terça-feira, 15 de outubro de 2024

Bruna Surfistinha – Figuração, Cinema & Metamorfose do Trabalho.

Temos razões suficientes para manter separados os dois momentos: trabalho e interação”. Jürgen Habermas

            As realidades sociais caracterizam-se pelo fato de que interesses particulares, ao nível ideológico, se colocam como interesses gerais. Os indivíduos devem representar seus interesses particulares, como se o interesse universal e o particular coincidissem. Enquanto esse estado de coisas se mantiver, encontramo-nos numa aporética situação de contradição. Por isso, a questão sobre a vida reta ou boa, refletiu Adorno, só poderia ser respondida por meio da “negação determinada” e isto, para ele, significava a práxis: nós poderíamos ainda assim tentar existir decentemente, mesmo quando o estado geral social, na condição do todo, impede-nos de fazê-lo, uma socialização heterônoma às formas socialmente sancionadas do ângulo social da moral repressiva, isto é, tendo em vista as condições e possibilidades de se agir como representante da vida reta, a única que seria possível no todo falso. A ética ou a filosofia moral se tornam uma luz que permite discernir entre aquilo que é certo ou não do ponto de vista ético. É um dos valores que não se encontra inserido no contexto de uma religião específica, mas no contexto da lei natural que rege aquilo que é conveniente para o ser humano de acordo com sua dignidade e natureza. A moral tem sua base na liberdade do ser humano através da qual uma pessoa pode realizar boas ações, mas que também tem a liberdade de praticar atitudes injustas.  A reflexão moral per se ajuda o ser humano realmente a tomar consciência da própria responsabilidade no trabalho e de condicionamento mormente de crescer como pessoa, tendo sempre claro o princípio da verdade e assim mesmo como do bem. A filosofia como reflexão moral é importante, uma vez que a retidão no trabalho ajuda o ser humano a melhorar como pessoa e a alcançar uma vida relativamente boa.

          Bruna Surfistinha é um filme brasileiro de 2011, dirigido por Marcus Baldini e estrelado por Deborah Secco, Cássio Gabus Mendes e Cristina Lago. É uma adaptação cinematográfica do best-seller literário: O Doce Veneno Do Escorpião: O Diário de uma Garota de Programa, de Raquel Pacheco. O longa-metragem teve orçamento de R$ 4 milhões. Até os 17 anos, Raquel Pacheco (Deborah Secco) era uma jovem comum da classe média paulistana que estudava num tradicional colégio da cidade. Antes de completar 18 anos, porém, ela fugiu de casa e tomou uma decisão surpreendente: se tornar garota de programa. Reconhecida pelo codinome “Bruna Surfistinha”, a garota de programa passou quatro anos recebendo em sua cama homens e mulheres de todos os tipos sociais, “satisfazendo seus desejos e fantasias em troca de dinheiro”. Na medida em que se tornava conceituada no meio profissional, a jovem fazia sucesso também na internet, narrando sua rotina num blog. Em janeiro de 2006, a Folha de S. Paulo informou que Raquel Pacheco, reconhecida Bruna Surfistinha, assinou contrato com uma produtora para transformar sua vida em filme. Ela não revelou detalhes do projeto. A filosofia moral mostra a responsabilidade humana em trazer esperança à sociedade que vive, uma vez que através de ações individuais exerce influência no bem comum. Esta filosofia moral toma como fundamental os princípios da conduta humana. Estas normas éticas dignificam a pessoa de valores como mostra a superação pessoal, o amor próprio, o respeito, o princípio do dever e a busca pela felicidade. 

Um princípio moral essencial é lembrar que o fim nem sempre justifica os meios. É neste sentido que o viver correto seria impossível, não tanto porque a sociedade, de certa maneira, é inerentemente má, mas porque a natureza do certo e do errado é tal que nunca podemos dizer como confiança que um eclipsou o outro. Parte do contraponto que podemos sentir ao uso que Adorno faz da ideia de liberdade é que a maneira como geralmente pensamos sobre liberdade evoluiu para evitar justamente esse tipo de conflito: uma tendência encontrada não apenas no nosso cotidiano do termo, mas também nas tendências predominantes na teoria política liberal. Quando usamos a palavra “liberdade” tendemos a querer dizer que nenhuma limitação física ou jurídica nos impede de agir segundo nossos desejos ou, vendo pelo outro lado, segundo a capacidade jurídica ou física de realizar muitas ações desejadas. Em termos políticos, este é o famoso contraste entre liberdades positivas e negativas: a liberdade como um conjunto de direitos que detemos como cidadão; a liberdade como um conjunto de restrições ao que os outros, ou o Estado, como o ex-líder sindical e presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva impõem. A liberdade, em todos os sentidos, está intimamente ligada à ideia do indivíduo. Os indivíduos detêm direitos como cidadão ou são protegidos contra a violação de suas liberdades. A autonomia do indivíduo é presumida ao invés de provada. Ao rejeitar nossa interdependência mútua frente aos outros e o mundo que nos sustenta, a moralidade torna-se mera justificativa para a continuação da Bellum omnium contra omnes, que Theodor Adorno, amplamente considerado como um dos principais pensadores do século XX em estética e filosofia, Thomas Hobbes, supõe como estado de natureza.              

          A identidade do ponto de vista histórico e filosófico exige vigilância. Para um olhar que individualiza as referências é uma categoria vinculada à identidade pessoal. A percepção de que as unidades ou sujeitos da significação são construídos levando em conta a realidade biopsicológica, apenas para subordiná-la aos mais bem elaborados caprichos das culturas é fundamental para compreendermos o investimento simbólico e seus condicionamentos sociais.  Nervosismo pertence a um grupo de variações em torno do termo nervos, que cresceu e se generalizou na linguagem erudita e leiga no decorrer do século XIX. A palavra originalmente era de uso corrente e de apropriação na história social da medicina filosófica clássica.  Tendo sofrido alteração relativamente brusca com a consolidação da representação do “sistema nervoso”, em meados do século XVIII. De elemento físico, entre outros da estrutura corporal animal, passaram os nervos a concentrar dimensões imaginárias fundamentais da concepção de sujeito característica da modernidade, o período histórico que se caracteriza por uma série de mudanças na sociedade, na cultura e na economia. A modernidade é marcada por uma ruptura tanto ideológica quanto política na vida cotidiana (métier) pautada na esfera da religião e pela predominância da racionalidade. Mas é originária em Walter Benjamin da ideologiaA noção de campo religioso, por outro lado, é predominantmente mais relacional, ideologicamente refinada, mais sutil e coloca em confronto per se as diferentes posições e definições de religião.

            De elemento físico, entre outros aspectos da estrutura corporal animal, passaram os nervos a concentrar dimensões imaginárias individuais e coletivas fundamentais para a concepção de sujeito que enuncia. A característica de ser constituído de modo universalmente idêntico garantia que, simultaneamente método de trabalho e processo social de trabalho e forma social de comunicação fosse empiricamente fundada e tendente ao acordo geral. Esse modelo desenvolveu-se em formas culturais de grande importância, compondo um conjunto de práticas e saberes sociais que Duarte (2010) nomeou de “configuração nervosa” e que paulatinamente ocupou o lugar analítico de configuração anterior, de longa história, que se pode resumir sob o rótulo de humoral ou melancólica. Algumas das características prístinas da nova configuração foram sendo moduladas durante o século XIX, quando começaram a se confrontar com o modelo comparativo da configuração psicológica, embora continuem persistindo nitidamente e presentes nos desenvolvimentos mais recentes das práticas neurológicas e psiquiátricas.

      Ponto nevrálgico dessas modulações consistiu na progressiva subversão do universalismo igualitário original por sucessivas teorias da diferença nervosa – a mais importante das quais afetou certamente a representação do gênero feminino (Fortunati, 2016). A teoria da degeneração construiu-se sobre um conjunto de critérios de diferenciação de raça, gênero, comportamento e civilização, e consolidou uma via de interpretação do humano que se tornaria onipresente da segunda metade do século XIX até a 2ª guerra mundial. Sua consolidação ocorre em paralelo com as preocupações atinentes à relação do corpo humano com o ambiente e da nutrição animal derivou-se essas preocupações, assim como saberes que vieram a se consolidar nas rubricas do sanitarismo e do higienismo. A configuração nervosa, constituída inicialmente por construção anátomo funcional, veio assim abrigar a passagem através das interpretações físicas e morais características tanto do utilitarismo de Jeremy Bentham às implicações infligidas sobre a vigilância e punição da analítica do poder de Michel Foucault.

           Está bem à vista o método através do qual o trabalho passado se transforma todos os dias em capital. Este é o motivo pelo qual os economistas cobrem de elogios os méritos do trabalho passado. De fato, é este componente que, socialmente sob a forma de meios de trabalho, colabora depois de novo no processo laborativo vivo: por isso a importância do trabalho é atribuída à figura do capital que ele assume. A forma capitalista de trabalho coincide neste caso com o meio de produção no qual o trabalho se objetivou a tal ponto que os agentes práticos da produção capitalista e os seus ideólogos “são incapazes de pensar o meio de produção destacado da máscara social antagonista de que se reveste”. Assim, o trabalho pretérito, como qualquer força natural humana, fornece um serviço gratuito ao capital: e quando é investido e posto em movimento pelo trabalho vivo, acumula-se e reproduz-se em larga escala como capital. Mais difícil é chegar a apreender o método pelo qual o trabalho vivo é completamente apanhado e englobado dentro deste processo, como parte necessária sobre o modo capitalista de pensar. O modo de produção apresenta a si próprio a mais-valia e o valor da força-trabalho “como partes alíquotas da produção de valor”: é isso que esconde o carácter específico da relação capitalista, ou seja, a troca do capital variável por força-trabalho viva e a exclusão no produto.

       O concreto é concreto, dizia Marx (2011: 248) por ser a síntese de múltiplas determinações, logo, unidade da diversidade. É por isso que ele é para o pensamento um processo de síntese, um resultado, e não um ponto de partida, apesar de ser o verdadeiro ponto de partida e, portanto, igualmente o ponto de partida da observação imediata e da representação. O primeiro passo reduziu a plenitude da representação a uma determinação abstrata; pelo segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do concreto pela via do pensamento. Por isso Hegel caiu na ilusão de conceber o real, como resultado do pensamento, que se concentra em si mesmo, enquanto o método que consiste em elevar-se do abstrato ao concreto é para o pensamento precisamente a maneira de se apropriar do concreto, de o reproduzir como concreto espiritual. Mas este não é de modo nenhum o processo da gênese do próprio concreto. Na análise metodológica de Marx, o todo, na forma em que aparece no espírito como todo-de-pensamento, é um produto do cérebro pensante, que se apropria do mundo do único modo que lhe é possível, de um modo que difere da apropriação desse mundo pela arte, pela religião, pelo espírito prático. Antes, como depois, o objeto real conserva a sua independência fora do espírito; e isso durante o tempo em que o espírito tiver uma atividade meramente especulativa, meramente teórica. Por consequência,  no emprego do método teórico é necessário que o objeto, a sociedade, esteja constantemente presente no espírito como dado primeiro.  

            O trabalho torna-se, nesta base, a mediação necessária para que a força-trabalho se transforme em salário: a condição para que o trabalho vivo se apresente unicamente como capital variável, a força de trabalho unicamente como parte do capital. O valor, no qual se representa a parte retribuída da jornada de trabalho, de aparecer então como valor ou preço da jornada de trabalho em geral. No salário desaparece precisamente todo o traço de divisão da jornada de trabalho em trabalho necessário e mais-valia. Todo o trabalho surge como trabalho pago: é isto que, segundo Tronti (1976: 41), distingue o trabalho assalariado das outras formas históricas do trabalho. Quanto mais se desenvolve a produção capitalista e o sistema das suas forças produtivas, tanto mais a parte paga e a parte não paga do trabalho se confundem de modo inseparável. As diversas formas de pagamento do salário não são mais do que modos diversos de exprimir, a diversos níveis, a natureza constante deste processo. Por força-de-trabalho (Arbeitskraft) ou capacidade de trabalho (Arbeitsvermogen) entendemos o conjunto das atitudes físicas e intelectuais que existem na corporeidade, ou seja, na personalidade viva de um homem e que este põe em movimento quando produz valores de uso. Compreende-se a decisiva fase que a metamorfose do valor e preço da força-trabalho sob a forma de salário no valor e preço do próprio trabalho. Sob esta forma fenomênica que torna invisível a relação real de trabalho e demonstra o seu oposto, fundam-se as ideias jurídicas do operário e capitalista, todas as mistificações inerentes à composição orgânica capitalsita do modo de produção, todas as suas ilusões sobre a liberdade. O salário nada mais é do que o trabalho assalariado considerado praticamente de outro ponto de vista.

O conceito de figuração distingue-se de outros teóricos da sociologia por incluir expressamente os seres humanos em formação social. Contrasta, portanto, decididamente com um tipo amplamente dominante de formação de conceitos que se desenvolve sobretudo na investigação de objetos sem vida, portanto no campo da física e da filosofia para ela orientada. Há figurações de estrelas, assim como de plantas e de animais. Mas apenas os seres humanos formam figurações uns com os outros. O modo de sua vida conjunta em grupos grandes e pequenos é, de certa maneira, singular e sempre co-determinado pela transmissão de conhecimento de uma geração a outra, por tanto por meio do ingresso singular do mundo simbólico específico de uma figuração já existente de seres humanos. Às quatro dimensões espaço-temporais indissoluvelmente ligadas se soma, no caso dos seres humanos, uma quinta, a dos símbolos socialmente apreendidos. Sem sua apropriação, sem, por exemplo, o aprendizado de uma determinada língua específica social, os seres humanos não seriam capazes de se orientar no seu mundo nem de se comunicar uns com os outros. Um ser humano adulto, que não teve acesso aos símbolos da língua e do conhecimento de determinado grupo permanece fora de todas as figurações humanas, pois não é um ser humano. As definições de controle social são demasiado amplas e vagas, e, seria legítimo indagar, escolhendo-as mais ou menos ao acaso, para inferir que resultam de um controle, estímulo ou complexo de estímulos que provoca determinada reação.

Todos os estímulos são controles, pois representam a direção do comportamento por influências grupais, estimulando ou inibindo a ação individual ou grupal. O controle social pode ser definido como a soma total ou, antes, o conjunto de padrões culturais, símbolos sociais, signos coletivos, valores culturais, ideias e idealidades, tanto como atos quanto como processos diretamente ligados a eles, pelo qual a sociedade inclusiva, cada grupo particular, e cada membro individual participante superam as tensões e os conflitos entre si, através do equilíbrio temporário, e se dispõem a novos esforços criativos. Em toda a dimensão da vida associativa deverá haver algum ajustamento de relações sociais tendentes a prevenir a interferência de direitos e privilégios entre os indivíduos. De maneira mais específica, são três as funções do estabelecidas pelo controle social: a obtenção e a manutenção da ordem social, da proteção social e da eficiência. O seu emprego hic et nunc na investigação sociológica contribuiu consideravelmente para produzir uma simplificação ou redução na análise dos problemas sociais, conseguida proporcionalmente, graças à compreensão positiva da integração das contradições correspondentes no sistema de organização das sociedades e da importância relativa de cada um deles, como e enquanto expressão do jogo social.  Embora obscuro e equívoco, em seu significado corrente, o conceito de controle social é necessário à investigação sociológica na modernidade, encontraram um sistema de referências propício à sua crítica científica, seleção lógica e coordenação metódica.  

O crescimento de um jovem convivendo e habitando comum em figurações humanas, como processo social e experiência, assim como o aprendizado de um determinado esquema de autorregulação na relação com os seres humanos, é condição indispensável ao desenvolvimento rumo à humanidade. Socialização e individualização de um ser humano, são nomes diferentes para o processo. Cada ser humano assemelha-se aos outros, e é, ao mesmo tempo, diferente de todos os outros. O mais das vezes, as teorias sociológicas deixam sem resolver o problema da relação entre indivíduo e sociedade. Quando se fala que uma criança se torna um indivíduo humano por meio da integração em determinadas figurações, como, por exemplo, em famílias, em classes escolares, em comunidades aldeãs ou em Estados, assim como mediante a apropriação e reelaboração de um patrimônio simbólico social, conduz-se o pensamento por entre dois grandes perigos da teoria e das ciências humanas: o perigo de partir de um indivíduo a-social, portanto como que de um agente que existe por si mesmo; e o perigo de postular um “sistema”, um “todo”, em suma, uma sociedade humana que existiria para além do ser humano singular, para além dos indivíduos. Embora não possuam um começo absoluto, não tendo nenhuma outra substância a não ser a vivência dentre seres humanos gerados familiarmente por pais e mães, as sociedades humanas não são simplesmente um aglomerado cumulativo dessas pessoas. O convívio dos seres humanos em sociedades tem sempre, comparativamente falando, mesmo no caos, sociologicamente na desintegração parcialmente, na maior desordem social, uma forma absolutamente determinada. É isso que o conceito para Norbert Elias de fato exprime.

A existência desse impulso sem objeto de pensamento, por assim dizer incessantemente fechado em si, acento premonitório do amor, puro produto do interior e, no entanto, já acento de amor, é a prova mais decisiva em favor da essência central puramente interior do fenômeno amor, muitas vezes dissimulado sob um modo de representação pouco claro, segundo o qual o amor seria uma espécie de surpresa ou de violência vindas do exterior, tendo su símbolo mais pertinente no “filtro do amor”, em vez de uma maneira de ser, de uma modalidade e de uma orientação que a vida como tal toma por si mesma – como se o amor viesse de seu objeto, quando, na realidade, vai em direção a ele. De fato, a representação social do amor é o sentimento que, fora dos sentimentos religiosos, se liga mais estreita e mais incondicionalmente a seu objeto. À acuidade com a qual ele brota do sujeito corresponde a acuidade igual com que ele se dirige para o objeto. O que é decisivo aqui é que nenhuma instância de caráter geral vem se interpor. Se venero alguém. É pela mediação da qualidade de certo modo geral de venerabilidade que, em sua realidade particular, permanece ligada à imagem desse por tanto tempo quanto eu o venerar. Do mesmo modo, no homem que temo, o caráter terrível e o motivo que o provocou estão intimamente ligados; mesmo o homem que odeio não é, na maioria dos casos separado em minha representação social da causa desse ódio – é esta uma das diferenças entre amor e ódio que desmente a assimilação que comumente se faz deles. Mas o específico do amor é excluir do amor existente a qualidade mediadora complexa de seu objeto, sempre relativamente geral, que provocou o amor por ele. Ele permanece como intenção direta e central dirigida para esse objeto abstrato, e revela a sua natureza incomparável em que sobrevive ao desaparecimento indubitavelmente do que foi sua razão de nascer.

Esta constelação, que engloba inúmeros graus, desde a frivolidade até a mais alta intensidade, é vivida segundo o mesmo modelo, seja em relação a uma mulher ou a um objeto, a uma ideia ou a um amigo, à pátria ou a uma divindade. Isso deve ser solidamente estabelecido em primeiro lugar, se quisermos elucidar em sua estrutura seu significado mais restrito, o que se eleva no terreno da sexualidade. A ligeireza com que a opinião corrente alia instinto sexual a amor lança talvez uma das pontes mais enganadoras na paisagem psicológica exageradamente rica em construções desse gênero. Quando, ademais, ela penetra no domínio da psicologia que se dá por científica, temos com demasiada frequência a impressão de que esta última caiu nas mãos de açougueiros. Por outro lado, o que é óbvio, não podemos afastar pura e simplesmente essa relação. Nossa emoção sexual, afirma Simmel, no ensaio sobre a filosofia do amor, desenrola-se em dois níveis de significação. Por trás do arrebatamento e do desejo, da realização e do prazer sentidos, diretamente subjetivos, delineia-se, consequência disso tudo, a reprodução da espécie. Pela propagação contínua do plasma germinal, a vida corre infinitamente, atravessando todos estágios ou levada por eles de ponta a ponta. Por mais insuficiente, por mais preso a um estreito simbolismo humano que esteja o conceito de objetivo e de meios em presença da misteriosa realização da vida, devemos qualificar essa emoção sexual de meio habitual de que a vida serve para a manutenção da espécie, confiando a consecução desse objetivo não mais meramente a um mecanismo fisiológico, no sentido lato do termo, mas mediações psíquicas.

Enfim, a pulsão, dirigida a princípio, tanto no sentido genérico quanto no sentido hedonista, ao outro sexo enquanto tal, parece ter diferenciado cada vez mais seu objeto, à medida que seus suportes se diferenciavam, até singularizá-lo. Claro, a pulsão não se torna amor pelo simples fato de sua individualização; esta última pode ser refinadamente hedonista, ou instinto vital-teleológico para o parceiro apto a procriar os melhores filhos.  Mas, indubitavelmente, ela cria uma disposição formativa e, por assim dizer, um marco para essa exclusividade que constitui a essência do amor, mesmo quando seu sujeito se volta para uma pluralidade de objetos. Não duvidamos em absoluto que no seio do que em termos de representação social se chama “atração dos sexos” constitui-se o primeiro factum, ou, se quiserem, a prefiguração do amor. A vida se metamorfoseia também nessa produção, traz sua corrente à altura dessa onda, cuja crista, porém, sobressai livremente acima dela. Se considerarmos o processo da vida absolutamente como um dispositivo de meios como um trabalho a serviço desse objetivo - a vida – e se levarmos em conta o significado simplesmente efetivo do amor para a propagação da espécie, então este também é um dos meios que a vida se dá para si e a partir de si.

O corpo próprio está no mundo assim como o coração no organismo; ele mantém o espetáculo visível continuamente em vida, anima-o a alimenta-o interiormente, forma com ele um sistema. Quando caminho em meu apartamento, os diferentes aspectos sob os quais ele se apresenta a mim não poderiam aparecer-me como os perfis de uma mesma coisa se eu não soubesse que cada um deles representa o apartamento visto daqui ou visto dali, se eu não tivesse consciência de meu próprio movimento e de meu corpo como idêntico através das fases desse movimento. Posso sobrevoar o apartamento em pensamento, imaginá-lo ou desenhar sua planta no papel, mas mesmo então eu não poderia apreender as unidades do objeto sem a mediação da experiência corporal, pois aquilo que chamo de uma planta é apenas uma perspectiva mais ampla: é o apartamento “visto de cima”, e, se posso resumir nela todas as perspectivas costumeiras, é sob a condição de saber um mesmo sujeito encarnado ver alternadamente de diferentes posições. Responder-se-á talvez que, recolocando o objeto na experiência corporal como um dos polos dessa experiência, nós lhe retiramos justamente aquilo que faz a sua objetividade. Do ponto de vista de meu corpo, nunca vejo iguais as seis faces do cubo, mesmo se ele é de vidro, e, a palavra “cubo” tem um sentido; o cubo ele mesmo, o cubo de verdade, para além das aparências sensíveis, tem suas seis fáceis iguais.

O processo de concentração física de força pública se acompanhada de uma desmobilização da violência ordinária. A violência física só pode ser aplicada por um agrupamento especializado, especialmente mandatado para esse fim, claramente identificado no seio da sociedade pelo uniforme, portanto um agrupamento simbólico, centralizado e disciplinado. A noção de disciplina, sobre a qual Max Weber escreveu páginas magníficas, é capital: não se pode concentrar a força física sem, ao mesmo tempo, controla-la, do contrário é o desvio da violência física, e o desvio da violência física está para a violência física assim como o desvio de capitais está para a dimensão econômica: é o equivalente da concussão. A violência física pode ser concentrada num corpo formado para esse fim, claramente identificado em nome da sociedade pelo uniforme simbólico, especializado e disciplinado, isto é, capaz de obedecer como um só homem a uma ordem central que, em si mesma, não é geradora de nenhuma ordem. O conjunto das instituições mandatadas para garantir a ordem, a saber, as forças públicas e de justiça, são, portanto, separadas pouco a pouco do mundo social corrente. Essa concentração do capital físico se realiza em um duplo contexto. Para uns, o exército profissional está ligado à guerra, assim como o imposto; mas há também a guerra interior, a guerra civil, a arrecadação do imposto como uma espécie de guerra civil. 

A estratégia do passado que visava organizar novos espaços urbanos transformou-se meramente em artifícios políticos e muito pouco em torno de reabilitação de patrimônios. Depois de haver inconscientemente projetado a cidade futura, torna-se uma cidade frequentada por sua estranheza, muito mais elevada aos excessos que reduzem o presente, a nada mais que simples escombros como caixas d`água que deixam escapar seu domínio do tempo. Mas os técnicos se denunciam já no quadriculamento que atrapalhavam os planejadores funcionalistas que deviam fazer tábula rasa das opacidades contidas nos projetos de cidades transparentes. Afinal qual o urbanismo que não descontroem mais do que uma guerra a questão da memória e da história aldeã, operária, com casas desfiguradas, fábricas desativadas, universidades sem vida, cacos de histórias naufragadas que hoje formam as ruínas de uma cidade fantasma ou fantasmas da cidade, antes modernista, cidade de massa, homogênea, como os lapsos de uma linguagem que se desconhece, quem sabe inconsciente. Mas elas surpreendem. O imaginário individual e coletivo (os mitos), em primeiro lugar, são as coisas que o soletram. Eles têm uma função que consiste em abrir uma profundidade no presente, mas não têm mais o conteúdo que provê de sentido a estranheza do passado. Suas histórias políticas deixam de ser pedagógicas para inferir um final claramente trágico. 

O Estado se constitui em relação à forma de governo um duplo contexto: de um lado, efeitos de poder político em relação a outros Estados, atuais ou potenciais, isto é, os princípios concorrentes – portanto, precisa concentrar “capital de força física” para travar a guerra pela terra, pelos territórios; de outro lado, em relação a um contexto interno, a contrapoderes, isto é, príncipes concorrentes ou classes dominadas que resistem à arrecadação do imposto ou ao recrutamento de soldados. Esses dois fatores favorecem a criação de exércitos poderosos dentro dos quais se distinguem progressivamente forças propriamente militares e forças propriamente policiais destinadas à manutenção da ordem interna. Essa distinção exército/polícia, evidente hoje, tem uma genealogia extremamente lenta, as duas forças têm sido por muito tempo confundido. O desenvolvimento do imposto está ligado às despesas de guerra. O nascimento do imposto é simultâneo a uma acumulação extraordinária de capital detido pelos profissionais da gestão burocrática e à cumulação de um imenso capital informacional. É o vínculo institucional entre Estado e estatística: o Estado está associado a um conhecimento racional do mundo social e governamental. A estatística tem como representação técnico-metodológica o campo da matemática que relaciona fatos e números em que há métodos que nos possibilita coletar dados e analisá-los, sendo possível realizar alguma interpretação deles.

A institucionalização do imposto representa o desfecho de uma espécie de guerra interior travada pelos agentes do Estado contra as resistências dos sujeitos investidos de cultura. Os historiadores se perguntam, com muita razão, em que momento aparece o sentimento de pertencer a um Estado, que não é necessariamente o que se chama de patriotismo, o sentimento de ser um dos sujeitos do Estado. A experiência de pertencimento a uma unidade definida está muito ligada à experiência da tributação. Nós nos descobrimos como sujeitos descobrindo-nos como tributáveis, contribuintes. Há uma invenção extraordinária de medidas jurídico-policiais destinadas a fazer pagarem os maus pagadores, que são a ordem de prisão e a responsabilidade in solidum. Enfim, a metáfora de Norbert Elias dizendo que o Estado não passa de uma “extorsão legítima” é mais que uma metáfora. Tendo em vista que se trata de criar um corpo de agentes encarregados da coleta e capazes de operá-la sem desviá-la em proveito próprio. Não queremos perder de vista o que é factualmente, guardadas as proporções na Alemanha dos anos 1970: uma conjuntura política e econômica marcada pelo espírito anárquico e rebelde, a jovem Rita Vogt é atraída para o movimento social e político de ação individualista, motivada pelo seu sentimento de justiça e amor por Andi, líder do grupo de ativistas revolucionários.

Em março de 2007, mutatis mutandis, a Agência Nacional do Cinema aprovou a captação, por meio de leis de incentivo fiscal, de R$263 mil para desenvolver o projeto. Em 16 de julho de 2007, o Ministério da Cultura liberou a captação de R$3,998,621,65, por meio de leis de incentivo fiscal, para a produtora carioca TV Zero rodar o filme, até então com o título: O Doce Veneno do Escorpião. A aprovação foi publicada no Diário Oficial da União (DOU). Em seu blog, Bruna Surfistinha deixou o seguinte comentário sobre a liberação: “Fui surpreendida pela notícia. Show de bola, hein?”. O filme tomou de “liberdades ficcionais” em relação aos fatos narrados por Raquel Pacheco em O Doce Veneno do Escorpião, Baldini conta que a própria Raquel, ao ver um dos primeiros cortes (montagens) do filme, achou tudo “muito real e verdadeiro, mesmo as coisas não tendo acontecido exatamente daquela forma”. Mas “cerca de 60% é ficção”, disse Baldini. O filme não é exatamente a cópia fiel da biografia O Doce Veneno do Escorpião. A Agência Nacional do Cinema (Ancine) é um órgão oficial do governo federal do Brasil, constituída como agência reguladora, com sede na cidade de Brasília, cujo objetivo é fomentar, regular e fiscalizar a indústria cinematográfica e videofonográfica nacional. A agência foi criada no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) em 6 de setembro de 2001 através da Medida Provisória nº 2.228-1, posteriormente regulamentada pela Lei nº 10.454 ocorrida em 13 de maio de 2002. Com isso, passou a ser dotada institucionalmente de autonomia administrativa e financeira e vinculada diretamente à Presidência da República Federativa do Brasil.

A Ancine, constituída como autarquia em regime especial, é administrada por uma diretoria colegiada, genuinamente composta através de um Diretor-Presidente e três Diretores, com mandatos fixos e não coincidentes, aprovados pelo plenário do Senado Federal. Subordinadas à estrutura da Diretoria Colegiada, estão as Superintendências de Fomento, Registro, Acompanhamento de Mercado, Desenvolvimento Econômico e Fiscalização. O primeiro Diretor-Presidente da Ancine foi o cineasta Gustavo Dahl (2001-2006). Neste período, também fizeram parte da diretoria Augusto Sevá, João Eustáquio da Silveira e Lia Gomensoro Lopes. Manoel Rangel foi nomeado em 2005 para a diretoria, para o lugar deixado pela saída de Sevá, e assumiu o posto de diretor-presidente ao fim do mandato de Gustavo Dahl, em 2007. Permaneceu no cargo até 2017, quando foi substituído interinamente por Débora Regina Ivanov Gomes, nascida em São Paulo, em 12 de agosto de 1961 é advogada e produtora de cinema brasileira. Formou-se em Direito pela Faculdades Metropolitanas Unidas, em 1985. Foi diretora do Sindicato da Indústria do Audiovisual do Estado de São Paulo e integrou o Conselho Consultivo da SPCine. Fundou em Santos o Instituto Querô, Organização Não-Governamental (ONG) voltada para jovens de baixa renda da região portuária de Santos que promove capacitação na indústria audiovisual. Em 2000, tornou-se sócia da produtora Gullane Filmes. Produziu mais de 60 filmes, entre eles: O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006), As Melhores Coisas do Mundo (2010), Até Que a Sorte Nos Separe (2012), Uma História de Amor e Fúria (2013), Que Horas Ela Volta? (2015). Foi nomeada diretora da Agência Nacional do Cinema em 2015. Em maio de 2017, assumiu a presidência do órgão, após a saída de Manoel Rangel. Em janeiro de 2018, Christian de Castro Oliveira é nomeado Diretor-Presidente da Agência.

Em 13 de outubro de 2003, a Agência passou a ser vinculada ao Ministério da Cultura. Com a extinção deste ministério em 2019, foi vinculada ao Ministério da Cidadania. Voltou a ser vinculada ao Ministério da Cultura no terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. O terceiro mandato do governo Lula, também reconhecidamente chamado de governo Lula III, é o período atual da história política brasileira em que Luiz Inácio Lula da Silva exerce a presidência da República desde 1º de janeiro de 2023, representando seu retorno constitucional ao cargo para um terceiro mandato após ter sido presidente de 2003 a 2011. Lula, do Partido dos Trabalhadores (PT), foi escolhido por voto popular direto na eleição presidencial de 2022, derrotando o candidato anterior à reeleição. Sob o slogan “União e Reconstrução”, o governo era composto inicialmente por 37 ministérios, quatorze a mais que o governo anterior, atualmente, conta com 39 ministérios criados, se igualando, em número de ministérios, ao segundo governo da ex-presidente da República Dilma Rousseff. Em entrevista à revista francesa Paris Match em 20 de maio de 2021, Lula confirmou sua pré-candidatura na eleição presidencial no ano seguinte. Buscando formar estrategicamente uma frente ampla com apoio pluralista de figuras da sociedade civil e essencialmente políticas de outros espectros sociais e políticos, o Partido dos Trabalhadores convidou Geraldo Alckmin, adversário político de Lula, para ser seu candidato a vice-presidente em uma coligação integrada por agremiações e partidos: PSB, PC do B, PV, PSOL, REDE, Solidariedade, Avante e Agir.

Lula terminou o primeiro turno na primeira colocação com 48,43% dos votos válidos, contra 43,20% de Jair Bolsonaro, com quem disputou o segundo turno, tendo o vencido por 50,90% a 49,10% do eleitorado, o resultado mais acirrado historicamente de uma eleição presidencial no Brasil. Empossado presidente em 1º de janeiro de 2023, Lula foi o primeiro mandatário eleito para três mandatos e o primeiro desde Getúlio Vargas (1882-1954) a exercer mais de um mandato não consecutivo, sendo também, aos 77 anos, o político mais idoso a assumir o cargo. Em seu discurso após a vitória nas urnas, Lula adotou um tom moderado, falando que pretende “pacificar o país”, mas de forma indireta chamou seu adversário político de autoritário e fascista, ao dizer que derrotou o autoritarismo e o fascismo, como já vinha se referindo antes da vitória nas eleições devido ao opositor ter frequentemente flertado com esse regime, e posteriormente, antes da sua posse, afirmou: “vamos ter que derrotar o bolsonarismo nas ruas”, em uma campanha marcada pela polarização e pelo maniqueísmo, no qual a campanha de Lula tentou caracterizá-lo como a única alternativa no segundo turno para quem acreditava na democracia, enquanto que o outro candidato buscou associar Lula  no sentido político-ideológico ao “comunismo e aos regimes antidemocráticos de esquerda como os da Venezuela, Cuba, e Nicarágua”. Em 1º de novembro de 2022, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin foi definido como coordenador da equipe de transição do governo.

No dia 3, Alckmin e o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, reuniram-se para iniciar a transição do governo. O vice-presidente eleito também se encontrou com lideranças políticas com vistas a alterar o orçamento federal ainda em 2022, de modo a viabilizar objetivos do futuro governo. Sua equipe de transição, composta por 913 integrantes, foi considerada a mais numerosa da história social e política do Brasil. No entanto, a composição consistia, majoritariamente, de voluntários, com apenas 22 integrantes sendo remunerados, mesmo com a legislação permitindo até 50 vagas com salários. Dos cargos com remuneração, os salários variam em níveis de 2.701,46 a 17.327,65 reais, estes gastos somaram 242.645,32 reais para cada mês da transição. A equipe de transição política de governo, assim, reservou 1,6 milhão de reais, quer dizer, sendo o menor orçamento disponível para uma transição política de governo em termos reais desde 2006, considerando a inflação, ano que passou a incluir reserva para gastos com a transição, mesmo em casos de reeleição, enquanto o da transição anteriormente havia gasto “todos os 2,9 milhões de reais que tinha disponíveis, o mais alto desde o supracitado ano”. Em 20 de novembro de 2022, quando a equipe ainda possuía cerca de 300 integrantes, ela foi marcada por um caráter diverso, sendo politicamente ampla e buscou ser representativa do povo brasileiro. À época, era composta por, 64% de homens brancos, com 17 partidos na equipe de transição, entre eles o PP até então aliado do ex-presidente opositor no congresso nacional, sendo 1/3 pertencente ao Partido dos Trabalhadores, a maioria até então paulistas, e de variados grupos étnicos.

O Sudeste era predominante com 48% dos membros, seguido do Nordeste com 19% dos membros, sendo que brancos representavam 75%, enquanto os negros (pardos e pretos, inclusive autodeclarados) somavam 18%. Havia, ainda, 11 indígenas (3,8% do total) e quatro integrantes de origem asiática. Uma das primeiras medidas anunciadas pela equipe de transição foi a busca de recursos para garantir que fossem cumpridas as promessas de Lula na campanha eleitoral, como a manutenção do Auxílio Brasil que voltaria a se chamar Bolsa Família, no valor de 600 reais por família, que custaria R$ 52 bilhões, com acréscimo de 150 reais para cada criança de até 6 anos de idade, que custaria R$ 18 bilhões, o reajuste do salário mínimo acima da inflação e a correção das tabelas do imposto de renda e do Sistema Único de Saúde, dentre outras medidas, que não cabem no orçamento de 2023. As soluções possíveis encontradas pela equipe de Lula foram a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição autorizando que o teto de gastos seja ultrapassado, de forma excepcionalmente, inicialmente, em cerca de 200 bilhões durante o período por quatro anos, ou a abertura de crédito extraordinário ao orçamento, com prévio aval do Tribunal de Contas da União (TCU), para evitar questionamentos sobre a constitucionalidade da medida. De forma extraordinária o Vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin discursa na abertura dos trabalhos do Governo de Transição, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília.

No filme Bruna Surfistinha, por exemplo, Raquel tem um irmão responsável pela maioria dos conflitos de família, quando na vida real, filha adotiva de um casal de classe média, ela tem duas irmãs de criação. – “Todo filme que adapta uma obra vai ter a visão do diretor, que potencializa alguns fatos e escolhe o olhar para a história. Nunca quisemos fazer uma biografia. É um filme de ficção baseado em uma história real”, justifica Baldini. Do ponto de vista técnico-metodológico Raquel concedia entrevistas quinzenais para Baldini nas quais contou detalhes de sua vida de “garota de programa de luxo”. Os encontros são filmados e era possível que, além de dar subsídios para o roteiro do filme, o material seja utilizado posteriormente para um documentário sobre ela: “ele quer saber todos os detalhes, como era a minha reação perante os clientes, história da minha infância, como foi o dia em que eu fugi da minha casa”. Raquel Pacheco também se encontrou em 2006 com Karim Aïnouz e Antônia Pellegrino, que estiveram em seu apartamento, em São Paulo. Aïnouz falou sobre a adaptação ao cinema do livro O Doce Veneno do Escorpião, diário da ex-prostituta Raquel Pacheco, a Bruna Surfistinha.

Ele comenta o teor pragmático do filme, que relembra o cotidiano de Bruna Surfistinha como “prostituta de luxo e como blogueira-celebridade”. Para ele, não será uma adaptação moralista nem escandalizante. – “Não acho que o Marcus vai seguir por esse caminho. É um filme de personagem - de como ela se expõe [com o blog e com o livro] atrás de uma identidade, de uma visibilidade até mesmo diante da própria família”. Aïnouz assinou o argumento juntamente com a escritora Antônia Pellegrino e o jornalista Jorge Tarquini, coautor do livro. Egresso da publicidade, Marcus Vinícius Baldini é reconhecido por ter dirigido o DVD do Bourbon Street de sua ex-mulher, a cantora Maria Rita. Essas conversas irão se somar aos relatos etnográficos da ex-garota de programa no seu livro. Logo, Bruna Surfistinha se tornou aparentemente uma “celebridade” e escreveu o livro O Doce Veneno do Escorpião, que vendeu mais de 300 mil cópias e deu origem ao filme assinado pelo publicitário Marcos Baldini. A produtora de cinema TV Zero começou, em outubro de 2007, em São Paulo, a fazer testes para montar o elenco do filme. Os testes terminariam em dezembro. A intenção era selecionar atores para os 35 personagens previstos. O longa-metragem de Marcus Baldini estava previsto para ser rodado em 2008. Os testes aconteceram em um estúdio de Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo. A primeira etapa era livre; as atrizes poderiam improvisar.

Em fila diante da porta do estúdio, aguardavam a vez de entrar, entregavam sua ficha ao responsável pelo processo de seleção de elenco do filme, Rodrigo Pitta, e se posicionavam diante da câmera. As mais notáveis já testadas foram Paula Picarelli e Natallia Rodrigues. Karen Junqueira, a primeira escalada para o papel de Bruna, anunciou em comunicado que não participaria mais do longa, porque “não poderia cumprir um roteiro de filmagens com dedicação única e integral, de acordo com as exigências do filme”. Deborah Secco assinou contrato para o papel em 19 de agosto de 2009. Bruna Surfistinha diz que chorou ao saber que seria interpretada por Deborah Secco: - “Fui pega de surpresa com a notícia de que a Deborah Secco me interpretará! Fiquei tão feliz que não conseguia me conter, parecia uma doida, não sabia se chorava (de fato de emoção) ou se dava risada. Acompanho a Deborah desde Confissões de Adolescente”. Deborah Secco ficou reconhecida após interpretar socialmente a personagem Carol nesta série em 1994. Desde então, a atriz brasileira teve outros papéis sociais de interpretação de sucesso na televisão e no cinema: Íris em Laços de Família (2000); Darlene em Celebridade (2003/2004); Sol em América; (2005); Natalie Lamour em Insensato Coração (2011); Karola em Segundo Sol; Karola é uma personagem da novela Segundo Sol (2018) interpretada pela consagrada atriz Deborah Secco.

A ex-garota de programa é uma vilã que comete vários crimes, como: inventar que está grávida para não ser dispensada do emprego; armar para o marido de Luzia reatar o casamento; roubar o filho da rival e criá-lo como se fosse seu; denunciar a marisqueira à polícia; Karola tem um passado difícil e triste na infância e na juventude, que ela descobre ao conversar com a mãe biológica, Laureta, interpretada por Adriana Esteves. Karola também vai ao orfanato onde foi criada para descobrir suas origens e reencontrar a freira que tomou conta dela. Lá, ela descobre que Severo Athayde é seu pai. Em uma tentativa de matar Severo, Karola acaba disparando e acertando o braço do ex-amante. Valentim, que estava no local, decide ir sozinho para salvar o pai e Karola acaba morrendo. Alexia Máximo em Salve-se Quem Puder (2020); Moema em Caramuru - A Invenção do Brasil (2001); Judite em Boa Sorte (2014); Bruna Surfistinha (2011). Entretanto, Confissões de Adolescente foi um seriado de sucesso que acompanhava o dia a dia de quatro irmãs no Rio de Janeiro. A série foi exibida na TV Cultura e na Band entre 1994 e 1996, com 49 episódios divididos em 3 temporadas. A série foi criada por Maria Mariana, em parceria com Euclydes Marinho e Daniel Filho, e também contou com a participação de Georgiana Góes, Luis Gustavo, Dani Valente, Mari Oliveira e Leandra Leal. Em 1995, o seriado foi indicado ao Emmy Internacional de melhor programa infanto-juvenil.

Para se preparar para o papel, Secco contou com a ajuda do preparador de atores Sérgio Penna para o filme Carandiru, 2003 e para o filme Bicho de Sete Cabeças, 2007, a atriz foi à antiga e movimentada Cracolândia, nas imediações da tradicional Estação da Luz, no centro de São Paulo, para conversar com algumas jovens usuárias de drogas que também se prostituem. - “Me chocou aquele olhar perdido, meio sem vida delas”, relata Deborah. – “A prostituta de rua leva uma vida muito arriscada. Sempre pergunto: qual homem toparia entrar num carro com dois ou três desconhecidos para uma orgia sabe-se lá onde?”. Uma das garotas, que a reconheceu de seus trabalhos em telenovelas da Rede Globo de televisão, levou-a para conhecer o quarto esquálido e malcheiroso onde fazia os programas. A casa noturna Love Story foi um dos cenários do filme. A casa noturna ficou fechada para as filmagens que começaram às 18h de 11 de outubro de 2009. Na cena gravada, Bruna levava as amigas, interpretadas por Fabíola Nascimento, Guta Ruiz e Cris Lago, para conhecerem a famosa boate. Deborah fez um laboratório de dois meses com as outras atrizes em casas como o Love Story para entrar no clima da personagem. Ela chegou até a “ir vestida de prostituta em um dia de funcionamento normal da casa, como parte do laboratório”. De acordo com o proprietário, Savio Burigo, foi a primeira vez em 18 anos que a Love Story aceitou na prática a possibilidade real de ser cenário de um filme. Foram 30 dias de negociações comerciais. Várias frequentadoras da casa participaram como figurantes.

A banda de rock alternativo Radiohead pediu para assistir em Londres a uma cópia do filme, pedido atendido pelo diretor Marcus Baldini, que levou para Londres uma cópia do seu trabalho, com legendas em inglês. Só assim a banda autorizou a gravadora EMI a incluir a canção “Fake Plastic Trees” na trilha sonora do filme. Em seu blog pessoal, Bruna Surfistinha aproveitou para agradecer à banda Radiohead por ter autorizado o uso da música – “Quando esta música do Radiohead começou a tocar em uma cena do filme, me arrepiei. Mais do que gostar dela, há um significado marcante para mim, pois marcou uma passagem em minha vida. Meses após este fato, passou na tv uma campanha muito boa sobre Síndrome de Down e com esta música. Quem não se emociona com o menino Carlinhos?”, escreveu. – “Talvez eu nunca tenha chance de agradecer pessoalmente à banda Radiohead por ter autorizado usar uma música deles no filme. Isto me parece ser algo muito distante. Também sei que dificilmente lerão este post. De qualquer maneira, registro aqui o meu agradecimento”. A trilha sonora agrega desde músicas como “Time of the Season”, do The Zombies, MC Robinho da Prata, que canta o funk “Copo de Vinho”, produzido por DJ Marlboro. A banda Ritmo Quente, aparece com o hit “Te Quero Tanto”. A coletânea tem outras novidades. Uma delas é a música inédita “Sunshine Girl”, parceria entre a cantora Céu e os produtores Rica e Gui Amabis. O vídeo promocional vinha com o single “Alala”, do grupo musical Cansei de Ser Sexy, uma banda formada em São Paulo em 2003. Foi uma das bandas de maior repercussão internacional, chegando a entrar nas paradas da Billboard Hot 100.

Bibliografia Geral Consultada.

FERRO, Marc, Cinema e História. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1992; CORSI, Giancarlo, “Inclusione: La Società Osserva l`Individuo”. In: Teoria Sociologica, I (1): 279-301, 1993; RIVIÈRE, Claude, Os Ritos Profanos. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 1997; CASTEL, Robert, As Metamorfoses da Questão Social. Petrópolis (RJ): Editora Vozes, 1999;  PARANÁ, Denise, Lula, o Filho do Brasil. Tese de Doutorado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2003; TAYLOR, Charles, As Fontes do Self: A Construção da Identidade Contemporânea. São Paulo: Edições Loyola, 1997; NUNES, Glória Elena Pereira, Leituras de Shakespeare: Da Palavra à Imagem. Tese de Doutorado. Coordenação de Pós-Graduação em Letras. Centro de Estudos Gerais. Instituto de Letras. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2006; STALLER, Ilona, Per Amore e Per Forza: l`Autobiografia di Cicciolina. Milano: Arnoldo Mondadori Editore, 2007; MARX, Karl e ENGELS, Friedrich, La Condizione Postcoloniale: Storia e Politica nel Presente Globale. Verona: Ombre Corte Edizione, 2008; PETIT, Michèle, A Arte de Ler ou Como Resistir à Adversidade. 2ª edição. São Paulo: Editora 34, 2010; DUARTE, Luiz Fernando Dias, “O Nervosismo como Categoria Nosográfica no começo do Século XX”. In: História, Ciências, Saúde - Manguinhos. Rio de Janeiro, vol.17, supl.2, dez. 2010, pp.313-326; Idem, Juventude Contemporânea. Culturas, Gostos e Carreiras. Rio de Janeiro: Editora 7 Letras, 2010; MARX, Karl, Contribuição à Crítica da Economia Política. 4ª edição. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011; STANDING, Guy, The Precariat: The New Dangerous Class. London: Editor Bloomsbury Academic, 2011; JABUR, Ana Clara, “Bruna Surfistinha pode quebrar preconceitos, diz Deborah Secco”. In: Jornal O Estado de São Paulo, 22 de fevereiro de 2011; BARRETO, Diva Rodrigues Daltro, Luta por Invisibilidade ou Reconhecimento? Um Estudo sobre a História de Vida de Acompanhantes de Luxo. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Departamento de Psicologia. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2014; PERLATTO, Fernando, Pelas Frestas: Literatura, História e Cotidiano em Regimes Autoritários. Juiz de Fora: Editora Universidade Federal de Juiz de Fora, 2021; GUSMAN, Juliana Magalhães e Ribeiro, Putas de Cinema: Imagens e (Contra)discursos do Trabalho Sexual no Documentário. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos Audiovisuais. Escola de Comunicações e Artes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2024; entre outros.

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