“A literatura não permite caminhar, mas permite respirar”. Roland Barthes
Um
triângulo amoroso refere-se a uma relação amorosa que envolve três pessoas - o
que pode implicar que duas dessas pessoas estejam romanticamente ligadas a uma
mesma pessoa ou, mesmo, que cada um sinta algo semelhante pelos outros dois.
Não se deve confundir, contudo, este conceito com ménage à Trois, que se
refere a uma relação sexual envolvendo três pessoas. O triângulo amoroso é um
dos temas mais explorados pelo universo ficcional estética e artístico como
ocorre em óperas, romances, banda desenhada ou mesmo em canções. Um dos mais
famosos triângulos amorosos da história da literatura é o que envolveu
Lancelote, Guinevere e o Rei Artur, em que este é alvo da infidelidade dos dois
primeiros: um dos seus cavaleiros mais amados e a sua mulher. O tema foi
desenvolvido também, de forma paradigmática, no filme Jules et Jim, de 1962, um
drama dirigido por François Truffaut. O filme narra a amizade de homens e o
amor de ambos pela mesma mulher. Após a Grande Guerra de 1914-18, na
qual Jules e Jim combatem em campos opostos, os três amigos reencontram-se na
Alemanha, onde Jules vive com Catherine, e esta apaixona-se por Jim. É um filme
essencial de François Truffaut (1932-1984), uma tragédia sobre a força
da amizade e da paixão. Jeanne Moreau é inesquecível ao cantar Le Tourbillon
de la Vie (1962), de Serge Rezvani.
Mesmo que a grande massa da produção social literária seja trivial e atenda às necessidades dominantes no mercado, a maior parte do apetite pela narrativa trivial é atendida pela televisão. Isso poderia liberar uma parte da produção literária para um tipo de produção mais refinado, mas este espaço tenderia a ser preenchido por alguns programas de televisão. A TV para sala de espera em ambiente familiar é uma aliada na comunicação com as pessoas. Sendo comercial, a televisão não tem interesse em promover a leitura enquanto concorrência. Não se deve confundir o instrumento de comunicação com as relações de poder que nele instrumentalizam a manipulação. Apesar da aparência de variação e da grande variação das aparências, a narrativa trivial se caracteriza pela repetição e pelos clichês, a nível de enredo, personagens, temário, valores e final. Existe a “narrativa trivial de direita” e a “narrativa trivial de esquerda”; existe a “narrativa trivial masculina” e a “narrativa trivial feminina”. Exatamente porque a sua estrutura profunda é tão repetitiva é que a estrutura de superfície da narrativa trivial precisa ser tão variada.
Corresponde a uma idade mental infantil, não-desenvolvida ou regressiva. Direita volver! Nas narrativas triviais de direita aparece a diferença entre o socialmente alto e o baixo, como nas obras clássicas, mas procurando criar, provocar e reforçar uma fascinação não-crítica do baixo pelo alto. Para tanto, a classe alta não precisa aparecer nem atuar diretamente: basta que os valores e interesses que ela representa sejam os preponderantes. São narrativas triviais por causa das características já mencionadas quanto ao automatismo de sua estrutura profunda: são incapazes de apreender ou mostrar a natureza contraditória e complexa da realidade. Elas usam diferentes veículos: cinema, tevê, revistas em quadrinhos, novelas etc. Os nomes dos super-heróis que constituem as dominantes desses sistemas podem variam enormemente: Capitão Marvel, Buck Rogers, Kojac etc. O herói pode ser branco ou até preto, homem ou mulher, atuar sozinho ou em grupo, ser um policial ou um cidadão, ser de carne e osso ou ser um super-herói de tevê ou de revista em quadrinhos, ser rico ou ser pobre etc.: a sua função básica é sempre a mesma. Ele é o defensor da lei. A lei é, para ele, aplicação da justiça. Não, a lei não é a aplicação da justiça, mas sim, a representação social de um sistema que sociologicamente visa a manter a ordem e determinada convivência social.
É
a primazia lei que ele defende - geralmente a favor do governo, mas podendo inclusive
fazer com que ele se volte algum momento contra algum representante
governamental - é, por baixo de todos os mil escamoteamentos, a lei da
propriedade privada, a lei da estrutura vigente nesta sociedade contemporânea. A própria lei
não é vista como gerada em função de certos interesses e não de outros etc.
Sempre se tem quase a mesma estrutura profunda: uma norma é violada, uma norma
subordinada à lei maior da manutenção da propriedade privada; o herói procura o
vilão que a violou: o violador é encontrado e punido; violas ressoam para o
herói. A divisão entre bem e mal é rigidamente maniqueísta; bom herói é quem
defende a lei; mau é quem vai contra a lei. A própria lei nunca é discutida nem
questionada: ela é absoluta. Este herói masculino de direita é de certo modo um
pseudo-herói: sempre já se sabe que no fim ele vai vencer. Ele é “masculino”
porque geralmente é um homem (ainda que a Mulher Maravilha e as Panteras façam
o mesmo tipo de papel) e porque em geral esse tipo de narrativa se volta para
um público formada por homens (que até preferem ficar curtindo belas garotas
desempenharem esses papéis cheios de golpe de judô). Ele é de “direita” dentro
da simples divisão que se coloca em nossa era entre a defesa do capitalismo e a
luta em favor do socialismo. A estrutura profunda dessas narrativas representa
e constitui uma orientação inevitavel política.
Sob a aparência de diversão, tem-se uma doutrinação ideológica. Em geral esse herói ainda que em si seja considerado insubstituível, conta com algum auxiliar mágico, que pode ser desde um assistente, uma pistola especial ou até uma singular habilidade. O vilão pode ser desde um agente russo, a máfia, uma potência interestelar, um vizinho ganancioso até um dragão especial ou um robô estragado. No fim o herói vence e é recompensado, de preferência pelo sorriso do chefe e a companhia de uma das beldades. Quanto mais essas narrativas têm todas o mesmo substrato, tanto mais elas precisam sofisticar a sua parafernália (como se mostra tipicamente nos filmes de 007). Aparentemente uma época esclarecida, nenhuma foi mais dominada por mitos e mistificações do que a nossa. O herói da narrativa trivial é um pseudo-herói; só aparentemente ele arrisca a vida; de fato, já de antemão se sabe que ele vai vencer. Ele serve para assegurar que o sistema vigente é superior. E ele efetivamente o é, no momento, a ponto de este tipo de narrativa ser preponderante. Quanto mais este herói é um pseudo-herói, tanto mais se necessita fazer dele um super-herói. Quanto mais fracos os homens numa sociedade, tanto mais eles precisam de super-heróis. E tanto mais super-heróis eles recebem para se manterem fracos. Esses “heróis” aparentemente correm grandes perigos e só no último instante salvam a situação e a si mesmos, um resultado já esperado pelo espectador ou leitor, pois pertence a poética normativa e ao código do gênero: isto corresponde à situação do próprio receptor. Apesar dos perigos em seu dia-a-dia para sobreviver, é-lhe assegurado que, no fim, tudo vai dar certo.
Que
tudo acabe dando certo é o que mais deseja o instinto de sobrevivência. Por
outro lado, existe aí implícito um sonho de justiça e de valorização dos mais
fracos, que é transferido para o reino da fantasia. O automatismo do trivial é
um conservadorismo. O seu Happy End é a restauração da situação anterior à
violação inicial da norma. Está aí implícita a tese de que a felicidade é a
manutenção do status quo. O que está, aliás, plenamente correto para aqueles
que são mais beneficiados pela situação. O automatismo subjacente à variação de
superfície corresponde também à vigência das mesmas estruturas de poder e
trabalho, o cansaço dos operários após um pesado dia de trabalho. A pessoa não
tem mais, então, condições físicas para uma atenção concentrada: só quer ainda
relaxar. A televisão é o seu relax-center mais barato. O automatismo da
estrutura profunda corresponde ao automatismo do trabalho em série e se
respalda no desinteresse quanto a efetivas mudanças sociais. Cria-se a ficção
de que, por mais coisas que aconteçam ante os olhos do espectador ou do leitor,
ele mesmo jamais é atingido nem envolvido por elas, ele mesmo não tem anda a
ver com isso. A noite lhe é ensinada não se envolver o que acontece à sua volta
durante o dia. É-lhe também ensinado que o melhor é manter o status quo,
enquanto outros é que se encarregarão de “fazer justiça”.
A trivialidade é o modo dominante de produção e consumo de narrativas porque corresponde ao modo de produção dominante de mercadorias, ou melhor, é este modo de produção no setor das narrativas enquanto mercadorias. A atenção concentrada e demorada que é exigida pela natureza única da grande obra de arte, ao invés de ser liberada e desinibida pela automatização, funciona como ocasional oásis dentro dessa preponderância mesmice sob a aparência de diversidade. As obras triviais tendem ao happy end, assim como as obras literárias mais artísticas tendem ao bad end. Este final infeliz pode, contudo, funcionar como um modo de esconjurar a infelicidade na vida, assim como o final feliz corresponde ao desejo de felicidade inerente a todo ser humano. Se todo herói grego é produto da hybris, mantendo em si essa duplicidade de deus e homem, fato que acaba se revelando ao longo do seu percurso, tal dupla dimensão tende a se configurar também nos heróis triviais e, de modo mais fragrante, nos super-heróis. O mocinho de far-west geralmente parece primeiro um bom mocinho que não quer meter-se em encrencas, mas depois aparece o seu lado mais heroico, divino. Um simples e medroso jornalista como Clark Kent se torna o Super-Homem. Uma simples secretária se transforma num passe de mágica, na Mulher-Maravilha. O Pateta, com alguns amendoins, se transforma no Super-Pateta. E todos eles são defensores da justiça e da lei. Por outro lado, certas figuras de carne e osso passam a corporificar, nos meios de comunicação, determinadas figuras míticas do passado: um boxeador peso-pesado é um novo Hércules; uma atriz é o próprio mito da eterna juventude; outra é uma Afrodite revivida. A dimensão de divindade que está por trás de cada uma dessas figuras serve para conferir uma enorme autoridade a elas no momento em que passam a recomendar determinados produtos para o consumo da população.
Não só elas são mercadorias de consumo público, mas servem para estimular o público a consumir mercadorias, tanto mais quanto menos necessárias elas forem. No caso dos super-heróis importados, em geral eles não são pessoalmente proprietários do capital. Batman constitui uma exceção; também o fato de ele ter como que uma dupla personalidade - a de cidadão normal e a de super-herói - configura a natureza híbrida clássica: homem e deus. Para enfrentar heróis tão super, os vilões acabam tendo de ser supervisões: deuses dos infernos, demônios disfarçados de gente, bonecos do mal. Assim também, figuras populares como Nossa Senhora dos Navegantes são como que reencarnações da deusa Diana, uma deusa da fertilidade, assim como a própria Penélope já o era. Em torno de cada uma dessas deusas há como que uma disputa para saber quem será o seu companheiro e, portanto, rei. Esses ritos propiciatórios da reza não só antropomorfizam a natureza como naturificam o rei; o rei precisa ser forte, para representar as forças fecundadoras da natureza. Por isso o rei precisa ser, aparentemente, substituído toda vez que perde a sua força. A não ser que ele coloque alguém - o rei Momo - em seu lugar por alguns dias, durante os quais este goza de todos os privilégios: o carnaval. Após esses dias, o rei substituto será sacrificado: quarta-feira de cinzas. O rei é um herói por excelência de um povo, ainda que seja um rei simbólico: serve para a autoafirmação desse povo; é a vitalidade personificada. A risada do herói é a própria alegria de viver. Esquerda volver! Assim como existe a narrativa trivial de direita, existe a de esquerda: a primeira afirma o status quo, a segunda propõe modificá-lo. Toda vez que uma revolução se instaura num país, ela precisa produzir muita literatura trivial de esquerda para se legitimar e obter apoio para as mudanças que ela procura implementar.
Mas esse tipo de narrativa também existe antes de qualquer revolução, como expressão das reivindicações das classes baixas. A narrativa trivial de esquerda procura simplesmente demonstrar que a classe alta, e tudo o que a ela pertence, é o baixo por natureza. É, nesse sentido, o alto tudo o que pertencer à classe baixa: dentro do mesmo padrão de clichês repetitivos da trivialidade de direita. É claro que esses “esquerdismo” (termo usado por falta de outro melhor, mas no qual teria de ser detalhada a dialética a ele inerente) pode variar conforme a época e o momento. O grau de esquerdismo pode variar: do legal ao ilegal. De certo modo, um Dom Diego/Zorro, à medida que luta contra a dominação espanhola do México, é um herói trivial de esquerda assim como Robin Hood também o é. A ideologia deste - roubar dos ricos para dar aos pobres - pode aparecer em folhetins nordestinos entronizando Lampião como herói (ainda que isso não corresponda à verdade histórica): essa ideia de redistribuição da riqueza social em soluções individuais, sem alterar radicalmente o sistema da propriedade fundiária, corresponde a uma perspectiva política que se poderia chamar de social democrata.
A carência basicamente de trivialidade de esquerda é que, ao fazer do alto simplesmente o baixo, e do baixo o elevado, ele não só desconhece a natureza complexa e contraditória da realidade como também imagina que a classe baixa, ainda que seja vista como depositária da esperança de redenção da história, possa ser melhor do que o todo da sociedade em que vive. A narrativa trivial pode ser um espelho mágico em que cada classe contempla a outra, mas tende a contemplar apenas sua própria imaginação quanto à outra classe. No momento em que a narrativa trivial mostrasse a Branca de Neve dos anões operários, teria o seu espelho quebrado em estilhaços pelos poderes vigentes: mas a narrativa artística surge hoje da possibilidade anunciada pelos estilhaços. Feminino/masculino. A narrativa trivial feminina pode usar diferentes veículos: a fotonovela, a novela-cor-de-rosa, a telenovela, o cinema água-com-açúcar etc. De um modo geral destina-se ao público feminino, o que caracteriza também o seu enredo. Basicamente tem se aí sempre uma heroína, uma mocinha com diversas virtudes, e um herói romântico, cheios de excepcionais qualidades. São como que deuses sobre a terra. Estão predestinados a casarem um com o outro. Mas, para que haja enredo, surgem vários empecilhos entre eles, o mais frequente o fato de ela ser pobre e ele ser rico: é claro que o que ela mais quer é “dar o golpe do baú”, só que exatamente isso é que não pode ser reconhecido. No fim, depois de diversas peripécias, tem-se o final feliz, com o casamento desses maravilhosos seres. A moral da história é, à primeira vista, a tese de que “o amor tudo vence”. Subjacente a ela, há, porém, uma outra tese, que é, basicamente, a de que a melhor coisa na vida é pertencer a classe alta (o que não deixa de estar correto até certo ponto) e que o melhor que se tem a fazer é se identificar com ela e amá-la através de todas as dificuldades e alegrias.
Essas narrativas triviais femininas podem ser, portanto, classificados, como “de direita”. São “femininas” dentro de um padrão bem estereotipado, pois as próprias narrativas são estereotipadas, assim como o seu público. Elas são a antítese e o complemento das narrativas triviais “masculinas”. Nessas narrativas, a estruturação da sociedade em classes aparece como um problema, mas como um problema a ser resolvido individualmente, pela mobilidade social, pela possibilidade de ascensão social. Potencialmente seria possível haver a narrativa trivial feminina de esquerda, mas é uma categoria completamente sufocada entre nós, em vista das relações de poder vigentes. Uma série como Malu Mulher caminharia nessa direção. A narrativa trivial feminina de esquerda é entre nós ainda mais restrita do que a masculina porque a mulher vive ainda mais sufocada do que o homem. Um dos fundadores do movimento cinematográfico reconhecido como Nouvelle Vague e um dos maiores ícones da história do cinema do século XX, em quase 25 anos de carreira como diretor Truffaut dirigiu 26 filmes, conseguindo conciliar um grande sucesso de público e de crítica na maior parte deles. Os temas principais de sua obra foram as mulheres, a paixão e a infância. Além da direção cinematográfica, ele foi também roteirista, produtor e ator. Junto com Jean-Luc Godard, Truffaut foi uma das mais influentes figurações do novo cinema francês e inspirou Steven Spielberg, Quentin Tarantino, Brian De Palma e Martin Scorsese. Nascido na capital francesa em 6 de fevereiro de 1932, François era filho de Roland Lévy e Jeanine de Montferrand. O garoto jamais conheceu o pai biológico e foi criado pelos avós maternos - já que a mãe o rejeitara. O avô era um homem rígido, enquanto a avó despertou no menino a paixão pela literatura e música. Com sete anos, François viu o primeiro filme no cinema, Paradis Perdu, de Abel Gance. Dali em diante, interessou-se assiduamente pela sétima arte. Aos 10 anos, François perdeu a avó e foi morar com a mãe, que estava casada com Roland Truffaut, um arquiteto católico. Este acabou registrando o garoto com o seu sobrenome. Foi o período mais difícil da infância de Truffaut. Rechaçado tanto pela ausência paterna pelo “pai adotivo” quanto pela mãe, seu espírito rebelde transformou-o aparentemente em um mau aluno na escola e o induziu a cometer alguns atos de delinquência, como pequenos furtos.
Esta fase de convívio com os pais inspiraria futuramente na construção socialmente de seu primeiro longa-metragem cinematográfico, o autobiográfico Os Incompreendidos. Truffaut costumava faltar às aulas para assistir a muitos filmes secretamente, muitas vezes com o colega de classe Robert Lachenay, considerado seu grande amigo na infância. Aos 14, abandonou a escola definitivamente e passou a viver de pequenos trabalhos e alguns furtos. A paixão pelo cinema fez o jovem Truffaut fundar, em 1947, um cineclube, chamado Cercle Cinémane. Aquela era uma época de enorme efervescência cultural na França do pós-Segunda Guerra Mundial, e os cineclubes, lotados, eram o local para se assistir às projeções e discuti-las depois. Mas o Cercle não teria vida longa, já que ele concorria com o Travail et culture, cineclube do escritor e crítico de cinema André Bazin. Quando este soube que o Cercle estava à beira da falência, foi conhecer o jovem Truffaut e, sensibilizado com o menino cinéfilo, passou a ser uma espécie de tutor para François. A influência de Bazin na vida de François Truffaut foi decisiva, que se tornou autodidata - esforçava-se para ver três filmes por dia e ler três livros por semana. Ele até chegou a fazer um acordo com o pai adotivo, que lhe custearia despesas derivadas de sua vida cinéfila. Em troca, Roland Truffaut exigiu que François arrumasse um emprego estável e abandonasse o seu cineclube de vez. Mas o garoto descumpriu o acordo, e como forma de punição Roland Truffaut o internou em um reformatório juvenil de Villejuif e passou sua custódia para a polícia. Os psicólogos do reformatório contactaram André Bazin, que prometeu dar um emprego no Travail et Culture. Sob liberdade condicional, Truffaut foi internado em um lar religioso de Versailles, mas seis meses depois foi expulso por mau comportamento.
Sobre a literatura do Leste europeu já se disse alhures que os autores daquele lado frio da Europa parecem compreender o que há de mais vergonhoso dentro de nós. Tudo aquilo que tentamos esconder, eles mostram com certo desprezo. Como se fosse uma banalidade risível. Todos os nossos medos e anseios, as nossas bobagens estupidamente humanas e além-fronteiras, nossas barbáries, nosso ciúme, mesquinhez, delinquência e humor universal. Está tudo ali, retratado fielmente da forma que é. Sem limites e sem disfarces ou máscaras sociais pela sua capacidade sem igual de compreender nossas fraquezas, sua generosidade em perdoar a raça humana por sua notória embriaguez. Há algo de lúcido nestes autores que raramente encontramos nos escritores de outras nações. Na República Tcheca, por exemplo, 70% da população não acreditam em Deus. Suas igrejas estão sendo transformadas em hotéis e há um profundo desprezo pelas coisas transcendentais do espírito. Mas lendo os autores tchecos, temos a impressão de que sua descrença é proveniente de sua profunda compreensão sobre as falhas e nossos erros humanos. Se acreditassem que o ser humano é feito à imagem e semelhante de Deus, então teriam que conceber uma nova divindade desajustada e infinitamente imperfeita. Mesmo que a grande massa da produção social literária seja trivial e atenda às necessidades dominantes no mercado, a maior parte do apetite pela narrativa trivial é atendida pela televisão. Isso poderia liberar uma parte da produção literária para um tipo de produção mais refinado, mas este espaço tenderia a ser preenchido por alguns programas de televisão. Sendo comercial, a televisão não tem interesse em promover a leitura enquanto concorrência. Não se deve confundir o instrumento de comunicação com as relações de poder que nele instrumentalizam a manipulação. Apesar da aparência de variação e da grande variação das aparências, a narrativa trivial se caracteriza pela repetição e pelos clichês, a nível de enredo, personagens, temário, valores e final. Existe a “narrativa trivial de direita” e a “narrativa trivial de esquerda”; existe a “narrativa trivial masculina” e a “narrativa trivial feminina”. Exatamente porque a sua estrutura profunda é tão repetitiva (cf. Deleuze, 2005) é que a estrutura de superfície da narrativa trivialmente precisa ser tão variada.
Corresponde a uma idade mental infantil, não-desenvolvida ou regressiva. Direita volver! Nas narrativas triviais de direita aparece a diferença entre o socialmente alto e o baixo, como nas obras clássicas, mas procurando criar, provocar e reforçar uma fascinação não-crítica do baixo pelo alto. Para tanto, a classe alta não precisa aparecer nem atuar diretamente: basta que os valores e interesses que ela representa sejam os preponderantes. São narrativas triviais por causa das características já mencionadas quanto ao automatismo de sua estrutura profunda: são incapazes de apreender ou mostrar a natureza contraditória e complexa da realidade. Elas usam diferentes veículos: cinema, tevê, revistas em quadrinhos, novelas etc. Os nomes dos super-heróis que constituem as dominantes desses sistemas podem variam enormemente: Capitão Marvel, Buck Rogers, Kojac etc. O herói pode ser branco ou até preto, homem ou mulher, atuar sozinho ou em grupo, ser um policial ou um cidadão, ser de carne e osso ou ser um super-herói de tevê ou de revista em quadrinhos, ser rico ou ser pobre etc.: a sua função básica é sempre a mesma. Ele é o defensor da lei. A lei é, para ele, aplicação da justiça. É a lei que ele defende - geralmente a favor do governo, mas podendo inclusive fazer com que ele se volte algum momento contra algum representante governamental - é, por baixo de todos os mil escamoteamentos, a lei da propriedade privada, a lei da estrutura vigente nesta sociedade. A própria lei não é vista como gerada em função de certos interesses e não de outros etc. Sempre se tem a mesma estrutura profunda: uma norma é violada, uma norma subordinada à lei maior da manutenção da propriedade privada; o herói procura o vilão que a violou: o violador é encontrado e punido; violas ressoam para o herói. A divisão entre bem e mal é rigidamente maniqueísta; bom herói é quem defende a lei; mau é quem vai contra a lei. A própria lei nunca é discutida nem questionada: ela é absoluta. Este herói masculino de direita é de certo modo um pseudo-herói: sempre já se sabe que no fim ele vai vencer. Ele é “masculino” porque geralmente é um homem (ainda que a Mulher Maravilha e as Panteras façam o mesmo tipo de papel) e porque em geral esse tipo de narrativa se volta para um público formada por homens (que até preferem ficar curtindo belas garotas desempenharem esses papéis cheios de golpe de judô). Ele é de “direita” dentro da simples divisão que se coloca em nossa era entre a defesa do capitalismo e a luta em favor do socialismo. A estrutura profunda dessas narrativas representa e constitui uma orientação que é política.
Sob
a aparência de diversão, tem-se uma doutrinação ideológica. Em geral esse herói
ainda que em si seja considerado insubstituível, conta com algum auxiliar
mágico, que pode ser desde um assistente, uma pistola especial ou até uma
singular habilidade. O vilão pode ser desde um agente russo, a máfia, uma
potência interestelar, um vizinho ganancioso até um dragão especial ou um robô
estragado. No fim o herói vence e é recompensado, de preferência pelo sorriso
do chefe e a companhia de uma das beldades. Quanto mais essas narrativas têm
todas o mesmo substrato, tanto mais elas precisam sofisticar a sua parafernália
(como se mostra tipicamente nos filmes de 007). Aparentemente uma época
esclarecida, nenhuma foi mais dominada por mitos e mistificações do que a nossa.
O herói da narrativa trivial é um pseudo-herói; só aparentemente ele arrisca a
vida; de fato, já de antemão se sabe que ele vai vencer. Ele serve para
assegurar que o sistema vigente é superior. E ele efetivamente o é, no momento,
a ponto de este tipo de narrativa ser preponderante. Quanto mais este herói é
um pseudo-herói, tanto mais se necessita fazer dele um super-herói. Quanto mais
fracos os homens numa sociedade, tanto mais eles precisam de super-heróis. E
tanto mais super-heróis eles recebem para se manterem fracos. Esses “heróis”
aparentemente correm grandes perigos e só no último instante salvam a situação
e a si mesmos, um resultado já esperado pelo espectador ou leitor, pois
pertence a poética normativa e ao código do gênero: isto corresponde à situação
do próprio receptor. Apesar dos perigos em seu dia-a-dia para
sobreviver, é-lhe assegurado que, no fim, tudo vai dar certo.
Que
tudo acabe dando certo é o que mais deseja o instinto de sobrevivência. Por
outro lado, existe aí implícito um sonho de justiça e de valorização dos mais
fracos, que é transferido para o reino da fantasia. O automatismo do trivial é
um conservadorismo. O seu Happy End é a restauração da situação anterior à
violação inicial da norma. Está aí implícita a tese de que a felicidade é a
manutenção do status quo. O que está, aliás, plenamente correto para aqueles
que são mais beneficiados pela situação. O automatismo subjacente à variação de
superfície corresponde também à vigência das mesmas estruturas de poder e
trabalho, o cansaço dos operários após um pesado dia de trabalho. A pessoa não
tem mais, então, condições físicas para uma atenção concentrada: só quer ainda
relaxar. A televisão é o seu relax-center mais barato. O automatismo da
estrutura profunda corresponde ao automatismo do trabalho em série e se
respalda no desinteresse quanto a efetivas mudanças sociais. Cria-se a ficção
de que, por mais coisas que aconteçam ante os olhos do espectador ou do leitor,
ele mesmo jamais é atingido nem envolvido por elas, ele mesmo não tem anda a
ver com isso. A noite lhe é ensinada não se envolver o que acontece à sua volta
durante o dia. É-lhe também ensinado que o melhor é manter o status quo,
enquanto outros é que se encarregarão de “fazer justiça”.
A
trivialidade representa o modo dominante de produção e consumo de narrativas porque
corresponde ao modo de produção dominante de mercadorias, ou melhor, é este
modo de produção no setor das narrativas enquanto mercadorias. A atenção
concentrada e demorada que é exigida pela natureza única da grande obra de
arte, ao invés de ser liberada e desinibida pela automatização, funciona como
ocasional oásis dentro dessa preponderância mesmice sob a aparência de
diversidade. As obras triviais tendem ao happy end, assim como as obras
literárias mais artísticas tendem ao bad end. Este final infeliz pode, contudo,
funcionar como um modo de esconjurar a infelicidade na vida, assim como o final
feliz corresponde ao desejo de felicidade inerente a todo ser humano. Se todo
herói grego é produto da hybris, mantendo em si essa duplicidade de deus e
homem, fato que acaba se revelando ao longo do seu percurso, tal dupla dimensão
tende a se configurar também nos heróis triviais e, de modo mais fragrante, nos
super-heróis. O mocinho de far-west geralmente parece primeiro um bom mocinho
que não quer meter-se em encrencas, mas depois aparece o seu lado mais heroico,
divino. Um simples e medroso jornalista como Clark Kent se torna o Super-Homem.
Uma simples secretária se transforma num passe de mágica, na Mulher-Maravilha.
O Pateta, com alguns amendoins, se transforma no Super-Pateta. E todos eles são
defensores da justiça e da lei. Por outro lado, certas figuras de carne e osso
passam a corporificar, nos meios, determinadas figuras míticas
do passado: um boxeador peso-pesado é um novo Hércules; uma atriz é o próprio
mito da eterna juventude; outra é uma Afrodite revivida.
A dimensão de divindade que está por trás de cada uma dessas figuras serve para conferir uma enorme autoridade a elas no momento em que passam a recomendar determinados produtos para o consumo da população. Não só elas são mercadorias de consumo público, mas servem para estimular o público a consumir mercadorias, tanto mais quanto menos necessárias elas forem. No caso dos super-heróis importados, em geral eles não são pessoalmente proprietários do capital. Batman constitui uma exceção; também o fato de ele ter como que uma dupla personalidade - a de cidadão normal e a de super-herói - configura a natureza híbrida clássica: homem e deus. Para enfrentar heróis tão super, os vilões acabam tendo de ser supervisões: deuses dos infernos, demônios disfarçados de gente, bonecos do mal. Assim também, figuras populares como Nossa Senhora dos Navegantes são como que reencarnações da deusa Diana, uma deusa da fertilidade, assim como a própria Penélope já o era. Em torno de cada uma dessas deusas há como que uma disputa para saber quem será o seu companheiro e, portanto, rei. Esses ritos propiciatórios da reza não só antropomorfizam a natureza como naturificam o rei; o rei precisa ser forte, para representar as forças fecundadoras da natureza. Por isso o rei precisa ser, aparentemente, substituído toda vez que perde a sua força. A não ser que ele coloque alguém - o rei Momo - em seu lugar por alguns dias, durante os quais este goza de todos os privilégios: o carnaval. Após esses dias, o rei substituto será sacrificado: quarta-feira de cinzas. O rei é um herói por excelência de um povo, ainda que seja um rei simbólico: serve para a autoafirmação desse povo; é a vitalidade personificada.
A risada do herói é a própria alegria de viver. Esquerda volver!
Assim como existe a narrativa trivial de direita, existe a de esquerda: a
primeira afirma o status quo, a segunda propõe modificá-lo. Toda vez que uma
revolução se instaura num país, ela precisa produzir muita literatura trivial
de esquerda para se legitimar e obter apoio para as mudanças que ela procura
implementar. Mas esse tipo de narrativa também existe antes de qualquer
revolução, como expressão das reivindicações das classes baixas. A narrativa
trivial de esquerda procura simplesmente demonstrar que a classe alta, e tudo o
que a ela pertence, é o baixo por natureza. É, nesse sentido, o alto tudo o que
pertencer à classe baixa: dentro do mesmo padrão de clichês repetitivos da
trivialidade de direita. É claro que esses “esquerdismo” (termo usado por falta
de outro melhor, mas no qual teria de ser detalhada a dialética a ele inerente)
pode variar conforme a época e o momento. O grau de esquerdismo pode variar: do
legal ao ilegal. De certo modo, um Dom Diego/Zorro, à medida que luta contra a
dominação espanhola do México, é um herói trivial de esquerda assim como Robin
Hood também o é. A ideologia deste - roubar dos ricos para dar aos pobres -
pode aparecer em folhetins nordestinos entronizando Lampião como herói (ainda
que isso não corresponda à verdade histórica): essa ideia de redistribuição da
riqueza social em soluções individuais, sem alterar radicalmente o sistema da
propriedade fundiária, corresponde a uma perspectiva política que se poderia
chamar de social democrata. A carência básica de trivialidade de esquerda é
que, ao fazer do alto simplesmente o baixo, e do baixo o elevado, ele não só
desconhece a natureza complexa e contraditória da realidade como também imagina
que a classe baixa, ainda que seja vista como depositária da esperança de
redenção da história, possa ser melhor do que o todo da sociedade em que vive.
A narrativa trivialmente pode ser uma espécie de espelho mágico em que cada classe contempla a
outra, mas tende a contemplar apenas sua própria imaginação individual quanto à outra
classe.
No
momento em que a narrativa trivial mostrasse a Branca de Neve dos anões
operários, teria o seu espelho quebrado em estilhaços pelos poderes vigentes:
mas a narrativa artística surge da possibilidade anunciada pelos estilhaços.
Feminino/ masculino A narrativa trivial feminina pode usar diferentes
veículos: a fotonovela, a novela-cor-de-rosa, a telenovela, o cinema
água-com-açúcar etc. De um modo geral destina-se ao público feminino, o que
caracteriza também o seu enredo. Basicamente tem se aí sempre uma heroína, uma
mocinha com diversas virtudes, e um herói romântico, cheios de excepcionais
qualidades. São como que deuses sobre a terra. Estão predestinados a casarem um
com o outro. Mas, para que haja enredo, surgem vários empecilhos entre eles, o
mais frequente o fato de ela ser pobre e ele ser rico: é claro que o que ela
mais quer é “dar o golpe do baú”, só que exatamente isso é que não pode ser
reconhecido. No fim, depois de diversas peripécias, tem-se o final feliz, com o
casamento desses maravilhosos seres. A moral da história é, à primeira vista, a
tese de que “o amor tudo vence”. Subjacente a ela, há, porém, uma outra tese,
que é, basicamente, a de que a melhor coisa na vida é pertencer a classe alta
(o que não deixa de estar correto até certo ponto) e que o melhor que se tem a
fazer é se identificar com ela e amá-la através de todas as dificuldades e
alegrias. Essas narrativas triviais femininas podem ser, portanto, classificados,
como “de direita”. São “femininas” dentro de um padrão bem estereotipado, pois
as próprias narrativas são estereotipadas, assim como o seu público. Elas são a
antítese e o complemento das narrativas triviais “masculinas”. Nessas
narrativas, a estruturação da sociedade em classes aparece como um problema,
mas como um problema a ser resolvido individualmente, pela mobilidade social,
pela possibilidade de ascensão social.
Potencialmente
seria possível haver a narrativa trivial feminina de esquerda, mas é uma
categoria completamente sufocada entre nós, em vista das relações de poder
vigentes. Uma série como Malu Mulher caminharia nessa direção. A
narrativa trivial feminina de esquerda é entre nós ainda mais restrita do que a
masculina porque a mulher vive ainda mais sufocada do que o homem. Em 1950,
temporariamente forçado a interromper seus estudos por razões políticas, ele e
o escritor tcheco Jan Trefulka (1929-2012), foram expulsos do Partido Comunista
Tchecos por “atividades antipartidárias”. Trefulka descreveu o incidente em uma
de suas novelas. Milan Kundera usou o incidente como inspiração para o tema
principal de seu romance A Brincadeira, de 1967. Em 1956, porém, Kundera
foi readmitido no Partido Comunista. Em 1970, foi novamente expulso. Mas como
outros artistas tchecos como Václav Havel, envolveram-se na Primavera de Praga
de 1968. O período de otimismo, como se sabe, foi destruído no agosto do mesmo
ano pela invasão soviética com exército do Pacto de Varsóvia à Tchecoslováquia.
Kundera e Havel tentaram acalmar a população e organizar um levante reformistas
frente à ditadura comunista da União Soviética. Permaneceu neste intento ativo
até desistir definitivamente no ano de 1975. Seus romances tratam de escolhas e
decepções. Em seus livros é recorrente a crítica ao autoritarismo vigente e à posterior
ocupação russa como ideologia política stalinista de seu país, em 1968, quando foi exilado obra proibida na
Tchecoslováquia. Seu maior romance A Insustentável Leveza do Ser editado
em 1983, mas só teve sua primeira edição em checo em 2006.
Nascido em erudita família de classe
média do senhor Ludwik Kundera, um pupilo do compositor Leoš Janáček e um
importante musicólogo e pianista, o líder da Academia Musical de Brno de 1948 a
1961. Em sua formação Milan Kundera aprendeu a tocar piano com seu pai.
Posteriormente, ele também estudou musicologia. Influências e referências
musicológicas podem ser encontradas através de sua obra, a ponto de poder-se
encontrar notas em pauta durante o texto. Estudou literatura e estética na
Faculdade de Artes da Universidade Charles, mas, depois de dois períodos,
transferiu-se para o curso de cinema da Academia de Artes Performáticas de
Praga onde realizou suas primeiras leituras em produção de scripts e direção
cinematográfica. Vive na França desde 1975, sendo cidadão francês desde 1980.
Seus romances geralmente tratam das angústias entre escolhas e decepções. Entre
outros prêmios, Milan Kundera recebeu, pelo conjunto da sua obra, o chamado Common
Wealth Award de Literatura (1981) e o Prêmio Jerusalém (1985). Sua
obra majestosa, A Insustentável Leveza do Ser obteve em 1988 uma
adaptação para o cinema, sob a direção de Philip Kaufman, com Daniel Day-Lewis,
Juliette Binoche e Lena Olin para citarmos apenas estes artistas de um
grandioso elenco. Recebeu duas indicações ao Óscar e reconhecimento mundial.
Desde então, contrariando suas motivações na vida e na arte, não autorizou mais
a adaptação cinematográfica dos seus romances.
A primeira exibição pública de um filme na Austrália, ocorreu em outubro de 1896, menos de um ano após a estreia mundial em Paris em 28 de dezembro de 1895 pelos fabulosos irmãos Lumière. A produção cinematográfica australiana começou com A História da Gangue Kelly, em 1906, frequentemente considerado o primeiro longa-metragem já produzido. Desde então, o cinema australiano continuou a produzir filmes regularmente reconhecidos mundialmente, enquanto muitos de seus atores e diretores adquiriram reputação internacional e se mudaram para os principais centros de produção da indústria cinematográfica globalizada, especialmente Hollywood, um distrito da região central de Los Angeles, Califórnia, situado a Noroeste do centro financeiro da cidade. Seu nome se tornou uma referência abreviada para a indústria cinematográfica dos Estados Unidos da América e as pessoas a ela livremente associadas. O distrito possui grande importância histórica na constituição da identidade cultural dos Estados Unidos e se tornou famoso pela concentração de empresas do ramo cinematográfico e pela influência que estabeleceu na cultura global. O distrito também é famoso por estar localizado perto do famoso letreiro de Hollywood e por abrigar a Calçada da Fama.
De australianos como Errol Flynn
(1909-1959), estão associados às maiores estrelas da chamada Era de Ouro
de Hollywood (EUA), mas durante a década de 1970, o financiamento do governo
permitiu o desenvolvimento da nova geração de diretores e atores na Austrália.
Os anos 1980 são considerados uma Era de Ouro para o cinema australiano, com
uma série de filmes de sucesso que vão desde ficção científica com Mad Max:
Estada da Fúria (2015) até comédia com Crocodile Dundee (1986).
Durante os anos 1990-2000, atores e atrizes australianos como Nicole Kidman,
Russel Crowe, Cate Blanchett, Geoffrey Rush, Hugh Jackman e Heath Ledger
(1979-2008), tiveram grandes sucessos internacionais. Com o passar das décadas
promissoras, a indústria cultural de Hollywood se tornou símbolo do mercado
cinematográfico, sediando premiações e abrigando homenagens públicas para os
mais destacados artistas de cinema e musicais do mundo. Devido à fama e
identidade como o centro histórico de estúdios e astros de cinema, a palavra
Hollywood é usada como metonímia do cinema americano, e é
vezes usada alternadamente para se referir à Grande Los Angeles em geral.
Com uma população de 19,7 milhões de
pessoas, a segunda maior região urbana dos Estados Unidos, abrangendo cinco
condados no sul da Califórnia, estendendo-se do Condado de Ventura, a Oeste,
até o Condado de San Bernardino e o Condado de Riverside, a Leste, com o
Condado de Los Angeles no Centro e o Condado de Orange, a Sudeste. San Diego e
Condado de Imperial. Foi fundado em 7 de
agosto de 1907. A sede e cidade mais populosa do condado é El Centro. De acordo
com o United States Census Bureau, o condado possui uma área de 11 608 km², dos
quais 10 817 km² estão cobertos por terra e 790 km² por água, mas apesar de
estarem no Sul da Califórnia, não estão incluídos nesta aglomeração. Além de
ser a região metropolitana com a maior e mais produtiva indústria de
entretenimento com a produção de filmes, de emissoras de televisão e música do
mundo ocidental, a Grande Los Angeles também é um centro global de comércio
internacional, mídia, negócios, turismo, educação, tecnologia e esportes. É a
terceira maior área metropolitana por Produto Interno Bruto nominal no mundo
com uma economia que excede $1 trilhão de dólares em produção de riquezas.
As
alcunhas StarStruck Town e Tinseltown referem-se a ela e a grande indústria
cinematográfica. Atualmente, grande parte da indústria do cinema se dispersou
em áreas vizinhas, como a região de Westside, entretanto, significativas “indústrias
auxiliares”, tais como empresas de edição, efeitos, adereços, pós-produção e
iluminação permanecem em Hollywood, como backlog ou meio de trabalho da
Paramount Pictures. É um termo comumente utilizado em modelos ágeis de gestão e
é considerado um dos artefatos mais importantes para a realização de um projeto
bem sucedido. Muitos teatros históricos de Hollywood são utilizados como pontos
de encontro de eventos do cinema e da cultura pop, além de sediar a premiação notável
de Oscar. Alguns distritos e localidades vizinhas como West Hollywood e
Hollywood Bowl se tornaram destinos populares para a vida noturna, turismo e
concertos musicais. Embora não seja uma prática comum da cidade de Los Angeles
estabelecer limites específicos para distritos ou bairros, Hollywood é uma
exceção bastante recente na arte cinematográfica. Em 16 de fevereiro de 2005, os deputados da
Assembleia do Estado da Califórnia Jackie Goldberg e Paul Koretz apresentaram
um projeto de lei para requerer que a Califórnia mantivesse registros
específicos em Hollywood, como se fosse, na esfera política, independente da majestosa cidade. Para que isso
pudesse ser feito, os limites foram definidos.
Na história social e política em 1°
de janeiro de 1901, as seis colônias se tornaram uma federação e a Comunidade
da Austrália foi formada. Desde a Federação, a Austrália tem mantido um sistema
político democrático liberal estável e continua a ser um reino da Commonwealth.
ou Comunidade das Nações. É uma organização intergovernamental que reúne 56
países soberanos independentes. A organização foi criada para promover a
cooperação e a amizade entre países que já tiveram algum vínculo histórico com
o Reino Unido. A população do país é de 23,4 milhões de habitantes, com 60%
concentrados em torno das capitais continentais estaduais de Sydney, Melbourne,
Brisbane, Perth e Adelaide. Sua capital é Camberra, localizada no Território da
Capital Australiana. Tecnologicamente avançada e industrializada, a Austrália é
um próspero país multicultural e tem excelentes resultados em muitas análises
comparadas internacionais de desempenhos nacionais, tais como saúde, esperança
de vida, qualidade de vida, desenvolvimento humano, educação pública, liberdade
econômica, bem como a proteção estatal de liberdades civis e direitos
políticos. As cidades australianas também rotineiramente situam-se entre as
mais altas do mundo em termos de habitabilidade, oferta cultural e qualidade de
vida. A Austrália é com píer ranking de
quinto maior “índice de desenvolvimento humano do mundo.
Em 1° de janeiro de 1901, a
federação das colônias foi realizada após uma década de planejamento, consulta
e votação. A Comunidade da Austrália foi criada e tornou-se um domínio do
Império Britânico em 1907. O Território da Capital Federal, mais tarde
rebatizado para Território da Capital da Austrália foi formado em 1911 como a
localização para a futura capital federal de Camberra. Melbourne foi a sede
temporariamente do governo entre 1901 e 1927, enquanto Camberra era construída.
O Território do Norte foi transferido do controle do governo da Austrália
Meridional para o parlamento federal, em 1911. O Last Post é tocado em
cerimônia do Dia ANZAC, em um subúrbio de Melbourne, Vitória. Cerimônias
semelhantes são realizadas na maioria dos subúrbios e vilas. Em 1914, a
Austrália foi aliada do Reino Unido durante a 1ª guerra mundial, com o apoio do
Partido Liberal e do Partido Trabalhista. Os australianos participaram em
muitas das grandes batalhas territoriais travadas na Frente Ocidental. Dos
cerca de 416 mil soldados que serviram, cerca de 60 mil foram mortos e outros
152 mil ficaram feridos. Muitos australianos consideram a derrota das Forças
Armadas da Austrália e Nova Zelândia (ANZAC) em Galípoli, atualmente Turquia, “como
o nascimento da nação, sua primeira grande ação militar”. A Campanha do
Trilho de Kokoda é considerada por muitos como um evento definidor análogo
da nação na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
O
Estatuto de Westminster (1931) terminou formalmente com a maioria das ligações
constitucionais entre a Austrália e o Reino Unido. A Austrália adotou o
estatuto em 1942, mas com efeitos retroativos a 1939, para confirmar a validade
da legislação aprovada pelo Parlamento australiano durante a guerra mundial. O
choque da derrota da Inglaterra na Ásia em 1942 e a ameaça da invasão japonesa
fez com que a Austrália olhasse para os Estados Unidos como um novo aliado e
protetor. Desde 1951, a Austrália tem sido um aliado militar formal dos Estados
Unidos, nos termos do tratado ANZUS. Após a guerra, a Austrália encorajou a
imigração da Europa. Desde os anos 1970 e após a abolição da política Austrália
Branca, a imigração da Ásia e de outros lugares também foi promovida. Como
resultado, a demografia, cultura e autoimagem da Austrália foram transformadas.
Os laços constitucionais finais entre a Austrália e o Reino Unido foram
cortados com a aprovação do Australia Act 1986, acabando com qualquer
papel britânico no governo dos estados australianos e, fechando a possibilidade
de recurso judicial para o Privy Council, em Londres. Em um referendo de
1999, 55% dos eleitores australianos e uma maioria em cada estado australiano
rejeitou a proposta do país se tornar uma república com um presidente nomeado
pelo voto de dois terços de ambas as Casas do Parlamento Australiano. Desde a
eleição do Governo Whitlam em 1972, tem existido um escopo crescente na
política externa dos laços com outras nações do Pacífico, mantendo laços
estreitos com os aliados tradicionais da Austrália e com parceiros comerciais.
Durante
cerca de quarenta mil anos antes da colonização europeia iniciada no final do
século XVIII, o continente australiano e a Tasmânia eram habitadas por cerca de
250 nações individuais de aborígenes. Após visitas esporádicas de pescadores do
Norte e pela (des)coberta europeia por parte de exploradores holandeses em
1606, a metade oriental da Austrália foi reivindicada pelos britânicos em 1770,
e inicialmente “colonizada por meio do transporte de presos para a colônia de
Nova Gales do Sul”, fundada em 26 de janeiro de 1788. Nas décadas seguintes, os
britânicos exploraram e empreenderam a conquista colonial do resto da
Austrália. A sua expansão levou ao conflito com os 300 000 a 1 milhão de
australianos aborígenes, que tentaram resistir à sua despossessão. A população
aumentou de forma constante nos anos seguintes, o continente foi explorado e,
durante o século XIX, outros cinco grandes territórios autogovernados foram
estabelecidos. Em 1° de janeiro de 1901, as seis colônias se tornaram per se
uma federação e a Comunidade da Austrália desta maneira foi formada. Desde a
Federação, a Austrália tem mantido um sistema liberal estável e continua a ser
um reino da Commonwealth.
A
população humana do país é de 23,4 milhões de habitantes, com cerca de 60%
concentrados em torno das famosas capitais continentais estaduais de Sydney,
Melbourne, Brisbane, Perth e Adelaide. Sua capital é Camberra, localizada no
Território da Capital Australiana. Tecnologicamente avançada e industrializada,
a Austrália é um próspero país, sociologicamente multicultural e tem excelentes
resultados em análises em termos de comparações internacionais de desempenhos
nacionais, tais como no âmbito da saúde, esperança de vida, qualidade de vida,
desenvolvimento social humano, educação pública, liberdade econômica, bem como
a proteção pública e privada de liberdades civis e direitos políticos. As
cidades australianas também rotineiramente situam-se entre “as mais altas do
mundo em termos de habitabilidade, oferta cultural e qualidade de vida”. A
Austrália é o país com o quinto maior índice de desenvolvimento humano do mundo
(IDH). O termo Austrália foi utilizado historicamente em 1693, na tradução de Les
Aventures de Jacques Sadeur dans la Découverte et le Voyage de la Terre
Australe, um romance francês de 1676, de Gabriel de Foigny (1630-1692), sob
o pseudônimo de Jacques-Sadeur. Alexander
Dalrymple utilizou-o em An Historical Collection of Voyages and Discoveries
in the South Pacific Ocean (1771), referindo-se ao Sul. Em
1793, George Shaw (1856-1950) e Sir James Smith (1759-1828) publicaram Zoology and Botany of
New Holland, na qual escreveram sobre “a ilha grande, ou melhor, os
continentes, da Austrália, Australásia ou Nova Holanda”.
A
palavra também apareceu em gráfico de 1799 de James Wilson (1742-1798). O nome
Austrália foi popularizado por Matthew Flinders (1777-1814), que usou o nome
que seria formalmente aprovado em 1804. Ao elaborar o seu manuscrito e as
cartas para o seu A Voyage to Terra Australis de 1814, ele foi
convencido por seu patrono, Sir Joseph Banks, a usar o termo Terra
Australis pois este era o nome mais familiar ao público. Flinders fez isso, mas
permitiu-se a uma nota de rodapé de página: - Se eu tivesse me permitido
qualquer tipo de inovação no termo original, teria sido para convertê-lo para
Austrália; como sendo mais agradável ao ouvido e uma assimilação com os nomes
das outras porções grandes da terra. Esta é a única ocorrência da palavra
Austrália no texto; mas no Apêndice III de General Remarks, Geographical and
Systematical, on the Botany of Terra Australis, de Robert Brown
(1773-1858), o autor faz uso da forma adjetiva australiano, o primeiro uso
dessa forma. Apesar da concepção popular, o livro não foi determinante na
adoção do nome que veio a ser aceito nos dez anos seguintes. Lachlan Macquarie
(1762-1824), um governador da Nova Gales do Sul, em seguida usou o termo em
seus despachos formais para a Inglaterra, e em 12 de dezembro de 1817
recomendou ao Instituto Colonial que fosse formalmente adotado. Em 1824, o
Almirantado concordou que o continente deveria ser reconhecido oficialmente no
mundo com o nome Austrália.
Durante
as experiências do sonho acordado aparecem frequentemente imagens de auréola.
As personagens imaginadas, segundo Durand (1997: 151 e ss.), quando da
sua ascensão imaginária, têm uma face que se transforma, se transfigura em
“halo de luz imensa”, e, ao mesmo tempo, a impressão constantemente
experimentada pelo paciente é a do olhar. Olhar que, segundo o psicoterapeuta
francês Robert Desoille, é justamente representativo dessa transcendência
psicológica a que Sigmund Freud chama superego, ou seja, olhar “inquiridor
da consciência moral”. Esta deslocação da luz do halo luminoso para o olhar
surge-nos perfeitamente natural: é normal que o olho, órgão da visão, seja
associado ao objeto dela, ou seja, à luz. Não nos parece útil separar, como faz
Desoille, a imagem do olho antropológico do simbolismo do olhar. Segundo este
autor, o olhar seria o símbolo do julgamento moral, da censura do superego,
enquanto o olho não passaria de um símbolo enfraquecido, significativo de uma
vulgar vigilância. Mas parece-nos que um olhar se imagina sempre mais ou menos
sob a forma de olho, mesmo que fechado. Seja como for, olho e olhar estão
sempre ligados à transcendência, como constatam a mitologia universal e a
psicanálise. Um filósofo como Ferdinand Alquié (1906-1985) percebeu bem essa
essência de transcendência que subentende e tensiona seguinte visão: “Tudo é
visão, e quem não compreende que a visão só é possível à distância? A própria
essência do olhar humano introduz no conhecimento visual alguma separação”. O superego,
é antes de tudo, o olho do Pai e, mais tarde, o olho do rei, o olho de Deus, em
virtude da ligação que a psicanálise estabelece entre o Pai, a autoridade
política e o imperativo moral.
É
assim que a imaginação hugoliana, apesar de polarizações maternas e panteístas
poderosas, volta sem cessar a uma concepção teológica paternal do Deus
“testemunha”, simbolizado pelo olho que persegue o criminoso Caim. Reciprocamente,
o embusteiro, o mau o perjuro deve ser cego ou cegado, como testemunham os
versos célebres de L`aigle du casque ou dos Châtimentes. Mas sabemos que não há necessidade de fazer
apelo ao arsenal edipiano para associar o olho e a visão ao esquema da elevação
e aos ideais de transcendência: lembremos que é de modo completamente
fisiológico que os reflexos de gravitação e o sentido da verticalidade associam
os fatores quinésicos e cenestésicos aos fatores visuais. Uma vez que a
orientação é estabelecida em relação à gravitação, os signos visuais, por
vicariância condicional, podem ao mesmo tempo servir para determinar a posição
no espaço e o equilíbrio normal. Neste ponto, como em tantos outros, as
motivações edipianas vêm constelar com os engramas psicofisiológicos. Quer
dizer, a mitologia confirma igualmente o isomorfismo do olho, da visão e da
transcendência divina. Varuna, deus uraniano, é o sashasrâka, o que
significa “com mil olhos”, e, tal como o deus hugoliano, é ao mesmo tempo
aquele que “vê tudo” e o que é “cego”. Também Odin, o clarividente – que é
igualmente zarolho, é o deus espião. O Javé dos Salmos é aquele a quem nada
pode ser escondido: “Se eu subo aos céus, tu estás lá, se me deito no Schéol,
lá estás. Os fueguinos, bushimanes, samoiedo e outros o sol é considerado o
olho de deus. O sol Surya é o olho de Mitra e Varuna; nos persas é o olho de
Ahura-Mazda; para os gregos e os hélios é o olho de Zeus, noutros lugares é o
olho de Rá, o olho de Alá. Na Babilônia, Shamash é o grande juiz, enquanto para
os Koriak e os japoneses o céu é tanto o grande “vigilante” como a testemunha
dos crimes mais secretos.
No
âmbito da história disciplinar e na gênese do processo de formação militar, eis
como ainda no século XVII se descrevia a figura ideal do soldado. Segundo
Foucault, no clássico ensaio: Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão
(2014: 133 e ss.), o soldado é, antes de tudo, alguém que se reconhece de
longe; que leva os sinais naturais de seu vigor e coragem, as marcas também de
seu orgulho: seu corpo é o brasão de sua força e de sua valentia: e se é
verdade que deve aprender aos poucos o ofício das armas – essencialmente
lutando – as manobras como a marcha, as atitudes como o porte da cabeça se
originam, em boa parte, de uma retórica corporal de honra. Na segunda metade do
século XVIII, o soldado progressivamente se tornou algo que se fabrica; isto é,
num processo comunicativo de uma massa informe, de um corpo inapto, fez a
máquina de que se precisa; corrigiram-se aos poucos as posturas: lentamente uma
coação calculada percorre cada parte do corpo, assenhora-se dele, dobra o
conjunto, torna-o perpetuamente disponível, e se prolonga, em silêncio, no
automatismo dos hábitos; em resumo, foi “expulso o camponês” e lhe foi dada
caracteristicamente a “fisionomia de soldado”. Houve uma descoberta
extraordinária do corpo como objeto e alvo do poder. O grande livro do
homem-máquina foi escrito simultaneamente em dois registros etnográficos.
No
primeiro caso anátomo-metafísico, cujas primeiras páginas haviam sido escritas
por Descartes e que os médicos, os filósofos continuaram; o outro,
técnico-político, constituído por um conjunto de regulamentos militares,
escolares, hospitalares e por processos empíricos e refletidos para controlar
ou corrigir as operações do corpo. Dois registros bem distintos, pois se
tratava ora de submissão e utilização, ora de funcionamento e de explicação:
corpo útil, corpo inteligível. E, entretanto, de um ao outro, pontos de
cruzamento. Quer dizer, o “homem-máquina” de la Mettrie é ao mesmo tempo uma
redução materialista da alma e uma teoria geral do adestramento, no centro dos
quais reina a noção de “docilidade” que une ao corpo analisável o corpo
manipulável. Em sua definição, para Foucault, “é dócil um corpo que pode ser
submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”.
Os famosos autômatos, por seu lado, não eram apenas uma maneira de ilustrar o
organismo; eram também bonecos políticos, modelos reduzidos de poder: obsessão
de Frederico II, de 1740 a 1786, nasceu em 1712 em Berlim, rei minucioso das
pequenas máquinas, dos regimentos bem treinados e dos longos exercícios. Mas a
questão é: nesses esquemas de docilidade, em que o século XVIII teve tanto
interesse, o que há de novo? Não é certamente, a primeira vez que o corpo é
objeto de investimentos tão imperiosos e urgentes na história da humanidade; em
qualquer sociedade, sem temor a erro, o corpo está preso no interior de poderes
muito apertados, que silenciosamente lhe impõem limitações, proibições ou
obrigações. Muitas coisas são novas nessas técnicas. Neste aspecto, a escala, em primeiro lugar,
do controle.
Mas
não se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse uma
unidade indissociável, mas de trabalhá-lo detalhadamente; de exercer sobre ele
uma coerção sem folga, de mantê-lo ao mesmo nível da mecânica – movimentos,
gestos, atitude, rapidez: poder infinitesimal sobre o corpo ativo. O objeto, em
seguida, do controle: não, ou não mais, os elementos significativos do
comportamento ou a linguagem do corpo, mas a economia, a eficácia dos
movimentos, sua organização interna: a coação se faz mais sobre as forças que
sobre os sinais; a única cerimônia que realmente importa é a do exercício. A
modalidade, enfim: implica uma coerção ininterrupta, constante, que vela sobre
os processos da atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com
uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos.
Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que
realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de
docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as “disciplinas”. Muitos
processos disciplinares existiam há muito tempo: nos conventos, nos exércitos,
nas oficinas também. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos séculos
XVII e XVIII fórmulas gerais da dominação. Diferentes da escravidão, pois não
se fundamentam numa relação de apropriação materialmente dos corpos; é
até a elegância da disciplina dispensar essa relação custosa e violenta obtendo
efeitos sociais específicos de utilidade de uso pelo menos igualmente
grandes.
Bibliografia
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