quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Cartola – Escola-de-Samba & Invenção da Comissão de Frente.

                                                                    Deixe-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar, rir pra não chorar”. Cartola

                           

           A origem das escolas de samba está ligada à própria história do carnaval carioca em si, bem como da criação musical do samba moderno, tendo como precursor o rancho carnavalesco. O “Rei de Ouros”, criado em 1893 por Hilário Jovino Ferreira (cf. Souza, 2018), foi o primeiro rancho de carnaval, responsável por apresentar historicamente novidades como a composição do enredo, originar personagens de destaque para o público como o casal de Mestre-sala e Porta-bandeira e utilidade de uso de instrumentos de cordas e de sopro. Os sambistas do Estácio, no Rio de Janeiro, com a fundação da Deixa Falar em 1928, organizaram as bases das atuais escolas de samba. Entre eles Ismael Silva, na sua ideia de criar um bloco carnavalesco diferente, que pudesse dançar e evoluir ao som do samba. Data de 1929 o primeiro concurso carioca de sambas, realizado na casa de Zé Espinguela, onde saiu vencedor o Conjunto Oswaldo Cruz, e do qual também participaram a Mangueira e a Deixa Falar. Alguns consideram este evento social como sendo o marco cultural da criação das escolas de samba.  No entanto, entre 1930 e 1932, estas escolas foram consideradas per se variação dos blocos carnavalescos, até que em 1932 o periódico Mundo Esportivo, de propriedade do jornalista Mário Filho (1908-1966) irmão do dramaturgo Nelson Rodrigues, decidiu organizar o primeiro Desfile de Escolas de Samba, na Praça Onze, no centro da cidade do Rio de Janeiro.  

           José Gomes da Costa também chamado Zé Spinelli e Zé Espinguela (1890-1945), foi um jornalista, escritor, pai-de-santo e sambista carioca, integrante do Bloco dos Arengueiros, fundador da Estação Primeira de Mangueira e organizador de um concurso entre sambistas em 20 de janeiro de 1929. O concurso ocorreu em sua casa, na Rua Adolpho Bergamini, a mesma onde situa-se a escola Arranco, no Engenho de Dentro. Apesar de ser mangueirense, Zé Espinguela atuou como juiz do concurso, premiando o Conjunto Oswaldo Cruz, atual Portela.  Por ironia, o grupo que é considerado a primeira escola de samba, o Deixa Falar, acabou eliminado por Espinguela, por “apresentar instrumentos de sopro, proibidos por serem considerados avessos ao samba moderno, que eles próprios estavam promovendo”. Amigo de Villa-Lobos, Zé Espinguela foi uma figura de suma importância para o samba. Nos anos finais da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Zé Espinguela, que devia estar se aproximando dos sessenta anos, sentiu aproximar-se o fim da existência. Segundo Arthur de Oliveira, ele “reuniu os adeptos do centro religioso e dirigiu-se ao morro da Mangueira para despedir-se do seu reduto preferido”. Lá chegaram no princípio da noite. A favela, de luzes apagadas, descansava da trabalheira do dia. Eis que surge o grupo, em cortejo pelos becos e ruelas, cantando um samba que Espinguela compôs especialmente para o momento histórico-social. 

         Era como um samba-enredo. Desfilavam, dançavam e cantavam, com “o ritmo alegre, a melodia triste, e as vozes alvissareiras das pastoras”. Os barracos aos poucos se acenderam. Os negros foram abrindo as janelas e “morro transformou-se num céu no chão, iluminado, silencioso e reverente”. A voz de Espinguela dominava o coro: a favela compartilhava da cerimônia de passagem do seu sambista com a vivência afro-brasileira da morte, nos gurufins e tão diversa do sentimento judaico-cristão das classes dominantes. Fundada na década de 1920, a “Deixa Falar” foi a primeira escola de samba do Brasil e nasceu no bairro do Estácio. O termo escola de samba surgiu na década de 1920 e, mesmo assim, era utilizado entre aspas, pois as escolas ainda eram vistas como blocos carnavalescos. Os historiadores consideram a “Deixa Falar” como a primeira escola de samba no Rio de Janeiro e no Brasil. Sua fundação aconteceu em 12 de agosto de 1928 e ela é considerada pioneira porque foi a primeira a reunir a série de elementos que formam uma escola de samba atualmente. Em 1929 aconteceu o que é registrado etnograficamente por muitos historiadores como o primeiro concurso de sambas no Rio de Janeiro. A “Deixa Falar” concorreu com a Mangueira e com o então Conjunto Oswaldo Cruz, hoje reconhecido como Portela. Em 1930, cinco agremiações se definiam como escolas de samba: Estação Primeira de Mangueira, Oswaldo Cruz, Vizinha Faladeira, Para o Ano Sai Melhor e Cada Ano Sai Melhor. Na redação do jornal que também abrigava compositores como Antônio Nássara, Armando Reis e Orestes Barbosa, surgiu a ideia de realizar a organização de um desfile carnavalesco.    

                                                   

Mário Leite Rodrigues Filho, reconhecido como Mário Filho nascido em Recife, 3 de junho de 1908 e morto no Rio de Janeiro, em 16 de setembro de 1966, foi um jornalista, cronista esportivo e escritor brasileiro. Era irmão do também jornalista, escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues. É considerado o maior jornalista esportivo que o Brasil já teve. Entretanto, o jornal, criado no ano anterior por Mário Filho, com o término do campeonato de futebol carioca, estava sem assunto de comunicação jornalística e perdia leitores; por este motivo, o jornalista Carlos Pimentel, muito ligado ao chamado “mundo do samba”, teve a ideia de realizar na Praça Onze um desfile de escolas de samba, na época ainda grafadas entre aspas. O pernambucano Hilário Jovino Ferreira, o criador do primeiro rancho de carnaval, que teria dado origem às escolas de samba e a convite do Mundo Esportivo, 19 escolas compareceram. O jornal estabeleceu critérios para o julgamento das escolas participantes. A tradicional “ala das baianas” era pré-requisito para concorrer, sendo que as escolas, compostas em sua figuração com mais de cem membros, deveriam, segundo as exigências carnavalescas apresentar sambas inéditos e não usar instrumento de sopro, entre outras recomendações.

O crescimento de um jovem convivendo e habitando comumente em figurações humanas, como processo social e experiência, segundo Elias (2006) assim como o aprendizado de um determinado esquema de autorregulação na relação com os seres humanos, é condição indispensável ao desenvolvimento rumo à humanidade. Socialização e individualização de um ser humano, são nomes diferentes para a compreensão do processo e da dinâmica de interpretação social. Cada ser humano assemelha-se aos outros, e é, ao mesmo tempo, diferente de todos os outros. O mais das vezes, as teorias sociológicas deixam sem resolver o problema da relação entre indivíduo e sociedade. Quando se fala que uma criança se torna um indivíduo humano por meio da integração em determinadas figurações, como, por exemplo, em famílias, em classes escolares, em comunidades aldeãs ou em Estados, assim como mediante a apropriação e reelaboração de um patrimônio simbólico social, conduz-se o pensamento por entre dois grandes perigos da teoria e das ciências humanas: o perigo de partir de um indivíduo a-social, portanto como que de um agente que existe por si mesmo; e o perigo de postular um “sistema”, ou a representação de um “todo”, uma sociedade que existiria para além do ser humano singular, quer dizer, para além dos indivíduos. Embora não possuam um começo absoluto, não tendo nenhuma substância a não ser seres humanos gerados familiarmente por pais e mães, as sociedades humanas não são apenas um aglomerado cumulativo dessas pessoas. 

O convívio dos seres humanos em sociedades tem sempre, mesmo mediante a formação do caos, na desintegração, na maior desordem social, uma forma absolutamente determinada. É isso que o conceito de figuração exprime. O processo de concentração  física de força pública é acompanhada de uma desmobilização da violência ordinária. A violência física só pode ser aplicada por um agrupamento especializado, especialmente mandatado para esse fim, claramente identificado no seio da sociedade pelo uniforme, portanto um agrupamento simbólico, centralizado e disciplinado. A noção de disciplina, sobre a qual Max Weber escreveu páginas magníficas, é capital: não se pode concentrar a força física sem, ao mesmo tempo, controla-la, do contrário é o desvio da violência física, e o desvio da violência física está para a violência física assim como o desvio de capitais está para a dimensão econômica: é o equivalente da concussão. A violência física pode ser concentrada num corpo formado para esse fim, claramente identificado em nome da sociedade pelo uniforme simbólico, especializado e disciplinado, isto é, capaz de obedecer como um só homem a uma ordem central que, em si mesma, não é geradora de nenhuma ordem. O conjunto das instituições mandatadas para garantir a ordem, a saber, as forças públicas e de justiça, são, portanto, separadas pouco a pouco do mundo social corrente. Essa concentração do capital físico se realiza em um duplo contexto. O desenvolvimento do exército profissional está ligado à guerra; mas também a guerra interior, a guerra civil, a arrecadação do imposto como uma espécie de guerra de guerrilha civil. 

A Comissão de Frente da Mangueira deu show à parte usando maquiagem muito  realista com os rostos de Cartola, Delegado e Jamelão, ícones da verde e rosa. – “Eles passam o legado deles pra quem mora no morro de Mangueira. No solo de Mangueira brotam talentos de grandes artistas. A comissão de frente da Mangueira revisita o passado através de um baú de memórias, lúdico. “Angenores, Joses e Laurindos, criaturas do morro, criaturas simples, que as vezes não tem dinheiro e podem sim virar Reis do Carnaval, como aconteceu com Cartola, Jamelão e Delegado”, diz Priscila Mota, coreografa da comissão de frente da verde e rosa. Para o integrante que representou Jamelão, que intérprete da escola por várias décadas, a emoção também foi única. - “Foi uma aventura. Me identifiquei bastante com a história dele e com a personalidade”, disse Júnior. Segundo a coreógrafa, as crianças representam o futuro, o legado sendo passado para as novas gerações de Mangueira. - “Nós celebramos diversas comissões de frente, as tradicionais comissões de frente. Cartola veio na comissão de frente. 

Antigamente, os baluartes vinham na comissão de frente. Então cartola, Jamelão e delegado foram homenageados como baluartes também”. As escolas têm seus componentes divididos em grupos ou alas, e cada ala tem a mesma fantasia, dentro do enredo trazido, uma bateria que são os ritmistas que tocam os instrumentos de percussão, uma ala de baianas, figura tradicional do carnaval carioca, ala de crianças, uma comissão de frente, formado por 15 pessoas em média que vem na frente da escola, em geral com uma apresentação teatral ou coreográfica, as alegorias, que são os carros alegóricos, onde estão os destaques, figuras centrais do enredo, os passistas que são os componentes que desfilam “sambando no pé”, já que as alas evoluem e não sambam, algumas apresentam coreografias ensaiadas, e atualmente os componentes dos carros também podem apresentar coreografias, os diretores de harmonia, que são elementos responsáveis pela organização do desfile, o Mestre-sala e Porta-bandeira, responsáveis pela condução do chamado pavilhão da escola, se apresentam ricamente trajados e bailando, sendo que todos os componentes cantam o samba enredo em uníssono, liderados pelo cantor oficial da escola. A estratégia do passado recente que visava organizar novos espaços urbanos gradativamente transformou-se meramente em artifícios políticos e muito pouco em torno de reabilitação de patrimônios. 

Depois de haver inconscientemente projetado a cidade futura, torna-se uma cidade frequentada por sua estranheza, muito mais elevada aos excessos que reduzem o presente, a nada mais que simples escombros como caixas d`água que deixam escapar seu domínio do tempo. Mas os técnicos se denunciam já no quadriculamento que atrapalhavam os planejadores funcionalistas que deviam fazer tábula rasa das opacidades contidas nos projetos de cidades transparentes. Afinal qual o urbanismo que não descontroem mais do que uma guerra a questão da memória e da história aldeã, operária, com casas desfiguradas, fábricas desativadas, universidades sem vida, cacos de histórias naufragadas que hoje formam as ruínas de uma cidade fantasma ou fantasmas da cidade, antes modernista, cidade de massa, homogênea, como os lapsos de uma linguagem que se desconhece, quem sabe inconsciente. Mas elas surpreendem. Neste sentido, podemos afirmar que, o imaginário individual (sonho) e coletivo (os mitos, os ritos, os símbolos), em primeiro lugar, são as coisas que o soletram. Eles têm a função social que consiste em abrir uma profundidade no presente, mas não têm mais o conteúdo que provê de sentido a estranheza do passado. Suas histórias políticas deixam de ser pedagógicas perquirindo um rumo para inferir um final claramente trágico.

 A escola vencedora foi a Estação Primeira da Mangueira, enquanto o segundo lugar coube ao grupo carnavalesco do bairro de Osvaldo Cruz, posteriormente, Portela, escola de samba centenária em um local histórico, reconhecida pelas aulas de samba tradicional e desfiles de carnaval. O sucesso garantiu a oficialização do concurso que permaneceu na Praça Onze até 1941. Com o passar do tempo, e com a organização das escolas de samba elas aproveitaram muitos elementos trazidos pelos ranchos, tais como o enredo, e a figuração do Casal de Mestre-sala e Porta-bandeira e a Comissão de Frente, elementos aos quais Ismael Silva, ao idealizar o Deixa Falar, não se sabe porque razão, era contrário. Porém, as contribuições carnavalescas da Deixa Falar - que nunca chegou a desfilar como escola de samba realmente, no conjunto das representações históricas e culturais - foram fundamentais para fixar as características principais das escolas atuais. Entre elas destacam-se: o gênero samba, o cortejo de desfilar sambando, o conjunto de percussão, sem a utilização de instrumentos de sopro e a ala das baianas.

Angenor de Oliveira, reconhecido socialmente como Cartola (1908-1980), foi um cantor, compositor, poeta e violonista. Seu ritmo de trabalho era o samba, suas cores, o emblema verde e rosa, e sua vida simples foi palco de canções refinadas. Considerado um dos maiores gênios da música popular, compôs em parceria de Noel Rosa, Nelson Sargento e Carlos Cachaça, além de ter suas músicas gravadas por grandes nomes, como Carmem Miranda e Beth Carvalho. Tendo como seus maiores sucessos as músicas As Rosas não Falam, O Mundo É um Moinho e Alvorada, é considerado o maior sambista da história social da música brasileira. Cartola nasceu no bairro do Catete, mas passou a infância no bairro de Laranjeiras. Estão situados em Laranjeiras o Palácio Guanabara, sede do Governo do Estado do Rio de Janeiro, o Palácio Laranjeiras, residência oficial do Governador do Estado do Rio de Janeiro, o Parque Guinle, o Fluminense Football Club, é sede do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, e a Sede Administrativa na cidade da Força Nacional de Segurança. Bairro residencial, de classe média alta, extenso e diverso, tem a Rua das Laranjeiras sua principal via que começa no Largo do Machado e termina no Túnel Rebouças, já com outro nome: Rua Cosme Velho.

No século XIX, foram surgindo, na região, chácaras rústicas e luxuosas ocupadas por fidalgos, homens ricos e movidas a trabalho escravo. Seu ritmo era o samba, suas cores, verde e rosa, e sua vida simples foi palco de canções refinadas. Considerado um dos maiores gênios da música popular, compôs em parceria de Noel Rosa, Nelson Sargento e Carlos Cachaça, além de ter suas músicas gravadas por grandes nomes, como Carmem Miranda e Beth Carvalho. A presença da Princesa Isabel no palacete da Rua Guanabara, atual Rua Pinheiro Machado, contribuiu para o seu crescimento, haja vista que o principal caminho de acesso ao palacete imperial, atual Palácio Guanabara, era a Rua Paissandu, que foi ornamentada pela princesa com palmeiras-imperiais existentes. O bairro de Laranjeiras abrigou durante muito tempo, construções muito importantes para a história do Rio de Janeiro e também para o Brasil. Exemplos  são o Palácio Guanabara e o Palácio Laranjeiras. O bairro das Laranjeiras abrigou inúmeras embaixadas, no período em que foi capital federal do Brasil. As embaixadas do Japão, da Itália e da Alemanha, por exemplo, estavam localizadas ali, nesta cidade. Em 1880, a região sofreu grande transformação com a implantação da Companhia de Fiações e Tecidos Aliança, na Rua General Glicério, fazendo surgir os primeiros comerciantes. A fábrica funcionou até 1938 com as primeiras vilas operárias. Os bondes elétricos, criados pela Companhia Jardim Botânico, iam até a Bica da Rainha, no Cosme Velho.

 Ao contrário do que se pensa, o nome do bairro não vem da existência de grandes laranjais do vale do Rio Carioca; coberto em toda sua extensão por extensas chácaras, a montanhosa região lembrava a também acidentada região de Laranjeiras na região mais alta de Lisboa, o que levou à nomeação do bairro carioca. Laranjeiras ainda guarda o charme dos bairros nostálgicos pelo passado romântico e foi o endereço de nobres, escritores, compositores e pessoas ilustres nas artes e ofícios per se, como Villa-Lobos, Cecília Meirelles, Portinari, Oscar Niemeyer e Roberto Marinho. Cartola tomou gosto pelo samba ainda menino, quando aprendeu com o pai a tocar as variantes marginais do samba através do violão. Entretanto, dificuldades financeiras obrigaram sua numerosa família a se mudar para o extraordinário Morro da Mangueira, onde começava a despontar uma incipiente favela. Seu grande atrativo é escola de samba Estação Primeira de Mangueira e Quinta da Boa Vista. Lá fez amizade com Carlos Cachaça e outros sambistas, além de se iniciar no mundo da boemia, da malandragem e do samba. Com 15 anos, abandonou os estudos, após a morte da mãe, tendo terminado apenas o ensino primário. Trabalhou de servente de obra e a usar um chapéu-coco, para se proteger do cimento, que caía de cima dos andaimes do processo de trabalho na construção civil no Rio de Janeiro. Por usar esse representativo chapéu, ganhou dos colegas de trabalho o apelido Cartola.

A história do chapéu de coco demonstra que ele serviu não apenas como proteção contra o sol, mas também foi um importante símbolo de identidade e status social. Do latim capellus, que significa adorno para a cabeça, ou um diminutivo de uma capa com capuz, a palavra chapéu tem origem no vocábulo francês chapel. Sua utilidade de uso ou apenas como decoração, o chapéu serviu sobretudo para indicar a hierarquia, a função, a condição social ou mesmo o local de origem de um indivíduo. Melhor dizendo, o acessório teve um papel de grande relevância estética e social no desenvolvimento da cultura. Nesse sentido, ele foi um item que evoluiu na história, tendo assumido distintas características nas várias regiões do mundo. Os primeiros modelos de chapéu mais parecidos ao que conhecemos hoje em dia foram o Píleo, o Pétaso e o Frígio, usados ao redor de IV a.C. pelos gregos e romanos. O píleo se tratava de um chapéu de feltro com fundo alto e abas curtas, que depois passou a ser adaptado para versão em bronze que servia como exemplar capacete de proteção. Na Roma Antiga havia uma cerimônia de libertação na qual os escravos passavam a usar esse chapéu como símbolo da liberdade. O barrete frígio é um tipo de chapéu cônico macio com a ponta dobrada. Ele é associado na Antiguidade a vários povos da Europa Oriental e Anatólia. Posteriormente, a partir da revolução francesa ele passou a ser referenciado como o chapéu da liberdade, embora o título ser na verdade do píleo. Apesar do barrete frígio não ter sido originalmente o bendito símbolo de “chapéu da liberdade”, o modelo ideal típico veio a ser adotado como símbolo de libertação pela Revolução Americana e depois pela Revolução Francesa, o ciclo revolucionário clássico da historiografia, ocorrido entre 1789 e 1799, responsável pelo fim dos privilégios da aristocracia e pelo término do Antigo Regime.

Do ponto de vista sociológico reunidos com amigos sambistas do morro que viria internacionalizar a cultura brasileira, Cartola criou o Bloco dos Arengueiros, cujo núcleo em 1928, fundou a fabulosa Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Ela teve origem no Morro da Mangueira, posteriormente bairro da Mangueira, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. O Morro da Mangueira serviu de abrigo e moradia para escravos alforriados e seus descendentes, que levavam para a localidade as manifestações culturais e religiosas características das nações africanas, per se como o candomblé e a batucada. Alguns casebres serviam de templos religiosos, como o terreiro de Tia Fé (Benedita de Oliveira), onde eram realizadas cerimônias religiosas seguidas de cantoria e batucada. A partir da década de 1910, começaram a surgir grupos carnavalescos em Mangueira, como os cordões Guerreiros da Montanha, com sede na casa de Tia Chiquinha Portuguesa e Trunfos da Mangueira, sediado na casa de Leopoldo da Santinha, ambos na localidade reconhecida com a expressão corriqueira de senso comum Buraco Quente. Nos cordões, apresentavam-se um grupo de mascarados, conduzidos por um mestre com um apito, acompanhava uma orquestra de percussão. 

Menos pioneiros que os cordões, surgiram os ranchos, quer dizer, que se destacaram por “permitir” a participação das mulheres nos cortejos e por trazerem inovações tais como: alegorias, uso do enredo, instrumentação de sopro e cordas e o casal de dançarinos baliza e porta-estandarte, que mais tarde originaria o casal de mestre-sala e porta-bandeira. Três ranchos se destacaram em Mangueira: Pérolas do Egito fundado em 1910 por Tia Fé, Pingo de Amor e Príncipes da Mata, depois renomeado para Príncipe da Floresta. A partir de 1920, surgiram os blocos carnavalescos, unindo elementos sociais dos cordões e dos ranchos. Em Mangueira, destacaram-se os blocos de Tia Tomázia, Tia Fé e Mestre Candinho. Os blocos eram, constantemente, tomados por brigas e confusões causadas por sambistas embriagados, o que proporcionou neste aspecto em 1923, na fundação do Bloco dos Arengueiros. O bloco era formado apenas por homens e, como o próprio nome sugere, foi criado com o intuito de reunir os sambistas arruaceiros da região. Os participantes saiam às ruas vestidos de mulher, caçando briga com os outros blocos que encontrassem desfilando. Algumas confusões de nas ruas da cidade obviamente resultaram em prisões.

Participaram da fundação do bloco os sambistas Carlos Cachaça, Cartola, Babau da Mangueira, Saturnino Gonçalves, Arthur Gonçalves, Antonico, Fiúca, Francisco Ribeiro (Chico Porrão), Homem Bom, Gradim, Manoel Joaquim, Marcelino José Claudino (Maçu da Mangueira), Pimenta, Rubens e Zé Espinguela. O Bloco dos Arengueiros conquistou popularidade no Morro da Mangueira, sendo convidados para participar de outros blocos da região. Ainda assim, havia uma divisão do trabalho social entre os participantes e carnavalescos dos blocos tradicionais e o bloco dos arruaceiros, e os participantes dos Arengueiros não conseguiam se encaixar nos demais blocos. Após cinco carnavais, os participantes do Bloco dos Arengueiros propuseram unir todos os blocos de Mangueira para desfilar na Praça Onze, na Avenida presidente Vargas, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Na época, Cartola escrevera o samba “Chega de demanda”, que seria o primeiro samba histórico da Estação Primeira de Mangueira. No samba, Cartola conclama a união de todos os blocos da região: “Chega de demanda, chega/Com este time temos que ganhar/Somos da Estação Primeira/Salve o Morro de Mangueira”. Seus sambas se popularizaram na década de 1930, de radicalização política na da sociedade civil e da chamada Revolução de 1930 e do ideário carioca nas vozes de Araci de Almeida, Carmen Miranda, Francisco Alves, Mário Reis e Sílvio Caldas.     

Durante os anos de 1930 a 1945, o governo brasileiro, sob a batuta de Getúlio Vargas, adotou medidas econômicas e inovações institucionais que assinalaram uma fase nova nas relações entre o Estado e o sistema político-econômico. Todavia, lembra Ianni (1979: 14 e ss.) tais medidas econômico-financeiras utilizadas, as reformas político-administrativas realizadas e a própria reestruturação do aparelho de Estado, não foram o resultado de um plano preestabelecido. E muito menos, forma o resultado de estudo objetivo e sistemático das reais condições preexistentes. O próprio desenrolar das soluções após 1930 demonstra que o governo foi respondendo aos problemas e dilemas situados na vida social, conforme eles apareciam no seu horizonte político, por injunção de interesses e pressões econômicas, políticas, sociais e militares. Muitas vezes as pressões e os interesses principalmente econômicos e financeiros eram de origem externa. Antes da chamada Revolução de 1930 já se aprofundara bastante o debate sobre vários problemas dentre os quais deveria defrontar-se o governo, após a deposição do presidente Washington Luís (1869-1957), em outubro de 1930. Quer dizer, antes deste período de radicalização política, o sistema político brasileiro já se defrontara com problemas históricos, globais, estruturais e conjunturais típicos de uma economia dependente, transitória, isto é, uma economia historicamente primária exportadora, onde repetiam-se as crises na cafeicultura, que era o principal setor de economia do país.

Em consequência da incipiente industrialização havida nas décadas anteriores, do crescimento do setor terciário e da própria urbanização, surgiram novos grupos sociais, particularmente os primeiros núcleos proletários e os princípios da burguesia industrial; além de expandir-se bastante a classe média. Foi neste ambiente urbano mais complexo e parcialmente independente da cultura agrária que surgiram na década de 1920, vários movimentos políticos e artísticos novos: fundou-se o Partido Comunista do Brasil, em 1922; surgiram as primeiras manifestações do tenentismo, o qual exprimia os interesses, os ideais e as ambições políticas de alguns setores do Exército; fundou-se um partido político de inspiração fascista, com a Legião do Cruzeiro do Sul, em 1922; e realizou-se a Semana de Arte Moderna, em São Paulo, também em 1922, quando se manifestaram alguns jovens artistas de vanguarda. Essas são algumas das principais expressões de uma sociedade urbana em franca transformação. Politicamente ultrapassada e  economicamente conservadora, a abolição tardia da escravatura, em relação ao resto do continente americano, e a intensa imigração de europeus, eram a uma só vez, agentes sociais e manifestações das mudanças econômico-sociais e culturais que ocorriam. Em especial expande-se o sistema econômico, inclusive qualitativamente. 

Neste contexto histórico-social em que se revelam as precondições das rupturas políticas e econômicas que assinalam aspectos geria da Revolução de 1930, a Depressão Econômica Mundial de 1929-33 desempenha papel decisivo. Não só pelos efeitos de poder catastróficos que ela provocou na cafeicultura e, por consequência, no sistema político-econômico brasileiro, em conjunto, mas também pelo fato de que produziu uma consciência mais clara dos problemas da nação. Aliás, é o próprio Estado oligárquico que rompe internamente, pela impossibilidade de acomodarem-se os contrários liberados pela crise política e econômica mundial e interna. A partir desse momento, os grupos políticos no poder começaram a modificar os órgãos governamentais e a inovar na esfera política econômica e financeira. Os novos governantes tiveram de “acomodar-se” aos poderosos interesses ligados à cafeicultura. Entretanto, eles tiveram condições para encaminhar novas diretrizes governamentais. Conforme dizia em 1931 Getúlio Vargas (1882-1954), ao esboçar a nova imagem da nação das relações sociais entre o poder público e as atividades produtivas. E, ainda, o reconhecimento de que a situação vigente nos começos da década dos trinta exigia a reorganização dos mercados de capital e prevalentemente da força de trabalho, de modo a contornarem-se as inconveniências da pretensa política econômica liberal.

De outra parte, entretanto, as lutas políticas continuaram bastante intensas (muitas vezes violentas) nos anos imediatamente posterior à tomada de poder com um golpe de classe, pelas forças políticas e militares lideradas por Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha, Flores da Cunha, Juarez Távora e outros. Estes são alguns dos fatos políticos importantes, nos anos posteriores à vitória da Revolução: fundação da Ação Integralista Brasileira, em 1932, como partido de direita, de conotação fascista; fundação da Aliança Nacional Libertadora, em 1934, como movimento político de esquerda, de tendência socialista; a Revolução paulista, em 1932, tentando recuperar o poder federal; a nova constituição Nacional, em 1934; o levante do Partido Comunista do Brasil, em 1935; e o levante da Ação Integralista Brasileira, em 1938. Esse é o contexto político em que o grupo reunido em torno de Getúlio Vargas deu o golpe de Estado de 10 de novembro de 1937 e instalou a ditadura, sob a denominação de Estado Novo. Posteriormente, ao explicar as razões políticas do golpe e da implantação a ditadura, os próceres Francisco Campos e Azevedo Amaral, escreveram o seguinte: o primeiro, afirma: o Brasil estava dotado de instituições em que não ressoavam as vozes claras da realidade e, ao mesmo tempo, criavam-se, pelo artifício e pela mentira, correntes de opinião estranhas aos seus sentimentos, à sua índole, à sua cultura e à sua formação nacional. O segundo, afirma: as expressões clássicas de direita e esquerda e os rótulos ultramodernos de escolas e doutrinas da atualidade podiam ser distribuídos quase ao azar, tão rápidas que fossem e surpreendentes eram as evoluções em que as peças do jogo político se deslocavam de um campo para outro sob a pressão de circunstâncias ocasionais e incidentes efêmeros.

 A partir das décadas de 1930 a 1945, de entremeio, entre 1937 e 1945, o governo federal criou comissões, conselhos, departamentos, institutos, companhias, fundações e formulou planos de metas. Além disso, promulgou leis e decretos. E incentivou a realização de debates, em nível oficial e oficiosamente, sobre os problemas econômicos, financeiros, administrativos, educacionais, tecnológicos e outros. As medidas adotadas pelo governo alcançaram praticamente todas as esferas da sociedade nacional. Isto é, tratava-se de estudar, coordenar, proteger, disciplinar, reorientar e incentivar as atividades produtivas em geral. Melhor dizendo, tratava-se de formalizar, em novos níveis, as condições de intercâmbio e funcionamento das forças produtivas no mercado brasileiro. Além disso, pretendia-se, também, estabelecer novos padrões e valores específicos das relações e instituições de tipo capitalista. A cultura brasileira estava impregnada das heranças dos valores e padrões na sociedade escravocrata, colonialista, onde eram predominantes os estilos de mando, liderança, organização e mentalidade de tipo oligárquico excludente. O liberalismo era exclusivamente urbano, superficial, de conotação ideológica (antes que prática) e voltado para as relações externas. Nesse contexto a Revolução de 1930 e as inovações nos anos posteriores provocaram a reformulação dos ideais e padrões de tipo capitalista.

Neste sentido a transição do Governo Dutra (1946-1951) para o Governo Vargas (1951-19540 correspondeu a uma reorientação das relações sociais entre o Estado e a Economia. Com Vargas, o poder público passou a desempenhar funções mais ativas e diferentes do país. Como mudou praticamente a composição das forças políticas de poder, segundo Ianni (1979: 109 e ss.), modificou-se também a maneira pela qual o governo passou a atuar. Essa transição, entretanto, não foi nem repentina nem isenta de ambiguidades, pois ao iniciar-se o segundo período governamental de Getúlio Vargas (1951-54), o poder público e a maioria do Congresso Nacional ainda estavam comprometidos ideológica e praticamente, com uma política econômica antiintervencionista e internacionalizante. Não era uma política de desenvolvimento econômico, a que fora praticada no Governo Dutra que teve início em 31 de janeiro de 1946, após o advogado vencer a Eleição presidencial de 1945 com 3 251 507 votos contra 2 039 341 votos para Eduardo Gomes tornando se o 16º Presidente do Brasil; e terminou em 31 de janeiro de 1951, passando o cargo para Getúlio Vargas.

Era uma política pública destinada a garantir as condições de funcionamento e prosperidade do setor privado, nacional e estrangeiro. Os recuos e reorientações a que tinham sido obrigados o governo e o Congresso Nacional não haviam alterado a linha de estilo neoliberal predominante. Em 1951, quando se iniciava seu governo, a sociedade brasileira já se encontrava bastante diferenciada, devido ao crescimento do setor industrial.  O Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico ou Plano Horácio Láfer, por exemplo, foi anunciado em 1951, pelo então Ministro da Fazenda, no Governo de Getúlio Vargas. Foi apresentado como um plano quinquenal de investimentos financeiros em indústrias de base, transporte, energia, frigoríficos e modernização da agricultura. Para a realização dos investimentos previstos nesse programa, o Congresso Nacional autorizou, no ambos de 1952, a criação de um Fundo de Reaparelhamento Econômico ser administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), também recém criado em 1952. Além disso, foram realizadas negociações nos Estados Unidos da América, para assistência técnica e financeira aos projetos envolvidos pelo programa o que correspondeu à oficialização das sugestões e projetos prioritários elaborados pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos. Ao mesmo tempo, correspondeu à conciliação entre a decisão dos governantes de impulsionar o desenvolvimento econômico brasileiro, tendo em vista a escassez de recursos nacionais para insumos entre capital & tecnologia e a nova fase de expansionismo econômico dos Estados Unidos da América.

A criação da Petrobrás, pois, correspondeu a uma realização fundamental, no âmbito das novas condições para o desenvolvimento econômico que se estavam criando para o país. Trava-se de um empreendimento particularmente importante, segundo Ianni (1979: 126) pelas seguintes razões. Em primeiro lugar, criava-se uma indústria básica para o funcionamento, a expansão e a diversificação do sistema econômico brasileiro como um todo. Em segundo lugar, devido a importância do petróleo e derivados, nas relações entre o subsistema econômico brasileiro e empresa e governos dos países dominantes, a criação do monopólio estatal de pesquisa, refino e transporte do petróleo foi um fato decisivo na história do nacionalismo no Brasil. Isto é, correspondeu a uma afirmação da vontade de emancipação econômica, em face dos interesses e pressões de empresas petrolíferas estrangeiras. A Petrobrás tornou-se um símbolo do nacionalismo econômico e político brasileiro. Inclusive provocou o fortalecimento do setor público, no conjunto do sistema econômico do país. Entretanto, a criação da Petrobrás foi um ato típico e talvez o mais expressivo do nacionalismo que o governo podia praticar. Note-se que a lei não estabeleceu o monopólio da comercialização dos derivados de petróleo. Em terceiro, a criação da empresa estatal Petrobrás - Petróleo Brasileiro Sociedade Anônima representou manifestação particularmente significativa da maneira como funcionava a tecnoestrutura estatal.

Os estudos e debates realizados na esfera do poder Executivo, os quais foram básicos para o encaminhamento e a solução social dada ao problema do petróleo no país, resultaram da conjunção e coordenação de sugestões técnicas e interesses de empresários nacionais e estrangeiros, militares, políticos, técnicos, administradores e economistas. Na medida em que formavam um grupo de trabalho, essas pessoas representavam interesses e intenções de grupos econômicos e políticos nacionais e estrangeiros. Ao mesmo tempo, na medida em que representavam interesses e intenções, essas pessoas procuravam uma solução conciliatória entre o necessário e o possível em termos econômicos, políticos e técnicos. Isto é a fundação da Petrobrás revelou o modo pelo qual o poder Executivo estava incorporando e desenvolvendo o pensamento técnico-científico, como estilo de atuação. Em síntese: a criação da Petrobrás exprimiu a convergência de vários componentes essenciais do sistema político e econômico brasileiro: defesa nacional, ideologia desenvolvimentista, crescimento da função econômica do Estado etc. A maioria dos compromissos públicos do governo nos anos 1951-54, revelava o predomínio da preocupação em reformular as relações política-ideológicas entre o Estado e a Economia, por intermédio da sistematização da política econômica governamental. Enfim, pouco a pouco, a ideologia e a prática do planejamento são incorporadas pelo poder público, componentes cada vez mais necessários do Estado. Havia a influência das experiências de política econômica acumuladas nos anos 1930-45 e 1946-50.   

Os anos de 1961-64 forma particularmente importantes no que diz respeito às relações entre Estado e economia. Justamente por serem anos de crise, durante período tornaram-se mais evidentes ou manifestaram-se de modo mais claro, alguns problemas cruciais, gerados com o tipo de desenvolvimento econômico ocorrido no Brasil.  As flutuações das políticas econômicas dos governos desta conjuntura, quanto aos seus objetivos e tentativas de execução, revelaram boa parte dos dilemas básicos com os quais se defrontava a sociedade brasileira. A crise brasileira tornou-se bastante grave, tanto política como economicamente. É verdade que esses dois níveis estavam quase sempre conjugados; ou influenciavam-se reciprocamente. Mas cada um adquiria significação especial, conforme o contexto histórico global em que ocorria. Quanto à crise econômica, manifestou-se da seguinte forma: reduziu-se o índice de investimentos, diminuiu a entrada de capital externo, caiu a taxa de lucro e agravou-se a inflação. Pode-se mesmo dizer que nesses anos a inflação transformou-se no problema central da economia do país; deixou de ser apenas uma técnica de “confisco salarial” ou poupança monetária forçada, e passou a funcionar como inflação de custos. Além disso, em consequência do término da “etapa de substituição de importações”, os governantes estavam tentando propor novos programas de desenvolvimento social. Devido às dificuldades políticas e econômicas inerentes à formulação e execução de um novo programa de desenvolvimento, o governo João Goulart (1919-1976), por exemplo, reiniciou o debate acerca das reformas de base

Uma das dificuldades sociais encontradas para a proposição do novo programa de desenvolvimento estava na opção política subjacente a qualquer política econômica governamental. O governo deveria optar, ainda que de modo implícito, por uma das duas estratégias políticas de desenvolvimento: favorecer a expansão do capitalismo nacional ou acelerar a internacionalização, como meio de promover os investimentos indispensáveis a uma nova expansão econômica. Mas as condições políticas nos termos da “democracia representativa” em vigor, não possibilitavam uma decisão clara; nem permitiam mais uma atitude ambígua, como transpirava das atuações reais do governo. Em outros termos, neste nível de cogitações, pode-se afirmar que os governos de Jânio Quadros (janeiro-agosto de 1961) e João Goulart (novembro de 1961-abril de 1964), também reconhecido como Jango, foi marcado por grande tensão política em que não estavam em condições de resolver as contradições herdadas do Governo Kubitschek (1956-1961). Já não havia mais condições políticas e econômicas para a conciliação entre ideologia nacionalista e capitalismo nacional ou ideologia nacionalista e capitalismo associado ou dependente. Além disso, as contradições entre as classes sociais, na cidade e no campo haviam-se aguçado. Foi uma época de intensa politização e organização política das massas camponesas, principalmente na região Nordeste.

Em síntese, a análise das políticas econômicas adotadas entre os anos de 1961-64 revela desde logo intensas flutuações e ambiguidades. Tanto no governo de Jânio Quadros como no governo João Goulart (1961) a política econômica não chegou a configurar-se como um sistema de diretrizes coerentes. A sucessão e multiplicidade das medidas adotadas revelavam que os problemas estavam se multiplicando numa escala tão acelerada que o poder público representado não era capaz de lhes fazer face; ou os acompanhava com atraso. Essa “descaracterização” das políticas adotadas nos anos de 1961-64 era ainda mais evidente porque sucediam à política econômica governamental adotada nos anos de 1956-60, quando o governo Kubitschek parecia controlar e comandar as diretrizes e os objetivos a serem alcançados. É preciso notar que o perfil da política econômica do governo Kubitschek era muito menos estruturado do que faziam supor os responsáveis pelo Programa de Metas. Quando a crise política, verificou-se uma radicalização acentuada das posições dos partidos políticos de esquerda e de direita, relativamente à orientação a ser dada nos assuntos econômicos e políticos, nas relações internas e externas.

Os grupos e partidos políticos de centro, segundo Ianni (1979: 194), de tipo liberal, perderam significação, diante da polarização das posições. Ao mesmo tempo, ocorreu uma intensa politização das massas urbanas: classe média e proletariado, destacando-se bastante uma parcela dos estudantes universitários. Essa intensa politização deveu-se, em primeiro lugar, à crise originada como golpe de Estado frustrado do presidente Jânio Quadros; golpe esse correntemente reconhecido como “renúncia” intempestiva, ocorrida em agosto de 1961. O que se manifesta de forma singular é que essa crise política, aliás, continuou após a posse de João Goulart, sob condições políticas e militares consideradas insatisfatórias pelas forças políticas que apoiavam o governo e interessavam-se por influir em suas decisões e atividades. É que, para autorizar a posse de Goulart, as forças políticas e militares conservadoras e antipopulistas haviam imposto o regime parlamentarista, com a finalidade de reduzir a capacidade de decisão do governo João Goulart. Mas a crise não se resolveu nem com a realização de um plebiscito nacional, por meio do qual foi restaurado o presidencialismo. Apenas ocorreu uma acomodação política aparente, a qual somente iria resolver-se no golpe de Estado de 1° de abril de 1964. A luta contra a inflação exigia o sacrifício do populismo, que servia de suporte político do governo.

A política cambial, por outro lado, exigia o sacrifício econômico do nacionalismo econômico, que era um dos principais elementos da ideologia governamental. E a luta pela reforma agrária, por fim, mobilizava contra o governo todas as forças tradicionais, então dominantes no Congresso Nacional. O diagnóstico dos desiquilíbrios, pontos de estrangulamento e perspectivas da economia brasileira, conforme foi sintetizado no Plano Trienal, não podia fundamentar a política econômica de um governo apoiado na “democracia representativa”, ainda mais tendo como fulcro com forte influência do populismo nacionalista e ideologicamente de esquerda. Pode-se dizer que o Plano Trienal correspondeu à primeira tentativa de planificação global e globalizante. O Executivo, por seu lado, estava muito mais comprometido com a sociedade industrial e financeira. Em outros termos, desenvolve-se e consolida-se a tecnoestrutura por meio da qual se concretiza a hegemonia sócio-política do poder Executivo. Em 1974, aos 66 anos, o sambista e compositor Cartola gravou o primeiro de seus quatro discos-solo em sua carreira: “As Rosas não Falam”, “O Mundo É um Moinho”, “Acontece”, “O Sol Nascerá”, em parceria com Elton Medeiros), “Quem Me Vê Sorrindo”, com Carlos Cachaça, “Cordas de Aço”, “Alvorada” e “Alegria”. No final da década de 1970, mudou-se do Morro da Mangueira para Jacarepaguá, bairro da Zona Oeste do município do Rio de Janeiro, onde morou até sua morte, em 1980. É o sexto maior bairro passando por um grave processo social de gentrificação e urbanização.

Bibliografia geral consultada.

IANNI, Octávio, Estado e Planejamento Econômico no Brasil (1930-1970). 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1979; AUGÉ, Marc, La Guerre des Rêves. Exercices d’Ethno-Fiction. Paris: Éditions du Seuil, 1997; PEREIRA, Arley, Cartola: Semente de Amor Sei que Sou, desde Nascença. São Paulo: Editor Serviço Social do Comércio, 1998; NOGUEIRA, Nilcemar, De Dentro da Cartola: A Poética de Angenor de Oliveira. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005; ELIAS, Norbert, Em Busca da Excitação. Lisboa: Editor Difusão Europeia do Livro, 1992; Idem, Escritos & Ensaios (I): Estado, Processo, Opinião Pública. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006; COSTA, Haroldo (Org.), Fala Crioulo: o que é ser negro no Brasil. 3ª edição. Rio de Janeiro: Editora Record, 2009; FERNANDES, Dimitri Cerboncini, A Inteligência da Música Popular: A Autenticidade no Samba e no Choro. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Departamento de Sociologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010; HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence, A Invenção das Tradições. 12ª edição. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2012; SOUZA, Yuri Prado Brandão de, Estruturas Musicais do Samba-enredo. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Música. Escola de Comunicações e Artes. Departamento de Música. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2018; CORRÊA, Elizeu de Miranda, As Múltiplas Faces da Comissão de Frente da Escola Samba no Contexto da Ópera de Rua (1928-1999). Curitiba: Editora CRV, 2015; Idem, “O Eterno Retorno: As Comissões de Frente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro no Descompasso da Modernidade (2000-2018)”. In: Revista Eletrônica de História Social da Cidade, n° 23, vol. II, 2019; BRAGA, Tatiane de Andrade, O que fica quando o poeta se vai? Sujeito e Sociedade nos Sambas de Cartola e Nelson Cavaquinho. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-graduação em Letras. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2014; REIS FILHO, José Carlos Santos dos, As Canções de Cartola: 5 Arranjos para Violão Solo. Trabalho de Conclusão de Curso de Mestrado Profissional. Escola de Música. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 2022; SICILIANO DE ARAÚJO, Alessandra, O Samba-enredo como Patrimônio Musealizado: Uma Análise de sua Utilização pelo Turismo nas Comunidades Detentoras. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio.  Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2023; entre outros. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário