quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

O Último Turno – Fast-Food, Rotina & Sofrimento no Trabalho.

                                                                              O Fast Food se tornou comida do dia-a-dia”. Michelle Obama

         

          No campo da arte, a palavra drama contém múltiplos significados. O termo é também encontrado no cinema, na televisão, no rádio, significando um texto ficcional, peça teatral ou filme de caráter sério, não cômico, que apresenta um desenvolvimento de fatos sociais e circunstâncias econômicas e políticas compatíveis com os meios de trabalho mais rotinizados da vida real. Na vida cotidiana, um conjunto de acontecimentos complicados, difíceis ou tumultuados pode se transformar em uma arquetipologia dramática, assim como um acontecimento social que causa danos, sofrimento, dor. Mas estes são apenas alguns dos significados mais reconhecidos. No drama modesto do roteirista e diretor cinematográfico Andrew Cohn, The Last Shift, (2020) o trabalhador de fast-food Stanley (Richard Jenkins) está finalmente desistindo da carreira. Ele trabalhou no turno da noite no Oscar`s Chicken and Fish por 38 anos, agora está se mudando da cidade de Michigan para a Flórida para cuidar da mãe idosa. Ele está orgulhoso de seu desempenho, lidando habilmente com os bêbados e os adolescentes que o ridicularizam, raramente errando no processo de sociabilidade estereotipada. Mas quando tem que treinar seu substituto, Jevon (Shane Paul McGhie), de vinte e poucos anos, Stanley começa a reconsiderar o trabalho e qualquer significado que possa ter atribuído a ele. 

         O jovem funcionário Jevon rejeita o trabalho, forçado a fazê-lo durante a saída em liberdade condicional após desfigurar um monumento federal, e com o objetivo de retornar ao seu amor pela escrita quando as circunstâncias permitirem. Jevon é inteligente, mas difícil, falhando com sua namorada sitiada e o filho pequeno, incapaz de se unir e prover como figura paterna. É um filme de camaradagem incompatível, mas não totalmente malsucedido, em grande parte graças ao experiente ator Richard Jenkins, que pode desempenhar um papel como esse de olhos fechados, e a McGhie, que captura uma mistura de retidão e desânimo. Ele meio que caminha sem grande marca até uma curva acentuada à esquerda, enquanto Cohn tenta transformar sua dramatis personae de cidade pequena em algo muito maior. A polêmica conversa sobre a distinção entre raça e classe social entra desajeitadamente em cena – tendo em vista que Jevon é jovem e negro enquanto Stanley é branco e velho - com uma sequência apressada de eventos tentando de repente dizer algo sobre a divisão norte-americana (cf. Faulkner, 1956; Napoleoni, 1970). Há uma tentativa de humanizar o paradoxo que parece pouco desconfortável, como se pudessem ter resolvido isso de maneira diferente, e a mudança de escopo parece um pouco lenta, com uma nota final que chega com um gemido.

A rede fast-food surgiu em 1916, em Wichita, no Kansas, nos Estados Unidos da América, por iniciativa da empresa White Castle. J. Walter Anderson, cozinheiro, dono e fundador da empresa, vendia a preço reduzido hambúrgueres com batatas fritas e cola. A White Castle foi a primeira cadeia de restaurantes dos Estados Unidos na venda de hambúrgueres. Foi criada em 1921 na cidade de Wichita, no estado do Kansas, por Billy Ingram e Walter Anderson. A rede ainda existe e conta com 422 restaurantes. Desde sua criação, se manteve como uma empresa familiar e não aderiu ao modelo de expansão por franquias. Muitas outras redes se seguiram comercialmente, como Little Tavern, White Tower, Big Boy. Do ponto de vista da organização, racionalização e comercialização do produto do trabalho, o serviço apressado na rua, por meio de balcão improvisado, foi substituído por restaurantes  com mesas. O hambúrguer continuava a ser visto como alimento rápido, prático e acessível, além de delicioso. O In-n-Out, criado em 1948 na Califórnia, trouxe uma inovação espacial: o drive thru, uma modalidade prática de atendimento em que o cliente não tem a necessidade de sair do carro para fazer e receber seu pedido. Exemplos comerciais são inúmeros, mas citamos, a McDonald`s, a maior cadeia de fast-food, seguida por Burger King, KFC, Subway e Pizza Hurt.  

Sociologicamente a origem do termo drive thru veio da expressão drive through, que pode ser traduzida literalmente como “dirigir através” ou “dirigir por”. Assim, consumidores podem pedir o hamburguer sem precisar sair do carro. A rede, atua com 329 locais principalmente na costa Oeste dos Estados Unidos da América, continua sendo uma empresa familiar e resiste a abrir capital na bolsa de valores. Inversamente do ponto de vista sociológico a categoria barman ou bartender representa o profissional da coquetelaria, que trabalha em estabelecimentos servindo coquetéis, misturados com bebidas alcoólicas, ou sem álcool aos clientes frequentemente em bares. Não há registros etnográficos da origem desta função comercial, mas sabe-se que é uma profissão antiga e que remonta ao tempo das famosas tavernas. Na década de 1930, a população norte-americana sofria os efeitos da crise econômica de 1929 dentre eles, o desemprego. Com a autoestima afetada, a população abusava de medicamentos e do consumo de álcool, o que elevou ao aumento da taxa de suicídios e trouxe sérios problemas à saúde pública. Com isso, o governo norte-americano implantou uma medida protetiva intitulada Lei Seca que proibia o comércio e a produção-consumo de qualquer bebida alcoólica no país. A Constituição estabeleceu, na 18 ª Emenda, a “proibição da fabricação, comércio, transporte, exportação e importação de bebidas alcoólicas”. Essa lei vigorou por 13 anos (1920-1933).

O consumo de álcool não cessou. O negócio das bebidas ilegais foi parar nas mãos da Máfia, a Cosa Nostra Americana ou La Cosa Nostraque contrabandeava e comercializava a mercadoria ilegal, utilizando-se de sua imponência social, poder de fogo, privilégios políticos e de corrupção policial. Os bares ilegais eram montados em porões e barrados por portas de aço, sendo reconhecidos como speakeasy, onde a bebida era vendida livremente. Um homem de confiança da Máfia era o “homem do bar”, responsável pelas bebidas, pelo sigilo e segurança econômica do local. Para tanto o barman precisava ser dissimulado, elegante e discreto, além de um raciocínio rápido e criatividade. Conta-se que durante uma das frequentes buscas policiais para averiguação dos porões, o barman antecipando-se à chegada dos representantes oficiais do Establishment, adiciona uma porção de suco de laranja aos copos de Vodka que eram servidos naquela noite, camuflando assim as costumeiras bebidas. Em sentido mais restrito, como estamos nos referindo, pode reduzir-se a um grupo de indivíduos com poder e influência sobre determinada organização ou campo de atividade. Além de salvar o estabelecimento, o homem do bar também dava origem ao que reconhecemos como coquetelaria. Sem a proibição o barman tornou-se em um alquimista moderno.

O McDonald’s, é a maior rede de fast food com mais de 38 mil unidades no mundo globalizado, começou em 1940, como “uma churrascaria operada pelos irmãos Richard e Maurice McDonald”. Oito anos depois, o restaurante foi transformado para fazer hambúrgueres com uma linha de produção fordista, tornando o prato ainda mais rápido – e a empresa mais eficiente. O empresário Ray Kroc, que era fornecedor de máquinas de milk shake, ingressou na empresa como um franqueado em 1955. Ele logo percebeu o potencial do negócio e comprou a cadeia dos irmãos, expandindo a rede para todo o mundo. O valor da venda, realizada em 1961, foi de 2,7 milhões de dólares, muito baixo perto dos 143 bilhões de dólares que a companhia atualmente vendendo mais de 75 hambúrgueres por segundo. Há novas redes sendo criadas a cada dia a dia para competir com essas redes de serviços alimentícios pioneiras no fast food do hambúrguer, com carnes mais ou menos grossas e acompanhamentos mais sofisticados ou mais simples. Os lanches, que eram servidos em uma espécie de linha de montagem fordista, ipso facto, o mais rápido possível, acabaram mais tarde repercutindo na ideia de agilidade que se espalha por todas as mais de 40 mil unidades do McDonald`s do planeta. Os irmãos McDonald deixaram a barraca de lanches de lado em 1940. A seguir, inauguraram um restaurante em um edifício de concreto, que tinha um enorme M na fachada na cor amarela. Não só o M de 7,5 metros, como também a ideia deles, logo começou a chamar a atenção na cidade. Em especial, quem notou o trabalho dos irmãos foi Ray Kroc que vem sendo atribuído mormente como o fundador do McDonald’s.

O Barman clássico reconhece as características das bebidas: origem, composição, efeitos no organismo e seu potencial gastronômico. Sabe preparar as diversas receitas de coquetéis internacionais e também criar novas. São geralmente profissionais com mais tempo no segmento e lideram a equipe operacional do bar. Trabalham em trajes sociais, e frequentemente falam vários idiomas, o que os favorece em uma carreira internacional, por também se adequarem aos formatos de restaurantes de alta gastronomia, hotéis internacionais, pubs, e navios de cruzeiro. Esse é o estilo mais dinâmico de todos, visa o rápido atendimento e é muito solicitado em ambientes de alto giro, com grande número de clientes. Ao contrário do Barman ou Freestyle, esse profissional deve estar capacitado as funções importantes do bar: agilidade na execução de coquetéis e entrega rápida aos clientes. Normalmente esses bartenders dominam meio de conhecimento de coquetelaria e mixologia, tanto quanto os que atuam em american ou piano bar. Mas enquanto o estilo clássico cabe em hotéis, bistrôs, bares e restaurantes de baixo giro e média/alta qualidade, o nightclube bartender trabalha em bares de alto movimento. Alguns trabalhadores desse estilo, incorporam elementos de speed, trazido do estilo freestyle, mas adaptados ao metabolismo social, evitando excessos e movimentos desnecessários e prejudiciais ao andamento imediato do trabalho praticado. É isso estruturalmente o mais importante no conflito social – cujo objetivo é manter ou, ao contrário, negar o modus operandi dominante de controle social sobre o metabolismo dentro dos limites das relações econômicas e sociais estabelecidas – encontra suas manifestações necessárias nas formas ideológicas [orientadas para a prática] em que os homens se tornam conscientes desse conflito e o resolvem pela luta. Nesse sentido, vale lembrar que o que determina a natureza da ideologia, é o imperativo de se tornar praticamente consciente do conflito social fundamental – a partir dos pontos de vista mutuamente excludentes das alternativas hegemônicas que se defrontam em determinada ordem social – com o propósito de resolvê-lo pela luta. 

Em outras palavras, as diferentes formas ideológicas de consciência social têm (mesmo se em graus variáveis, direta ou indiretamente) implicações práticas de longo alcance em todas as suas variedades, na arte, na literatura, assim como na filosofia e na teoria social, independente de sua vinculação sociopolítica a posições políticas  progressistas ou conservadoras. Existe uma divisão social do trabalho, meritória, claramente nos estilos freestyle e nightclub, sendo que os bartenders clássicos e dinâmicos são quase unânimes em citar a “técnica de flair” compreendida como um valor ou algo “mais circense do que ligado aos bares de fato”. O barman freestyle geralmente tem um perfil jovem de trabalho, vestem-se de forma despojada a se identificar com o público alvo do estabelecimento de consumo, com uso de bandanas, penteados exóticos e aventais ornamentados. Possuem habilidades técnicas diversas e truques no preparo de bebidas agregando valor à sua função social, como a produção de mágica, pirofagia e malabarismo com garrafas (flair). Historicamente existem torneios anuais de Flair que estimulam e premiam os melhores desempenhos ao redor do globo terrestre. Seu conhecimento sobre coquetelaria é básico e suficiente, voltado ao público jovem, servindo-as em copos luminosos e multicoloridos. Atuam em eventos musicais de longa duração, festivais e festas de casamento e todo tipo de casas noturnas.

Uma forma de atividade generalizada que tomou lugar na vida social não pode, evidentemente, permanecer tão desregulamentada, em seu desempenho e atividade, sem que disso resulte os impactos sociais sobre a divisão do trabalho e as mais profundas perturbações. Mas sofrer no trabalho não é uma fatalidade. É, em particular, como decorre e testemunhamos, uma fonte de desmoralização geral real. Precisamente porque as funções econômicas absorvem maior número de cidadãos, para o pleno desenvolvimento da vida social, há uma “multidão de indivíduos”, como dizia Freud (2012), cuja vida transcorre quase toda no meio industrial e comercial; a decorrência disso é que, como tal meio é pouco marcado pela moralidade, a maior parte da existência transcorre fora de toda e qualquer ação moral. A tese funcionalista expressa na pena de Émile Durkheim, como uma espécie de antídoto da civilização, e que o sentimento do dever cumprido se fixe fortemente em nós, é preciso que as próprias circunstâncias em que vivemos permanentemente desperto. A atividade de uma profissão só pode ser regulamentada por “um grupo próximo o bastante dessa mesma profissão para conhecer bem seu funcionamento, para sentir todas as suas necessidades e poder seguir todas as variações destas”. O único que corresponde a essas condições é o que seria formado por todos os agentes de uma mesma condição reunidos num mesmo corpo. E que a sociologia durkheimiana conceitua de corporação ou grupo profissional.

É na ordem econômica que o grupo profissional existe tanto quanto a moral profissional. Desde que, não sem razão, com a supressão das antigas corporações, não se fizeram mais do que tentativas fragmentárias e incompletas para reconstituí-las em novas bases sociais.  Os únicos agrupamentos dotados de permanência são os que se chamam sindicatos, seja de patrões, seja de operários. Historicamente, temos aí in statu nascendi o começo e o princípio ético de uma organização profissional, mas ainda de forma rudimentar. Isto porque, em primeiro lugar, um sindicato é uma associação privada, sem autoridade legal, desprovida, por conseguinte, de qualquer poder regulamentador. O número deles é teoricamente ilimitado, mesmo no interior de uma categoria industrial; e, como cada um é independente dos outros, se não se constituem em federação e se unificam, que exprima a unidade da profissão em seu conjunto de práticas e saberes sociais (cf. Faulkner, 1954). Não só os sindicatos de patrões e de empregados são distintos uns dos outros, o que é legítimo e necessário, como não há entre eles contatos regulares. Não existe organização comum que os aproxime sem fazê-los perder sua individualidade e na qual possam elaborar com uma regulamentação que, estabelecendo suas relações mútuas, imponha-se a ambas as partes com a mesma autoridade; por conseguinte, é sempre a “lei dos mais forte” que resolve os conflitos, e o estado de guerra subiste inteiro. Salvo no caso de seus atos pertencentes à esfera moral comum estão na mesma situação.

A tese sociológica é a seguinte: para que uma moral e um direito profissionais possam se estabelecer nas diferentes profissões, é necessário, pois, que a corporação, em vez de permanecer um agregado confuso e sem unidade, se torne, ou antes, volte a ser, um grupo definido, organizado, uma instituição pública. A primeira observação familiar da crítica durkheimiana, é que a corporação tem contra si seu próprio passado histórico. De fato, a corporação é tida como intimamente solidária do antigo regime político e, por conseguinte, como incapaz de sobreviver a ele. Na história da filosofia, em geral o que permite considerar as corporações uma organização temporária, boa apenas para uma civilização determinada, é, ao mesmo tempo, sua antiguidade temporal e a maneira como se desenvolveram na história. Se elas datassem unicamente da Idade Média, poder-se-ia crer, de fato que, nascidas com um sistema político, deviam necessariamente desaparecer com ele. Mas, na realidade, têm uma origem bem mais antiga. Em geral, elas aparecem desde que as profissões existem, isto é, desde que a atividade deixa de ser puramente agrícola. Se não parecem ter sido reconhecidas na Grécia, até o tempo da conquista romana, é porque os ofícios, sendo desprezados, eram exercidos exclusivamente por estrangeiros e, por isso mesmo, achavam-se excluídos da organização legal da cidade.

Mas em Roma, comparativamente, elas datam pelo menos dos primeiros tempos da República; uma tradição chegava até a atribuir sua criação ao rei Numa, um sabino escolhido como segundo rei de Roma. Sábio, pacífico e religioso, dedicou-se a elaboração das primeiras leis de Roma, assim como dos primeiros ofícios religiosos da cidade e do primeiro calendário. É verdade que, por tempo, elas tiveram de levar uma existência bastante humilde, pois os historiadores e os monumentos só raramente as mencionam; não sabemos muito bem como eram organizadas. Desde de Cícero, sua quantidade tornara-se considerável e elas começavam a desempenhar um papel. Nesse momento, diz J.-P Waltzing (1857-1929), “todas as classes de trabalhadores parecem possuídas pelo desejo de multiplicar as associações profissionais”. Mas o caráter desses agrupamentos se modificou; eles acabaram tornando-se “verdadeiras engrenagens da administração”. Desempenhavam funções oficiais; cada profissão era vista como um serviço público, cujo encargo e cuja responsabilidade ante o Estado cabiam à corporação correspondente. Foi a ruína da instituição, se essa dependência em relação ao Estado não tardou a degenerar numa servidão que os imperadores só puderam manter pela coerção.

Todas as sortes de procedimentos foram empregadas para impedir que os trabalhadores escapassem das pesadas obrigações que resultavam, para eles, de sua própria profissão. Evidentemente, tal sistema de trabalho só podia durar enquanto o poder político fosse o bastante para impô-lo. É por isso que ele não sobreviveu à dissolução do Império. Aliás, as guerras civis e as invasões haviam destruído o comércio e a indústria; os artesãos aproveitaram essas circunstâncias para fugir das cidades e se dispersar nos campos. Assim, os primeiros séculos de nossa era viram produzir-se um fenômeno que devia se repetir tal qual no fim do século XVII: a vida corporativa se extinguiu quase por completo. Mal subsistiram alguns vestígios seus, na Gália e na Germânia, nas cidades de origem romana. Portanto, naquele momento, um teórico tivesse tomado consciência da situação, teria provavelmente concluído, como o fizeram mais tarde os economistas, que as corporações não tinham, ou, em todo caso, não tinham mais razão de ser, que haviam desaparecido irreversivelmente, e sem dúvida teria tratado de retrógrada e irrealizável toda tentativa de reconstituí-las. Os acontecimentos desmentiriam uma tal profecia. Após um “eclipse da razão” caminhando para os nossos dias, as corporações recomeçaram sua existência em todas as sociedades europeias.

Elas renasceram por volta dos séculos XI e XII. Desde esse momento, diz Emile Levasseur, “os artesãos começam a sentir a necessidade de se unir e formam suas primeiras associações”.  Em todo caso, no século XII, elas estão outra vez florescentes e se desenvolvem até o dia em que começa para elas uma nova decadência. Uma instituição tão persistente assim não poderia depender de uma particularidade contingente e acidental; muito menos ainda é possível admitir que tenha sido o produto de não sei que “aberração coletiva”. Se, desde a origem da cidade até o apogeu do Império, desde o alvorecer das sociedades cristãs aos tempos modernos, elas foram necessárias, é porque correspondem a necessidades duradouras e profundas. Sobretudo, vale lembrar que o próprio fato de que, depois de terem desaparecido uma primeira vez, reconstituíram-se por si mesmas e sob uma nova forma, retira todo e qualquer valor ao argumento que apresenta sua desaparição violenta no fim do século passado como uma prova de que não estão mais em harmonia com as novas condições de existência coletiva. A necessidade que todas as grandes sociedades civilizadas sentem de chamá-las de volta à vida é o mais seguro sintoma evidente dessa supressão radical não era um remédio e de que a reforma de Jacques Turgot (1727-1781) requeria outra que não seria indefinidamente adiada. Mas nem toda organização corporativa representa um anacronismo histórico. Acreditamos que poderia ser chamada a desempenhar, nas sociedades contemporâneas, menos pelo papel considerável que julgamos indispensável, por causa não dos serviços econômicos que ela poderia prestar, mas da influência moral que poderia tender. 

Mas, é antes de mais nada no grupo profissional um poder moral capaz de conter os egoísmos individuais, de manter no coração dos trabalhadores um sentimento vivo de solidariedade comum, de impedir que a “lei do mais forte” se aplique de maneira brutal nas relações industriais e comerciais.  Todavia é preciso evitar estender a todo regime corporativo o que pode ter sido válido para certas corporações artesanais e durante um curto lapso de tempo de seu desenvolvimento. Longe de ser atingido por uma sorte de enfermidade moral devida à sua própria constituição, foi sobretudo um papel moral que ele representou e continua representando ainda, na maior parte de sua passagem na história. Isso é particularmente evidente no caso das corporações romanas. Sem dúvida, a associação lhes dava mais forças coletivas para salvaguardar, se necessário, seus interesses comuns. Mas era isso apenas um dos contragolpes úteis que a instituição produzia, lembra Durkheim: - “não era sua razão de ser, sua função principal. Antes de mais nada, a corporação era um colégio religioso”. Cada uma tinha seu Deus particular, cujo culto quando tinha seus meios, era celebrado num templo especial. Do mesmo modo que cada família tinha seu Lar familiaris, cada cidade seu Genius publicus, cada colégio tinha seu Deus tutelar, Genius collegi. Naturalmente, o culto profissional não se realizava sem festas, posto que eram tradicionalmente celebradas em comum sem sacrifícios e banquetes. As espécies de circunstâncias serviam, aliás, de ocasião para alegres reuniões mediadas pela corporação, distribuições de víveres ou de dinheiro ocorriam com frequência às expensas da comunidade. Indagou-se se a corporação tinha uma caixa de auxílio, se ela assistia seus membros necessitados e as opiniões são divididas.

Mas retira da discussão parte do interesse e alcance que ocorre nesses banquetes comuns, mais ou menos periódicos, e as distribuições que os acompanharam serviam de auxílios e faziam não raro as vezes da assistência direta. Os infortunados sabiam que podiam contar com essa subvenção dissimulada. Como corolário do caráter religioso, o colégio de artesãos era, ao mesmo tempo, um colégio funerário. Unidos, como gentiles, num mesmo culto durante sua vida, os membros da corporação queriam, como eles, dormir juntos seu derradeiro sono.  A importância tão considerável que a religião tinha em sua vida, comparativamente tanto em Roma quanto na Idade Média, põe particularmente em evidência a verdadeira natureza de suas funções sociais; porque toda comunidade religiosa constituía, então, um ambiente moral, do mesmo modo que toda disciplina moral tendia necessariamente a adquirir uma forma religiosa. A partir do instante em que numa sociedade política, certo número de indivíduos tem em comum ideias, interesses, sentimentos, ocupações que o resto da população que não partilha com eles, é inevitável que, sob a influência dessas similitudes eles sejam atraídos uns para os outros. E que se procurem, teçam relações, se associem e que se forme assim, pouco a pouco, um grupo restrito, com sua fisionomia especial da sociedade em geral.

Porque é impossível que homens vivam juntos, estejam regularmente em contato, sem adquirirem o sentimento do todo social que formam por sua união, sem que se apeguem a esse todo, se preocupem com seus interesses e o levem em conta em sua conduta. Enfim, basta que esse sentimento se precise e se determine, que, aplicando-se às circunstâncias mais ordinárias e mais importantes da vida, se traduza em fórmulas definidas, para que se tenha um corpo de regras morais em via de se constituir. Ao mesmo tempo que se produz por si mesmo e pela força das coisas, esse resultado é útil e o sentimento de sua utilidade contribui para confirma-lo. A vida em comum é atraente, ao mesmo tempo que coercitiva. Para o ponto de vista conservantista do método analítico durkheimiano, a coerção é necessária para levar o homem a se superar, a acrescentar à sua natureza física outra natureza; mas, à medida que aprende a apreciar os encantos dessa nova existência, ele contrai a sua necessidade e não há ordem de atividade que não os busque com paixão. A moral doméstica não se formou de outro modo. Por causa do prestígio que a família conserva ante nossos olhos, no dia-a-dia parece-nos que, se ela foi e é sempre uma escola de dedicação e de abnegação, o escopo por excelência da moralidade, é em virtude de características bastante particulares que teria o privilégio intrínseco e que não se encontrariam em outro lugar relação basilar em nenhum grau. Costuma-se crer que exista antropologicamente na consanguinidade uma causa excepcionalmente poderosa de aproximação moral.

A prova está em que, num sem-número de sociedades, os não-consanguíneos são muitos no seio da família; o parentesco dito artificial se contrai com grande facilidade e exerce todos os efeitos do parentesco natural. Inversamente, acontece com grande frequência consanguíneos bem próximos serem, moral ou juridicamente, estranhos uns aos outros; é, por exemplo, o caso dos cognatos na família romana. A família não deve suas virtudes à unidade de descendência. Ela representa muito simplesmente, um grupo de indivíduos que foram aproximados uns dos outros, no seio da sociedade política, por uma comunidade mais particularmente estreita de ideias, valores, sentimentos e interesses. A consanguinidade, fora de dúvida, pode ter facilitado essa concentração, pois ela tem por efeito natural inclinar as consciências umas em relação às outras. Outros fatores intervieram: a proximidade material, a solidariedade de interesses, a necessidade de união contra um perigo comum, ou simplesmente de se unir, foram causas muito mais poderosas de comunicação social no processo produtivo. Mas, para dissipar todas as prevenções, adverte Durkheim, para mostrar bem que o sistema corporativo não é apenas uma instituição do passado, seria necessário mostrar que transformações ele deve e pode sofrer para se adaptar às sociedades modernas, pois é evidente que ele não pode ser o que era na Idade Média. Para tanto, seriam necessários estudos comparativos que não estão feitos e que não podemos fazer de passagem. Talvez, porém, não seja impossível perceber desde já, mas apenas em suas linhas mais gerais, o que foi esse desenvolvimento.

Atualmente uma das principais leis promovidas pelos Estados Unidos da América para regular relações de trabalho é a Fair Labor Standards Act (FLSA) uma lei federal válida para todos os estados do país que define as principais questões referentes ao pagamento dos trabalhadores, como o pagamento mínimo por hora de trabalho e o adicional para horas extra. O direito do trabalho entre norte-americanos tem poucas leis que são curtas mormente esparsas. Não há uma consolidação das leis do trabalho. Direitos e deveres de empregados e empregadores são escassos. Há diferentes valores mínimos a serem pagos por hora de trabalho, dependendo da atividade executada pelo trabalhador. Garçons e garçonetes, por costumarem receber gorjetas que giram em torno de 20% da conta, recebem um valor por hora até quatro vezes menor do que o piso a ser pago para outras categorias. Outra questão definida na FLSA é a regulamentação do trabalho de menores de idade. Os direitos trabalhistas para menores de idade buscam proteger a saúde do menor, “permitindo que ela seja contratada para um trabalho não-agrícola, em horário diferente ao de sua escola, e não ofereça nenhum risco à saúde ou integridade física”.

            Essa lei tem a finalidade de criar padrões justos para o trabalho. Ela define as políticas nacionais do emprego mais notáveis. Estabelece, por exemplo, o valor do salário-mínimo para todo o país: US$ 7.50 por hora de trabalho sem contar tempo para refeições e intervalos. Alguns estados, por iniciativa própria, aumentaram esse valor. Delaware, por exemplo, paga US$ 10,50 por hora; Washington, US$ 14.49 por hora. Muitas empresas já adotaram, como salário inicial, US$ 15 por hora. Há exceções. O salário-mínimo federal de trabalhadores que ganham gorjetas, como entre garçons e bartenders, o profissional que serve e prepara bebidas para o público em eventos variados, ou em bares, restaurantes e hotéis é de US$ 2,13 por hora. Pela sua faceta mais formal, é comum encontrar um barman num evento especial, num bar de hotel, num restaurante chique, ou mesmo num cruzeiro. Um Bartender reprtesenta socialmente um profissional tipicamente mais descontraído e informal, que prepara bebidas elaboradas para o público de forma rápida e divertida. Trabalhadores portadores de deficiência e que, portanto, têm dificuldades física para cumprir suas tarefas diárias, podem receber um subsalário-mínimo, segundo o site do Departamento do Trabalho. Empregados assalariados são contratados por um salário anual, mas são pagos quinzenalmente, na maioria dos casos, ou semanalmente noutros.

A FLSA também regulamenta o pagamento de horas extras – um adicional de 50% sobre o valor do salário por hora trabalhada. Nesse caso, a jornada de trabalho semanal é de 40 horas. Qualquer tempo social de trabalho acima disso é administrado como de hora extra. Há empresas que apreciam de fato os empregados que fazem horas extras. No entanto, a maioria trata de impedir que isso aconteça. Por exemplo, se a jornada diária é de 8 horas, as 40 horas se cumprem em cinco dias e o empregado terá dois dias de folga não remunerada. Se o empregado fizer 48 horas, na semana seguinte à empresa o escalará para quatro dias de trabalho apenas e na prática três dias de folga, para compensar. Essa lei também regulamenta o trabalho legal de crianças e adolescentes, obrigando os empregadores a lhes oferecer oportunidades para sua formação educacional e a garantir que as condições de trabalho não sejam prejudiciais à saúde e bem-estar dos menores. Essa lei também regulamenta o trabalho de crianças e adolescentes, obrigando os empregadores a lhes oferecer oportunidades para sua formação educacional e a garantir que as condições de trabalho não sejam prejudiciais à saúde e bem-estar dos menores.

O historiador que empreende resolver em seus elementos regulares na organização política dos romanos não encontra, no decurso de sua análise, nenhum fato que possa adverti-lo da existência das corporações. Elas não entravam na constituição romana, na qualidade de unidades definidas e reconhecidas. Em nenhuma das assembleias eleitorais, em nenhuma das reuniões do exército, os artesãos se reuniam por colégios, em parte alguma o grupo profissional tomava parte, como tal, na vida pública, seja em corpo, seja por intermédio de representantes regulares. No máximo, a questão pode se colocar a propósito de três ou quatro colégios que se imaginou poder identificar com algumas das centúrias constituídas por Sérvio Túlio, a saber: tignari (construtores de casas), aerari (corporação clerical), tibicines (monumento funerário), corporações cornicínes (espécie de pizza enrolada), mas o fator social é que não está bem estabelecido. Quanto às outras corporações, per se estavam certamente fora da organização oficial do povo romano.

Ora, por muito tempo os ofícios não foram mais do que uma forma acessória e secundária da atividade social dos romanos. Roma era essencialmente uma sociedade agrícola e guerreira. No primeiro era dividida em gentes e em cúrias; a assembleia por centúrias refletia antes a organização militar. Quanto às funções industriais, eram demasiado rudimentares para afetar a estrutura política da cidade. Aliás, até um momento bem avançado da história romana, os ofícios permaneceram marcados por um descrédito moral que não lhes permitia ocupar uma posição regular no Estado. Sem dúvida, veio um tempo em que sua condição social melhorou. Mas a própria maneira como foi obtida essa melhora é significativa. Para conseguir fazer respeitar seus interesses e desempenhar um papel na vida pública, os artesãos tiveram de recorrer a procedimentos irregulares e extralegais. Só triunfaram sobre o desprezo de que eram objeto por meios de intrigas, complôs, agitação clandestina. E, se, mais tarde, acabaram sendo integrados ao Estado para se tornar engrenagens da máquina administrativa, essa situação como foi, para eles, uma conquista gloriosa, mas uma penosa dependência; se entraram então no Estado, não foi para nele ocupar a posição a que seus serviços sociais podiam lhes dar direito, mas simplesmente para poder ser mais bem vigiados pelo poder governamental. Quando as cidades se emanciparam, quando a comuna se formou, o corpo de ofícios, que antecipara e preparara esse movimento, tornou-se a base da constituição comunal.

De fato, segundo J.-P Waltzing, “em quase todas as comunas, o sistema político e a eleição dos magistrados baseiam-se na divisão dos cidadãos em corpos de ofícios”. Era costumeiro votar-se por corpos de ofícios e elegiam-se ao mesmo tempo os chefes da corporação e os da comuna. – Em Amiens, por exemplo, os artesãos se reuniam todos os anos para eleger os prefeitos de cada corporação ou bandeira (bannière); os prefeitos eleitos nomeavam em seguida doze escabinos, que nomeavam outros doze, e o escabinato apresentava, por sua vez, aos prefeitos das bandeiras três pessoas, dentre as quais eles escolhiam o prefeito da comuna. Em algumas cidades, o modo de eleição era ainda mais complicado, mas, em todas, a organização política e municipal era intimamente ligada à organização do trabalho. Inversamente, assim como a comuna representava um agregado de corpos de ofícios, o corpo de ofício representava uma comuna em miniatura, pelo próprio fato de que fora o modelo a partir do qual a instituição comunal era a forma ampliada e desenvolvida. Sabemos o que a comuna foi na história de nossas sociedades, de que se tornou, com o tempo, a pedra angular. Ipso facto, já que representava uma reunião de corporações e se formou com base no tipo da corporação, foi esta em última análise, que serviu de base a todo o sistema político oriundo do movimento comunal. Vê-se que, em sua trajetória, ela cresceu singularmente em importância e dignidade social. Começou estando quase fora dos contextos normais, ela serviu de marco elementar para nossas sociedades. É um novo motivo para que nos recusemos a considera-la uma instituição arcaica destinada como tudo a desaparecer.

Bibliografia geral consultada.

LOVE, John, McDonald’s: A Verdadeira História do Sucesso. Rio de Janeiro: Editora Bertrand, 1996; MINTZ, Sidney; PRICE, Richard, O Nascimento da Cultura Afro-Americana: Uma Perspectiva Antropológica. Rio de Janeiro: Editora Pallas; Rio de Janeiro: Universidade Cândido Mendes, 2003; BAILYN, Bernard, As Origens Ideológicas da Revolução Americana. Bauru: Editora da Universidade Sagrado Coração, 2003; WEISS, Raquel Andrade, Émile Durkheim e a Fundamentação Social da Moralidade. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Filosofia. Departamento de Filosofia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010; FREUD, Sigmund, Totem e Tabu. Contribuição à História do Movimento Psicanalítico e Outros Textos (1912-1914). São Paulo: Editora Companhia da Letras, 2012; AUGÉ, Marc, O Antropólogo e o Mundo Global. Petrópolis (RJ): Editoras Vozes, 2014; CASSINO, Walbert Teixeira, Fatores Determinantes do Turnover em uma Empresa de Locação de Veículos: Estudo de Caso. Dissertação de Mestrado. Curso de Administração. Belo Horizonte: Centro Universitário Una Aimorés, 2014; TEIXEIRA, Floricelia Santana, O Fenômeno da Despersonalização e suas Relações com a Infra-Humanização e o Preconceito. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, 2014; DEJOURS, Christophe, Le Choix - Souffrir au Travail n`Est Pas Une Fatalité. Paris: Bayard Éditions, 2015; MARQUESE, Rafael; SALLES, Ricardo (Org.), Escravidão e Capitalismo Histórico no Século XIX: Cuba, Brasil e Estados Unidos. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2016; MONTANHOLLI, Guiherme, A Acumnulação de Capital no Setor Fast-food: Valor, Proletarização e Flexibilização do Trabalho nas Lojas da Rede Mcdonald`s. Dissertação de Mestrado. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2020;  BARCAUI, André Baptista; NIGRI, Igor; ARANTES, Elaine, “Delivery x Balcão: Um Estudo de Caso em uma Rede de Fast-food”. In: Brazilian Journal of Business. Curitiba. Vol. 4, nº 3, pp. 1447-1464, jul./set., 2022; RIBEIRO, Karolayne do Nascimento, Isolamento Social: O Impacto do Consumo de Fast-food. Trabalho de Conclusão de Curso. Bacharelado em Nutrição. Centro de Educação e Saúde. Campina Grande: Universidade Federal de Campina Grande, 2022; entre outros.

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