domingo, 11 de junho de 2023

Drauzio Varella – Vigilância, Oncologia & Reflexão Suprassensível.

                                                                   Nada pior para a saúde que viver de aparências e fachadas”. Drauzio Varella

         O esclarecimento exprime o movimento real da sociedade burguesa como um todo sob o aspecto da encarnação de sua Ideia em pessoas e instituições, assim também a verdade não significa meramente a consciência relacional, mas, do mesmo modo, a figura que esta assume na realidade efetiva. O medo que o bom filho da civilização moderna tem de afastar-se dos fatos – fatos esses que, no entanto, já estão pré-moldados como clichês na própria percepção pelas usanças dominantes na ciência, nos negócios e na política – é exatamente o mesmo medo do desvio social. Essas usanças também definem o conceito de clareza na linguagem e no pensamento a que a arte, a literatura e a filosofia devem se conformar. Ao tachar de compilação obscura e, de preferência, de alienígena o pensamento que se aplica negativamente aos fatos, bem como às formas de pensar dominantes, e ao colocar assim um tabu sobre ele, esse conceito mantém o espírito sob o domínio da mais profunda cegueira. É característico de uma situação sem saída que até mesmo o mais honesto dos reformadores, ao usar uma linguagem desgastada para recomendar a inovação, adota também o aparelho categorial inculcado e a má filosofia que se esconde por trás dele, e assim reforça o poder da ordem existente que ele gostaria de romper. A “falsa clareza”, a ilusão em relação à realidade em si é apenas uma outra expressão do mito. Este na história da humanidade sempre foi obscuro e iluminante ao mesmo tempo. Suas credenciais tem sido desde sempre a familiaridade e o fato de dispensar o trabalho característico do conceito.

       A aporia com que defrontamos em nosso trabalho cotidiano revela-se assim como o primeiro objeto a investigar: a autodestruição do esclarecimento. Não alimentamos dúvida nenhuma, afirmavam Adorno e Horkheimer (1985) – e nisso reside nossa petitio principi - de que a liberdade na sociedade é inseparável do pensamento esclarecido. Se o esclarecimento não acolhe dentro de si a reflexão sobre esse elemento regressivo, ele está selando seu próprio destino. Abandonado a seus inimigos e reflexão sobre o elemento destrutivo do progresso, o pensamento cegamente pragmatizado perde seu caráter superador e, por isso, também a sua relação social com a verdade. A disposição enigmática das massas educadas tecnologicamente a deixar dominar-se pelo fascínio de um despotismo, sua afinidade autodestrutiva com a paranoia racista, todo esse absurdo incompreendido manifesta socialmente fraqueza e a dúvida sobre o poder de compreensão do pensamento teórico no âmbito científico. A causa da recaída do esclarecimento não deve ser buscada tanto nas mitologias nacionalistas, pagãs e em outras mitologias modernas especificamente idealizadas em vista dessa recaída, mas no próprio esclarecimento paralisado pelo temor da verdade. 

         A naturalização dos homens não é dissociável do progresso social. O aumento da produtividade econômica, que por um lado produz as condições para um mundo mais justo, confere por outro lado ao aparelho técnico e aos grupos sociais que o controlam uma superioridade imensa sobre o resto da população. O indivíduo se vê completamente anulado em face dos poderes econômicos. Ao mesmo tempo, estes elevam o poder a sociedade sobre a natureza a um nível jamais imaginado. Desaparecendo diante do aparelho a que serve, o indivíduo se vê, ao mesmo tempo, melhor do que nunca provido por ele. Numa situação injusta, a impotência e a dirigibilidade da massa aumentam com a quantidade de bens a ela per se destinados. A elevação do padrão de vida das classes subalternas, materialmente considerável e socialmente lastimável, reflete-se da difusão hipócrita do espírito. Sua verdadeira aspiração é a negação da reificação. Mas ele necessariamente se esvai quando se vê concretizando em um bem cultural e distribuído paras fins de consumo. A enxurrada de informações precisas e diversões assépticas desperta e idiotiza as pessoas ao mesmo tempo. O que está em questão não é a cultura como valor. A questão é que o esclarecimento deve tomar consciência de si mesmo, se os homens não forem traídos. Não se trata da conservação/superação hegeliana (2001) do passado, mas de resgate-esperança. O passado se prolonga como sua própria destruição.

                                                    

          No trajeto social para a concepção de ciência moderna, os homens renunciaram ao sentido e substituíram o conceito pela fórmula, a causa pela regra e pela probabilidade. A causa representou apenas o último conceito filosófico que serviu de padrão para a crítica científica, porque ela era, por assim dizer, dentre todas as ideias antigas, o único conceito que a ela ainda se apresentava, derradeira secularização do princípio criador. Com as Ideias de Platão, finalmente, também os deuses patriarcais do Olimpo foram capturados pelo logos filosófico. O esclarecimento, porém, reconheceu as antigas potências no legado platônico e aristotélico da metafísica e instaurou um processo contra a pretensão de verdade dos universais, acusando-a de superstição. Na autoridade dos conceitos universais ele crê enxergar ainda o medo pelos demônios, cujas imagens eram o meio, de que serviam os homens, no ritual mágico, para tentar influenciar a natureza. Doravante, a matéria era dominada sem o recurso ilusório a forças soberanas ou imanentes, sem a ilusão de qualidades ocultas. O que não submete ao critério da calculabilidade e da utilidade de uso torna-se suspeito para o esclarecimento. Mas cada resistência cultural que ele encontra serve apenas para aumentar a sua força social. Isso se deve ao fato de que o esclarecimento ainda se reconhece a si mesmo nos próprios mitos. Quaisquer que sejam os mitos de que possam se valer a resistência, o simples fato social de que eles se tornam argumentos por uma tal oposição significa que eles adotam o princípio da racionalidade decerto corrosiva da qual acusam o esclarecimento. O esclarecimento é totalitário. Para ele, o elemento social e humano básico do mito foi sempre o antropomorfismo, a projeção do subjetivo na natureza.

          A cultura respeitável constituiu até o século dezenove um privilégio, cujo preço era o aumento do sofrimento dos incultos, no século vinte o espaço higiênico da fábrica teve por preço a fusão de todos os elementos da cultura num cadinho gigantesco. Talvez não fosse um preço tão alto, como acreditam alguns defensores da cultura, se a venda em liquidação da cultura não contribuísse para a conversão das conquistas econômicas em seu contrário. Nas condições atuais, os próprios bens da fortuna convertem-se em elementos de infortúnio. Enquanto no período passado a massa desse bens, na falta de um sujeito social, resultava na chamada superprodução, em meio às crises da economia interna, ela produz com a entronização dos grupos que  detém o poder no lugar desse sujeito social, a ameaça internacional do monopólio ligado aos grupos econômicos, com a entronização do grupos que detêm o poder no lugar desse sujeito social que procura tornar inteligível o entrelaçamento da racionalidade e da realidade social, bem como o entrelaçamento, inseparável do primeiro, da natureza e da dominação da natureza. No centro estão os conceitos de sacrifício e renúncia, nos quais revelam tanto a diferença quanto a unidade da natureza mítica e do domínio esclarecido da natureza. Ele mostra como a submissão de tudo aquilo que é natural ao sujeito autocrático culmina exato no domínio de uma natureza e uma objetividade cegas. Essa tendência, segundo Adorno e Horkheimer, aplaina as antinomias do pensamento liberal, em especial a do rigor moral e absoluta amoralidade.

      No sentido do progresso do pensamento, o conceito de esclarecimento tem perseguido o objetivo de livrar os homens do medo e de investi-los na posição de senhores. Mas a terra totalmente esclarecida resplandece sob o signo de uma calamidade triunfal. O programa do esclarecimento representava o desencantamento do mundo. Sua meta era dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber. A credulidade, a aversão à dúvida, a temeridade no responder, o vangloriar-se com o saber, a timidez no contradizer, o agir por interesse, a preguiça nas investigações pessoais, o fetichismo verbal, o deter-se em conhecimentos parciais: isto e coisas semelhantes impediram um casamento feliz do entendimento humano com a natureza das coisas e o acasalaram, em vez disso, a conceitos vãos e experimentos erráticos: o fruto da prosperidade de tão gloriosa união pode-se facilmente imaginar. A imprensa não passou de uma inovação grosseira; a bússola já era, até certo ponto reconhecida. Mas que mudanças essas três invenções produziram – uma na ciência, a outra na guerra, a terceira nas finanças, no comércio e na navegação. Apenas presumimos dominar a natureza (cf. Castells, 2018), estamos submetidos à sua necessidade; se nos deixássemos guiar por ela na invenção, nós a comandaríamos na prática.  Desencantar o mundo é destruir o animismo. 

          O sobrenatural, o espírito e os demônios seriam as imagens especulares dos homens que se deixam amedrontar pelo natural. Todas as figuras míticas podem se reduzir, segundo o esclarecimento, ao mesmo denominador, a saber, ao sujeito. A resposta de Édipo ao enigma da esfinge: - “É o homem!” é a informação estereotipada invariavelmente repetida pelo esclarecimento, não importa se este se confronta com uma parte de um sentido objetivo, o esboço de uma ordem, o medo de potências maléficas ou a esperança da redenção. E antemão, o esclarecimento só reconhece como ser e acontecer o que se deixa captar pela unidade.  Sei ideal é o sistema do qual se pode deduzir toda e cada coisa. Não é nisso que sua versão racionalista se distingue da versão empirista. Embora as diferentes escolas interpretassem de maneira diferente os axiomas, a estrutura da ciência unitária era sempre a mesma. O postulado baconiano de una scientia universalis é, apesar de todo o pluralismo das áreas de pesquisa, tão hostil ao que não pode ser vinculado, quanto ao mathesis universalis de Leibniz à descontinuidade. A multiplicidade das figuras se reduz à posição e à ordem, a história ao fato, as coisas à matéria. Com Bacon, entre os primeiros princípios e os enunciados observacionais deve subsistir uma ligação lógica unívoca, medida por graus de universalidade. De Maistre zomba de Bacon por cultivar “une idole d`échelle”.  A lógica formal era a grande escola da unificação. Ela oferecia aos esclarecedores o esquema da calculabilidade do mundo. 

       Na realização da missa de Sétimo dia do apresentador e humorista Jô Soares (1938-2022), que aconteceu na última sexta-feira (12/08/2022), o médico Drauzio Varella deu detalhes de como foram os últimos dias do extraordinário comediante com maestria e honra.  A solenidade aconteceu na capela do colégio Nossa Senhora do Sion, em Higienópolis. Dr. Drauzio disse que Jô escolheu deixar o hospital e passar os últimos dias em sua casa assistindo a filmes clássicos noir, seu gênero favorito. No evento, organizado pela Academia Paulista de Letras, ainda estiveram presentes amigos, colegas e antigos colaboradores, entre eles a dramaturga e roteirista Maria Adelaide Amaral, que iniciou a homenagem com a leitura do “Salmo 22”, seguida da missa celebrada pelo bispo dom Fernando Antônio Figueiredo e pelo padre Júlio Lancelotti. Durante a celebração, amigos prestaram homenagens ao humorista, entre eles o Editor Matinas Suzuki Jr., que leu as últimas páginas do segundo volume do livro de memórias do apresentador. Jô Soares sofria de problemas de pulmão e morreu após uma falência de múltiplos órgãos. A ex-companheira e amiga Flávia Pedra Soares, recordou a devoção do humorista por santa Rita de Cássia e revelou que o artista tinha consciência sobre sua morte. Considerado um dos maiores humoristas do Brasil, Jô Soares virou sinônimo de talk show no país, mas, no início da carreira, fez bastante sucesso com papéis icônicos do humor na televisão brasileira.  O primeiro personagem de destaque de Jô Soares foi no sitcom Família Trapo, um programa humorístico da televisão brasileira da década de 1960, que foi consagrado e exibido pela TV Record, entre 1967 e 1971.  

No princípio, Jô apenas escrevia, com Carlos Alberto de Nóbrega, o roteiro do show que tinha como personagem principal Carlo Bronco Dinossauro, interpretado pelo comediante Ronald Golias. Depois, Jô ganhou um papel, o Mordomo Gordon. O programa foi criado por Nilton Travesso, A.A. de Carvalho, Raul Duarte e Manoel Carlos. Faziam parte do elenco ainda nomes famosos como Otelo Zeloni (Pepino Trapo), Renata Fronzi (Helena), Cidinha Campos (Verinha) e Ricardo Corte Real (Sócrates). Apresentado ao vivo do Teatro Record-Consolação e não dos estúdios da emissora, como era feita a maioria dos programas da época, um dos motivos para o sucesso da Família Trapo era a participação de convidados especiais e a improvisação. O episódio mais lembrado é com o ex-jogador de futebol Pelé. O Mordomo Gordon quer assustar o Bronco e apresenta o futebolista Pelé, como o atleta que vai substituí-lo no time da rua. No entanto, o personagem de Golias não reconhece o jogador. O Bronco, para delírio da plateia, começa a realizar uma série de testes com o Rei do Futebol, como as famosas embaixadinhas e chutes a gol. O mito filosoficamente converte-se em esclarecimento e a natureza em objetividade que transcende a realidade social. O preço que os homens pagam pelo seu poder é a alienação daquilo sobre o que exercem o poder. 

O esclarecimento, nunca é demais repetir, comporta com as coisas como o ditador se comporta com os homens. Este conhece-os na medida em que pode manipulá-los. O homem da ciência conhece as coisas na medida em que pode fazê-las. É assim que seu em-si torna para ele. Nessa metamorfose, a essência das coisas revela-se como sempre a mesma, como substrato da dominação. Essa identidade constitui a unidade da natureza. Assim como a unidade do sujeito, ela tampouco constitui um pressuposto da conjuração mágica. Os ritos do xamã dirigiam-se ao vento, à chuva, à serpente lá fora ou ao demônio dentro do doente, não a matérias ou a exemplares. Não era um e ao mesmo espírito que se dedicava à magia; ele mudava igual às máscaras do culto, que deviam se assemelhar aos múltiplos espíritos. A magia é pura e simples inverdade, mas nela a dominação ainda não é negada, aos se colocar, transformada na pura verdade, como a base do mundo que a ela sucumbiu. O feiticeiro torna-se semelhante aos demônios; para assustá-los ou suavizá-los, ele assume um ar assustadiço ou suave. Embora seu ofício seja a mera repetição, diferentemente do civilizado – para quem os modestos campos de caça se transformam no cosmo unificado, no conjunto de todas as possibilidades de presas – ele ainda não se declarou à imagem e semelhança do poder invisível. É só enquanto tal imagem e semelhança que o homem alcança a questão da representação da identidade do Eu que não pode se perder na identificação com o Outro, mas toma posse de si como máscara impenetrável.  

Ser oncologista não era a prioridade de carreira do Dr. Drauzio Varella, conforme ele contou na palestra: Reflexão sobre Carreira, que abriu a 5ª edição do Congresso Next Frontiers to Cure Cancer (2022). Mas lá se vão cinco décadas e ele ainda atende ao menos 50 pacientes oncológicos por semana. O Next Frontiers to Cure Cancer é um congresso internacional organizado pelo A. C. Camargo Cancer Center para discutir os principais avanços em pesquisa e inovação em diagnóstico e tratamento do câncer. Voltado para médicos, cientistas e multiprofissionais de diversas áreas como enfermeiros, fisioterapeutas, entre outros, o evento já é considerado um importante marco na agenda oncológica do país. O médico relata que em sua faculdade não havia uma cadeira sobre oncologia, nem mesmo uma que tratasse de medicina preventiva. - “Queria ser um sanitarista, mas a residência previa um rodízio por várias clínicas em diversas especialidades, até obstetrícia. Depois, no segundo ano, estava estudando bactérias no leite, mas queria ver os doentes, me meter na saúde pública. Me vi perdido, não era sanitarista nem cirurgião, apenas dava aula em cursinho”. Um encontro com o Dr. Vicente Amato Neto, infectologista e professor que formou uma geração de especialistas, o levou a um estágio no Hospital do Servidor Público. - “Foi o meu momento, aprendi mais que na faculdade, pois na medicina é assim, aprende-se no contato diário com os doentes”.  

Assim nasceu a paixão sobre imunologia. - “Me intrigava o fato de uma mesma doença afetar muito uma pessoa e pouco uma outra. Comecei a estudar mais o tema e aprender sobre a imunologia do câncer, cujas teorias até então eram dos anos 1920, mas que estavam renascendo àquela altura”. Por intermédio do Dr. Alóis Bianchi, Drauzio começou sua trajetória na oncologia do A. C. Camargo, no então novo serviço de imunologia. Era 1974. Permaneceu por 20 anos. - “Assim, me tornei um dos primeiros clínicos em oncologia com a prática do dia a dia. Neste processo, o Dr. Alois foi fundamental. A oncologia deve muito a ele, que foi um dos primeiros oncologistas pediátricos no Brasil. Ele formou uma geração”. No A. C. Camargo, Dr. Drauzio diz ter vivido a maior experiência na carreira. Foi o caso do Osvaldo, paciente que tinha tido um melanoma no braço e passado por um esvaziamento axilar para retirar linfonodos. Após ele ter metástases subcutâneas no braço, foi aconselhado a fazer uma desarticulação no órgão. - “Quando ele chegou pra mim, decidi aplicar BCG (Bacilo de calmette-Guerin) intratumoral, pois iam aparecendo novos nódulos. Mas, por falta da BCG intradérmica no país, decidi ministrar a BCG oral. Surpreendentemente, os nódulos foram involuindo até desaparecerem. Foi minha maior experiência na carreira de médico”.

Esse achado foi publicado na revista Cancer e abriu portas para o Dr. Drauzio passar dois meses no Memorial Sloan Kettering, em Nova York. Mesmo sem dinheiro sobrando, o Dr. Drauzio Varella procurou estagiar em diferentes realidades para ver de perto como se faz medicina e oncologia em diferentes lugares. Mesmo que sejam estágios curtos, como fez na Suécia, por três semanas, e no Memorial Sloan Kettering, em Nova York.  Para ir aos EUA numa época de muita inflação e dólar impraticável, o Dr. Drauzio pegou até empréstimo. - “Era 1983, Nova York era o epicentro da epidemia da aids, e ali vi sua relação com o sarcoma de kaposi. Como se pegava de forma injetável, eu já imaginava que a aids chegaria ao Brasil, onde, na periferia, muita gente usava cocaína injetável”. - “Acho perigoso enquadrar grupos de risco numa epidemia. No início da aids, ela era conhecida como ‘peste gay’, então a pessoa que não era gay achava que não pegava, e isso contribuiu para que se perdesse o controle, contaminando mulheres e outras populações”, explica o Dr. Drauzio. Ser oncologista é uma empatia. Esta é uma das características mais importantes, segundo o Dr. Drauzio Varella. E isso não está atrelado à atuação no sistema carcerário. - “Atendo na cadeia há 32 anos porque acho legal, não tem razão política ou filosófica. Fico feliz, ouço histórias e aprendo com doentes de uma realidade de um Brasil que eu não conhecia anteriormente”. E há outras características para um oncologista. - “Se a pessoa não gosta de estudar e acompanhar tudo que está rolando, não há nada errado nisso, mas ela não pode ser oncologista.

A emergência do capitalismo introduz um tipo social de ordem bem distinto, pela primeira vez genuinamente global, em seu escopo, e baseada mais no poder econômico do que no poder político, a chamada “economia capitalista mundial”. Ela tem suas origens nos séculos XVI e XVII, de forma integrada através de conexões comerciais e fabris, não por um centro político. Na verdade, existe uma multiplicidade de centros políticos, geograficamente, constituindo os Estados-nação. O sistema mundial moderno se divide em três componentes desenvolvimentistas: as metáforas do “centro”, a “semiperiferia” e a “periferia”, embora a localização destes se desloque regionalmente através do tempo e espaço. O capital, como categoria analítica, nunca cedeu às suas aspirações de ser determinado por limites nacionais. O capitalismo fundou uma influência globalizante precisamente por ser uma ordem econômica e não uma ordem política; ele foi capaz de penetrar em áreas distantes do mundo globalizado onde os Estados de sua origem não poderiam fazer valer totalmente sua influência política. A administração colonial pode ter ajudado, em algumas situações, a consolidar a expansão econômica, mas ela nunca chegou a ser a base principal da disseminação do empreendimento em escala global.

No final do século XIX, quando o colonialismo como categoria de exploração do trabalho em sua forma original já “quase” desapareceu, a economia capitalista mundial continua a envolver grandes desequilíbrios no “centro”, a “semiperiferia” e a “periferia”.  A teoria do sistema mundial se concentra enfaticamente sobre influências econômicas e considera difícil explicar de forma satisfatória, precisamente, aqueles fenômenos tornados centrais pelos teóricos das relações internacionais: a ascensão do Estado-nação e do sistema de Estados-nação. Além disso, as distinções entre centro, semiperiferia e periferia, baseadas em critérios de análise econômica, não nos permite elucidar concentrações de poder político ou militar, segundo Giddens (1991) que não se alinham de maneira exata às diferenciações econômicas. Os principais centros de poder na economia mundial são Estados capitalistas – Estados fortes onde o empreendimento econômico capitalista com as relações de classe que isto implica, é a principal forma de produção social. Isto quer dizer que as políticas econômicas nacional e internacional destes Estados envolvem muitas formas de regulamentações da atividade econômica, mas, sua organização institucional mantém uma “insulação” do nível econômico em relação ao político. Isto possibilita um amplo escopo para as atividades globais das corporações de negócios, que sempre têm uma base matriz num Estado específico, mas podem desenvolver muitos outros envolvimentos regionais em outros lugares.

As firmas de negócios, especialmente as corporações multinacionais, podem controlar imenso poder econômico, e ter a capacidade de influenciar sistemas políticos em seus países-base e em outros lugares similares. A ilusão econômica é que as maiores companhias multinacionais da atualidade têm orçamentos maiores do que os de todas as nações com poucas exceções. Mas há alguns aspectos-chave nos quais seu poder não pode rivalizar com o dos Estados – especialmente importantes aqui são os fatores de territorialidade e de controle dos meios de violência. Não há uma área na superfície da Terra, com exceção parcial das regiões polares, que não seja reivindicada como legítima esfera de controle de um ou outro Estado. Todos os estados modernos têm um monopólio mais ou menos bem-sucedido dos meios de violência no interior de seus próprios territórios. Não importa o quão grande possa ser seu poder econômico, as corporações industriais não são organizações militares – como algumas delas eram durante o período colonial, - e não podem se estabelecer como entidades político/legais que governam uma determinada área territorial. Se os Estados-nações são os “atores sociais”, na falta de melhor expressão, da ordem política global, as corporações são os agentes dentro da economia mundial. Em suas relações comerciais entre si e com Estados e consumidores, as companhias dependem da eficácia do processo produtivo. 

Entretanto, mesmo em seus primórdios, a economia mundial capitalista nunca foi apenas um mercado para o comércio de bens e serviços. Ela envolvia, e envolve ainda, a transformação em mercadoria da força de trabalho em relações de classe que separam os trabalhadores do controle de seus meios de produção. Todos os Estados-nação dentro dos setores desenvolvidos do mundo, confiam em primeiro lugar na produção industrial para a geração da riqueza na qual se baseiam seus ganhos. A busca de crescimento tanto pela sociedade ocidental como pela oriental da Europa empurra inevitavelmente os interesses econômicos para o primeiro plano das políticas que os Estados seguem na arena internacional. A influência de qualquer Estado específico na ordem política global é fortemente condicionada pelo nível de sua riqueza e a conexão entre esta e a força militar. Entretanto, os Estados fazem derivar seu poder das capacidades de soberania. Eles não operam como “máquinas econômicas”, mas como “atores sociais” ciosos de seus direitos territoriais, preocupados com a promoção de culturas nacionais, e tendo envolvimentos geopolíticos estratégicos com outros Estados ou alianças de Estados. O sistema de Estados-nação participa há tempo da característica de reflexividade da modernidade. 

A soberania está vinculada à substituição das “fronteiras” pelas “divisas” no desenvolvimento inicial do sistema de Estados-nação: a autonomia dentro do território reivindicado pelo estado é sancionada pelo reconhecimento das divisas pelos Estados. Um aspecto da dialética da globalização é o “empurra e puxa”, segundo Giddens, entre tendências voltadas à centralização, inerente à reflexividade dos sistemas de Estados por um lado e a soberania dos Estados específicos por outro. Assim, ação planejada entre países a respeito de algumas coisas diminui a soberania individual das nações envolvidas, embora ao combinar seu poder de outras maneiras, ela aumenta sua influência dentro do sistema de Estados. O mesmo vale para os antigos congressos que, em conjunção com a guerra, definiam e redefiniam as divisas dos Estados – e para agências realmente globais como as Nações Unidas. A influência da Organização das Nações Unidas (ONU) tal como se constituiu, não é obtida apenas e através de uma diminuição da soberania dos estados-nação – as coisas são mais complicadas do que isto. Um exemplo óbvio é o das “nações novas” – Estado-nação autônomos estabelecidos em áreas anteriormente colonizadas. A luta armada contra os países colonizadores foi geralmente um fator importante para persuadir os colonizadores a se retirarem. As discussões na Organização das Nações Unidas tiveram um papel-chave nas áreas ex-coloniais como Estados com divisas internacionalmente reconhecidas.  

Organização das Nações Unidas, ou simplesmente Nações Unidas, se já não é um truismo, representa uma organização intergovernamental criada para promover a cooperação. Uma substituição à Liga das Nações, a organização foi estabelecida em 24 de outubro de 1945, após o término da 2ª guerra mundial, com a intenção de impedir outro conflito como aquele. Inicialmente com a sua fundação, a organização tinha 51 Estados-membros. A ONU representa uma aliança de Estados com atualmente 193 estados membros de todas as regiões do mundo. As Nações Unidas são uma organização global cujas tarefas são assegurar a paz e proteger os direitos humanos e internacionais. Todos os estados membros juntos cobrem uma área de 133,81 milhões km² e 7,88 bilhões pessoas. A sua sede está localizada em Manhattan, Nova York (EUA), e possui extraterritorialidade. Outros escritórios situam-se em Genebra (Suíça), Nairóbi (Quênia) e Viena (Áustria). A organização é financiada com contribuições avaliadas e voluntárias dos países-membros. Os seus objetivos incluem manter a segurança e a paz mundial, promover os direitos civis ou humanos, auxiliar no desenvolvimento econômico e no progresso social, proteger o meio ambiente e prover ajuda humanitária em casos de fome, desastres naturais e conflitos armados. Durante a 2ª guerra mundial, o presidente estadunidense, Franklin D. Roosevelt (1882-1945), começou a debater a criação de uma agência que sucederia a Liga das Nações, e a Carta das Nações Unidas foi elaborada em uma conferência em abril-junho de 1945; a carta entrou em vigor a 24 de outubro de 1945, e a ONU começou a operar globalmente entre as nações.

A Guerra Fria foi definida como uma rivalidade imperial entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União Soviética e seus respectivos aliados. A disputa entre os dois países globalizados se iniciou alguns anos após a derrota da Alemanha nazista na 2ª guerra mundial e logo se transformou em uma inimizade aberta que se espalhou para a esfera ideológica, econômica, científica, militar e outras. A Guerra Fria durou quase 50 anos e terminou com a dissolução da União Soviética em 1991. Embora os debates sobre isso continuem, a maioria dos historiadores concorda que tanto os EUA quanto a URSS contribuíram para a escalada das tensões. Após a vitória sobre os nazistas, a URSS queria eliminar qualquer mínima possibilidade de ataque contra o país. O Kremlin buscou fortalecer sua posição na Europa e instalou governos socialistas em diversos países do Leste Europeu que o Exército Vermelho havia libertado da ocupação nazista. Por razões ideológicas, a União Soviética também proclamou o desejo e a intenção de espalhar o comunismo por todo o mundo. Por outro lado, os Estados Unidos aproveitaram esta oportunidade para espalhar sua influência sobre a Europa enfraquecida e, assim, emergir como uma força dominante na política mundializada após um prolongado período de impressionante isolamento político. A oposição à aspiração soviética de instalar governos comunistas na Europa era naturalizada para os Estados Unidos da América, que queriam se tornar uma superpotência global.

A Guerra Fria se intensificou quando Washington anunciou a implementação de um plano massivo de restauração da Europa, conhecido como Plano Marshall, além de introduzir a chamada Doutrina Truman, uma política que prometia apoiar as democracias contra “ameaças autoritárias”: isso significava que os Estados Unidos conteriam a expansão soviética em qualquer lugar do mundo. Obviamente, não sabemos o que aconteceria se os norte-americanos ou a União das Repúblicas Socialista Soviética tivessem agido de maneira diferente, mas o conflito parecia inevitável. Houve tantos fatores que contribuíram para desencadear a Guerra Fria que é seguro afirmar que Moscou e Washington simplesmente não tinham qualquer chance de evitar a Guerra Fria. Em primeiro lugar, a Alemanha perdeu toda sua influência na Europa e deixou uma lacuna de poder que foi rapidamente preenchida pela União Soviética e pelos EUA, tornando os dois países rivais naturais. Ideologias conflitantes também não ajudaram a tornar as relações amigáveis. Os dois países fabricavam armas nucleares no início da Guerra Fria e, assim, se tornaram as principais potências do mundo. Todos esses fatores juntos tornaram a Guerra Fria uma pratica inevitável. Por que “Fria”? O confronto global entre os Estados Unidos e a União Soviética se tornou conhecido como “Frio” porque nunca se transformou em guerra entre as duas superpotências.

O termo “Guerra Fria” foi inventado em 1945 pelo escritor e jornalista Eric Arthur Blair, reconhecido pelo pseudônimo George Orwell (1903-1950), que previu um período da história caracterizado pela rivalidade entre Estados que seriam, “ao mesmo tempo, invencíveis e em permanente estado de ‘guerra fria’ com seus vizinhos”. A previsão de Orwell se tornou uma realidade quase inacreditável: os EUA e a URSS eram invencíveis porque tinham enormes estoques de armas nucleares e estavam presos a um conflito permanente. Muito perto. De fato, a Guerra Fria se desenrolou em múltiplas guerras indiretas nas quais os EUA e a URSS lutaram entre si indiretamente, apoiando lados opostos em sangrentos conflitos desencadeados em diferentes cantos do globo. As guerras na Coreia, no Vietnã, no Congo, em Angola, no Afeganistão e em outros países foram, em grande parte, produtos da Guerra Fria. Muitas pessoas morreram durante esses conflitos, entre elas, soldados soviéticos e norte-americanos. No entanto, eles nunca foram considerados confrontos militares abertos entre os EUA e a URSS. Em vez disso, Moscou e Washington os viam como possibilidade de penetrar suas ideologias e minar a posição de seu rival em partes do mundo - tudo às custas das populações locais, que sofreram enormes perdas, mas também tiraram disso alguns benefícios. Em alguns momentos, os EUA e a URSS chegaram perto de entrar em uma guerra direta.

Por exemplo, durante a Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962, quando o mundo chegou bem perto da Terceira Guerra Mundial. Um erro técnico poderia ter causado uma guerra nuclear entre os dois países em 1983, mas o apocalipse foi evitado graças ao oficial soviético Stanislav Petrov (1939-2017), que, após um alarme falso, decidiu não lançar um ataque nuclear contra os Estados Unidos. Quando a União Soviética deixou de existir, em 1991, os Estados Unidos se tornaram o único lado sobrevivente da Guerra Fria. No entanto, os historiadores ainda discutem se isso pode ser considerado uma vitória completa dos Estados Unidos na Guerra Fria, porque não está claro qual foi o principal motivo do colapso da URSS. Sem dúvida, os Estados Unidos esgotaram os recursos soviéticos por meio de caras guerras indiretas e de uma corrida armamentista nuclear incrivelmente cara. No entanto, diversos historiadores argumentam que os Estados Unidos foram apenas testemunhas do colapso da URSS, enquanto a superpotência comunista se desintegrou devido a uma série de problemas internos: a ineficiência da economia planificada, os enormes gastos militares, a corrupção, o governo totalitário do partido comunista, e a ausência de liberdades, incluindo a de expressão. Mesmo que Washington considerasse o colapso de seu rival uma vitória indiscutível, a era pós-Guerra Fria apresentou novos desafios para os Estados Unidos, levando algumas pessoas a argumentar que os EUA se tornaram uma potência em declínio na política internacional depois de perder seu arqui-inimigo. Logo após a queda da URSS, muitas pessoas começaram a compartilhar o ponto de vista expresso no livro: The End of History and the Last Man, publicado em 1992 por Francis Fukuyama, de que o fim da Guerra Fria é “o ponto final da evolução ideológica da humanidade”. No entanto, os acontecimentos históricos pontuais na política internacional na era pós-Guerra Fria colocaram em questão a veracidade deste argumento.

A sua “missão”, na falta de melhor expressão, de promover a paz foi complicada nas suas primeiras décadas de existência, por causa da chamada Guerra Fria, entre Estados Unidos da América, União Soviética e seus respectivos aliados. Teve participação em ações importantes na Coreia e no Congo-Léopoldville, além de ter aprovado a criação do Estado de Israel em 1947. Em 14 de maio de 1948, Israel proclamou sua Independência. Menos de 24 horas depois, os exércitos normais do Egito, Jordânia, Síria, Líbano e Iraque invadiram o país, forçando Israel a defender a soberania que acabara de reconquistar em sua pátria ancestral. O número de integrantes cresceu após o grande processo de descolonização na década de 1960, ocorrido principalmente na África, na Ásia e na Oceania, e, na década seguinte, seu orçamento para programas de desenvolvimento social e econômico ultrapassou em muitos seus gastos com a manutenção da paz. A Guerra dos Seis Dias ocorreu em 1967, envolvendo Israel e países árabes. Foi vencida pelos israelenses, que ampliaram o seu território muito além do estabelecido em 1948. Após o término da Guerra Fria, em 1991, a Organização das Nações Unidas assumiu as principais missões militares e de paz ao redor do globo, com diferentes níveis de sucesso. A organização foi laureada com o Nobel da Paz em 2001, e alguns de seus oficiais e agências também ganharam o prêmio. Outras avaliações da eficácia simbólica da Organização das Nações Unidas são ordinariamente mistas. Alguns afirmam que as Nações Unidas são uma força estratégica no que tange manter a paz mundial e estimular o desenvolvimento humano, enquanto outros adjetivam-na de “ineficiente, corrupta ou tendenciosa”.

Seis órgãos burocráticos principais compõem as Nações Unidas: a Assembleia Geral, assembleia deliberativa principal; o Conselho de Segurança, para decidir determinadas resoluções de paz e segurança; o Conselho Econômico e Social, para auxiliar na promoção da cooperação econômica e social internacional e desenvolvimento; o Conselho de Direitos Humanos, para promover e fiscalizar a proteção dos direitos humanos e propor tratados internacionais sobre esse tema sensível; o Secretariado, para fornecimento de estudos, informações e facilidades necessárias para a organização e o Tribunal Internacional de Justiça, o órgão judicial principal. Além desses, há órgãos complementares de todas as outras agências do Sistema das Nações Unidas, como principalmente a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Programa Alimentar Mundial (PAM) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). O cargo público mais alto na ONU é o de secretário-geral, ocupado por António Guterres desde 2017. Ao traçar as coalescências entre poder militar e a soberania dos Estados, encontramos o mesmo “puxa e empurra” entre as tendências opostas. A globalização do poder militar não se limita obviamente ao mero armamento e às alianças entre as forças armadas de Estados diferentes – ela também diz respeito à geopolítica da própria guerra.

António Manuel de Oliveira Guterres nasceu em Lisboa, em 30 de abril de 1949. É um engenheiro, político e diplomata português que serve como nono secretário-geral da Organização das Nações Unidas. Guterres foi Primeiro-Ministro de Portugal entre 1995 e 2002 e Secretário-Geral do Partido Socialista entre 1992 e 2002. Foi Presidente da Internacional Socialista entre 1999 e 2005. Exerceu o cargo de Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados entre 15 de junho de 2005 e 31 de dezembro de 2015. No ano seguinte, anunciou sua candidatura ao cargo de secretário-geral das Nações Unidas. Em 5 de outubro de 2016 foi anunciada a vitória de António Guterres na eleição para Secretário-geral, sendo marcada para o dia seguinte a votação formal no Conselho de Segurança. Em 6 de outubro de 2016 o Conselho de Segurança votou por unanimidade e aclamação a resolução que recomenda à Assembleia Geral a designação de Guterres como novo secretário-geral das Nações Unidas. Depois do juramento prestado a 12 de dezembro de 2016, perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, tomou posse como o nono secretário-geral das Nações Unidas no dia 1º de janeiro de 2017 para um mandato de 5 anos. Duas guerras mundiais dão mostras da maneira pela qual conflitos locais em suas extraterritorialidades tornaram-se questões de envolvimento regional e global.

Em ambas as guerras, os participantes pertenciam a virtualmente todas as regiões. Numa era de armamento nuclear, a industrialização da guerra chegou a um ponto em que, a obsolescência da principal doutrina de Clausewitz tornou-se clara para todos. A única razão para se manter armas nucleares – afora seu possível valor simbólico na política mundial – é impedir que os outros a usem. Embora essa situação possa levar a uma suspensão da guerra entre as potências nucleares, ela de modo algum as impede de se engajar em aventuras militares fora de seus próprios domínios territoriais. As duas superpotências em particular se engajavam no que em sua interpretação analítica Anthony Giddens chama de “guerras orquestradas” em áreas reconhecidas periféricas de força militar. Ou seja, confrontos militares com os governos de outros Estados ou com movimentos de guerra de guerrilha, ou ambos, nos quais as tropas da “superpotência não estão necessariamente engajadas”. A quarta dimensão da globalização diz respeito ao desenvolvimento industrial. Seu aspecto mais óbvio é a expansão da divisão global do trabalho, que inclui as diferenciações entre áreas mais e menos industrializadas no mundo. A indústria moderna se baseia intrinsecamente em divisões técnicas de trabalho, não apenas ao que diz respeito às tarefas, mas também à especialização regional em termos de tipologia de indústria, capacitações e a produção social de matérias-primas.

Não há dúvida de que ocorreu uma importante expansão de interdependência global na divisão do trabalho desde a 2ª guerra mundial. Isto concorreu economicamente para a realização de mudanças na distribuição mundial da produção, incluindo a “desindustrialização” de certas regiões nos países desenvolvidos e o surgimento dos “países recém-industrializados” no chamado Terceiro Mundo. O que serviu sem dúvida para reduzir a hegemonia econômica interna de muitos Estados, particularmente daqueles com um alto nível de industrialização. É mais difícil para os países capitalistas do que era antes de dirigir suas economias, por causa da acelerada interdependência econômica global. E certamente uma das principais razões para o impacto declinante das políticas econômicas keynesianas na economia nacional. O pensamento keynesiano afirma que o Estado deve oferecer benefícios sociais aos trabalhadores, como seguro de saúde, seguro-desemprego, salário mínimo, férias remuneradas, dentre outros. Nesse sentido, tem deveres a cumprir para com seus cidadãos, lhes proporcionando uma vida digna. Mesmo nos Estados que permanecem primordialmente agrícolas, a tecnologia é aplicada de modo a alterar as relações preexistentes entre a organização social urbana e o meio ambiente.

Isto vale, por exemplo, para o uso de fertilizantes ou outros métodos de lavoura artificial, para a introdução de moderna maquinaria agrícola etc. A difusão do industrialismo criou “um mundo” num sentido mais negativo e ameaçador, um mundo no qual há mudanças ecológicas reais ou potenciais de um tipo daninho que afeta a todos no planeta. Entretanto, o industrialismo também condicionou decisivamente nossa própria sensação de viver de fato em “um mundo”. Pois um dos mais importantes efeitos (perversos) do industrialismo foi a transformação das tecnologias de comunicação. As tecnologias mecanizadas de comunicação influenciaram dramaticamente aspectos da globalização desde a introdução da impressora mecânica na Europa. Elas formam um elemento essencial da reflexividade da modernidade, e obviamente das “descontinuidades que destacaram o moderno para fora do tradicional”. O impacto social globalizante da mídia foi notado por autores durante o início do crescimento dos jornais de circulação de massa. O aldeão que lê jornal se interessa simultaneamente pela revolução no Chile, uma guerrilha na África Oriental, um massacre no Norte da China, e a fome na Rússia.    

Bibliografia geral consultada.

AROUCA, Antônio Sérgio da Silva, O Dilema Preventivista. Contribuição para a Compreensão e Crítica da Medicina Preventiva. Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências Médicas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 1975; GALLIE, Walter Bryce, Os Filósofos da Paz e da Guerra: Kant, Clausewitz, Marx, Engels e Tolstoi. Rio de Janeiro: Editora Artenova; Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1979; ORWELL, George, The Lion and the Unicorn: Socialism and the English Genius. Londres: Penguin Books, 1982; ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max, Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985; GIDDENS, Anthony, As Consequências da Modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991; HEGEL, Friedrich, A Razão na História: Uma Introdução Geral à Filosofia da História3ª edição. São Paulo: Editora Centauro, 2001; FREIRE FILHO, João, Ser Feliz Hoje: Reflexões sobre o Imperativo da Felicidade. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 2010; BANDO, Daniel Hideki, Sazonalidade, Efemérides e a Mortalidade por Doença Coronária, AVC, Insuficiência Cardíaca de Transporte, Suicídio e Homicídio na Cidade de São Paulo, 1996 a 2009. Tese de Doutorado. Programa de Ciências Médicas. Faculdade de Medicina. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2012; MARX, Karl, O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I. São Paulo: Boitempo Editorial, 2013; ROSE, Nikolas, A Política da Própria Vida: Biomedicina, Poder e Subjetividade no Século XXI. São Paulo: Paulus Editora, 2013; COLOMBO, Grazziani Barreto, Participo Logo Existo: Uma Análise sobre a Propagação de Informações e a Percepção de Existência nas Redes Sociais. Dissertação de Mestrado. Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2015; FREITAS, Angelica Fonseca, Ruínas do Corpo: Práticas de Si e os Sentidos da “Boa Forma” na Contemporaneidade. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Faculdade de Comunicação. Brasília: Universidade de Brasília, 2017; CASTELLS, Manuel, Ruptura: A Crise da Democracia Liberal. 1ª edição. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2018; SILVESTRE, Camila Marins, Um Mercado de Visibilidade e Cifrões: Influenciadores Digitais e o Empreendedorismo de Si. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Niterói (RJ): Universidade Federal Fluminense, 2018; Artigo: “Ser Oncologista: Dr. Drauzio Varella fala sobre os desafios da profissão na abertura do Next Frontiers to Cure Cancer”. In: https://accamargo.org.br/sobre-o-cancer/noticias/24/06/2021; LIMA, Lunélia Amaral, Vida Saudável e Ciberterritório: Os Discursos Construídos por Médicos no Instagram. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades. Centro de Artes. Vitória: Universidade Federal do Espírito Santo, 2022; entre outros. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário