que a orientação social é estabelecida em relação à gravitação, os signos visuais, por vicariância condicional, podem ao mesmo tempo servir para determinar a posição no espaço e o tempo de equilíbrio normal. Neste ponto, como em tantos outros, as motivações edipianas vêm constelar com os engramas psicofisiológicos. Quer dizer, a mitologia confirma igualmente o isomorfismo do olho, da visão e da transcendência divina. Varuna, deus uraniano, é o sashasrâka, o que significa “com mil olhos”, e, tal como o deus hugoliano, é ao mesmo tempo aquele que “vê tudo” e o que é “cego”. Também Odin, o clarividente – que é igualmente zarolho, é o deus espião. O Javé dos Salmos é aquele a quem nada pode ser escondido: “Se eu subo aos céus, tu estás lá, se me deito no Schéol, lá estás. Os fueguinos, bushimanes, samoiedo e outros o Sol é considerado o olho de deus. O Sol Surya é o olho de Mitra e Varuna; nos persas é o olho de Ahura-Mazda; para os gregos e os hélios é o olho de Zeus, noutros lugares é o olho de Rá, o olho de Alá. Na Babilônia, Shamash é o grande juiz, e para os Koriak e os japoneses o céu é o grande “vigilante” como a testemunha dos crimes mais secretos.

  O amor é uma das grandes categorias sociais que dá forma ao existente, mas isso é dissimulado tanto por certas realidades psíquicas como in fieri por certos modos de representações teóricas. Não há dúvida que o efeito amoroso desloca e falsifica inúmeras vezes a imagem objetivamente reconhecível de seu objeto e, nessa medida, é decerto geralmente reconhecido, segundo Simmel, como “formativo”, mas de uma maneira que não pode visivelmente parecer coordenada com as outras forças espirituais que dão forma. Trata-se, portanto, aqui, de uma imagem já existente que se encontra modificada em sua determinação qualitativa, sem que se tenha abandonado seu nível de existência teórica, nem criado um produto de uma nova categoria. Essas modificações que o amor já presente traz à exatidão objetiva da representação nada têm a ver com a criação inicial que produz o ser amado como tal. Essas categorias são coordenadas, por sua significação, quaisquer que seja o momento ou as circunstâncias em que elas atuam. 

E o amor representa uma delas, na medida em que cria seu objeto como produto totalmente original. Conforme a ordem cronológica, é preciso, antes de mais anda, que o ser humano exista e seja conhecido, antes de ser amado. Mas, então, esse algo que acontece não tem lugar com esse ser existente que permaneceria não modificado, foi, ao contrário, no sujeito que uma nova categoria fundamental se tornou criadora. Do mesmo modo que eu, enquanto amante, sou diferente do quer era antes – pois não é determinado “aspecto” meu, determinada energia que ama em mim, mas meu ser inteiro, o que não precisa significar uma transformação visível de todas as minhas outras manifestações -, também o amado enquanto tal, é um outro, nascendo de outro a priori que não o ser conhecido ou temido, indiferente ou venerado. Por que o amor está, antes de mais anda, absolutamente intricado em seu objeto, e não simplesmente associado a ele: o objeto do amor em toda a sua significação categorial não existe antes do amor, mas apenas por intermédio dele como mediação complexa da realidade. O que faz aparecer de maneira bem clara que o amor – e, no sentido lato, todo o comportamento do amante – é algo unitário, que não pode se compor a partir de elementos preexistentes.

Totalmente inúteis parecem, pois, as tentativas de considerar o amor como um produto secundário, no sentido de que seria motivado como resultante de outros fatores psíquicos primários. No entanto, ele pertence a um estágio demasiado elevado da natureza humana para que possamos situá-lo no mesmo plano cronológico e genético da respiração ou da alimentação, ou mesmo do instinto sexual. Tampouco podemos safar-nos do embaraço por esta escapatória fácil: em virtude de seu sentido metafísico, de seu significado atemporal, o amor permanece sem dúvida à primeira – ou última - ordem dos valores e das ideias, mas sua realização humana ou psicológica colocá-lo-ia num estágio ulterior de uma série longa e complexa na evolução contínua da vida. Não podemos nos satisfazer com essa estranheza recíproca de seus significados ou de suas areações. De fato, o problema de seu dualismo certamente é aí, reconhecido e nitidamente expresso, mas não resolvido; determo-nos nessa conclusão seria duvidar de sua solubilidade.

O amor é sempre uma dinâmica que se gera, para Simmel (1993), por assim dizer, a partir de uma autossuficiência interna, sem dúvida trazida, por seu objeto exterior, do estado latente ao estado atual, mas que não pode ser, propriamente falando, provocada por ele; a alma o possui enquanto realidade última, ou não o possui, e nós não podemos remontar, para além dele, a um dos movens exterior ou interior que, de certa forma, seria mais que sua causa ocasional. É esta a razão mais profunda que torna o procedimento de exigi-lo, a qualquer título legítimo que seja totalmente desprovido de sentido. Sequer sua atualização dependa sempre de um objeto, e se aquilo que chamamos de desejo ou necessidade de amor – esse impulso surdo e sem objeto, em particular na juventude, em direção a qualquer coisa a ser amada – já não é amor, que por enquanto só se move em si mesmo, digamos um amor em roda livre. Seguramente, a pulsão em direção a um comportamento social, mas neste caso individualmente, poderá ser considerada como o aspecto afetivo do próprio comportamento, ele próprio já iniciado; o fato de nos sentirmos “levados” a uma ação quase sempre significa que a ação já começou e que seu acabamento não é outra coisa que o desenvolvimento ulterior dessas primeiras inervações.

Onde, apesar do impulso sentido, não passamos à ação, isso se dá seja porque a energia não basta, de pronto, para ir além desses primeiros elos da ação, seja porque ela é contrariada por forças opostas, antes mesmo que esses primeiros elos já anunciados à consciência tenham podido se prolongar num ato visível. Do mesmo modo, a possibilidade real, a ocasião apriorística desse modo de comportamento que chamamos amor, fará surgir, se for o caso, e levará à consciência, como um sentimento obscuro e geral, um estágio inicial de sua própria realidade, antes mesmo que a ele se some a incitação por um objeto determinado para levá-lo a seu efeito acabado. A existência desse impulso sem objeto, por assim dizer incessantemente fechado em si, acento premonitório do amor, puro produto do interior e, no entanto, já acento de amor, é a prova mais decisiva em favor da essência central puramente interior do fenômeno amor, muitas vezes dissimulado sob um modo de representação pouco claro, segundo o qual o amor seria uma espécie de surpresa ou de violência vindas do exterior, tendo seu símbolo mais pertinente no “filtro do amor”, em vez de uma maneira de ser, de uma modalidade e de uma orientação que a vida como tal toma por si mesma – como se o amor viesse de seu objeto, quando, na realidade, vai em direção a ele. 

O amor é o sentimento que, fora dos sentimentos religiosos, se liga mais estreita e mais incondicionalmente a seu objeto. À acuidade com a qual ele brota do sujeito corresponde a acuidade igual com que ele se dirige para o objeto. O que é decisivo aqui é que nenhuma instância de caráter geral vem se interpor. Se venero alguém. É pela mediação da qualidade de certo modo geral de venerabilidade que, em sua realidade particular, permanece ligada à imagem desse por tanto tempo quanto eu o venerar. Do mesmo modo, no homem que temo, o caráter terrível e o motivo que o provocou estão intimamente ligados; mesmo o homem que odeio não é, na maioria dos casos separado em minha representação da causa desse ódio – é esta uma das diferenças entre amor e ódio que desmente a assimilação que comumente se faz deles. Mas o específico do amor é excluir do amor existente a qualidade mediadora de seu objeto, sempre relativamente geral, que provocou o amor por ele. Ele permanece como intenção direta e centralmente dirigida para esse objeto, e revela a sua natureza verdadeira e incomparável nos casos em que sobrevive ao indubitável do que foi sua razão de nascer. Essa constelação, quer dizer que em Karl Mannheim engloba inúmeros graus, desde a frivolidade até a mais alta intensidade, é vivida segundo o mesmo modelo, seja em relação a uma mulher ou a um objeto, a uma ideia ou a um amigo, à pátria ou a uma divindade existente no céu. 

Isso deve ser solidamente estabelecido em primeiro lugar, se quisermos elucidar em sua estrutura seu significado mais restrito, o que se eleva no terreno da sexualidade. A ligeireza com que a opinião corrente alia instinto sexual a amor lança talvez uma das pontes mais enganadoras na paisagem psicológica exageradamente rica em construções desse gênero. Quando, ademais, ela penetra no domínio da psicologia que se dá por científica, temos com demasiada frequência a impressão de que esta última caiu nas mãos de açougueiros. Por outro lado, o que é óbvio, não podemos afastar pura e simplesmente essa relação. Nossa emoção sexual, afirma Simmel, desenrola-se em dois níveis de significação. Por trás do arrebatamento e do desejo, da realização e do prazer sentidos, diretamente subjetivos, delineia-se, consequência disso tudo, a reprodução da espécie. Pela propagação contínua do plasma germinal, a vida corre infinitamente, atravessando todos estágios ou levada por eles de ponta a ponta. Por mais insuficiente, por mais preso a um estreito simbolismo humano que esteja o conceito de objetivo e de meios em presença da misteriosa realização da vida, devemos qualificar essa emoção sexual de meio de que a vida se serve para a manutenção da espécie, confiando aqui a consecução desse objetivo não mais a um mecanismo (no sentido lato do termo) mas a mediações psíquicas.

Enfim, a pulsão, dirigida a princípio, tanto no sentido genérico quanto no sentido hedonista, ao outro sexo enquanto tal, parece ter diferenciado cada vez mais seu objeto, à medida que seus suportes se diferenciavam, até singularizá-lo. Claro, a pulsão não se torna amor pelo simples fato de sua individualização; esta última pode ser refinadamente hedonista, ou instinto vital-teleológico para o parceiro apto a procriar os melhores filhos.  Mas, indubitavelmente, ela cria uma disposição formativa e, por assim dizer, um marco para essa exclusividade que constitui a essência do amor, mesmo quando seu sujeito se volta para uma pluralidade de objetos. Não duvidamos em absoluto que no seio do que se chama “atração dos sexos” constitui-se o primeiro factum, ou, se quiserem, a prefiguração do amor. A vida se metamorfoseia também nessa produção, traz sua corrente à altura dessa onda, cuja crista, porém, sobressai livremente acima dela. Se considerarmos o processo da vida absolutamente como um dispositivo de mios a serviço desse objetivo - a vida – es e levarmos em conta o significado simplesmente efetivo do amor para a propagação da espécie, então este também é um dos meios que a vida se dá para si e a partir de si.  

Para Jean Baudrillard a manipulação teórica dos signos, com a infinita reprodução e a reprodução de imagens em signos, torna a subsunção entre o real o imaginário. A perda de significados estáveis que daí deriva tem sido avançada como uma característica das sociedades pós-modernas. Ele analisa as fases históricas que conduziram a esta situação. Numa primeira fase, o signo reflete uma realidade. Numa segunda fase, o signo mascara e perverte uma determinada realidade. Numa terceira fase, o signo mascara a ausência de uma realidade e numa quarta fase o signo não tem qualquer relação social com nenhuma realidade; ele é a representação do seu próprio simulacro. Esta é a fase em que se encontra a pós-modernidade. As suas obras principais desde Le Système des Objets (1968) à Le Paroxyste Indifférent (1997) insere-se em um cosmos, da radicalidade de seu jogo das subversões, em que se inverte a própria relação do real pelo simulacro, o ético pela transparência do mal e a perseverança no tempo pela ilusão do fim. É um universo sem fugas o que demarcou, tendo levado às últimas consequências a negociação da “trégua simbólica” com a morte, rendendo-se à “troca impossível”. A presença do pensamento baudrillardiano nasce toda da concepção calcada na relação de “hiperconsciência” da própria estase em aguilhão, sem concessões, no pós-moderno deste seu “ser no mundo”.

Na pós-modernidade sua postura aparentemente profética e apocalíptica é fundamentada através de teorias irônicas como escopo à definição do real que o homem ocupa neste ambiente virtual. As tecnologias desenvolvidas devem estar inseridas num plano capaz de suportar esta expansão contínua. Ressalta que as redes geram uma quantidade de informações que ultrapassam limites para influenciar na definição da massa crítica. É no começo da década de 1980 que Baudrillard obtém, no Japão, a máquina fotográfica para a disciplina do novo imaginário individual e coletivo que intuíra historicamente pela frequentação do surrealismo dos anos 1930. Não é Breton, mas seu professor de filosofia em Reim, Emmanuel Peillet (1914-1973), que lhe permite o choque da pataphysique, em vinheta dos mais rigorosos no discernimento do real frente a seu recomeçar. Na fidelidade crítica a esta escola de pensamento recebeu o título de “sátrapa transcendental”, ao lado de dois profetas deste mundo contemporâneo, de após a grande entente linguística e a descanonização derradeira do surreal, Umberto Eco e Arrabal. Todo o ambiente está contaminado pela intoxicação midiática que sustenta este sistema de relações. A interdependência deste “feudalismo tecnológico” faz-se necessária para que a relação social fetichista do dinheiro, os produtos e as ideias se estabeleçam de forma plena. É servidão voluntária resultante do que se movimenta num processo espiral contínuo de auto-sustentação. O filósofo é um dos principais teóricos da pós-modernidade e fora da psicologia que diagnosticaram o mal-estar contemporâneo.

Nos debates sobre a pós-modernidade, Baudrillard passou a ser reconhecido como o teórico do regime do “simulacro” através do ensaio: Simulacros e Simulação, livro que se tornou famoso também fora do ambiente acadêmico quando foi exibido no filme: Matrix (1999), pois é ambientado na edição deste livro que “Neo” guarda seus programas. Colaborou ainda o fato de o ator Keanu Reeves dizer em suas entrevistas sobre o filme, que havia lido Simulacros e Simulação. Foi o que bastou para que o nome de Baudrillard com sua teoria sobre o simulacro fosse rapidamente associado ao filme. Como teórico ele não gostou da associação. E comentou que tanto os responsáveis pelo filme, como Reeves, “se leram meu livro, não entenderam nada”. A interpretação distorcida do pensamento de Baudrillard feita em “Matrix”, é comum filosoficamente bem como entre admiradores de seus trabalhos. Na entrevista sobre o filme, Baudrillard foi objetivo: - existem filmes melhores que este sobre o mesmo tema. “Truman Show”, por exemplo, é mais sutil. Não deixa o real de um lado e o virtual de outro, como “Matrix”. Esse é o problema. Essa é a confusão. A multiplicação da quantidade de sinais e espetáculos particulares comunicativos produz uma proliferação do que ele chamou de “sinal-valor”, uma “economia política do signo”, outra obra importante de Baudrillard.

A marca, o prestígio, o luxo e a sensação de poder tornam-se uma parte crescentemente importante do artigo de consumo e não somente seu “valor de uso” ou “de troca” como ocorre na análise fetichista da mercadoria no âmbito na teoria marxista desenvolvida através da mercadoria. Chegamos assim ao que consideramos como seu escopo analítico-filosófico, ou, em outras palavras, o enfoque principal do pensamento de Jean Baudrillard. A inter-relação de seus conceitos, reflexões e obras em torno, não somente descritivo, mas também da crítica política sem concessões ao processo de consumo contemporâneo. A imagem fotográfica afasta ou atrai a população da realidade? Nesta reflexão Baudrillard consolidou sua fama em 1991, com o diagnóstico de que a guerra contra o Golfo Pérsico “não ocorreu”, argumentando que nenhum lado poderia contar vitória e que o conflito não alterou nada no Iraque. Dez anos depois, através do ensaio: O Espírito do Terrorismo, voltou a causar grande controvérsia, ao descrever e explicar no âmbito comunicacional os ataques de 11 de setembro de 2001 como expressão da representação da “globalização triunfante combatendo a si mesma”. A simetria da figuração, pragmaticamente na queda das torres gêmeas é a de anulação de qualquer espelho, quando a “civilização do medo” que inaugura a ronda sem face do terrorismo.

Este gestual cego só pode ser o da representação da violência irrecorrível, o protesto à expropriação definitiva das subjetividades culturais frente ao mundo hegemônico da razão, dos jogos feitos e terminais da dinâmica de progresso. Sobre a descrição de vingança ocorrida neste episódio, escreveu no ano seguinte: Power Inferno (2002). De fato, a transformação social da mercadoria em signo representou o destino da globalização do capitalismo no século XX. Nesta direção, condenou o processo de estetização de todas as coisas que ocorre na atual fase do capitalismo, pois como dizia, “até o mais marginal, o mais banal, o mais obscuro estetiza-se”. Deixou transparecer que entendia a publicidade como a arte oficial do capitalismo, uma vez que todas as formas atuais de atividades esgotam-se voltando nela. A forma ideológica da publicidade com apoio de relações técnicas de trabalho impôs-se e desenvolveu-se à custa de todas as outras linguagens contemporâneas. Portanto, reiterou que os códigos e modelos de marketing e lógicas tem o papel de formalizar e deixar mais simples os semelhantes, geraram uma produção infinita e instável de estilos de vida, dissolvendo-se o objeto reconhecido como sociedade. A estetização que fascina, manipula desejos e gostos e impulsiona na direção da produção-consumo além dos princípios da economia política. 

Apresenta a falsa ideia de que nas práticas consumistas está a resolução dos problemas da vida, bem como a transformação da insignificância do mundo. As estruturas sociais de classe, as estruturas formativas de gênero e etnia são reduzidas às imagens do social e vividos através do meio de reprodução das imagens e de estilo de vida. Observou que os “meios realizadores” estão em coisas muito diferentes às expectativas geradas, e, ainda segundo ele, que atendam satisfações mais superficiais, mas jamais aspectos profundos da vida humana como geralmente propõem. Sob este aspecto radicalizou ao desenvolver a ideia que os indivíduos imersos nas práticas e relações de consumo, não combatem nem condenam, mas exploram ao máximo as tendências figuradas. As sensações imediatas, as experiências ardentes e isoladas, tanto quanto as intensidades da sociedade-cultura de consumo. Sem procurar significados obtém prazer estético de intensidades superficiais. Na ordem da produção imaginária da sociedade, o objeto carece de unicidade e singularidade, pois, objetos tornam-se simulacros indefinidos uns dos outros como objetos, os homens que os produzem. A pretensa objetividade do conhecimento representada através do mundo erigido pela racionalização técnica corresponde à universalização de um modelo arbitrário advindo da generalização da economia política na forma da lei do valor.  

A partir da interpretação do código, considerado como sistema de signos generalizados, a simulação per se opera a inversão das relações sociais entre pessoas, identificada entre o real e sua representação, estabelecendo simples oposições binárias que permitem a objetividade do discurso e o controle dos objetos. Em relação ao discurso, reduzindo o signo ao puro jogo dos significantes, anula a relação entre significante e significado necessária ao processo de significação. Assim, diferentemente da ordem da produção, o controle social das relações do homem com as “coisas” não mais advém da constituição do agir racional-com-respeito-a-fins, pois a predominância do código inaugura o monopólio da palavra como característica básica da dominação contemporânea. Da mesma forma, enquanto técnica de controle do objeto, o processo de simulação opera uma completa inversão, de forma que o real se torne efeito ou reflexo de modelos gerativos. Simulacros e simulação representa um tratado filosófico de Jean Baudrillard que discute a relação entre realidade, símbolos e sociedade. 

Simulacros são cópias que representam níveis de análise que nunca existiram ou que não possuem mais o seu equivalente na realidade. Simulação é a imitação de um processo virtual existente no mundo real. Se a sua visão é problemática e pessimista porque não depreende nos mass media a possibilidade real da comunicação e da troca, estando restrita ao encontro “face a face”, por outro lado, ela é profícua na medida em que, o acontecimento no início da década de 1970, o autor ergue-se contra o domínio da semiologia italiana e francesa, relativizando sua prática teórica no que diz respeito à comunicação social. Para Jean Baudrillard a manipulação teórica dos signos, com a infinita reprodução e a reprodução de imagens em signos, torna a subsunção entre o real o imaginário. A perda de significados estáveis que daí deriva tem sido avançada como uma característica das sociedades pós-modernas. Ele analisa as fases históricas que conduziram a esta situação. Numa primeira fase, o signo reflete uma realidade. Numa segunda fase, o signo mascara e perverte uma determinada realidade. Numa terceira fase, o signo mascara a ausência de uma realidade e numa quarta fase o signo não tem qualquer relação social com nenhuma realidade; ele é a representação do seu próprio simulacro. Esta é a fase em que se encontra a pós-modernidade. As suas obras principais desde Le Système des Objets (1968) à Le Paroxyste Indifférent (1997) insere-se em um cosmos, da radicalidade de seu jogo das subversões, em que se inverte a própria relação do real pelo simulacro, o ético pela transparência do mal e a perseverança no tempo pela ilusão do fim. É um universo sem fugas o que demarcou, tendo levado às últimas consequências a negociação da “trégua simbólica” com a morte, rendendo-se à “troca impossível”. A presença do pensamento baudrillardiano nasce toda de uma concepção calcada na relação de “hiperconsciência” da própria estase em aguilhão, sem concessões, no pós-moderno deste seu “ser no mundo”.

Na pós-modernidade sua postura aparentemente profética e apocalíptica é fundamentada através de teorias irônicas como escopo à definição do real que o homem ocupa neste ambiente virtual. As tecnologias desenvolvidas devem estar inseridas num plano capaz de suportar esta expansão contínua. Ressalta que as redes geram uma quantidade de informações que ultrapassam limites para influenciar na definição da massa crítica. É no começo da década de 1980 que Baudrillard obtém, no Japão, a máquina fotográfica para a disciplina do novo imaginário individual e coletivo que intuíra historicamente pela frequentação do surrealismo dos anos 1930. Não é Breton, mas seu professor de filosofia em Reim, Emmanuel Peillet (1914-1973), que lhe permite o choque da pataphysique, em vinheta dos mais rigorosos no discernimento do real frente a seu recomeçar. Na fidelidade crítica a esta escola de pensamento recebeu o título de “sátrapa transcendental”, ao lado de dois profetas deste mundo contemporâneo, de após a grande entente linguística e a descanonização derradeira do surreal, Umberto Eco e Arrabal. Todo o ambiente está contaminado pela intoxicação midiática que sustenta este sistema de relações. A interdependência deste “feudalismo tecnológico”, na falta de melhor expressão, faz-se necessária para que a relação social fetichista do dinheiro, os produtos e as ideias se estabeleçam de forma plena. É servidão voluntária resultante do que se movimenta num processo espiral contínuo de auto-sustentação. 

O filósofo é considerado um dos principais teóricos da pós-modernidade e fora da psicologia freudiana que melhor diagnosticaram o mal-estar contemporâneo. Nos debates sobre a pós-modernidade, Baudrillard passou a ser reconhecido como o teórico do regime do “simulacro” através do ensaio: Simulacros e Simulação, livro que se tornou famoso também fora do ambiente acadêmico quando foi exibido no filme: Matrix (1999), pois é ambientado na edição deste livro que “Neo” guarda seus programas. Colaborou ainda o fato de o ator Keanu Reeves dizer em suas entrevistas sobre o filme, que havia lido Simulacros e Simulação. Foi o que bastou para que o nome de Baudrillard com sua teoria sobre o simulacro fosse rapidamente associado ao filme. Como teórico ele não gostou da associação. E comentou que tanto os responsáveis pelo filme, como Reeves, “se leram meu livro, não entenderam nada”. A interpretação distorcida do pensamento de Baudrillard feita em “Matrix”, é comum filosoficamente bem como entre admiradores de seus trabalhos. Na entrevista sobre o filme, Baudrillard foi objetivo: - existem filmes melhores que este sobre o mesmo tema. “Truman Show”, por exemplo, é mais sutil. Não deixa o real de um lado e o virtual de outro, como “Matrix”. Esse é o problema. Essa é a confusão. A multiplicação da quantidade de sinais e espetáculos particulares pelos meios de comunicação produz uma proliferação do que ele chamou de “sinal-valor”, uma “economia política do signo”, outra obra importante de Baudrillard.

Melhor dizendo, a marca, o prestígio, o luxo e a sensação de poder tornam-se uma parte crescentemente importante do artigo de consumo e não somente seu “valor de uso” ou “de troca” como ocorre na análise fetichista da mercadoria no âmbito na teoria marxista desenvolvida através da mercadoria. Chegamos assim ao que consideramos como seu escopo analítico-filosófico, ou, em outras palavras, o enfoque principal do pensamento de Jean Baudrillard. A inter-relação de seus conceitos, reflexões e obras em torno, não somente descritivo, mas também da crítica política sem concessões ao processo de consumo contemporâneo. A imagem fotográfica afasta ou atrai a população da realidade? Nesta reflexão Baudrillard consolidou sua fama em 1991, com o diagnóstico de que a guerra contra o Golfo Pérsico “não ocorreu”, argumentando que nenhum lado poderia contar vitória e que o conflito não alterou nada no Iraque. Dez anos depois, através do ensaio: O Espírito do Terrorismo, voltou a causar grande controvérsia, ao descrever e explicar no âmbito comunicacional os ataques de 11 de Setembro de 2001 como da “globalização triunfante combatendo a si mesma”. A simetria da figuração, na queda das torres gêmeas é a de anulação de qualquer espelho, quando a “civilização do medo” que inaugura a ronda sem face do terrorismo.  

Este gestual cego só pode ser a perplexidade da violência irrecorrível, o protesto à expropriação definitiva das subjetividades culturais frente ao mundo hegemônico da razão, dos jogos feitos e terminais da dinâmica de progresso. Sobre a descrição de vingança ocorrida neste episódio, escreveu no ano seguinte: Power Inferno (2002). A transformação social da mercadoria em signo representou o destino da globalização do capitalismo no século XX. Nesta direção, condenou o processo de estetização de todas as coisas que ocorre na atual fase do capitalismo, pois como dizia, “até o mais marginal, o mais banal, o mais obscuro estetiza-se”. Deixou transparecer que entendia a publicidade como a arte oficial do capitalismo, uma vez que todas as formas atuais de atividades esgotam-se voltando nela. A forma ideológica da publicidade com apoio de relações técnicas de trabalho impôs-se e desenvolveu-se à custa de todas as outras linguagens contemporâneas. Portanto, reiterou que os códigos e modelos de marketing e lógicas tem o papel de formalizar e deixar mais simples os semelhantes, geraram uma produção infinita e instável de estilos de vida, dissolvendo-se o objeto reconhecido como sociedade. A estetização que fascina, manipula desejos e gostos e impulsiona na direção da produção-consumo além da economia política. Apresenta a falsa ideia de que nas práticas consumistas está a resolução dos problemas da vida, bem como a transformação da insignificância do mundo.

As estruturas sociais de classe, as estruturas formativas de gênero e etnia são reduzidas às imagens do social e vividos através do meio de reprodução das imagens e de estilo de vida. Observou que os “meios realizadores” estão em coisas muito diferentes às expectativas geradas, e, ainda segundo ele, que atendam satisfações mais superficiais, mas jamais aspectos profundos da vida humana como geralmente propõem. Sob este aspecto radicalizou ao desenvolver a ideia que os indivíduos imersos nas práticas e relações de consumo, não combatem nem condenam, mas exploram ao máximo as tendências figuradas. As sensações imediatas, as experiências ardentes e isoladas, tanto quanto as intensidades da sociedade-cultura de consumo. Sem procurar significados obtém prazer estético de intensidades superficiais. Na ordem da produção, o objeto carece de unicidade e singularidade, pois, objetos tornam-se simulacros indefinidos uns dos outros como objetos. A pretensa objetividade do conhecimento representada através do mundo erigido pela racionalização técnica corresponde à universalização de um modelo arbitrário advindo da generalização da economia política na forma da lei do valor.  A partir da interpretação social do código, considerado como sistema de signos generalizados, a simulação per se opera a inversão das relações sociais entre pessoas, identificada entre o real e sua representação, estabelecendo simples oposições binárias que permitem a objetividade do discurso e o controle dos objetos.  

Em relação ao discurso, reduzindo o signo ao puro jogo dos significantes, anula a relação entre significante e significado necessária ao processo de significação. Assim, diferentemente da ordem da produção, o controle social das relações do homem com as “coisas” não mais advém da constituição do agir racional-com-respeito-a-fins, pois o código inaugura o monopólio da palavra como característica básica da dominação contemporânea. Da mesma forma, enquanto técnica de controle do objeto, o processo de simulação opera uma completa inversão, de forma que o real se torne efeito ou reflexo de modelos gerativos. Simulacros e simulação representa um tratado filosófico de Jean Baudrillard que discute a relação entre realidade, símbolos e sociedade. Simulacros são cópias que representam níveis de análise que nunca existiram ou que não possuem mais o seu equivalente na realidade. Simulação é a imitação de um processo virtual existente no mundo real. Se a sua visão é problemática e pessimista porque não depreende nos mass media a possibilidade real da comunicação e da troca, estando restrita ao encontro “face a face”, por outro lado, ela é profícua na medida em que, o acontecimento no início da década de 1970, o autor ergue-se contra o domínio da semiologia italiana e francesa, relativizando sua prática teórica no que diz respeito à comunicação social.

Bibliografia geral consultada.

RUSSELL, Bertrand, Significação e Verdade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1973; PEREIRA, Ondina Pena, O Feminino em Jean Beaudrillard: Rito de Passagem do Modo de Produção ao Modo de Sedução. Dissertação de Mestrado em Filosofia. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 1990; SCHRÖEDINGER, Erwin, What is Life? Cambridge: Cambridge University Press, 1992; SIMMEL, Georg, Filosofia do Amor. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1993; BLOOM, Harold, O Cânone Ocidental: Os Livros e a Escola do Tempo. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 1995; DURAND, Gilbert, As Estruturas Antropológicas do Imaginário. Introdução à Arquetipologia Geral. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1997; ELIAS, Norbert; SCOTSON, John, Os Estabelecidos e os Outsiders: Sociologia das Relações de Poder a Partir de Uma Pequena Comunidade. Rio de Janeiro: Editor Jorge Zahar, 2000; PERRAULT, David, Eric Clapton: La Vie en Blues. Paris: Editeur Castor Astral, 2003; NEGUS, Keith, Géneros Musicales y la Cultura de las Multinacionales. Barcelona: Ediciones Paidós, 2005; BROCHAND, Christian, Histoire Générale de la Radio et de la Télevision en France, 1974-2000. Paris: Editeur La Documentation en France, 2006; HUIZINGA, Johan, Homo Ludens: O Jogo como Elemento da Cultura. São Paulo: Editora Perspectiva, 2007; TONIN, Juliana, Espetáculo, Simulacro, Tribalismo, Hipermodernidade: Paradoxos da Sociedade da Imagem. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2008; COMBES, Muriel, La Vie Insépareé. Vie et Sujet au Temps de la Biopolitique. Paris: Éditions Dittmar, 2011; ALQUIE, Ferdinand, La Conscience Affective. Paris: Librarie Philosophique J. Vrin, 2012; OLIVEIRA, Fernando Maluf Dib, A Constituição da Identidade na Pós-Modernidade: O Simulacro da Realidade. Dissertação de Mestrado. Instituto de Ciências Sociais. Uberlândia: Universidade Federal de Uberlândia, 2016; LINS, Daniel, Bob Dylan: A liberdade que canta. Goiânia: Edições Ricochete, 2017; SANTANA, Marcos Ribeiro, Educação de Si: Filosofia & Rock. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Faculdade de Educação. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2021; AHMED, Saira, “Artistas subestimados: vale a pena ouvir a sonhadora música indie-folk de Angus e Julia Stone”. Disponível em: https://hhsepitaph.com/20/12/2023; entre outros. 

segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

Frantz – Cultura da Guerra, Estrangeiros & Remorso da Noiva-viúva.

                                                              Culto é aquele que sabe onde encontrar aquilo que não sabe”. Georg Simmel            

Frantz é um filme de drama franco-alemão de 2016, dirigido e de coautoria de François Ozon e estrelado por Paula Beer e Pierre Niney. Tem como questão nevrálgica o encontro casual de saudação no cemitério, sobre uma jovem alemã cujo noivo foi morto na 1ª guerra mundial e o remorso do soldado francês que o matou. O cumprimento é uma forma amigável entre duas pessoas, ou entidades, geralmente com algum gesto ou fala. Os gestos que simbolizam os cumprimentos variam de cultura para outra cultura. No ocidente e na maioria do mundo, entre homens costuma-se utilizar o aperto de mão. Frantz em segundo lugar, é uma adaptação livre do filme de 1932 de Ernst Lubitsch (1892-1947), Não Matarás, que por sua vez foi baseado na peça francesa L`homme que j`ai tué de Maurice Rostand em 1930. Os seus filmes eram engenhosos e sofisticados, com uma maliciosa sexualidade. Em todos eles há o famoso Toque Lubitsch. Há muitas definições da expressão, mas a maioria reduz o seu único, nada convencional e um pouco efêmero de realização. Lubitsch trocou a Alemanha por Hollywood em 1922, convidado por Mary Pickford. Lubitsch dirigiu Pickford no filme Rosita (2015), mas este foi o único que eles fizeram juntos. Nascido de família judaica, deixou os negócios do pai, na alfaiataria, para o teatro e em 1911 quando já era um integrante do Teatro alemão de Max Reinhardt. Seu primeiro trabalho no cinema surgiu em 1912 com a experiência de ator social.  

A história social se passa em Quedlinburg, que representa uma pequena cidade na Alemanha, atravessada pelo rio Bode e localizada a Norte da cadeia de montanhas do Harz, no distrito de Harz (Saxônia-Anhalt). Mencionada pela primeira vez em um documento de 922 e concedida o Estatuto de Cidade em 994, Quedlimburgo sediou, do século X ao século XII, o palatinado real visitado na Páscoa por governantes não vinculados à Igreja e, por quase 900 anos, um Damenstift, que tradicionalmente é uma espécie de residencial para mulheres, chamadas canonesas; inicialmente eclesiástico (para canonesas regulares), desvincula-se da Igreja após a Reforma (para canonesas seculares). Uma fundação feminina era frequentemente fundada por um nobre ou por uma viúva rica, a fim de realizar um trabalho piedoso. Os cônegos geralmente recebiam o mandato da fundação de orar pela salvação espiritual dos fundadores. Os mosteiros eram do Reich diretamente subordinados ao rei ou imperador, ou ao bispo, que então também tinha o direito de nomear a abadessa e nomear um confessor para os cônegos.  Através das suas doações, os nobres locais garantiram que o mosteiro fosse aberto exclusivamente às suas próprias filhas, mas as pessoas também podiam “comprar” um lugar social de um mosteiro de fora. Frequentemente, também eram criados cargos para as filhas de funcionários merecedores. Logo após a 1ª guerra mundial (1914-18) ali acompanhamos o drama de Anna (Paula Beer), que visita diariamente o túmulo de seu noivo, morto em uma das batalhas. Entretanto, num certo dia, ela vê um jovem francês, Adrien Rivoire (Pierre Niney), colocar flores no mesmo lugar do túmulo. 

Este gesto, além da própria presença de um francês em solo alemão, logo após a derrota do país na grande guerra, inflama paixões e interesses e suscitam curiosidades acerca das razões daquele gesto e daquela inesperada visita. Os cônegos viviam em edifícios semelhantes a mosteiros, por vezes também antigos mosteiros, que, no entanto, eram muitas vezes mais generosamente mobilados mais do que os das freiras. Muitas vezes traziam consigo seus próprios móveis e criados. Eles foram obrigados a participar da Liturgia das Horas e da Santa Missa e comer com a comunidade no refeitório, “com as mulheres, com Maria, Mãe de Jesus, e seus irmãos” (At 1,14). “A multidão dos crentes era um só coração e uma só alma” (At 4,31); e esta unanimidade assentava na palavra de Deus, na comunhão fraterna, na oração e na Eucaristia. Quando entraram, as canonesas apenas fizeram os votos de castidade e obediência à sua abadessa, mas conseguiram se casar, quer dizer, se renunciassem à sua beneficência. Eles tinham a liberdade de usar os rendimentos que recebiam do mosteiro onde quisessem. Muitas vezes, apenas a abadessa, a diretora e um pequeno número de cônegos permaneciam no edifício do mosteiro, enquanto os outros cônegos tinham apartamentos próprios com um pequeno número de criados na zona. No Mosteiro Preetz cada cônego vive em sua própria casinha com jardim. Os cônegos não renunciaram à sua propriedade privada nem aos seus direitos de herança e, curiosamente, podiam deixar o mosteiro a qualquer momento. Os mosteiros ganhavam a vida com a beneficência trazida quando a fundação foi criada, de cujos rendimentos todas os cônegos recebiam uma quantia anual soma. Para isso, “um cônego tinha que doar uma certa quantia ao ingressar”. Havia certa área cinzenta entre mosteiros e mosteiros seculares. Os mosteiros seculares aderem à Regra de Agostinho ou à Regra de Bento. O mosteiro foi fundado em 1211 pelo Conde Albrecht de Orlamünde, sobrinho do rei Valdemar II da Dinamarca.

A popularidade de Pola na Polônia lhe proporcionou a oportunidade de se mudar para Berlim em 1917, para atuar como dançarina no filme Sumurum. Nessa produção, ela conheceu Ernst Lubitsch, que na época produzia comédias para o estúdio de cinema alemão UFA. A Ufa, Universum Film AG, foi fundada em dezembro em 1917 por iniciativa do general Ludendorff, que ordenou a fusão das firmas cinematográficas mais importantes e a concentração da distribuição dos filmes, a fim de que o cinema alemão apoiasse a política militar do Estado. Negri foi contratada pela primeira vez pela Saturn Films, onde fez seis filmes. Depois disso ela assinou contrato com a UFA; alguns dos filmes que ela fez na UFA. Em 1918, Lubitsch convenceu a UFA a deixá-lo criar um filme com Negri como personagem principal. O resultado foi Die Augen der Mumie Ma (1918), que foi um sucesso popular e levou a uma série de colaborações bem sucedidas Lubitsch/Negri. O próximo foi Carmen em 1918, reeditada nos Estados Unidos em 1921 como Gypsy Blood, seguida por Madame Dubarry, 1919, lançada nos Estados Unidos da América como Passion. Entretanto, Madame DuBarry se tornou um enorme sucesso internacional, derrubou o embargo americano aos filmes alemães e lançou uma demanda que ameaçou brevemente desalojar o domínio de Hollywood no mercado internacional de filmes. Negri e Lubitsch fizeram filmes juntos depois disso, Sumurun reconhecido como One Arabian Night (1920), Die Bergkatze, também reconhecido como The Mountain Cat ou The Wildcat (1921) e Die Flamme (The Flame, 1922), e a UFA empregou Negri para filmes com outros diretores, incluindo Vendetta (1919) e Sappho (1921), comprados por distribuidores americanos e exibidos nos Estados Unidos.

A pequena cidade Quedlimburgo aparece descolorada no fundo. A região abriga justamente os familiares e a viúva de Frantz. Mas a ausência de cor não acompanha o filme em sua totalidade. Há algumas passagens onde, ao ter um pequeno vislumbre de felicidade, os personagens voltam a ser fotografados em cores, o que retrata os pequenos momentos de felicidade. O roteiro e a direção acertam ao criar rimas visuais interessantes. Se na primeira metade do filme acompanhamos a cotidianidade dos alemães e pressupomos a relação de ódio que estes nutriram pelos franceses tendo por escopo a guerra, na segunda metade, quando o diretor dialoga com o trem indo para Paris, vemos situações oposto, com os franceses tão fragilizados e amargurados quanto os vizinhos germânicos como efeitos da guerra. Há direção em retratar ruas totalmente destruídas, que enaltece o fato de as vítimas da guerra pensarem muito nas próprias feridas sem nunca pensar que a dor não é exclusiva de uma nação, mas de parte do mundo. Afinal, a guerra é o máximo da humilhação de nossa sociedade. Para construir a comunicação visual, Ozon faz uso de quadros que marcam situações iguais e com enquadramentos espelhados. Na Alemanha o francês olha para a esquerda e vê alemães enaltecendo seu próprio país de forma chorosa, na França a personagem alemã se posiciona à direita e observa, à sua esquerda, um grupo francês cantando a marselhesa.

A regra é clara aplicando-se  aos currais em Herford, Essen, alta nobreza Imperador que estavam em um grau de co-determinação na política. Voto da cúria tomou assento, cada um dos quais teve uma bancada de prelados da Suábia ou Renânia foram representados, onde foram representados na Reichstag prelados imperiais estavam entre as princesas abadessas. Suas e estavam diretamente subordinados ao Imediatos ao Reich lideravam como abadessas, e muitas vezes os cônegos também vinham daí. Com exceção de Colônia, esses mosteiros, juntamente com vários outros mosteiros femininos e mosteiros femininos, eram e eram administrados por mulheres da Império em Colônia. Alguns dos acordos de casamento mencionados na Ilíada e tanto quanto na Odisseia sugerem que o preço de noiva era provavelmente um costume da sociedade homérica. A linguagem utilizada para várias transações monetárias de casamento, podem distorcer a distinção entre o preço de noiva e o dote, e, uma terceira prática, chamada de “dote indireto”, pelo qual o noivo abre mão da propriedade em favor da noiva, que será, então, usado para estabelecer a residência. A “sociedade homérica” é fictícia, per se de figuras lendárias e deidades, de figurar nos costumes de épocas e lugares do mundo grego.

No ambiente e momento histórico-social em que as epopeias homéricas foram escritas, praticas primitivas, como o preço de noiva e a poligamia não faziam mais parte da sociedade grega. Menções deles preservam, se é que eles têm como representação uma base histórica, costumes que datam do Período Homérico. Na Ilíada, Agamemnon promete que Aquiles pode tomar uma noiva sem pagar o preço de noiva (hednon), ao invés de receber um dote (pherne).  Na Odisseia, referências menos discutíveis sobre o preço de noiva estão presentes nos acordos de casamento de Ctimene, a irmã de Ulisses; Pero, filha de Neleu, que exigiu gado por ela; e a própria deusa Afrodite, cujo marido, Hefesto ameaça fazer com que seu pai, Zeus, devolva o preço de noiva, porque ela era adúltera. É possível que o “preço de noiva” homérico seja parte de uma troca recíproca de presentes entre o futuro marido e o pai da noiva, mas, como a troca de presentes é uma prática fundamental de amizade e hospitalidade aristocrática, isso ocorre raramente, se muito, provavelmente em conexão com arranjos de casamento. O “preço de noiva” normalmente é pago em uma moeda que não é geralmente usada para câmbio. De acordo com o antropólogo francês, Philippe Rospabé, o seu pagamento não implica na “compra de uma mulher”, como se pensava no início do século XX. Ao invés disso, ele é um gesto simbólico do reconhecimento, mas nunca pagamento, do débito permanente do marido com os pais da esposa. 

Dotes existem em sociedades onde o capital é mais valioso do que o trabalho manual. Georg Simmel estudou com exemplariadade esta questão. Na Europa da Idade Média, a família de uma futura esposa era obrigada a oferecer um dote - terra, gado e dinheiro - para a família do futuro marido. O preço de noiva existe em sociedades onde o trabalho manual é mais importante do que o capital. Na África Subsaariana, onde a terra era abundante e havia poucos ou nenhum animal domesticado, o trabalho manual era mais valioso do que o capital e, portanto, o preço de noiva dominava. Na psicologia para o dote e o preço de noiva é que o “preço de noiva” é comum em sociedades poliginias, que possuem uma relativa escassez de mulheres. Em sociedades monogâmicas, onde as mulheres têm pouca riqueza pessoal, o dote é, ao invés disso, comum, pois há uma relativa escassez de homens ricos, que podem escolher entre muitas mulheres para se casarem. O Código de Hamurábi menciona o preço de noiva em diversas leis, como um costume estabelecido. Foi o primeiro código de leis da história e vigorou na Mesopotâmia, quando Hamurabi governou o primeiro império babilônico, entre 1792 e 1750 a.C. Esse código se baseava na Lei do Talião, que punia um criminoso de forma semelhante ao crime cometido, ou seja, “olho por olho, dente por dente”.

O Código de Hamurabi representa um conjunto de leis escritas, sendo um dos exemplos mais bem preservados desse tipo de texto oriundo da Mesopotâmia. Acredita-se que foi escrito pelo rei Hamurábi, em torno de 1 772 a.C. Foi encontrado por uma expedição francesa em 1901 na região da antiga Mesopotâmia, correspondente à cidade de Susa, no Sudoeste do Irã. É um monumento monolítico talhado em rocha de diorito, sobre o qual se dispõem 46 colunas de escrita cuneiforme acádica, com 282 leis em 3 600 linhas. A numeração vai até 282, mas a cláusula 13 foi excluída por superstições da época. A peça tem 2,25 m de altura, 1,50 m de circunferência na parte superior e 1,90 m na base. Os artigos do Código de Hamurabi descreviam casos que serviam como modelos a serem aplicados em questões semelhantes. Para limitar as penas, o Código anotou o princípio de Talião, sinônimo de retaliação. Por esse princípio, a pena não seria uma vingança desmedida, mas proporcional à ofensa cometida pelo criminoso. Tal princípio é resumido no ditado popular. O objetivo deste código era homogeneizar o reino juridicamente e garantir uma cultura comum. No seu epílogo, Hamurábi afirma que elaborou o conjunto de leis “para que o forte não prejudique o mais fraco, a fim de proteger as viúvas e os órfãos” e “para resolver todas as disputas e sanar quaisquer ofensas”. Durante as diferentes invasões da Babilônia, o código foi deslocado para a cidade de Susa no Irã por volta de 1 200 a. C. Foi nessa cidade que ele foi descoberto, em 1901, pela expedição dirigida por Jacques de Morgan. O abade Jean-Vincent Scheil traduziu a totalidade do código após o retorno a Paris, onde ele pode ser admirado no Museu do Louvre, na sala 3 do Departamento de Antiguidades Orientais.

Mas não representa o pagamento do preço de noiva, vale lembrar, que está previsto, mas a regulamentação de vários aspectos. A Bíblia Hebraica (Tanakh) menciona a prática de pagar o preço de noiva ao pai de uma pequena menina. Na tradição judaica, os rabinos dos tempos antigos, insistiam no contrato (Ketubá) do casal que estava prestes a se casar. O Ketubá previa um valor a ser pago pelo marido em caso de divórcio (guet) ou pelo seu espólio, no caso de sua morte. Este montante foi uma substituição do contradote bíblico ou preço de noiva, que era pago pelo noivo, no momento do casamento. Esta inovação surgiu porque o preço de noiva criou um grande problema social: muitos futuros maridos jovens não podiam levantar a quantia no momento em que se esperava que eles se casassem. Assim, para permitir que esses jovens homens se casassem, os rabinos, com efeito, adiaram o momento em que o montante deveria ser pago, quando eles estariam mais suscetíveis a ter a soma. Também pode se notar que o dote e o ketubá tinham o mesmo propósito: a proteção da mulher, cujo suporte iria cessar por morte ou divórcio. A única diferença entre os dois sistemas era o momento do pagamento. A lei islâmica ordena ao noivo, isto sim, que ele dê à noiva um presente chamado Mahr antes da consumação do casamento.

Um mahr difere do significado padrão de preço de noiva, pois não é para a família da noiva, mas para a mulher guardar para si mesma; ele é, portanto, mais precisamente, descrito como um contradote. A lei islâmica considera um pecado (haraam) para o marido, que a família do noivo ou a família da noiva tome o mahr da noiva, sem decisão única e exclusiva dela. Os presentes da manhã, que podem ser organizados pelo pai da noiva, ao invés da noiva, são dados à própria noiva. O nome deriva do costume tribal germânico de dar os presentes a elas, na manhã seguinte à noite de núpcias. A mulher pode ter o controle do presente da manhã durante a vida de seu marido, mas recebe como propriedade quando viúva. Se a quantidade de sua herança é estabelecida por lei, ao invés de acordo, ele pode ser chamado de contradote. Dependendo dos sistemas legais e do acordo específico, ela pode não ter propriedade para dispor dele a vida toda, e pode perder a propriedade se voltar a se casar. O costume dos presentes da manhã foi preservado por muitos séculos, em casamentos morganáticos, uma união em que o status social inferior da mulher era mantido para proibir seus filhos de herdarem títulos ou propriedades nobres. Neste caso, o presente da manhã dá suporte à mulher e aos seus filhos. Outra disposição legal para a viuvez era a conjunta, em que a propriedade, geralmente terra, seria mantida em bem conjunto, de modo que iria para a viúva, na morte do marido.

O filme, Frantz é um amálgama franco-alemão que se passa numa pequena cidade alemã do pós-guerra e narra mais da história de Anna do que exatamente de Frantz. Ela (Paula Beer) é a viúva dele, morto em combate que, num determinado dia, dá de cara com um “estrangeiro” prestando homenagens no túmulo de Frantz. Adrien (Pierre Niney) é um jovem francês (pela nacionalidade, inimigo em potencial dos alemães), também ex-combatente, porém pacifista, que se apresenta como amigo do falecido e acaba por fazer contato com a moça e os sogros dela, casal que a considera como filha. A partir da premissa, duas histórias se misturam, mas correm em paralelo, com o mesmo grau de importância. A primeira, pessoal, dá conta dos laços sociais que são construídos entre esses personagens: são fatos, por assim dizer; a segunda, que engloba o contexto, aborda os traumas deixados pelo conflito: como análise, é o que o filme traz de melhor, num primeiro momento, servindo como de background para que se discuta temas pertinentes e atuais, como a tolerância e o perdão. Ozon constrói, como é de costume, um clima de mistério e até certo envolvendo homoerotismo a respeito das intenções do francês. É uma forma eficaz de prender o público espectador na margem da metade da projeção garantindo a audiência com sua presença. Não há lacunas a serem preenchidas diante da perda, do tempo, da questão do remorso e da fragilidade humana. Porém, no tempo que resta, o viés “pessoal” da história se sobrepõe ao contexto social geral do beligerante do pós-guerra e descamba para uma sucessão de reviravoltas.  

O que procede poderá ser repetido a propósito de cada um deles, ou seja, maneiras de agir, de pensar e pari passu sentir que apresentam essa notável propriedade de existirem fora das consciências individuais e coletivas. Mas não são apenas exteriores ao indivíduo, como também são dotados de uma “força imperativa” e coercitiva em virtude da qual se impõe a ele, quer ele queira, quer não. Em se tratando de máximas puramente morais, a consciência pública reprime todo ato que as ofenda através da vigilância que exerce sobre a conduta dos cidadãos. A coerção social, mesmo sendo de forma indireta, continua sendo uma técnica ou estratégia de submissão eficaz. Trata-se de uma ordem de fatos sociais que apresentam características muito especiais: consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir, exteriores ao indivíduo, e que são dotadas de um poder de coerção em virtude do qual esses fatos se impõem a ele. Por conseguinte, eles não poderiam se confundir com os fenômenos orgânicos, já que consistem em representações e em ações, nem com os fenômenos psíquicos, os quais só tem existência na consciência individual. Estes fatos constituem, portanto, uma espécie relativamente nova, e é a eles que deve ser dada e reservada a qualificação de sociais.

Essa qualificação lhes convém; pois é claro que, não tendo o indivíduo por substrato, eles não podem ter outro senão a sociedade, seja a sociedade política em seu conjunto, seja um dos grupos parciais que ela encerra: confissões religiosas, escolas políticas, literárias, corporações profissionais, etc. Por outro lado, é a eles só que ela convém; pois a palavra social só tem sentido definido com a condição de designar unicamente fenômenos que não se incluem em nenhuma das categorias de fatos já constituídos e denominados. Eles representam o domínio próprio da sociologia. Mas na sociologia durkheimiana há organização delineada, normalizada e estritamente definida. O hábito coletivo não existe apenas em estado de imanência nos atos sucessivos que ele determina, mas se exprime na sociedade, por um privilégio cujo exemplo não encontramos no reino biológico, numa fórmula que se repete de boca em boca, que se transmite pela educação, que se fixa através da escrita. Em 1911 o capitão Bertram Dickson (1873-1913), o primeiro militar britânico a conseguir voar, “profetizou corretamente o uso militar da aviação”. Ele afirmou que os primeiros aviões iriam ser usados para reconhecimento, mas ele iria forçar cada lado a tentar “impedir ou prevenir o inimigo de obter informações”, o que eventualmente vai levar a uma batalha para o controle do ar. Esta foi a sequência de eventos que ocorreu poucos anos depois.

O ceticismo inicial e baixa expectativa, rapidamente se tornaram em demandas não realistas, além da capacidade dos aviões primitivos disponíveis. Mesmo assim, o reconhecimento aéreo teve um papel importante na “guerra de manobras” de 1914, especialmente ao ajudar os aliados a interromper a invasão alemã da França. Em 22 de agosto de 1914, o capitão britânico L.E.O. Charlton e o tenente V.H.N. Wadham reportaram que o exército do general alemão Alexander Von Kluck estava se preparando para cercar a Força Expedicionária Britânica, contrariando todas as informações da inteligência. O alto comando britânico considerou o relatório e iniciou a retirada para Mons, salvando a vida de 100.000 soldados. Mais tarde, durante a Primeira Batalha do Marne, aviões de observação descobriram pontos fracos e flancos expostos nas linhas alemãs, permitindo aos aliados tirarem vantagem disso.  Na Alemanha, o grande sucesso dos primeiros dirigíveis Zeppelin encobriu a importância dos aviões mais pesados que o ar. Sem nenhum papel importante, dos 230 aviões pertencentes ao exército em 1914, apenas cerca de 180 eram de alguma utilidade. Os exercícios da aviação militar francesa de 1911, 1912, e 1913 foram pioneiros na cooperação da cavalaria (reconhecimento) e artilharia (localização), mas o momento ainda não era o ideal. A Grã Bretanha iniciou tarde e dependia muito da indústria aeronáutica francesa, especialmente para motores de avião. A contribuição britânica ao esforço de guerra aérea aliado em agosto de 1914 com 184 aviões era de três esquadrões com cerca de 30 máquinas em condição de serviço.

Os serviços aéreos do exército e da marinha norte-americanos estavam ainda mais atrás; mesmo em 1917, quando os Estados Unidos entraram na guerra, eles eram dependentes da indústria aeronáutica francesa e britânica para aviões de combate. O grande golpe alemão de 1914 ocorreu na Batalha de Tannenberg na Prússia Oriental, onde um ataque russo foi detectado pelos tenentes Canter e Mertens, forçando os russos a se retirarem.   Inicialmente foi chamada de Batalha de Allenstein pela mídia de guerra alemã, mas a pedido do General Hindenburg foi mais tarde renomeada, para fins de propaganda, como Batalha de Tannenberg. Na verdade, a cidade mais próxima da área principal da batalha não é Tannenberg (Stębark), mas sim, Hohenstein. Na historiografia alemã a Batalha de Tannenberg representou uma derrota dos Cavaleiros Teutônicos pela União Polaco-Lituana ocorrida em 1410. A vitória alemã em Tannenberg debilitou o avanço russo no Leste da Alemanha e deixou a situação da Rússia no front oriental extremamente precária. A Prússia Oriental exibia, pela sua situação geográfica como projeção territorial extensa e exposta caminhando para dentro do território russo, uma posição estratégica excepcionalmente vulnerável. Partindo do princípio de que a Rússia possuía uma infraestrutura operacional ruim, o Plano Schlieffen (1914) supunha que, em caso de declaração de guerra contra a França e a Rússia, a primeira conseguiria mobilizar suas forças com quatro semanas de antecedência em relação à última. 

O Alto Comando do Exército Alemão (Oberste Heeresleitung) posicionou sete exércitos na Frente Ocidental a fim de forçar uma vitória decisiva rápida contra a França. Durante a Crise de Julho, entretanto, a Rússia já havia iniciado uma mobilização parcial, e a situação mostrava-se diametralmente oposta: Quatro semanas antes do esperado, os exércitos russos já ameaçavam o território da Prússia Oriental. Essa província era defendida apenas pelo 8º Exército Alemão, numericamente inferior às forças russas, e mostrava-se, portanto, bastante ameaçada. Esse fato era esperado pelo Estado-Maior Geral Russo em suas diretrizes pré-guerra. A fim de aliviar a pressão sobre seus aliados ocidentais, o Alto Comando Russo enviou dois exércitos contra a Prússia Oriental: o 1º Exército Russo (Exército do Niemen), sob o comando de Paul von Rennenkampf, começou a atacar pelo Leste, enquanto o 2º Exército Russo (Exército do Narew), sob ordens de Alexander Samsonow, iniciou ataque à Prússia Oriental vindo do Sul. Durante os primeiros dias das operações, essa estratégia parecia funcionar. O 1º Exército Russo avançou sobre o território da Prússia Oriental e alcançou, após a batalha de Gumbinnen, no dia 19 de agosto, uma ruptura inicial. O Estado-Maior Geral Russo contava com o fato de que os alemães, que dispunham apenas de um exército na Prússia Oriental, recuariam para a retaguarda do Rio Vístula. Inicialmente, essa suposição parecia se concretizar: O comandante do 8º Exército, o Coronel-General Von Prittwitz, sinalizou por telefone ao Alto Comando do Exército, instalado em Coblença, o recuo para trás do Vístula.

Isso correspondia realmente às diretrizes operacionais do Plano Schlieffen, entretanto, para o Chefe do Estado-Maior Geral Alemão, von Moltke, Prittwitz não estava mais à altura de responder pela situação. O Plano Schlieffen foi o plano militar aplicado pelo exército alemão no início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Inicialmente concebido por Alfred von Schlieffen, chefe do Estado-Maior alemão entre 1892 e 1906, foi posto em prática, com alterações introduzidas pelo sucessor, Helmuth von Moltke. O plano previa resolver uma questão que preocupava os alemães em caso de conflito: uma guerra em duas frentes, ou seja, uma guerra contra a França e, muito provavelmente, contra o Reino Unido, na frente ocidental e, simultaneamente, uma guerra contra a Rússia, na frente oriental. O plano falhou no seu principal objetivo que era obter uma vitória rápida e decisiva a ocidente para, em seguida, transferir forças para oriente e ali obter outra vitória decisiva. O problema da guerra em duas frentes a partir de 1871 colocava-se à Alemanha que se preparou militarmente para um confronto simultâneo com a França e a Rússia. No tempo de Bismarck (1871-1890), esse confronto foi evitado pelo sistema de alianças criado pelo chanceler alemão. Vale lembrar que a questão que levou ao desencadear da Guerra Franco-Prussiana (1870-1871). O trono espanhol era ocupado pelos Bourbons mas uma revolta provocou o exílio de Isabel II de Espanha.

Os revoltosos procuraram um novo soberano fora da família dos Bourbons. Foi feito o convite a um príncipe da família Hohenzollern. Trocar um soberano da Casa dos Bourbons, tradicionais aliados dos Franceses, por um soberano da família real da Prússia era não só uma humilhação para França como colocava esta potência em perigo de enfrentar uma guerra em duas frentes: nos Pirenéus e na fronteira com a Confederação da Alemanha do Norte. O problema da guerra em duas frentes em 1870: a França entre a Espanha e a Confederação da Alemanha do Norte, ambas dominadas pela Casa de Hohenzollern. A Guerra Franco-Prussiana teve como desfecho a derrota da França, a unificação da Alemanha num império em que a Prússia mantinha a hegemonia e a transferência dos territórios da Alsácia-Lorena para o domínio alemão. A ordem europeia daí resultante durou até à Primeira Guerra Mundial. Durante a Guerra Franco-Prussiana, os governantes das principais potências da época concluíram que a forma de fazer a guerra dos Alemães era a mais eficaz e, em consequência disso, os procedimentos alemães começaram a ser adoptados, com mais ou menos sucesso, nos seus exércitos. 

O objetivo era, à semelhança dos próceres Alemães, obterem vitórias rápidas e decisivas. Na Guerra Franco-Prussiana, a vitória alemã foi rápida, mas não decisiva. A Terceira República Francesa, que então se formou, continuou a luta e só aceitou a derrota porque receou mais a Comuna de Paris que o exército alemão que cercava capital francesa. Depois de 1871, a guerra em duas frentes deixou de ser uma preocupação francesa. Na Espanha, Amadeu I, da Casa de Saboia, sucedeu a Isabel II que ficou exilada em Paris até à sua morte em 1904. A questão da guerra em duas frentes colocava-se agora à Alemanha: uma guerra simultânea contra a França, a ocidente, e contra a Rússia, a oriente. Se não existiam questões entre a Alemanha e a Rússia que levassem a antever uma guerra entre estas duas potências, já o mesmo não se podia dizer da França, para quem a perda da Alsácia e parte da Lorena tinha consequências de carácter militar e económico. Esta possibilidade foi evitada pelo chanceler alemão Otto von Bismarck que usou “toda a sua inesgotável energia na defesa do status quo favorável ao seu país”. A queda em 1890 permite a divisão em duas partes da história do império alemão.

Desde a formação do império e até 9 de março de 1888, foi imperador Guilherme I da Alemanha. A 9 de março, subiu ao trono Frederico III da Alemanha que morreu pouco tempo depois, a 15 de junho de 1888. Sucedendo-lhe o seu filho, Guilherme II da Alemanha, que foi imperador até 1918. Otto von Bismarck foi chanceler do Império Alemão desde 1871 a 1890. Neste ano, após divergências profundas com Guilherme II, que não entendia a política do seu chanceler tanto interna como externa, Bismarck foi forçado a demitir-se. Sucedeu-lhe Leo von Caprivi que manteve o mandato até outubro de 1894. Caprivi foi substituído por Chlodwig Karl Victor zu Hohenlohe-Schillingsfürst e este, por sua vez, foi substituído em outubro de 1900 por Bernhard von Bülow. Finalmente, a 7 de julho de 1909, o cargo de chanceler foi ocupado por Theobald von Bethmann-Hollweg que se manteve quase até ao final da guerra até 1917. Nenhum destes sucessores de Bismarck, conseguiu prosseguir a obra do chanceler de ferro. Apenas Bülow tem alguma envergadura, mas não a autoridade necessária para exercer um poder que Bismarck criou à sua medida. Durante a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), era desde 1857 Chefe do Estado-Maior General da Prússia o general Helmuth von Moltke (Moltke, o velho) que se manteve nessas funções até 1888. Nesse ano foi substituído por Alfred von Waldersee que se manteve no cargo até 1891. Neste ano, Alfred von Schlieffen assumiu aquelas funções e manteve-as até janeiro de 1906, quando foi substituído por Helmuth Johannes Ludwig von Moltke (Moltke, “o jovem”), sobrinho de Moltke, o velho. Moltke manteve-se em funções até ao final de 1914. Os aviões típicos de 1914 podiam levar apenas pequenas cargas de bombas. As bombas em si e os seus depósitos eram muito elementares, e miras efetivas para as bombas ainda estavam por ser desenvolvidas.

Apesar disso, o início dos bombardeios táticos e estratégicos data dos primeiros dias da guerra. Destacando-se os bombardeios feitos pelo RNAS aos abrigos de dirigíveis alemães em Düsseldorf, Colônia e Friedrichshafen, em setembro, outubro e novembro de 1914, assim como a criação do Brieftauben Abteilung Ostende nome código da primeira unidade de bombardeio estratégico alemão, que montou eficazmente o primeiro comboio de bombardeio sobre o Canal da Mancha em dezembro.  Como Dickson havia previsto inicialmente, os combates aéreos eram relativamente raros, e definitivamente vinculados à tarefa de reconhecimento militar com histórias de tripulações rivais de aviões de reconhecimento. Essa prática aparentemente cordial logo evoluiu para o arremesso de granadas, e outros objetos, inclusive ganchos de todo tipo. O primeiro avião derrubado por outro foi um avião de reconhecimento austríaco abalroado em 8 de setembro de 1914 pelo piloto russo Pyotr Nesterov durante a Batalha da Galícia na Frente Oriental. Ambos os aviões caíram matando todos os ocupantes. Eventualmente os pilotos começaram a atirar com armas de fogo de mão nos aviões inimigos, no entanto, as pistolas eram muito pouco precisas e os rifles de apenas um tiro não eram suficientes para conseguir um acerto no alvo pretendido. Em 5 de outubro de 1914, o piloto francês Louis Quenault abriu fogo num avião alemão com uma metralhadora pela primeira vez, e a assim a chamada Era dos combatentes aéreos teve início com mais e mais aviões sendo equipados com possantes metralhadoras.

Desnecessário dizer que o início da guerra a maioria dos generais acreditavam que as aeronaves poderiam contribuir somente para reconhecimento e observação, apesar de que muitos deles acreditavam que a melhor forma de observação ainda seria a Cavalaria através de batedores. Porém no final da guerra todos os países já dispunham de aeroplanos em suas estratégias de combate. Foi durante a beligerante 1ª grande guerra (1914-1918) que o avião demonstrou seu potencial através de testes de suas principais funções: observação, reconhecimento, bombardeio tático e estratégico, ataque ao solo e ataque naval. Os aviões de combate, os especializados caças, eram aeronaves. Consideradas mais agressivas de guerra, tendo como principal função a defesa tanto na proteção de seu espaço aéreo, quanto na proteção das aeronaves em operação no espaço inimigo. Os aviões caças eram relativamente pequenos e o seu projeto de construção era simples, devido ao grande desenvolvimento tecnológico durante os conflitos bélicos. As missões ofensivas eram desenvolvidas pelos bombardeiros, maiores em relação aos aviões caças e sem novidades técnicas rápidas por serem mais complexos em sua construção.

Os projetistas se preocupavam mais em aumentar o seu desempenho do que em construir uma aeronave nova. As missões dos bombardeiros eram diferentes, entre estratégicos, táticos, e ataque ao solo. Os bombardeios estratégicos tinham como principal objetivo a redução da capacidade do inimigo de continuar na guerra. Os alvos geralmente eram fábricas, sedes de órgãos públicos, militares ou civis, assim como arsenais da marinha. Os aviões empregados nesta missão eram aeronaves aparentemente de grande autonomia, visto o alvo se localizar a grandes distâncias. Outro bombardeiro era tático, como principal função ajudar as forças armadas que atuavam no solo. E, por fim, os ataques aéreos em direção ao solo. Os aviões típicos da guerra mundial de 1914 podiam levar apenas pequenas cargas de bombas. As bombas em si e seus depósitos eram muito elementares, e miras efetivas para as bombas ainda estavam por ser desenvolvidas. Apesar disso, o início dos bombardeios táticos e estratégicos datam dos primeiros dias da guerra mundial. Destacando-se os bombardeios realizados pelo Royal Naval Air Service aos abrigos de dirigíveis alemães especificamente em Düsseldorf, Colônia e Friedrichshafen, em setembro, outubro e novembro de 1914, assim como a criação do Brieftauben Abteilung Ostende que etm como representação social o nome código da primeira unidade de bombardeio estratégico alemã, que montou o primeiro comboio de bombardeio sobre o Canal da Mancha em dezembro.

Como Dickson havia previsto, inicialmente os combates aéreos eram muito raros, e definitivamente vinculados à tarefa de reconhecimento. Existem histórias de tripulações rivais de aviões de reconhecimento trocando sorrisos e acenando umas para as outras. Essa prática cordial logo evoluiu para o arremesso de granadas, e outros objetos, inclusive ganchos de todo tipo possível. O primeiro avião derrubado por outro foi um avião de reconhecimento austríaco abalroado em 8 de setembro de 1914 pelo piloto russo Pyotr Nesterov durante a Batalha da Galícia na Frente Oriental. Ambos os aviões caíram matando todos os ocupantes. Eventualmente os pilotos começaram a atirar com armas de fogo de mão nos aviões inimigos, no entanto, as pistolas eram muito pouco precisas e os rifles de apenas um tiro não eram suficientes para conseguir um acerto no alvo pretendido. Em 5 de outubro de 1914, em um voo pilotado por Joseph Frantz, seu artilheiro, Louis Quenault abriu fogo num avião alemão com uma metralhadora pela primeira vez, e a era dos combates aéreos teve início com mais e mais aviões sendo equipados com metralhadoras. A primeira utilização do avião de guerra foi na tarefa de reconhecimento aéreo para a artilharia em substituição aos limitados balões. Nos primeiros dias os pilotos e observadores disparavam revólveres e espingardas contra as aeronaves inimigas, com pouco ou nenhum efeito; ficou claro que a metralhadora seria uma solução eficaz.

Como não havia tecnologia de sincronização metralhadora/hélice, a primeira solução para o problema foi utilizar aviões de configuração por impulsão, com um artilheiro e metralhadora na frente da aeronave do piloto. Com experimentos nessa linha em 1913 pelos britânicos e em 1914 pelos franceses, que provaram ser lentos pouco manobráveis e ineficientes, só em 1915, foi produzido em série o primeiro avião projetado desde o início com armamento Ar-ar, o Vickers F.B.5 Gunbus. Diagrama do mecanismo de sincronização “Stangensteuerung” do Fokker. Puxar a alça verde deixa cair o seguidor do came vermelho na roda do came do eixo da hélice. Duas vezes durante cada rotação da hélice, o came levanta o seguidor que pressiona a haste azul contra a mola, conectando a placa do gatilho amarela ao botão de disparo roxo, permitindo que um cartucho seja disparado. O canhão de tiro frontal em uma aeronave de configuração por tração (com a hélice no nariz) fornecia alguma capacidade ofensiva - a montagem de uma metralhadora disparando na retaguarda de um avião trator de dois lugares proporcionava capacidade defensiva. Havia uma necessidade de algum meio para disparar uma metralhadora de uma aeronave “tração”, em especial das leves de “reconhecimento”, adaptadas de pilotos do pré-guerra, que deveriam realizar as funções de combate aéreo para o resto da guerra.

Pareceria mais “natural” posicionar a arma entre o piloto e a hélice, disparando na linha direta de voo, para que a mira pudesse ser feita “apontado a aeronave”. Também era importante que a culatra da arma estivesse facilmente acessível ao piloto, para que ele pudesse evitar os congestionamentos e paradas a que as primeiras metralhadoras estavam sujeitas. No entanto, isso apresentava um problema óbvio: uma porcentagem de balas disparadas “livremente” através de uma hélice girando atingirá as pás, com resultados previsíveis. Os primeiros experimentos com metralhadoras sincronizadas foram realizados em vários países antes da guerra. Franz Schneider, então trabalhando para a Nieuport na França, mas depois trabalhando para a L.V.G. na Alemanha, patenteou uma engrenagem de sincronização em 15 de julho de 1913. Uma das primeiras engrenagens russas foi projetada pelo tenente Poplavko: os irmãos Edwards na Inglaterra projetaram o primeiro exemplar britânico, e a empresa Morane-Saulnier também trabalhava no problema em 1914. Esses primeiros experimentos falharam em atrair a atenção oficial, devido à inércia oficial e devido às falhas nas primeiras engrenagens de sincronização, que incluíam balas ricocheteando perigosamente e hélices se desintegrando.

A metralhadora Lewis usada em muitas aeronaves aliadas era quase impossível de sincronizar devido à taxa de tiro irregular devido ao seu ciclo de disparo de ferrolho aberto. Algumas aeronaves do Royal Naval Air Service, incluindo Bristol Scouts, tinham uma metralhadora Lewis não sincronizada montado na fuselagem, posicionada para disparar diretamente através do disco da hélice, no entanto, estes frequentemente não eram sincronizados. Em vez disso, as lâminas da hélice foram reforçadas com fita para manter a madeira unida em caso de colisão, e contava com o fato de que as chances de um único disparo atingir uma lâmina eram de menos de 5%, então, se rajadas curtas fossem usadas, num expediente temporário de experimentação, mesmo que não fosse uma solução típica ideal. As metralhadoras Maxim usadas tanto pelos aliados, como as Vickers e pela Alemanha, como a Parabellum MG 14 e a Spandau lMG 08, tinham um ciclo de disparo de ferrolho fechado que começava com uma bala já na culatra e a culatra fechada, então o disparo da bala era a próxima etapa do ciclo. Isso significava que o instante exato em que o cartucho seria disparado poderia ser previsto, tornando essas armas mais fáceis de sincronizar. A metralhadora leve do francês padrão, a Hotchkiss, era, análoga como a Lewis, também incapaz de sincronização.

O controle de qualidade deficiente também atrapalhou os esforços, resultando em frequentes disparos “engastalhados” travando a arma. A empresa Morane-Saulnier projetou um “backup de segurança” na forma de “lâminas defletoras” (cunhas de metal), encaixadas nas superfícies traseiras de uma hélice no ponto radial onde poderiam ser atingidas por uma bala. Roland Garros usou este sistema em um Morane-Saulnier L em abril de 1915. Ele conseguiu registrar várias mortes, embora os defletores não tenham chegado a uma solução ideal, já que os projéteis desviados ainda poderiam causar danos. A falha do motor eventualmente forçou Garros a pousar atrás das linhas inimigas, e ele e sua “arma secreta” foram capturados pelos alemães. É fato registrado que o Alto Comando Alemão passou o Morane capturado de Garros para a empresa Fokker - que já produzia monoplanos do “tipo Morane” para o Serviço Aéreo Alemão - com ordens de copiar o projeto. O sistema defletor era totalmente inadequado para a munição alemã com camisa de aço, de modo que os engenheiros da Fokker foram forçados a revisitar a ideia de sincronização, talvez infringindo a patente de Schneider, elaborando o sistema Stangensteuerung na primavera de 1915, usado nos primeiros caça Eindecker.

Por mais rudimentares que fossem esses pequenos monoplanos, eles produziram um período de superioridade aérea alemã, reconhecido como o “Flagelo Fokker” pelos aliados. O efeito psicológico excedeu a questão material na guerra europeia. Os aliados estavam, até então, mais ou menos incontestáveis no ar, e a vulnerabilidade de suas aeronaves de reconhecimento mais antigas, especialmente aqueles por impulsão como o B.E.2 britânico e Farman francês, foi um choque muito desagradável. Outro método usado nessa época para disparar uma metralhadora a partir de uma aeronave de configuração por tração era montar a arma para disparar acima do arco da hélice. Isso exigia que a arma fosse montada na asa superior dos biplanos e em complicadas estruturas indutoras de arrasto em monoplanos. Alcançar a arma para que os tambores ou correias pudessem ser trocados, ou os congestionamentos eliminados, apresentava problemas mesmo quando a arma podia ser montada relativamente perto do piloto.

Eventualmente, a montagem Foster tornou-se mais ou menos a forma padrão de montar uma arma Lewis nos aviões do RFC: isso permitiu que a arma deslizasse para trás para a troca do tambor, e também para ser disparada em um ângulo para cima, uma maneira muito eficaz de atacar um inimigo do chamado “ponto cego” sob sua cauda. Esse tipo de montagem ainda só era possivelmente realizado para um biplano com uma asa superior posicionada próximo ao ápice do arco da hélice. Ipso facto, colocava uma pressão considerável nas frágeis estruturas das asas da época e era menos rígida do que uma montagem de canhão na fuselagem, produzindo uma maior “dispersão” de balas, exceto em um alcance muito curto. As primeiras versões do Bristol Scout no combate aéreo em 1915, o “Scout C”, tinha montagens de metralhadora Lewis em serviço do Royal Naval Air Service que às vezes eram elevadas acima do arco da hélice, e às vezes de maneira (im)prudente disparando diretamente do arco da hélice sem sincronização.

Bibliografia Geral Consultada.

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