terça-feira, 17 de novembro de 2020

Max Weber - Ciência, Axiologia, Resignação & Afeto Religioso.

 Ubiracy de Souza Braga

A experiência de irracionalidade tem sido a força de todas as revoluções religiosas”. Max Weber

        O sociólogo não é um observador. Sua pesquisa se torna necessariamente uma intervenção, mesmo se ela é recusada ou se seus efeitos são anulados. A Sociologia não se constitui a partir de uma ausência de saber sobre a sociedade, como se ele se construísse tijolo por tijolo. Ela só se pode constituir através da reação contra categorias de interpretação que fazem parte das categorias sociais. Ela deve extrair os fatos sociológicos dos fatos sociais em que estavam contidos. A classificação tradicional dos sociólogos e do nascimento da sociologia como disciplina científica, impele-os à sua relação profissional pelo tipo de interpretação do sistema social que condiciona seu trabalho analítico e seu objeto de pensamento - as relações sociais – em uma tipologia determinada. Conquanto são mais sensíveis: os sociólogos das organizações, das instituições políticas ou da historicidade e das classes sociais. E, na modernidade, o sociólogo engajado nas intrigas das instituições. Trata-se da dramatis personæ dos personagens presentes na realidade, mas que não aparecem no palco em tragédias, pois não são considerados parte deste “teatro de operações”. Diz-se que passou a ser usada nas obras do idioma inglês desde 1730. É evidente que seu uso na divisão internacional do trabalho intelectual sofreu mudanças na sociologia, a partir da posterior utilização na etnologia da expressão dita “ator social”.  O domínio mais difícil de explorar da Sociologia é da eficácia simbólica das respostas ao poder.

            O sociólogo, assim como deve ser um homem que sente, compreende e sabe, não deve ser jamais um homem que acredita. Questionar a unidade de um sistema de representações, de uma ideologia, conduz necessariamente a questionar uma hegemonia política e um poder organizacional e, mais concretamente, um poder de Estado. O sociólogo só muito raramente é o ideólogo da classe dominada. É melhor representar a sociedade do ponto de vista de uma classe que do ponto de vista mais integrador do Estado ou típico do clero. A análise é constantemente influenciada pelo Estado e mais ainda pelo aparelho de reprodução social e cultural comandado pelo Estado. Este poder político “não satisfaz completamente o sociólogo” (cf. Touraine, 1974), mesmo o mais complacente. Ele o desconcerta também, pois manipula a guerra e a diplomacia, vive do acontecimento, e, em sentido inverso, não assegura jamais completamente a unidade de sua prática e de seu discurso. Ser sociólogo, o que não é apenas o caso dos que vivem disso, é ao mesmo tempo lutar contra as aparências com que se mascara o poder e submeter-se à exigência principal do conhecimento sociológico: o reconhecimento de que o sentido da ação não é jamais dado inteiramente pela consciência do ator social. 

            Pode-se perceber ainda três temperamentos dos sociólogos. A uns agrada ir ao âmago da vida social, ao lugar das relações e dois conflitos. São os que trazem ao conhecimento o que lhe é mais indispensável. Seja qual for a sua orientação particular, eles decifram a rede das interações sociais e chegam até a estrutura da sociedade. Outros são mais polêmicos. Abrem caminho aos construtores da sociedade combatendo sem cessar o poder, o seu discurso, as suas categorias e também a sua repressão e as suas exclusões. É difícil que eles possam agir assim, segundo Touraine, por longo tempo sem estarem motivados por uma santa cólera e, portanto sem estarem eles próprios carregados de ideologia ou sem serem os portadores dos interesses de uma comunidade ameaçada. Há outros ainda que são os sociólogos da noite. Eles ouvem aqueles que não falam mais, olham para aqueles cujos olhos foram vazados. Descobridores das terras de além dos muros da “civilização”, exploram o imenso mundo da exclusão. É impossível aqui deixar de rememorar e fazer menção ao sociólogo Herbert José de Sousa (1935-1997), o Betinho, trabalhador social engajado e ativista dos direitos humanos que concebeu e dedicou-se à Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.  Em 18 de agosto de 2010, a Comissão de Anistia concedeu à família de Betinho uma indenização mensal, além de montante retroativo, em razão da perseguição política sofrida durante o período de ditadura militar, comprovada por documentos encontrados nos arquivos censurados do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Maria Nakano, sua viúva, recebeu o direito político a uma pensão vitalícia.   

Como compreender academicamente que o reconhecimento do sentido da ação não é jamais dado inteiramente pela consciência do ator? A crítica do poder não se faz em função de um contrapoder. O conhecimento do social não prepara a ordem de amanhã. O poder reivindica o sentido para aquele que o detém. Ele só distingue aqueles que participam do poder, por delegação de autoridade ou simples obediência, daqueles que forjam alijados na direção de um não-sentido e utilizados como seres não-sociais. Não há nenhuma sociedade sem o poder, ainda que existam sistemas políticos sem o Estado. Alguns sabem disso, melhor, talvez que em sociologia. Toda sociedade destrói assim, para reconstruir a realidade. Faz um corte nas relações sociais, desfigura o outro e o dessocializa através do preconceito individual ou coletivo, da hostilidade, da repressão ou da exploração. Assim, o poder se reveste de positividade, seja a do Estado no caso das instituições, ou da ideologia, no caso das universidades públicas. O que nos traz de volta ao ponto de partida, pois o sociólogo encontra o poder ou a ideologia.

O imperativo ético e religioso no estudo de qualquer problema da história universal, foi posto pela primeira vez por Max Weber, como um problema da moderna civilização europeia sujeito à indagação sobre qual combinação de fatores a que se pode atribuir o fato social da civilização ocidental, e somente nela, terem surgido fenômenos culturais dotados de desenvolvimento universal em seu valor cognitivo e de significado: 1) apenas no Ocidente existe ciência em um estágio de desenvolvimento que atualmente reconhecemos como válido; 2) Os conhecimentos empíricos, as reflexões sobre os problemas do mundo e da vida, a sabedoria filosófica e teológica mais profunda não se restringem à ciência, uma vez que existiam apenas fragmentos no Islamismo e em algumas seitas hindus; 3) Faltava à altamente elaborada historiografia chinesa o método de Tucídides, Maquiavel, certamente, teve precursores na Índia, porém em todas as teorias políticas indianas faltava um método sistemático comparável ao de Aristóteles inexistindo conceitos racionais; 4) Nem as antecipações da Escola de Mimansa (Índia) nem as extensas codificações, especialmente as do oriente Médio; e, 5) nem mesmo a literatura jurídica, quer seja indiana ou qualquer outra, alcançaram a rigidez sistemática na forma de pensar, por vezes eclética tão essencial à jurisprudência racional do direito romano e que, por sua vez, influenciou o direito ocidental; 6) Uma estrutura técnica como a do direito canônico só é conhecida no Ocidente. O mesmo ocorre com a arte.   

A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo é considerada a grande obra de Max Weber e é o seu texto mais lido e reconhecido. A primeira parte desta obra foi publicada em 1904 e a segunda veio a público em 1905, depois da viagem do autor e de sua esposa Marianne Schnitger aos Estados Unidos da América. Analisando todo o processo em seu conjunto, Weber verifica que dos dogmas e, em especial, dos impulsos morais do protestantismo, derivados após a reforma de Lutero, surge uma forma de vida de caráter metódico, disciplinado e racional. Da base moral do protestantismo surge não só a valorização religiosa do trabalho e da riqueza, mas também uma forma de vida que submete toda a existência do indivíduo a uma lógica disciplinar férrea e coerente: uma personalidade sistemática e ordenada. Sem estes impulsos morais não seria possível compreender a ideia de vocação, concepção que subjaz as figuras modernas do operário e do empresário. A moral específica dos círculos protestantes possui uma relação sociológica de afinidade eletiva com o comportamento individualista que subjaz ao sistema econômico e, ainda que este não derive apenas deste fator unicausal, trata-se de um impulso vital para o entendimento do mundo tanto moderno quanto contemporâneo.

No final da Ética Protestante, Max Weber destaca para o que nos interessa - objeto de nossa argumentação que, apesar de secularizada, ou seja, desprovida de fundamentos religiosos, a vida aquisitiva da economia moderna generalizou-se para todo conjunto da vida social: os puritanos queriam tornar-se monges, hoje todos têm que segui-los. Esta avaliação também ganha contornos críticos, pois Weber constata que a lógica da produção, do trabalho e da riqueza envolve o mundo moderno como uma “jaula de ferro” (Eisernen Käfig) e se pergunta qual o destino dos tempos modernos: o ressurgimento de velhas ideias ou profecias ou uma realidade petrificada, até que a última tonelada de carvão fóssil seja queimada? Em tons que lembram Friedrich Nietzsche, ele dirá ainda sobre os rudes homens dos tempos atuais: “especialistas sem espírito, nulidades sem coração”. Esta visão crítica do capitalismo encorajou certos pensadores marxistas como Georg Lukács, Karl Löwith, Michael Löwy a ressaltarem algumas afinidades eletivas do seu pensamento com a visão marxista, corrente que, sem menosprezar as sensíveis diferenças entre as duas formas de pensamento, foi sendo denominada como uma nova expressão, o “webero-marxismo”. No entanto, diferente da visão marxista, que privilegia os condicionamentos econômicos de reprodução da vida, Weber, coerente com a técnica de interpretação multicausal da religião, destaca seus fatores culturais e, mais tarde, concordando com Marx, enfatizará também a importância dos fatores materiais de poder no surgimento das instituições modernas. 

No final do período 1911-1912 Weber estava no ápice de sua atividade intelectual criadora. Preparava-se para produzir análises comparadas de envergadura, que resultariam nos trabalhos sobre a “ética econômica” das grandes religiões mundiais. Ao mesmo tempo havia assumido a relação do que seria o volumoso estudo intitulado: Economia e Sociedade, inclusive o ensaio de aprofundamento metodológico, publicado em 1913, intitulado: Algumas Categorias da Sociologia Compreensiva. Sua posição na sociedade alemã estava consolidada pela publicação da obra que o consagraria como historicista, com o desenvolvimento teórico do ensaio: A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo e seus desdobramentos qualitativos sobre os aspectos metodológicos de análise, concentrado essencialmente, no período 1903-1905. Para não falarmos em sua incursão no plano das partituras musicais, por intermédio de Mina Tobler, uma pianista amiga, quando examina as partituras de Tristão e Isolda, de Richard Wagner. Nele, o todo deve tornar-se dominável pela divisão nas usas unidades mínimas, obedecendo à vontade do sujeito livre de qualquer legado da atomização que já predomina. Com relação ao papel musical do acorde Tristão, situando-o como símbolo de superação da teoria musical tonal, podemos distinguir pelo menos três aspectos essenciais importantes de explicação desta incursão: quanto às implicações harmônicas do acorde; quanto à posição da ópera Tristão e Isolda no conjunto de obras de Richard Wagner; e global quanto ao papel desempenhado por Wagner na história da música.     

O trabalho etnológico do sociólogo é fazer sociologia, fazer aparecer o objeto sociológico, para além das normas, das categorias e dos controles da organização social. O sociólogo há muito deixou de ser um mero observador por trás das relações. Sua pesquisa se torna necessariamente uma intervenção, mesmo se ela é recusada ou se os seus efeitos são anulados. Não é mais possível separar ao nível de análise político o estudo da organização e o dos comportamentos sociais. A posição dos atores sociais é menos abstrata, não pode ser mais definida em relação a escalas de estratificação, à distância entre o grupo de pertencimento e os grupos de referência que se constituem em instâncias de poder etc. Ela deve ser expressa diretamente em termos de influência do ator sobre a decisão técnica que o afeta. À observação em uma organização de relações abstratas sucede ao esquema pesquisa-ação sobre mecanismos de decisão. O campo de estudo é menos limitado. As relações estudadas são mais fáceis de identificar, já que o ator se define diretamente em relação a outros e não em relação a regras ou escalas.

O sociólogo Gabriel Cohn observa que é no domínio das variadas  investigações histórico-sociais da história à teoria do direito, da economia à sociologia e, permeando este métier, a teoria política  e a intervenção ativa nos problemas contemporâneos. E, o que é essencial nesse erudito universal é que repudiava qualquer busca de sistemas totalizantes, como o funcionalismo e o marxismo, tanto no domínio das ideias quanto da realidade empírica. O que temos em sua ação social é a representação de uma figura proteiforme, capaz de assumir as mais diversas formas  e ocupar os mais diferentes lugares na sua vida intelectual hic et nunc sem na realidade definir-se por nenhuma delas. Nem buscar articulá-las entre si, salvo no plano da coerência puramente subjetiva, posto que ganharia forma conceitual na sua ideia produtiva primeva de uma “ética de responsabilidade”. Este homem que se apresenta de sólida formação intelectual, como negação individual do parcelamento das atividades no plano social, acaba se revelando um indivíduo mais dividido internamente e consciente disso. – “Faço ciência para ver até onde posso suportar”, renunciando por conseguinte à universalidade faustiana do homem, enquanto condição de toda a atividade valiosa do mundo contemporâneo.      

Mina Tobler (1880-1967)

Nenhuma ética econômica foi determinada exclusivamente pela religião. A  expressão “ética econômica” refere-se aos impulsos práticos da ação que se encontram no que Weber (1974) define “contextos psicológicos e pragmáticos das religiões”. E adverte metodicamente que a expressão é usada sem conotação de valor. As religiões mundiais são representadas principalmente na esteira das éticas religiosas: confuciana, hinduísta, budista, cristã e islamita. O judaísmo,  por exemplo, contém as condições sociais e históricas prévias decisivas para o entendimento conjunto do cristianismo e do islamismo. Pela sua significação teórica, histórica e autônoma para a evolução da moderna ética que veio a ser constituída pelo Ocidente. Mas entenda-se: significação, em parte real e em parte imaginária coletivamente, que tem sido muito discutida no âmbito das teorias sociais. Indubitavelmente certos fatores geográficos e históricos determinam essa medida de autonomia no mais alto grau. A determinação religiosa da conduta na vida, é também um dos elementos componentes da ética econômica. Essa determinação religiosa, fixa, é em si, profundamente influenciada culturalmente pelos fatores econômicos e políticos que operam dentro de determinados limites geográficos, políticos, sociais e nacionais. Esses elementos sociais marcaram e marcam ainda, os aspectos característicos da ética prática, as características que distinguem uma ética das outras; e, simultaneamente, foram importantes para a respectiva ética econômica.

            De forma alguma devemos ter como escopo apenas a estratificação social. As camadas é que são decisivas na formação dos aspectos característicos de uma “ética econômica” podem variar no curso da história. E a influência de uma camada apenas jamais é exclusiva. Não obstante, em geral, podemos determinar as camadas cujo estilo de vida foram pelo menos predominantemente decisivos para certas religiões. Eis alguns exemplos, se podemos antecipá-los. O confucionismo representava a ética estamental dos prebendários, dos homens com educação literária que se caracterizavam pelo racionalismo secular. Quem não pertencia a essa camada culta não tinha importância. A ética religiosa, ou se quisermos, irreligiosa, desta camada determinou o modo de vida chinês muito além da própria camada. O hinduísmo original era esposado por uma casta hereditária de letrados cultos, que, afastados de qualquer cargo, funcionavam como uma espécie de “conselheiros ritualistas e espirituais” para indivíduos determinados e certas comunidades. Formavam, por assim dizer, um centro estável para a orientação da organização estamental, que influenciariam na ordem social. Somente os brâmanes (cf. Hesse, 2003; Souza; Delgado, 2008), educados  no Veda, formavam, como portadores da tradição, o estamento plenamente aceito. Representava a ardente religiosidade sacramental do salvador, entre as camadas inferiores com seus mistagogos plebeus.

A mistagogia está sendo redescoberta ou recidivada. O método mistagógico usado pelos Santos Padres volta a ser estudado. Não para aplicá-lo tal qual, mas para servir de inspiração e modelo à formação cristã, principalmente na teologia litúrgico-sacramental. Ponto de referência desse tipo social de formação é a ação litúrgica e a experiência que nos proporciona um contato vivo e pessoal com o mistério da fé. Para tanto o espaço da celebração é de suma importância para se fazer essa experiência. O mistério, para os cristãos, manifesta-se na pessoa de Jesus Cristo, principalmente na sua doação total da paixão, morte e ressurreição. Jesus Cristo é o lugar, o espaço onde é encontrada a presença e salvação de Deus. Ele é o verdadeiro templo da nova aliança da igreja. Nele se baseia toda a mistagogia do espaço. O espaço litúrgico revela o Cristo ressuscitado, glorioso em sua totalidade: cabeça e membros. Os templos são lugares da memória do mistério de Cristo e do seu corpo que representa a Igreja. A ação ritual que se desenvolve tem como finalidade aprofundar a comunhão pessoal, interior, espiritual, em Jesus Cristo, com o Pai e o Espírito Santo, levar as pessoas à experiência do mistério escondido no coração da realidade individual (sonho) e social (os símbolos) de cada fiel, para viver o discipulado e a missão. Na assembleia cristã e em cada batizado, como novo templo de Deus, construídos de pedras vivas, é oferecido o culto em Espírito e em verdade. No espaço sagrado, faz-se experiência da aliança com Deus, quando o povo fiel se constitui como Igreja de Cristo e recebe o Espírito Santo.             

            Lava-pés é um rito de passagem religioso observado por diversas denominações cristãs e é baseado no relato de João 13:1-17, que menciona Jesus realizando-o durante a Última Ceia. A Bíblia relata a lavagem dos pés de santos sendo praticada pela igreja antiga em I Timóteo 5:10, provavelmente como sinal de piedade, submissão ou humildade. Jesus demonstrou o costume da época quando ele comenta sobre a falta de hospitalidade na casa de um fariseu que não providenciou água para a lavagem dos pés no episódio reconhecido como Parábola dos Dois Devedores (Lucas 7:44). O rito do Lava-pés também é observado pelas igrejas ortodoxas orientais durante a Quinta-Feira Santa. Na Igreja Ortodoxa Copta, o serviço é realizado pelo padre paroquial e não apenas por um bispo ou hegúmeno. Ele abençoa a água com a cruz, exatamente como ele faz para benzer água benta e lava os pés da congregação inteira. Na Igreja Ortodoxa Síria, este serviço é realizado apenas pelo bispo e de forma bastante cerimonial, pois ele acontece no meio da leitura do evangelho (evangelion). Doze pessoas pré-selecionadas, leigos e clérigos, são colocadas no local da cerimônia e o bispo lava as mãos e beija os pés dos doze. Em seguida, o mais antigo dos padres lava os pés do bispo, demonstrando que o rito não é uma mera dramatização do evento passado. Finalmente, é feita uma oração através da qual a congregação toda lava e se limpa de seus pecados.

O budismo foi bem propagado pelos monges, rigorosamente contemplativos, mendicantes, que rejeitavam o mundo e, não tendo lares, migravam. Somente eles eram membros integrais da comunidade religiosa; todos os demais continuavam sendo leigos religiosos de valor inferior: objetos da religiosidade, e não sujeitos sociais. Durante seu primeiro período, o islamismo foi uma religião de guerreiros que queriam conquistar o mundo, uma ordem religiosa cavalheiresca de cruzados disciplinados. Faltava-lhes o ascetismo sexual dos cristãos na era das Cruzadas. Mas durante a Idade Média Islâmica, o sufismo contemplativo e místico conseguiu uma situação pelo menos de igualdade, sob a liderança dos técnicos plebeus de orgiástica. As irmandades pequeno-burguesas nasceram do sufismo, de uma forma semelhante aos cristãos, exceto pelo fato de se terem eles desenvolvido muito mais universalmente. Durante a Idade Média o judaísmo sob liderança da camada de intelectuais treinados na literatura ritual, uma peculiaridade do judaísmo. É uma forma de misticismo e ascetismo islâmico, hostil à ortodoxia muçulmana, caracterizado pela crença de fundo panteísta e utilização da dança e música para uma comunhão direta com a divindade. Propagou-se especialmente na Índia e Pérsia do século IX ao século XII influenciados pelo hinduísmo, budismo e cristianismo.

           Da mesma maneira que os comerciantes, os missionários sufistas também tiveram um papel destacado na difusão do Islã, levando sua mensagem a várias regiões do mundo. Estas incluem a Pérsia, a antiga Mesopotâmia, a Ásia Central e o Norte da África. O misticismo sufista teve também influência em partes da África Oriental, Anatólia, atual Turquia, sudeste e sul da Ásia. Muitos pensadores muçulmanos da Idade Média seguiam o humanismo, o racionalismo e o discurso científico na busca de conhecimento, significados e valores. Um amplo espectro de escritos islâmicos sobre a poesia amorosa, a história e a teologia filosófica demonstram que o pensamento medieval islâmico estava aberto às ideias humanistas do individualismo, secularismo, ceticismo e liberalismo. A liberdade religiosa ajudou a criar redes interculturais atraindo assim intelectuais muçulmanos, cristãos e judeus e desse modo a plantar a semente do maior período de criatividade filosófica da Idade Média, a partir do século VIII ao XIII. Um número significativo de instituições desconhecidas na Idade Antiga, teve a sua origem no mundo medieval islâmico, sendo os mais notáveis o hospital público que substituiu os templos de cura, a biblioteca pública, a universidade para graduados e o observatório astronômico como instituto de investigação mais do que um local simples.

            Desde o Exílio, o judaísmo foi a religião, segundo Weber, de um “povo pária” cívico. Durante a Idade Média o judaísmo ficou sob a liderança de uma camada de intelectuais treinados na literatura e ritual, uma peculiaridade do judaísmo. Essa camada representou uma intelectualidade pequeno-burguesa cada vez mais quase-proletária e racionalista. O cristianismo finalmente, começou sua carreira como uma doutrina de artesãos jornaleiros itinerantes. Em todos os períodos, sua poderosa evolução externa e interna foi uma religião especificamente urbana e, acima de tudo, cívica. Mas ocorreu durante a Antiguidade, durante a Idade Média e no Puritanismo. A cidade do Ocidente, ímpar entre todas as outras no mundo – e o corpo de cidadãos, no sentido em que só surgiu no Ocidente – foi o principal palco do teatro do cristianismo. Isso se aplica também à piedade espiritual das antigas comunidades religiosas, para as ordens dos monges mendicantes da Idade Média e para as seitas protestantes desde a Reforma até o pietismo e metodismo, analisados por Weber com brilhantismo. Mais incisivas as influências sociais, determinadas econômica e politicamente, possam ter sido sobre uma ética religiosa num caso. Ela recebe sua marca principalmente das fontes religiosas e em primeiro lugar do conteúdo de sentido de sua anunciação e promessa. A tese weberiana é a seguinte: - A geração reinterpreta-as de modo fundamental, ajustando as revelações às necessidades da comunidade. Quando isso ocorre é comum que as doutrinas religiosas se ajustem às necessidades religiosas.          

            De várias formas, as pessoas buscaram interpretar a ligação entre ética religiosa e as situações de interesse, de tal modo que a primeira surge como simples função da segunda. Tal interpretação ocorre no materialismo histórico, bem como no sentido exclusivamente psicológico. Uma determinação de classe, bastante geral e abstrata, da ética religiosa poderá ser deduzida da teoria do “ressentimento” de Nietzsche e tratada, a partir de então, com bastante espírito pelos psicólogos. Essa teoria considera a glorificação moral da piedade e da fraternidade como uma “revolta de escravos morais” entre desprivilegiados, seja em dotes naturais ou oportunidades determinadas pelo destino da vida. Nessa direção admite o giant Max Weber que a ética do “dever” é, assim, considerada como um produto de sentimentos recalcados de vingança, por parte dos banáusicos que “substituem” seus sentimentos por serem impotentes, condenados a trabalhar e ganhar dinheiro. Vêem, com ressentimento, o modo de vida das camadas senhoriais, que estão livres de obrigações. Uma solução muito simples dos problemas mais importantes na tipologia da ética religiosa resultaria, evidentemente, se tal fosse o caso. Por mais afortunada que seja e frutífera que tenha sido a revelação da significação psicológica do ressentimento, é necessária uma grande cautela ao estimar-se a sua influência na ética social. Tolerar esses homens em meio da comunidade de culto poderia provocar prejuízos. As festas rituais realizadas por ocasião dos sacrifícios representavam momentos de regozijo – mesmo sendo em Jerusalém nas épocas de sítio.

           A anunciação e promessa da religião dirigiram-se, naturalmente, às massas dos que necessitavam de salvação. Elas, e os seus interesses, passaram ao centro da  organização profissional para a “cura da alma” que, na verdade, ali se originou. Mágicos e sacerdotes passaram a ter como atribuição a determinação dos fatores a serem responsabilizados pelo sofrimento, ou seja, a confissão dos “pecados”. A princípio, estes eram violações dos mandamentos rituais. O mágico e o sacerdote também davam conselhos quanto ao comportamento adequado para acabar com o sofrimento. Os interesses materiais e ideais dos mágicos e sacerdotes podiam com isso, na prática e de forma cada vez maior, colocar-se a serviço dos motivos especificamente plebeus. Outro passo nesse caminho foi dado quando, sob a pressão de uma dificuldade típica e sempre recorrente, desenvolvia-se a religiosidade de redentor. Essa religiosidade pressupunha o mito de um salvador, e daí pelo menos relativamente de uma visão racional do mundo. E novamente o sofrimento tornou-se o tópico mais importante. A mitologia primitiva da natureza ofereceu, frequentemente, um ponto de partida para essa religiosidade.     

        E neste sentido os espíritos que governavam o advento e o desaparecimento da vegetação e os trajetos dos corpos celestiais importantes para as estações dos anos tornaram-se, para os homens necessitados, os veículos preferenciais para os chamados mitos de sofrimento, morte e ressurreição do deus. Assim, o deus ressurreto garantia o retorno da boa sorte neste mundo ou a segurança da felicidade do outro. Ou uma figura, popularizada das sagas heroicas – como Krishna, na Índia – é embelezada com os mitos da infância, amor e luta, e tais figuras se tornam o objeto de um ardente “culto do salvador”. Entre povos sob pressão política, como os israelitas, o título de “salvador” (Moshuach) era dado  originalmente aos salvadores das dificuldades políticas, tal como demonstram as sagas de heróis (Gideão, Jefté). As promessas messiânicas foram determinadas por essas sagas. Com esse povo, e de modo tão claro somente entre ele e sob outras condições muito particulares, o sofrimento de uma comunidade, e não o sofrimento de um indivíduo, torna-se o objeto de esperança da salvação religiosa. O comum era que o salvador tivesse um caráter individual e universal pari passu pronto para garantir a salvação do indivíduo e de todas as pessoas que se voltassem para ele.      

          A figura do salvador teve algumas proporções variadas. Em sua última forma, o zoroastrismo, com suas numerosas abstrações, uma figura totalmente construída assumia a função de mediador e salvador na economia da salvação. O inverso também tem ocorrido: uma pessoa histórica legitimada através de milagres e reaparecimentos visionários, ascende à posição de salvador. Fatores exclusivamente históricos foram decisivos para a realização dessas possibilidades muito diferentes. Quase sempre, porém, alguma forma de teodiceia do sofrimento originou-se da esperança de salvação. Mas com a diferença que as promessas de salvação religiosa, a princípio, eram ligadas às precondições ritualistas, e não às éticas. Assim, por exemplo, as vantagens materiais, e outras, partindo dos mistérios eleusinos estavam ligadas á pureza do ritual e ao comparecimento à missa eleusina. Quando a lei crescia de significação, essas deidades especiais tinham um papel importante, e a tarefa de proteger a ordem tradicional, de e punir o injusto e recompensar o bom, era transferida para elas, como guardiãs do processo jurídico. Quando a evolução religiosa foi decisivamente influenciada por uma profecia, o “pecado” natural deixou de ser uma simples “ofensa mágica”. Acima de tudo, era um indício de descrença no profeta e nos seus mandamentos. O pecado se apresentava como causa básica de todas as desgraças imaginadas pelo ser humano. O profeta, não foi, regular descendente ou representante das classes desfavorecidas.  

            Os mistérios de Elêusis, reconhecidos como “eleusinos”, eram ritos de iniciação ao culto das deusas agrícolas Deméter e Perséfone, que se celebravam em Elêusis, localidade próxima a Atenas, considerados os de maior importância entre todos os que se celebravam na Antiguidade. O sofrimento, criado voluntariamente através da mortificação, mudou de significado com a evolução das divindades éticas que punem e recompensam. Originalmente, a coação mágica dos espíritos pela oração foi aumentada pela mortificação como fonte pura de estados carismáticos. Essa coação foi preservada na mortificação pela oração, bem como nas prescrições de abstinência. Isso continuou ocorrendo, mesmo depois de ter a fórmula mágica sido usada para coagir os espíritos se ter transformado numa súplica a ser ouvida por uma divindade.  Acrescentaram-se as punições como meio de minorar a ira dos deuses pelo arrependimento, e de evitar, com a autopunição, as sanções em que poderia ter incorrido. As numerosas abstinências estavam originalmente ligadas ao luto pelos mortos, particularmente na China, a fim de afastar-lhes o ciúme e a ira. Essas abstinências eram facilmente transferidas para as relações com as divindades adequadas: faziam que a autoflagelação e, finalmente, a privação não-intencional parecessem mais agradável aos deuses do que o gozo ingênuo dos bens desta terra. Tal gozo, na verdade, tornou-se o homem interessado nos prazeres, menos acessível à influência do profeta ou do sacerdote. Ipso facto, a força de todos esses fatores individuais foi tremendamente estimulada, sob certas condições sociais.            A necessidade de uma interpretação ética do “significado” da distribuição das fortunas entre os homens aumentou com a crescente racionalidade das concepções de mundo. À medida que os impactos religiosos e éticos sobre o mundo se foram tornando cada vez mais racionalizados e primitivos, e as noções mágicas foram eliminadas, a teodiceia do sofrimento encontrou dificuldades crescentes. Pode-se explicar o sofrimento e injustiça em referência ao pecado individual, cometido numa vida anterior (a migração das almas), ao pecado dos ancestrais que recai até sobre a terceira e quarta gerações, ou, com a naturalização mais comum, pela maldade das criaturas per se. Como promessas de recompensa, temos as esperanças de uma vida melhor no futuro, neste mundo de transmigração das almas ou as esperanças para os sucessores, conforme o reino messiânico, ou de uma vida melhor no outro mundo, como se estabelece através da crença no paraíso. A concepção metafísica de Deus e do mundo, criada pela exigência inerradicável de uma teodiceia, só pode produzir uns poucos sistemas de ideias. Deram eles respostas racionalmente satisfatórias às indagações quanto à base da incongruência entre os destino e o mérito: a doutrina indiana do Carma, o dualismo zoroastriano, o decreto de predestinação do deus absconditus. Essas três soluções são racionalmente fechadas; mas na forma pura são encontradas apenas como exceções.                                         A evolução de uma ética religiosa racional teve raízes positivas e primárias nas condições íntimas das camadas sociais quer eram menos valiosas socialmente. Por um lado, estas camadas que predispõem solidamente das honras e poder sociais tendem habitualmente a estabelecer a sua vista uma “lenda estamental”. De modo a pretenderem uma qualidade especial e intrínseca própria, quase sempre de sangue, sendo que seu sentimento de dignidade se alimenta dessa existência real ou suposta. O senso de dignidade destas camadas socialmente recalcadas, ou das camadas cujo estamento burocrático é visto negativamente se alimenta mais facilmente da crença de que uma “missão” especial lhes foi confiada; assim seu valor é garantido ou constituído de um imperativo ético, ou pela sua própria realização funcional. Transferem esse valor para algo que está além delas, para uma tarefa que lhes foi atribuída por Deus. Existe pois um ideário das fontes de poder ideal das profecias éticas entre as camadas socialmente desfavorecidas nesse aspecto. O ressentimento não foi necessário como alavanca; o interesse racional nas compensações materiais e ideais, como tal, foi perfeitamente suficiente. Não pode haver dúvida de que foram os profetas e sacerdotes que através da propaganda, intencional ou não, colocaram o ressentimento das massas a seu serviço. 

Essa força essencialmente negativa de ressentimento, segundo Weber ( 1974: 320), jamais foi a fonte primária das concepções essencialmente metafísicas que deram singularidade a toda religião de salvação. Além disso, em geral, a natureza de uma promessa religiosa não foi, necessariamente ou mesmo predominantemente, uma simples manifestação de interesse de classe, interno ou externo. A natureza específica dos grandes sistemas éticos e religiosos foi determinada pelas condições sociais de uma natureza bem mais particular do que o simples contraste entre as camadas dominante e dominada. A princípio, os valores sagrados  das religiões primitivas, bem como cultas, proféticas ou não, eram os bens sólidos deste mundo. Com a única exceção parcial do cristianismo, adverte-nos o sociólogo alemão, e de uns poucos outros credos especificamente ascéticos, consistiram tais bens em saúde, vida longa e riqueza. Eram essas promessas feitas pelas religiões chinesa, védica, zoroastriana, hebraica antiga e islâmica; e da mesma forma pelas religiões fenícia, egípcia, babilônica e alemã antiga, bem como pelo hinduísmo e budismo, tais devotos leigos. Somente o virtuoso religioso, o asceta, o monge, o sufi, o dervixe, lutavam pelos valores sagrados, que se ligavam ao “outro mundo”, em comparação com os bens sólidos deste, como saúde, riqueza e vida longa.

A certitudo salutis puritana, ou seja, o estado de graça permanente que se baseia no sentimento de “se ter posto à prova”, foi psicologicamente o único objeto concreto entre os valores sagrados dessa religião ascética. O monge budista certo de alcançar o Nirvana, busca o sentimento de um amor cósmico; o hindu devoto busca Bhakti, o amor fervoroso na posse de Deus ou o “êxtase apático”. Outros buscam ser possuídos por Deus e possuir Deus, ser noivo da Virgem Maria, ou ser a esposa do Salvador. O culto do coração de Jesus pelos jesuítas, uma edificação quietista, o terno amor pelo Menino Jesus dos pietistas e suas chagas, as orgias sexuais e semi-sexuais no culto de Krishna, os requintados jantares de culto dos Vallabhacaris, as atividades agnósticas de culto onanista, as várias formas da unio mystica, e a imersão contemplativa no Uno – esses estados foram, sem dúvida mais procurados “pelo valor emocional que proporcionam diretamente ao devoto. Sob esse aspecto, foram absolutamente iguais á embriaguez religiosa alcoólica do culto de Dioniso, ou o soma; às orgias de comer carne totêmicas, às festas canibalescas, ao uso antigo e consagrado pela religião, do haxixe, ópio e nicotinas; e, em geral, de todos os tipos de embriaguez mágicas. Foram considerados como consagrados e divinos devido à sua singularidade psíquica e devido ao valor intrínseco dos respectivos estados por eles promovidos” (cf. Weber, 1974: 321).                     No passado, coube aos intelectuais sublimar a posse de valores sagrados numa convicção de “redenção”. A concepção de redenção, como tal, é muito antiga, se por ela entendermos uma libertação da desgraça, fome, seca, enfermidade e, em última instância, do sofrimento e morte. Não obstante, a redenção só alcançou significação específica quando expressou uma “imagem do mundo” sistemática e racionalizada e representou uma posição face ao mundo, pois o significado bem como a qualidade pretendida e real da redenção, dependeu dessa imagem e dessa posição. Não as ideias, mas os interesses material e ideal, governam diretamente a conduta do homem. Muito frequentemente, as “imagens mundiais” criadas pelas “ideias” determinaram, qual manobreiros, os trilhos pelos quais a ação foi levada pela dinâmica do interesse. “De que” e “para que” o homem desejava ser redimido, dependia da imagem que ele tinha do mundo. Sempre houve, quanto a isso, possibilidades muito diferentes; o homem podia desejar ser salvo da servidão política e social e elevado até um reino messiânico no futuro deste mundo; ou podia querer ser salvo da degradação provocada pela impureza ritual e ter esperança da beleza pura da existência psíquica e coopera. Podia desejar não ser “aprisionado num corpo impuro” e desejar a existência exclusivamente espiritual. Podia querer ser salvo do “jogo eterno” e “sem sentido das paixões e desejos humanos”, e poder esperar a quietude da pura contemplação ascética do divino.

Podia desejar ser salvo do mal radical e da servidão do pecado e esperar a benevolência eterna e livre no seio sagrado de um deus paternal. Podia querer ser salvo da servidão sob a determinação, astrologicamente concebida, das constelações estelares e ansiar pela dignidade, liberdade e participação da substância da divindade oculta. O homem podia querer ser redimido das barreiras ao finito, que se expressam no sofrimento, miséria e morte. O resultado geral da forma moderna de racionalizar totalmente a concepção de mundo e modo de vida, teórica e praticamente, de forma intencional, foi desviar a religião para o modo irracional. Isso se observou na medida em que mais progredia o tipo intencional de racionalização, se tomarmos o ponto de observação de uma articulação intelectual de uma imagem do mundo. Essa transcendência da religião para o reino do irreal ocorreu por várias razões. De um lado o cálculo do racionalismo coerente não realizou com facilidade uma operação perfeita, na qual houvesse restos. Na música, a “coma” pitagórica resistiu a uma racionalização completa orientada para a física tonal. Os vários grandes sistemas de música de todos os povos, nacionalidades e idades diferiram na forma pela qual cobriram, ou ultrapassaram a irracionalidade a serviço da riqueza de tonalidades. O mesmo parece ter ocorrido com a concepção teórica do mundo, apenas mais acentuadamente. Acima de tudo, pareceu acontecer com a racionalização da vida prática. As várias grandes formas de levar vida racional e metódica foram caracterizadas pelas pressuposições irracionais, aceitas como “dadas” e incorporadas a esses modos de vida. A situação analítica concreta de interesse social e psicologicamente, levou à peculiaridade, tal como aqui a compreendemos.                    Na universidade pública esta pílula é “dourada”, é irracional sob outros pontos de vista. De que tem por fim um valor exclusivo, nos exames, sem qualquer confronto com os outros fins possíveis. Sem reflexão crítica sob oportunidade e ironia das consequências previsíveis. O que conta é apenas a harmonia da conduta social com as exigências do fim desejado. Tal atividade se torna tanto mais irracional quanto faz do fim um valor mais absoluto.  Ela é incapaz de tomar consciência do que há de irracional em sua conduta. A originalidade de Max Weber, afirma Freund (1987: 68), é não ter cortado as estruturas e instituições sociais da atividade multiforme do homem, que é ao mesmo tempo seu obreiro e dono das significações. Encontramos no centro de sua sociologia a noção de atividade social (soziales Handeln), não avaliar ou apreciar as estruturas no sentido em que podem ser boas ou más, com ocorrem oportunas ou inoportunas, porém para compreender o mais objetivamente possível  como os homens avaliam e apreciam, utilizam, criam e destroem as diversas formas de relações sociais. Ele procura, pois, captar concretamente o homem que vive no seio da sociedade.     

Não nega absolutamente o valor dos estudos puramente estatísticos e descritivos dos diversos agrupamentos sociais, por exemplo, as categorias de sociedade e de comunidade elaboradas por Ferdinand Tönnies, mas acrescenta a elas uma análise estatística destinada a compreender como os homens vivem em média todas as estruturas. O vocabulário técnico que ele emprega já é suficientemente significativo. O que lhe interessa, é como o homem se comporta na comunidade e na sociedade, como forma essas relações e as transforma. Também, em vez de categorias como Gesellschaft e Gemeinschaft, ele emprega Vergellsschaftung (socialização) e Vergemeinschaftung (comunalização). Contentar-se como estudar a evolução de uma instituição unicamente no aspecto exterior, independentemente do que ela vem a ser pela ação do homem, é fugir a um aspecto capital da vida social. Não é tampouco um processo de adaptação à situação dada, segundo o caso, ela pode tentar o impossível para realizar o possível.

Seja como for, leva em conta a percepção do antagonismo dos fins, a variedade e a concorrência do meio, bem como as consequências que poderiam eventualmente contradizer a intenção do agente ou fazer desviar a ação social para um resultado não desejado. Esta definição é puramente ideal típica interpretativa, o que não a impede de comportar certas variedades. É, por exemplo dado, possível que sob a pressão das necessidades, o fim se imponha em nome de uma urgência que não admite discussão; neste caso a atividade pode ser só racional por finalidade no plano dos meios. Pode acontecer também que o fim se imponha ao agente com a exigência imperativa da racionalidade do valor, embora não sendo imediatamente realizável porque supõe um trabalho de fôlego. A racionalidade por finalidade pode consistir em uma hierarquia dos meios com base em um plano progressivo. A atividade racional por finalidade é, pois, um caso limite teórico, que não exclui em certos níveis, relações com a racionalidade por valor. É como um tipo ideal racionalmente que o comportamento por finalidade desempenha papel mais importante dos acontecimentos segundo o conteúdo de sentido.

Efetivamente, o desenvolvimento de uma relação social se explica igualmente pelas intenções que nela põe o ser humano, os interesses que nela encontra e o sentido diferente que ele lhe atribui no curso do tempo. Daí a importância que sociologia weberiana se dá á relatividade significativa (sinnhafte Bezogenheit), que permite compreender, além da evolução objetiva, o sentido a que o homem visa de cada vez, subjetivamente, no curso de seu comportamento social. O objetivo de Weber aparece dessa forma claramente. Em momento algum rejeita ela a concepção geral que se tem da sociologia, a saber, que se trata de uma disciplina cujo objetivo é elaborar relações gerais e fornecer um saber nomológico. Ele próprio enveredou por esse caminho ao construir os tipos ideais do agrupamento, da instituição, do domínio, do direito, da burocracia, ou ao estabelecer estatisticamente segundo as regras gerais da experiência, o sentido a que os homens visam em média ao se dobrarem a uma relação social. Desde que o exame científico do problema permaneça sempre aberto, segundo Freund, e não feche questão em nome de preconceitos e de prescrições filosóficas a priori, não há motivo para que a sociologia despreze por parti pris o singular. A explicação pelas leis gerais e a compreensão do individual são igualmente legítimas, e uma não pode prevalecer sobre a outra.

Por conseguinte, quando emprega a denominação de sociologia compreensiva, não tem absolutamente a intenção de privilegiar a compreensão relativamente à explicação, nem pretende apenas marcar suas insuficiências, por vezes deliberadas, e acentuar a estreiteza de certos pontos de vista. Ela é compreensiva no sentido em que abre novas perspectivas à sociologia tradicional. Se uma limitação existe a introduzir, é de ordem inteiramente diferente. Respeitando a autonomia de cada ciência, cada qual explorando um setor determinado da realidade em virtude de um ponto de vista específico, Weber insiste na interação inevitável entre todas as disciplinas. Não é difícil de compreender isso. A sociedade não é um essencial em si mesma, mas se constitui de toda espécie de redes de relações, de intercâmbios e de conflitos provenientes das diversas orientações da atividade humana: a política, a economia, a religião, o direito, a arte, etc. Neste sentido, podemos falar de uma sociologia política, econômica ou religiosa. Em outros termos, a sociologia política ou econômica não formam disciplinas autônomas, mas correspondem somente à divisão do trabalho sociológico segundo dirija este sua atenção a aspectos diferentes da realidade social. A sociologia tem de um ponto de vista específico, a diversidade infinita do real. - Chamamos sociologia (e é neste sentido formal que tomamos este termo de significações as mais diversas) uma ciência cujo objetivo é compreender pela interpretação (deutend verstehen) a atividade social para explicar causalmente o desenvolvimento e os efeitos dessa atividade. 

Naturalmente, isso ocorreu de forma mais acentuada entre religiões e éticas religiosas que foram fortemente determinadas pelas camadas refinadas dos intelectuais dedicados à compreensão, exclusivamente cognitiva, do mundo e de seu “significado”. Foi o que ocorreu com as religiões asiáticas e, acima de tudo, as indianas. Para todas elas, a contemplação tornou-se o supremo e último valor religioso acessível ao homem. A contemplação lhes oferecia a entrada na profunda e abençoada tranquilidade e imobilidade do Uno. Todas as outras formas de estados religiosos, porém, foram, na melhor das hipóteses, consideradas como ersatz relativamente valiosos para a contemplação. Isso teve consequências de longe alcance para a relação entre a religião e a vida, inclusive a vida econômica, como iremos ver repetidamente. Tais consequências fluem do caráter geral das experiências “místicas”, no senso contemplativo, e das precondições psicológicas de sua busca. O racionalismo da hierocracia nasceu da preocupação com o culto e o mito ou – em proporções bem mais elevadas – da cura das almas, ou seja, a confissão do pecado e o conselho aos pecadores. Em toda parte a hierocracia buscou monopolizar a administração dos valores religiosos. Buscou também proporcionar e controlar a atribuição de bens religiosos na forma de “graça” sacramental ou “corporada”, que só podia ser atribuída ritualmente pelos sacerdotes e não podia ser alcançada pelo indivíduo. A busca individual de salvação, ou a busca de comunidades livres por meio de contemplação, orgias ou ascetismo foi considerada altamente suspeita e teve de ser regulamentada ritualmente e controlada hierocraticamente. Do ponto de vista dos interesses do clero no poder isso representa apenas idealização natural.  

Bibliografia geral consultada.

WEBER, Max, Ensaios de Sociologia. Org. e Intr. de H. Hans Gerth e Charles. Wright Mills. 3ª edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974; Idem, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. 2ª edição revista. São Paulo: Editora Pioneira, 2003; SOUZA, Luiz Eduardo da Silva e; DELGADO, Victor Tinoco, “O Percurso de Sidarta e o Problema da Identidade um Estudo Transdisciplinar do Romance de Hermann Hesse”. In: Psicol. São Paulo: Universidade de São Paulo, Volume 19 n°2, Apr./June 2008; SCIUTO, Bruno, Filosofia Budista, Arte, Educação e Valor: A Experiência do Núcleo de Arte e Educação do Programa Ação Educativa Makiguti. Dissertação de Mestrado. Instituto de Artes. São Paulo: Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2012; HANKE, Edith, “A Obra Completa de Max Weber - Max Weber Gesamtausgabe: Um Retrato”. In: Tempo Social, Vol. 24, n° 1, pp. 99-118, 2012; VASCONCELLOS, Caio Eduardo Teixeira, A Teoria Crítica e Max Weber. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Departamento de Sociologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2015; OLIVEIRA, Arilson Silva de, Hinduísmo e Budismo em Max Weber: Uma Indologia sem Orientalismos. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, 2016; COHN, Gabriel, Crítica e Resignação. Max Weber e a Teoria Social. Tese de Titular em Sociologia. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2003; Idem, Weber, Frankfurt: Teoria e Pensamento Social. Rio de Janeiro: Editorial Azougue, 2017; OLIVEIRA, Leonardo Rosa Molina de, Rurouni Kenshin e Cultura Japonesa entre Tradição e Modernidade. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História Contemporânea. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2018; TORRRE, Bruna Della; CARVALHO, Lucas, “40 Anos de Crítica e Resignação: Fundamentos da Sociologia de Max Weber: Homenagem a Gabriel Cohn”. Disponível em: https://blogbvps.wordpress.com/2020/09/16/; entre outros. 

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